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O compreender a Educação Popular e 

aplicá-la em aulas de Educação Física

Comprender la Educación Popular y aplicarla en las clases de Educación Física

 

Professora de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis/SC

Professora durante o ano letivo de 2008 na Escola Básica Municipal Luiz Cândido da Luz

Aluna especial no 1º semestre de 2008 no Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de Santa Catarina

Paula Pereira Rotelli

rotelli_paula@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo trata-se de um relato de experiência ocasionada pela vivência de dois momentos significativos - a docência em uma Escola da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis e a discência no Seminário Cultura e Cidadania na Educação Popular no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. Este ofereceu o embasamento teórico para atuação numa práxis no ensino regular alicerçada pela educação popularque ocasionou a construção de conhecimentos significativos para uma renovada atuação profissional. Entender a educação popular é deixar entrar na escola o que se encontra além dos murros escolares e tornar o ensino um trabalho humanizador e de inclusão na construção de alunos críticos e integrados coletivamente na transformação de uma sociedade, que longe de ser homogênea é heterogênea e, por isto, culturalmente rica.

          Unitermos: Educação Popular. Educação Física. Escola

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 133 - Junio de 2009

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Introdução

    Este é um relato de experiência diante da oportunidade singular de vivência simultânea de dois importantes e significativos momentos. O primeiro refere-se ao início de atividade docente1 como professora de Educação Física na Escola Básica Luiz Cândido da Luz da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, escola localizada no norte da ilha de Santa Catarina na Vargem do Bom Jesus. Escola que atende crianças e adolescentes2 no período matutino, vespertino e integral e jovens e adultos no período noturno através do EJA (Educação de Jovens e Adultos). O segundo momento trata-se da participação como aluna especial no Seminário Cultura e Cidadania na Educação Popular ministrada pela Professora Doutora Maristela Fantin do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), durante o primeiro semestre de 2008.

    A escola Luiz Cândido da Luz possui uma proposta pedagógica totalmente diferenciada do que é praticado na Rede, a escola trabalha com núcleos (núcleo I, II e III), o núcleo I atende de 1º a 3º ano do ensino fundamental, o núcleo II é composto por turmas com alunos que no ensino seriado estariam no 4º e 5º anos e o núcleo III com turmas compostas por alunos de 6º, 7º, 8º e 9º anos. Os alunos são agrupados nas turmas pela afinidade entre si e/ou pela escolha dos temas das mesmas (pois a escola constantemente trabalha com projetos).

    A participação no Seminário (melhor explicitada no transcorrer deste relato) proporcionou-me o alicerce necessário para atuação em proposta educacional tão inovadora e de atendimento a público tão peculiar. Este alicerce é composto de conhecimentos, releituras e reflexões através da construção, desconstrução e reconstrução que irei relatar neste ensaio que propicia aulas de Educação Física no princípio de uma Educação Popular.

A escola e a proposta de ensino

    Retornando ao como fazer educação na escola é importante destacar que ela atende crianças e adolescentes que vivem em locais de extrema pobreza e considerados áreas de risco, lugares conhecidos e tachados pela violência.

    A proposta da escola, apesar de não ser voltada exclusivamente para estes alunos, é capaz de contemplá-los como aos demais, propiciando a permanência destes alunos na escola e com estratégias de amenização das discriminações, já que a eliminação de tais discriminações torna-se impossível sem uma reestruturação cultural abrangente da sociedade. Além disso não há uma classificação ou seleção dos alunos pelo desempenho expresso em números (as notas, as vezes tão temidas e por si bastante excludentes). Para os núcleos II e III há trimestralmente um relatório avaliativo descritivo e para o núcleo I este relatório é semestral, tais relatórios mencionam apenas os avanços dos alunos, que puderam ser constatados pelos professores, sem comparações entre alunos ou mencionamento de pontos negativos, na busca do incentivo e do respeito ao tempo individual de aprendizado. A repetência é substituída pelo já citado respeito ao tempo individual e por um acompanhamento diante das necessidades apontadas para cada um.

