O lazer na perspectiva de professores/as do SESI/São Carlos: um enfoque fenomenológico El ocio en la perspectiva de los profesores y profesoras de SESI/San Carlos: un enfoque fenomenológico |
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*Professor da Rede Pública Estadual Paulista (SEE/SP) Membro da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH/UFSCar) e do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF/UFSCar) Especialista em Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mestrando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) **Membro da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH/UFSCar) e do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF/UFSCar) Especialista em Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). ***Professor da Rede Pública Estadual Paulista (SEE/SP) Membro da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH/UFSCar) e do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF/UFSCar) Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) |
Robson Amaral da Silva Matheus Oliveira Santos Fábio Ricardo Mizuno Lemos (Brasil) |
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Resumo O lazer é um fenômeno gerado historicamente, ou seja, sofre as influências do contexto social, político e econômico e que, por isso, possui compreensões e abordagens distintas, tanto para estudiosos quanto para não estudiosos desta temática. Sendo assim, este estudo teve como objetivo compreender e analisar o entendimento acerca do fenômeno lazer a partir dos discursos de professores e professoras dos diversos componentes curriculares do Centro Educacional do SESI/São Carlos. O procedimento metodológico utilizado teve inspiração na fenomenologia, modalidade fenômeno situado. A partir dos discursos coletados foram construídas três categorias, a saber: a) lazer como realização de atividades prazerosas; b) lazer como possibilidade de educar; c) lazer para descansar e retornar ao trabalho. As considerações finais apontam que os discursos dos educadores e educadoras da referida instituição apresentam compreensões do lazer pautadas no senso comum, necessitando de uma maior reflexão acerca desse fenômeno. Unitermos: Lazer. Escola. Fenomenologia. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 132 - Mayo de 2009 |
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Introdução
O lazer é um fenômeno gerado historicamente, ou seja, sofre as influências do contexto social, político e econômico e que, por isso, possui compreensões e abordagens distintas, tanto para estudiosos quanto para não estudiosos desta temática.
Desde já explicitamos nossa compreensão da vivência do lazer não necessariamente fragmentada em tempo de trabalho e tempo não-trabalho, mas prioritariamente enquanto atitude, ou seja, a intencionalidade do sendo-uns-com-os-outros-no-mundo, embora reconheçamos as interferências da prática social trabalho na prática social lazer e vice-versa, bem como de outras práticas sociais no contexto do mundo. Porém, chamamos a atenção para a possibilidade da conscientização e autonomia do ser. Implicando, portanto, em uma escolha que depende do significado atribuído pelo ser ao lazer (e ao trabalho!), não desconsiderando o contexto sócio-político, que envolve opressão (de uns sobre outros) e desigualdades (entre uns e outros) conforme se dá nas relações entre pessoas, grupos, comunidades, sociedades e nações, desenvolvidas com certas finalidades e em certos espaços e tempos (GONÇALVES JUNIOR; SANTOS, 2006).
Este estudo foi realizado junto a professores e professoras de 5ª a 8ª série do ensino fundamental do Centro Educacional (CE) nº407 do Serviço Social da Indústria (SESI) de São Carlos/SP, e teve como objetivo compreender e analisar essencialmente o entendimento acerca do fenômeno lazer a partir dos discursos dos professores e professoras dessa instituição.
Este estudo justifica-se pela real necessidade que sentimos em compreender qual o entendimento do fenômeno lazer de acordo com a perspectiva de professores e professoras de uma instituição de ensino escolar vinculada ao SESI, uma vez que, estes sujeitos vivenciam no seu dia-a-dia o fenômeno do lazer e/ou da educação.
Compreender as possíveis interfaces existentes nestas duas dimensões da vida humana a partir dos indivíduos participantes da pesquisa se torna interessante à medida que podemos aprofundar as discussões desses temas, podendo vir a apresentar contribuições para o (re)pensar da práxis1 dos professores e das professoras no âmbito escolar. Muitas vezes os estudos desenvolvidos com esta temática não consideram a perspectiva desses profissionais, se constituindo, assim, em formulações/reflexões vazias de um “olhar” daqueles que vivenciam-no cotidianamente, e partindo de uma teoria também carente deste “olhar”.