    O primeiro grande desafio diante desta proposta de ensino foi pôr abaixo toda construção dos princípios majoritários do ensino tradicional formal, como algo absoluto, que estava posto em meu agir profissional pela formação nestes moldes desde minha alfabetização, levando-se em consideração que a formação é um processo inacabado, com início antes mesmo da formação inicial e ficando em aberto até o final da carreira (MOLINA e MOLINA NETO, 2003). Mesmo como recém-formada3 este processo de desconstrução e reconstrução foi-me "doloroso" e, chocante num primeiro momento.

    Mas apenas excluir do meu agir profissional todo absolutismo dos princípios tradicionais do ensino formal não seria suficiente, pois quando assim ocorreu (na primeira semana do semestre letivo) senti-me "sem chão", perdida diante da inexistência da compreensão do que é um ensino significativo. Mas como dito anteriormente, após esta semana, houve concomitantemente outro momento peculiar que, ajudou-me nesta construção de entender o ensino numa perspectiva de educação popular no ensino formal, na qual me reconheci como educadora e entusiasmada com o potencial existente do ensino efetivado nestes princípios. Ressalto que foi a participação no Seminário que contribuiu para esta nova reconstrução de atuação profissional, não verificada na atuação de outros professores que relatam não reconhecer sentido e pertinência na proposta de ensino da escola, sentindo-se estranhos e incapazes neste espaço educacional.

    Este sentimento e opiniões dos professores torna-se natural pois está embasado na educação bancária4 que Paulo Freire à décadas já denunciou como ineficaz e opressora, mas que "aos olhos" de profissionais que nela acreditam, lhe dão voz e vez e se convencem com sua prática. Postura coerente com profissionais que acreditam estar ajudando o aluno ao reprová-lo por acreditarem que as provas aplicadas sejam eficazes para medir o conhecimento (como se este pudesse ser mensurado por questões que talvez tenham sido elaboradas à anos e continuam sendo aplicadas a diferentes humanos em diferentes contextos espaciais e temporais; que acreditam que devam moldá-los à seus valores - na maioria das vezes valores burgueses). Como Piacentini (1991) já havia alertado, estes profissionais apresentam palavras sem significado a realidade dos alunos; e com suas avaliações buscam não apenas classificar e controlar mas também ameaçar. Professores que por não serem capazes de objetivar o que muitas vezes é subjetivo, sentem-se incapazes, infelizes e ansiosos, agindo, na maioria das vezes, de boa vontade, acreditando realmente que estão ajudando por serem também uma vítima deste sistema de ensino opressor.

Os resultados deste novo agir nas aulas de Educação Física

    Os resultados ocorriam dia-a-dia e gradativamente, contudo, ficaram bastante explícitos no término do primeiro trimestre em reflexão de grupo sobre as aulas e, no planejamento para o segundo trimestre. Os alunos ao serem indagados sobre o que gostariam para as aulas de Educação Física para o novo trimestre, foram quase unânimes em solicitarem o basquete. Percebo que esta escolha decorreu do atrativo proporcionado pela finalização das obras na nova quadra da escola, que recebeu novas tabelas de basquete, e também em decorrência do fato dos professores anteriores não terem abordado este conteúdo nas aulas.

    Durante a discussão alguns comentários foram tecidos: um aluno lembrou que o basquete poderia ser trabalhado por ser um esporte popular5, outro aluno argumentou que também seria aconselhável a escolha deste assunto por ser um esporte coletivo6, explicando o que isto significa.

    Saliento tais comentários para explicar que os mesmos alunos durante o processo de ensino não explicitaram terem domínio de tal conhecimento, com isto ressalta-se a importância de se respeitar o tempo de aprendizado de cada um. Tal discussão sobre o tempo de aprendizado foi levantada em um dos encontros do Seminário, o tempo diferenciado na educação popular, sobre o qual concordo, acompanhada da maioria de meus colegas no Seminário. Respeitar o tempo individual é um respeito coletivo à construção individual histórica do ser humano, não delimitando um prazo opressor. E isto é o que ocorre quando trabalhamos com o "ensino seriado" e classificamos os alunos por notas oriundas de avaliações sistematizadas em testes. Atitudes que além de injustas (e prejudiciais) são excludentes. E se assim eu agisse, no caso dos alunos anteriormente mencionados, talvez lhes tolheria o processo de construção do conhecimento ao expressar uma nota desqualificante.

    Este "tempo diferente" da educação popularé o tempo que deveria ser respeitado em todos os processos de educação, um tempo que não procura homogeneizar e massificar os indivíduos, mas um tempo aberto à diversidade, um tempo significativo e um tempo real. E talvez seja por não poder dominar tal tempo e por não entendê-lo que muitos professores se angustiam por acreditarem estar fracassando no ensinar e as vezes rotulam os alunos como disléxicos, hiper-ativos, lentos, dentre outros atributos.

    O tempo diferenciado, muito presente e respeitado na educação popular, é um tempo de inclusão. É um tempo que levado para o ensino formal não discrimina a individualidade e não desmotiva ou exclui com a repetência. Tal elemento, como tantos outros da educação popular, se fossem inseridos no ensino formal tornariam a escola mais viva, acolhedora, prazerosa e personalizada com os anseios da comunidade escolar. Faria com que a escola perdesse seu papel opressor e reprodutor excludente do sistema econômico vigente. Mas tal reestruturação também seria viva no sentido de ser dinâmica e estar constantemente em mudança, pois só no movimento poderia contemplar os anseios populares e não tornar-se hegemônica como nos lembra Brandão (1985).

    Retornando aos relatos das experiências na aulas, necessito lembrar que muitos alunos compõem um grupo marginalizado pelos demais alunos, por serem de bairros específicos, muitos sendo até temidos pelos colegas; que diante deles se recusam do sentar perto ao não participar com os mesmos das atividades coletivas. Esse grupo de alunos apresentam-se as vezes sem banho tomado, descalços ou de chinelos e ao sentirem que não poderão ter de imediato suas vontades atendidas começam a xingar e gesticular distanciando-se do grupo. Diante deste quadro, apoiada nos princípios do ensino tradicional, minha postura seria no sentido único de reprimi-los e encaminha-los à orientação, e esta mesma postura não daria retornos positivos. Mas ao contrário desta postura tradicional, busquei a paciência necessária para me aproximar destes alunos e criar um vínculo de confiança e de respeito, da qual advém a cooperação e mudança de postura por parte destes após longos momentos de conscientização e reflexão sobre os efeitos de seus atos.

    Este processo é algo que tenho que refazer e reconstruir constantemente, já que suas atitudes são reflexos do que convivem cotidianamente em seu meio familiar ou social. Tento processar tal harmonia também no relacionamento destes com os demais alunos e aos poucos vejo as barreiras da discriminação e exclusão serem desfeitas. Com certeza um trabalho de longo prazo. Apesar de seus traços antagônicos e peculiares de comportamentos, "no fundo" são apenas crianças, algumas mais outras menos privilegiadas pelo sistema econômico, mas que podem ser respeitadas por suas diferenças culturais e reconstruírem sua história adicionando ou subtraindo o que considerarem que seja melhor para si.

Momentos significativos do Seminário Cultura e Cidadania na Educação Popular

    Sobre a contribuição ocasionada pela participação no Seminário, relato alguns fatos que à princípio poderiam ser destoantes dado o lugar e pessoas envolvidas mas que hoje percebo como parte de suas intenções o ajudar a desconstruir certas formalidades impostas e que prejudicam o processo de construção do conhecimento. Eu estava tão incluída no tradicionalismo que não poderia imaginar que em minha primeira aula num programa de pós-graduação me depararia com uma conversa com um pé-de-milho em sala; e no decorrer das aulas com chutar cartazes pelas escadas do prédio e também chutar a cabra do boi-de-mamão. Fatos para serem dialogados e refletidos, para desconstruírem e assim abrir caminho para uma nova construção do conhecimento, um conhecimento vivo e significativo.