Trajetória metodológica
Fazendo uso das palavras de Pais (2001), esclarece-se que a seleção dos professores e professoras do CE nº 407 do SESI/São Carlos, se fez a partir da importância que estes têm no que se refere ao fenômeno lazer e educação, e que na pesquisa qualitativa os critérios de seleção dos sujeitos são de compreensão, de pertinência e não de representatividade numérica e/ou estatística. Dessa maneira a intenção é a de desvelar uma compreensão do lazer, realizando um aprofundamento no conhecimento desta realidade, “cuja singularidade é, por si, significativa” (p.110).
Foram entrevistadas 05 professoras e 02 professores (dos diversos componentes curriculares) do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) da referida escola, sendo que as identidades destes foram preservadas por questões éticas adotadas junto aos mesmos e a própria instituição.
O querer desvelar o discurso dos professores e professoras do CE nº 407 do SESI/São Carlos fez com que deixássemos de lado, pelo menos momentaneamente, alguns conceitos e concepções de lazer existentes e veiculados na literatura referente à temática, para ir à coisa mesma.
A opção metodológica adotada foi a pesquisa qualitativa com enfoque fenomenológico, modalidade fenômeno situado (MARTINS; BICUDO, 1989), sendo que na coleta dos discursos dos professores e professoras lhes foi proposta uma única interrogação: “Qual a sua compreensão de lazer?”. Deixamos que os entrevistados e as entrevistadas falassem livremente e sem interrupções, gravando suas descrições em fitas cassete magnéticas, para posterior transcrição integral.
De acordo com Gonçalves Junior (2003), quando o fenômeno a estudar possui o dom da intencionalidade, convém falar em compreensão (deixar que se mostre do interior), ao invés de explicação (análise do exterior), já que o humano não é mero objeto, mas sujeito; e, enquanto tal, expressa uma intenção e uma subjetividade, o que precisamente nos torna humanos em essência.
Nesta perspectiva, trata-se o compreender de um encontro de duas intencionalidades, a do sujeito que procura conhecer e a do sujeito que se doa ao conhecer, o que não ocorre espontaneamente, mas a partir da interrogação do fenômeno pelo pesquisador à consciência do sujeito que vivência a experiência de interesse científico daquele (GONÇALVES JUNIOR, 2003).
Todos os discursos coletados foram transcritos rigorosamente na íntegra para realização da análise fenomenológica. Observa-se que as transcrições, por vezes, possuem erros do ponto de vista da língua portuguesa culta, pois foi mantida a fala original dos sujeitos entrevistados, conforme suas pronúncias, ou seja, manteve-se o discurso ingênuo, no sentido de genuíno, entendido como dado original primário (GONÇALVES JUNIOR, 2003).
Esclarece-se que, após a transcrição integral dos discursos (descrições dos sujeitos), ocorreram as seguintes fases, descritas por Gonçalves Junior (2003):
Identificação das Unidades de Significado e Redução fenomenológica
Após realizar várias vezes a leitura da descrição, fez-se o levantamento de asserções que foram significativas para nós pesquisadores, no que se refere à interrogação empreendida. Trata-se do estabelecimento de unidades de significado, as quais aparecem sublinhadas nas descrições transcritas dos sujeitos.
Em seguida, efetuou-se a redução fenomenológica, estabelecida pelos pesquisadores diante de sua interrogação, tendo o rigor de não distorcer as idéias expressas pelos sujeitos. Ao perceber convergências no discurso reduzido dos sujeitos, estabeleceram-se categorias abertas, uma vez que são dadas à compreensão e interpretação do fenômeno investigado na região de inquérito, agrupando-se desta forma, as unidades de significado do discurso em análise sob uma mesma categoria, objetivando a essência do discurso do sujeito, ou seja, à natureza própria daquilo que interrogou-se.