    Restrinjo os comentários sobre as aulas a estes e outros fatos marcantes pois estas descrições oportunizaram reflexões singulares e que por terem sido tão peculiares ainda estão em processo. Na continuidade dos fatos, reporto-me ao Parque da Luz7, local onde escutamos sua história e atuamos no recolhimento de lixo e plantio de mudas. Vivenciando esta prática de educação popularentendemos que a construção e consciência do educar se faz em muitos espaços, e principalmente em espaços comuns, coletivos e públicos. Sempre estaremos diante de atividades de educação popularquando estas estiverem vinculadas a aquisição de um saber com um projeto social transformador. E isto é o Parque da Luz, um projeto social transformador concretizado por todos e todas as experiências de resistência que lá ocorreram.

    De volta ao prédio do PPGE, procedemos a reprodução do que vivenciamos no Parque da Luz na sala de aula, transformando aquele espaço frio em um espaço vibrante e repleto do colorido oriundo do conhecimento adquirido. Também na UFSC fez-se significativo a homenagem à Paulo Freire, em conjunto com os educadores do campo do Movimento dos Sem-Terra, intitulado "Paulo Freire Vive", momentos com dinâmicas e exposição de cartazes na entrada do prédio do PPGE, culminando com o plantio simbólico de uma árvore.

    Houve também o momento de transpor a aula para a feira que ocorre na praça em frente a reitoria, conversando com seus participantes e refletindo sobre este espaço tão representativo da cultura popular dentro do espaço do meio acadêmico. E também houveram imprevistos que impediram a realização das aulas mas as mesmas de certa forma ocorreram na reunião dos participantes coordenados pelos mais experientes. Todos momentos significativos que culminaram no último encontro de avaliação e reflexão da oportunidade vivida por todos nesta troca e construção de um conhecimento, que por ser dinâmico e vivo torna-se sempre inovador, até mesmo para os mais experientes em sua prática.

Conclusões

    Propor aulas de Educação Física embasadas na Educação Popular vai além de respeitar cada indivíduo e seu tempo de aprendizado, constitui-se em buscar mecanismos de integrá-los e ao mesmo tempo, lutar contra a tentação de ajustá-los. Como nos lembra Freire (1996, p. 50), "o homem integrado é o homem Sujeito". E este é o caminho para ele reconhecer-se crítico e capaz de transformar-se a si e sua história, derrubando as barreiras levantadas pela discriminação, que apresenta-se pelo medo ao diferente e não-padronizado.

    Isto significa utilizar pedagogicamente temas e conteúdos numa disciplina curricular que propicia o trabalho coletivo pela perspectiva da humanização e não da opressão que formalmente é utilizada no ensino tradicional sob o falso discurso de libertação, pois na realidade apenas esmaga o processo libertador e massifica o indivíduo ajustando-o ao sistema dominante, destruindo o sujeito nele eminente, coisificando-o (Ibid, 1996).

    Propor educação no ensino formal é um desafio que vai além do ditar conteúdos e do prescrever normas e comportamentos, o professor tem que estar preparado para cotidianamente desconstruir e construir parcerias com todos os participantes do processo, precisa antes de falar saber escutar os anseios humanos e conjunturais, para a integração estar em constante processo. Descobrindo sua capacidade de educar no aprender o mistério das mudanças, para assim não se tornar um simples joguete manipulável pelo sistema dominante, opressor e alienante. O professor assim consciente deve ajudar a construir sujeitos e não ajudar o sistema a domesticá-los, libertando-se também durante o processo.