Matriz nomotética
Refere-se a uma análise psicológica do geral, na qual buscou-se uma normatividade através da comparação dos vários discursos coletados.
A matriz nomotética é um movimento do individual para o geral, no qual envolve-se uma compreensão das proposições individuais como exemplo de algo mais geral, ou seja, uma generalidade das proposições individuais nas quais se baseia.
A matriz nomotética se compõe de uma coluna à esquerda onde se expõe às categorias provenientes dos discursos dos sujeitos interrogados. As categorias são classificações organizadas pelo pesquisador com base nas asserções encontradas nos discursos das professoras e professores.
Para a construção da matriz, foi necessário também a disposição da identificação dos discursos dos sujeitos, que foi realizada através da numeração das descrições com algarismos romanos, dispostos na parte superior da matriz em uma seqüência horizontal.
Abaixo da seqüência dos discursos identificados e do lado direito das categorias, estabeleceram-se as caselas, onde se dispuseram os números arábicos da unidade de redução fenomenológica correspondente àquela categoria e discurso, não se perdendo assim, a origem da referida unidade.
Construção dos Resultados
Última fase da pesquisa, na qual buscamos uma compreensão do fenômeno, baseando-se diretamente nos dados da matriz nomotética, a qual poderia ter revelado idiossincrasias (individualidade de proposições por parte de um dos sujeitos), proposições convergentes e/ou divergentes.
Independente da saturação ou não das categorias, todas as proposições foram consideradas, pois ainda que estas perspectivas do fenômeno não estejam saturadas, fica claro que elas existem e dão existência ao fenômeno lazer em suas diversas perspectivas devido a inesgotável abrangência do mesmo.
Entrevistas
Professora I
Qual a sua compreensão de lazer?
“Ter um tempo disponível, um momento de descanso ou uma folga para fazer coisas que aprecio (1), como ler, caminhar, etc”.
Redução fenomenológica
Lazer é um momento de descanso ou de realização de atividades prazerosas. (1)
Professora II
Qual a sua compreensão de lazer?
“Lazer é toda atividade que leva o ser humano a buscar algo fora da sua rotina diária (1), como ler um livro, caminhar, praticar um esporte, etc”.
Redução fenomenológica
Lazer é a realização de atividades fora da rotina diária.(1)
Professora III
Qual a sua compreensão de lazer?
“Espaço que você tem para relaxar, distrair ouvindo música, indo ao cinema, dançando, praticando algum esporte, caminhada, etc. Entendo como um período necessário para recarregar as baterias (1), estar realizando alguma atividade que lhe dê prazer (2)”.
Redução fenomenológica
Lazer é um momento de recuperar a força de trabalho.(1)
Realização de uma atividade que proporcione prazer. (2)
Professora IV
Qual a sua compreensão de lazer?
“Podemos entender o lazer como esporte, cultura e educação. Através do lazer, as pessoas se socializam, interagindo entre si, visando uma melhora significativa da qualidade de vida. Hoje em dia, muitas pessoas estão deixando de lado o lazer, em decorrência do trabalho e da vida agitada. O lazer é essencial ao ser humano, inclusive, como prevenção para doenças de causas diversas. O lazer-educação é uma forma diferente de educar, onde os alunos ao mesmo tempo estão se divertindo, estão também sendo educados, porém, de uma forma prazerosa (1)”.
Redução fenomenológica
Lazer é uma atividade essencial para o ser humano e que contribui para a socialização e melhora da qualidade de vida.(1)
O lazer é uma maneira de educar de forma prazerosa.(2)
Professora V
Qual a sua compreensão de lazer?
“Lazer é uma diversão (1)”.
Redução fenomenológica
Lazer é diversão. (1)
Professora VI
Qual a sua compreensão de lazer?
“Eu compreendo por lazer, toda atividade prazerosa que você realiza. Aquilo que você gosta de fazer e, é prazeroso, é um lazer (1)”.
Redução fenomenológica
Lazer é a realização de atividades prazerosas para um indivíduo. (1)
Professor VII
Qual a sua compreensão de lazer?
“È aquilo que fazemos com prazer, com distração, sem causar transtornos (1)”
Redução fenomenológica
Lazer é algo que fazemos com prazer. (1)
Construção dos resultados
Os resultados que serão apresentados a seguir foram organizados em categorias que emergiram a partir dos discursos das professoras e professores entrevistados, que, por sua vez, desvelaram suas perspectivas acerca do fenômeno lazer. Neste primeiro momento não foram realizadas análises dos discursos dos participantes do estudo, por entender que tal postura é coerente com a necessidade de se respeitar as falas dos educadores e educadoras, acreditando que os mesmos não precisam ser justificados por nenhum autor que trata da temática estudada.
Em alguns casos são observadas caselas vazias na matriz construída, indicando que o depoente ou a depoente não expressou asserção correspondente àquela categoria.
Quadro 1. Matriz Nomotética
Categorias |
Depoentes |
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I |
II |
III |
IV |
V |
VI |
VII |
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A. Lazer como realização de atividades prazerosas |
1 |
1 |
2 |
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1 |
1 |
1 |
B. Lazer como possibilidade de educar |
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1 |
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C. Lazer para descansar e retornar ao trabalho |
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1 |
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Abaixo apresentaremos cada uma das três categorias, utilizando-se de fragmentos provenientes das unidades de significado (atribuídas por nós pesquisadores) das descrições das cinco professoras e dois professores participantes da pesquisa.
Nos fragmentos retirados dos discursos dos educadores e educadoras, e selecionados para serem expostos ao longo da construção dos resultados, podemos notar letras maiúsculas que aparecem ao lado do número arábico (unidade de significado) e correspondem à categoria que aquele discurso pertence.
A. Lazer como realização de atividades prazerosas
Uma categoria que se destaca e que se mostrou saturada na construção dos resultados desta pesquisa se refere ao lazer como realização de atividades prazerosas. Esta categoria expressa a compreensão de lazer emitida pelas educadoras e educadores entrevistados na pesquisa, que entendem esse fenômeno como um conjunto de atividades práticas e que estão intimamente relacionadas ao caráter hedonista dessas vivências. Seis dos sete colaboradores do estudo referendam esta categoria através de discursos que convergem e associam o lazer a signos positivos como o prazer e a diversão, por exemplo, como podemos observar nos seguintes trechos:
(Professora III – 2A)“(...) estar realizando alguma atividade que lhe dê prazer”
“Eu compreendo por lazer, toda atividade prazerosa que você realiza. Aquilo que você gosta de fazer e, é prazeroso, é um lazer” (Professora VI- 1A)
Entretanto, a vivência do lazer por si só não garante que de imediato seremos contemplados pelo prazer. Quando procuramos uma experiência de lazer, estamos buscando (e a palavra é significativa) o prazer, por meio desta, o que não necessariamente nos garante que irá ocorrer.
B. Lazer como possibilidade de educar
Somente uma professora fez menção referente a esta categoria construída a partir de seu discurso. Esta educadora visualiza no lazer um tempo/espaço privilegiado para a educação que se daria de uma forma prazerosa:
(Professora IV- 1B)“Através do lazer, as pessoas se socializam, interagindo entre si, visando uma melhora significativa da qualidade de vida. Hoje em dia, muitas pessoas estão deixando de lado o lazer, em decorrência do trabalho e da vida agitada. O lazer é essencial ao ser humano, inclusive, como prevenção para doenças de causas diversas. O lazer-educação é uma forma diferente de educar, onde os alunos ao mesmo tempo estão se divertindo, estão também sendo educados, porém, de uma forma prazerosa”
C. Lazer para descansar e retornar ao trabalho
A categoria lazer para descansar e retornar ao trabalho foi construída a partir do entendimento de somente uma professora. Como ocorrido na categoria anterior, respeitou-se o discurso desta professora, uma vez que se trata de uma das perspectivas do fenômeno interrogado. A mesma afirma que o lazer:
(Professora III- 1C)“(...) um período necessário para recarregar as baterias”
Considerações Finais
A associação, por parte das professoras e professores, entre o lazer e a realização de atividades prazerosas também é encontrada em Gutierrez (2001, p.23), que diz ser “possível uma ampla reflexão no campo das ciências humanas sem a preocupação específica com a questão do prazer. Não é possível, contudo, pensar em lazer sem se preocupar com esta questão”.