    Este processo de aprender o mistério das mudanças, configura-se no que Freire (1996) chama de fase de trânsito, um

    [...] elo entre uma época que se esvaziava e uma nova que ia se consubstanciando, tinha algo de alongamento e algo de adentramento. De alongamento da velha sociedade que se esvaziava e que despejava nele querendo preservar-se. De adentramento na nova sociedade que anunciava e que, através dele, se engendrava na velha. (FREIRE, 1996, p. 55-56)

    Desta forma não basta o professor renunciar a forma como aprendeu a ensinar ou com a qual o ensinaram e, seria muita pretensão acreditar que pode criar uma fórmula inovadora e inédita. Assim como é o processo que a sociedade em trânsito vive é que deve configurar-se sua forma de atuação, alongando e adentrando, constantemente guiado pelo aprender o mistério das mudanças que se processam a cada momento do ato pedagógico por ser este humano e com o dever de buscar a humanização e isto só é possível quando encontra-se em comunhão com o povo. O que configura atitudes embasadas no diálogo permanente para uma educação permanente.

    Para Trigueiro (1969, apud BRANDÃO, 1985) esta educação permanente é entendida como um sistema aberto, no qual toda a potencialidade de escola e da sociedade é utilizada para reproduzir valores, conhecimentos e técnicas que servirão à praxis humana. Neste contexto, a educação popularconstitui uma nova teoria de educação e de relações que estabelecem, a partir da cultura, novas articulações entre sua prática e o trabalho político popular. Fundando não apenas um novo método de trabalho com o povo mas um trabalho deste com ela, uma educação elaborada pelo povo, do povo, projetando transformar todo o sistema de educação.

    Isto no atual sistema de ensino formal tradicional seria a prática de uma educação que nega a educação, uma nova concepção de educação contra uma educação dominante, que surge dos interesses e necessidades de seus atores e não como imposição de um sistema que busca moldar e domesticar, tornando os possíveis sujeitos em objetos desde o início da escolarização. Por isso na educação popular fala-se de educação com e do e nunca para o povo. Como saliente Brandão (1985, p.69) é um modo de "re-escrever a prática pedagógica do ato de ensinar-e-aprender", através da ação cultural visando o processo de passagem do povo para sujeito político, transformador das relações sociais.

    Na educação popular os sujeitos envolvidos fazem a sua educação, como sujeitos coletivos transformadores da sua própria história e reconhecem-se na história do país e conseqüentemente do mundo. Não sendo a educação popular uma "atividade pedagógica para, mas um trabalho coletivo em si mesmo" (Ibid, 1985, p.72), regida pela diferença tendo como meta o fortalecimento do poder popular pela construção do saber de classe. Nesta educação que é realizada pelo próprio povo, tem-se o trabalho pedagógico como um instrumento de conscientização.

    Daí para sua efetivação (deste saber popular) no sistema formal de ensino faz-se importante o trabalho consciente do professor pois como alerta Piacentini

    [...] se olharmos através do nariz torcido da sabedoria que circula nos campi universitários e outras instituições legítimas que dão livre circulação a uma outra concepção de mundo, a nossa, como achar que este saber possa ser resgatado e tratado com todo o respeito e o rigor que a história da ciência conseguiu alcançar. (PIACENTINI, 1991, p. 69)

    Para isto existe a necessidade das "escolas assumirem o papel que lhes cabe numa sociedade dividida em classes: o de ser um "lugar" de luta pela hegemonia de classe (Ibid, 1991). Isto se efetivara quando as escolas democratizarem o saber coletivamente elaborado, trabalhando conteúdos que tragam o peso da verdade, divulgando o "conhecimento que se faz e que circula no ventre das camadas populares e que precisam de mais espaço dentro dessa sociedade" (p. 205).

    Isto oportuniza ao aluno objetivar seu mundo, revivendo a vida em profundidade crítica, reencontrando-se com e nos outros, surgindo daí o diálogo com criticidade e que proporciona a recriação de seu mundo (FREIRE, 1981). Nesta perspectiva da educação popular o aluno não apenas aprende a ler palavras ou exercer o domínio de conhecimentos específicos, ele se conscientiza de seu mundo vivido, objetivando-o e problematizando-o, humaniza-se assumindo criticamente a recriação e vivência de "seu mundo". Cabendo ao educador, neste processo, exercer uma pedagogia que pensa "a educação como prática da liberdade" (Ibid, 1981, p. 12).