Com isso podemos inferir que os professores e professoras do CE nº 407 do SESI/São Carlos possuem um entendimento do lazer relacionado intimamente ao prazer, entretanto, devemos ressaltar como alguns autores fizeram (MARCELLINO, 1995; DUMAZEDIER, 1999; GUTIERREZ, 2001; CAMARGO, 2003), que uma atividade de lazer não pressupõe necessariamente a consumação do prazer. Um exemplo disto seria um indivíduo que vai assistir a uma partida de basquete, esperando a vitória do seu time. O resultado esperado não se consolida. Para este indivíduo, a derrota de seu time pode ser classificada como uma experiência não prazerosa, mas sem dúvida alguma uma atividade de lazer.
Um outro ponto que devemos refletir e que acabou emergindo dos discursos coletados no estudo se refere às atividades de lazer vivenciadas no tempo disponível como um veículo privilegiado de educação e que contribui para uma (re)leitura e entendimento da realidade na qual estamos inseridos. Seria uma forma de aproveitar o potencial educativo que as vivências de lazer possuem para que possamos trabalhar questões como valores, condutas, atitudes e comportamentos, contribuindo assim para o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos. Isto pode se dar, como nos aponta Marcellino (1995) “(...) Tanto cumprindo objetivos consumatórios, como o relaxamento e o prazer propiciados pela prática ou pela contemplação, quanto objetivos instrumentais, no sentido de contribuir para a compreensão da realidade (...)” (p.60). Entretanto devemos estar atentos ao que o autor nos alerta, quando este afirma que:
(...) só tem sentido se falar em aspectos educativos do lazer, se esse for considerado, (...) como um dos possíveis canais de atuação no plano cultural, tendo em vista contribuir para uma nova ordem moral e intelectual, favorecedoras de mudanças no plano social (p.64).
Por fim, verificamos também através dos discursos das professoras e professores a abordagem do que Marcellino (1995) chama de “funcionalista”, traduzida na idéia de “lazer para descansar e retornar ao trabalho”. O entendimento neste tipo de perspectiva é a de que ele tem algumas funções importantes para a vida dos indivíduos, sendo destacada aquela relacionada à recuperação dos mesmos diante dos desgastes das atividades obrigatórias do cotidiano (trabalho, obrigações domésticas e sociais etc). A sociedade neste tipo de abordagem é vista de uma maneira equilibrada, harmônica, na qual o lazer é divertimento e descanso para todos e que a função primordial deste seria manter a uma suposta “paz social”. Assim, se as obrigações diárias impostas aos indivíduos cansam, fatigam, alienam, o lazer recupera, descansa, compensa. Dessa maneira o lazer é visto como algo sempre bom, maravilhoso e divertido.
Procuramos fazer a crítica a esta maneira de abordar o lazer, mas também estamos cientes de que muitas vezes esta é a condição que se coloca aos indivíduos em nossa sociedade atual, de vivenciar o lazer, sendo inegável a presença da concepção funcionalista dadas as características assumidas pelo trabalho na contemporaneidade. Mas advertimos, a sua insatisfação no trabalho, não será recuperada plenamente no lazer.
Concordamos com Melo e Alves Junior (2003) ao afirmarem que não estamos negando que o lazer tenha um caráter de descanso, repouso e de recuperação das forças. Os autores acreditam que estes objetivos, por si só, não são negativos, mas o uso que deles faz o sistema, devendo ser redimensionados para uma ótica que não privilegie somente aqueles que detêm o poder.