    Superando-se, nesta postura de educar, o ato de depositar ou transferir conhecimentos, e superando a presunção de saber ou ser mais, o que ocasionaria a imposição de seus valores, frente a humanos que já possuem os seus, e que por serem diferentes não significa serem melhores ou piores, pois estes não podem ou não deveriam ser analisados e comparados com valores padrões. Conviver em grupo ao integrar-se ao grupo que nos é próximo e indiretamente aos que nos está distante, porém interligados, é respeitar as diferenças diante da liberdade de escolhas sem prejudicar ou ainda, querer moldar ninguém.

    Desta forma entendo que a educação popularao processar-se seja um momento, pois como Brandão (1985) alerta, um modelo de educação com o povo como movimento emergente e contestador pode assumir em outro momento uma forma de poder no interior político do trabalho pedagógico, tornando-se então a forma hegemônica, e esta instituição que um dia foi movimento tentará ilegitimar quem a conteste com o poder que adquiriu de "modelo legítimo".

Notas

  1. No ano letivo de 2008.

  2. A maioria residente na proximidade da escola, em bairros conhecidos pela pobreza e pelo predomínio da violência.

  3. Ou seja, pertencendo a um grupo de professores iniciantes que, segundo Huberman (1992 apud ROTELLI et al., 2005) possuem características diferentes daqueles de mais experiência de docência em relação ao modo de pensar, agir e de enfrentar o cotidiano do trabalho pedagógico, fase situada entre a contradição da descoberta e o choque com o real frente a complexidade da situação profissional. Para este autor, "o ciclo de vida profissional do docente é caracterizado pelas seguintes fases ou estágios: de 1 a 3 anos de carreira, é a entrada, o “tateamento”; de 4 a 6 anos, a estabilização e consolidação de um repertório pedagógico; de 7 a 25 anos, serenidade, distanciamento afetivo, conservantismo; de 35 a 40, o “desinvestimento” (sereno ou amargo)" (p. 41).

  4. "Na visão "bancária" da educação, o "saber" é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão - a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro." (FREIRE, 1981, p. 67).

  5. O mesmo aluno esteve na turma cujo tema no primeiro trimestre fora Desigualdade e parte do conteúdo dialogado era referente aos esportes populares x esportes de elite, com levantamento da discussão das facilidades (estruturais e econômicas) de acesso ao primeiro e as desigualdades sociais que refletem em contrapartida ao trabalho coletivo que propiciam.

  6. Já este aluno participou da turma cujo tema era Saúde, em que foi dialogado os esportes individuais x esportes coletivos e a possibilidade de trabalho em grupo oportunizada por estes.

  7. Localiza-se na cabeceira da Ponte Hercílio Luz (na parte da Ilha), um local de resistência popular aos interesses econômicos dominantes da cidade.

Referências bibliográficas

  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação Popular. 2ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. 87p.

  • FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 2ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 150p.

  • _____________. Pedagogia do Oprimido. 10ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 220p.

  • MOLINA, R. M. K. e MOLINA NETO, V. Identidade e perspectivas da educação física na América do Sul - formação profissional em educação física no Brasil. In: BRACHT, V.; CRISORIO, R. (Org.). A educação física no Brasil e na Argentina. Campinas: Autores Associados; Rio de Janeiro: PROSUL, 2003. p.258-278.

  • PIACENTINI, Telma Anita. O morro da caixa d'água: o significado político-pedagógico dos movimentos de educação popular na periferia de Florianópolis - Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC,1991. 222p.

  • ROTELLI, P. P.; TERRA, D. V.; AGUIAR, C. S.; PETRONI, R. G. G. Principais dificuldades dos professores de educação física nos primeiros anos de docência: elementos para a (re)orientação das disciplinas de Didática e Prática de Ensino do curso de licenciatura em Educação Física da UFU. In: MOTRIVIVÊNCIA. Educação Física, Esporte, Lazer e Formação Profissional. Florianópolis: Editora da UFSC, 2005. p. 37-56.

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