Ocorre que, de acordo com Padilha (2000), estas abordagens funcionalistas constatam e descrevem este mesmo cenário por nós encontrado, mas não incentivam nenhum tipo de questionamento a este respeito, enfim, do por que de se compensar algo perdido?
Apesar de algumas concepções de lazer se pautarem em valores funcionalistas, não podemos, e nem devemos, perder de vista as possibilidades de desenvolvimento pessoal e social que o lazer nos permite. Diante destas questões, Dumazedier (2004, p.33-34) coloca que:
(...) função de desenvolvimento da personalidade, que depende dos automatismos do pensamento e da ação cotidiana; permite uma participação social maior e mais livre, a prática de uma cultura desinteressada do corpo, da sensibilidade e da razão, além da formação prática e técnica; oferece novas possibilidades de integração voluntária à vida de agrupamentos recreativos, culturais e sociais; possibilita o desenvolvimento livre de atitudes adquiridas na escola, sempre ultrapassadas pela contínua e complexa evolução da sociedade e incita a adotar atividades ativas na utilização de fontes diversas de informação, tradicionais ou modernas (imprensa, filme, rádio e televisão).
De acordo com o exposto ao longo do estudo verificamos que as compreensões do lazer apresentadas pelos professores e professoras se pautam no senso comum, e não estamos de forma alguma desprezando esta perspectiva diante do fenômeno interrogado, pois o senso comum também tem sua importância, uma vez que reflete o conjunto de conhecimentos construídos a partir de valores, crenças, processos de socialização. Entretanto conceber o lazer apenas na esfera do senso comum, segundo Gomes (2005):
(...) é um encaminhamento restrito porque nem sempre implica reflexão e análise criteriosa e crítica. Essa primeira verificação indica a necessidade de irmos além do senso comum, de refletirmos e sistematizarmos conhecimentos sobre o lazer em nosso contexto, transformando-o em um objeto de estudos (p.15).
A escola atual em seus moldes rígidos e hierárquicos que na maioria das vezes cala ou pelo menos não ouve os seus principais atores, busca basicamente o processo de inserção de seus alunos e alunas ao mundo do trabalho. Com esta valorização do trabalho, e para o sistema capitalista tal atitude é compatível, pois trata-se de uma prática social que é produtiva, útil e rentável, as discussões que tem como foco o lazer são desconsideradas, pois este é visto como um tempo inútil e improdutivo, o que não entra em consonância com o sistema mencionado. Enfim, a escola acaba reproduzindo o que ocorre em outros tempos e espaços sociais, ao supervalorizar o trabalho em detrimento a outras práticas sociais.
Entretanto, acreditamos que o lazer deve entrar na pauta das discussões no âmbito escolar. O mesmo se configura em uma esfera relevante no processo de humanização dos indivíduos em busca de uma sociedade mais justa, digna e igualitária nas suas condições materiais e imateriais de sobrevivência, sempre respeitando as diversidades presentes em seu contexto. Segundo Bracht (2003), a atual forma de organização dos saberes e práticas escolares, nos apontam a Educação Física e a Educação Artística como as disciplinas que possuem uma relação mais direta com a temática do lazer.
Gostaríamos aqui esclarecer que compartilhamos com a argumentação desse autor quando este afirma que:
(...) não responsabilizemos exclusivamente uma ou outra disciplina escolar pela educação para o lazer (a Educação Física e a Educação Artística por exemplo), mas que a escola como um todo assuma a educação para o lazer como tarefa nobre e importante, o que implica em colocar em questão as próprias finalidades sociais da instituição escolar. Isso implicaria em razoável mudança naquilo que poderíamos chamar de cultura escolar que, diga-se logo, não envolve apenas os saberes e práticas escolares, mas também, o tempo e o espaço (BRACHT, 2003, p.164).
Dessa maneira, estaríamos caminhando para uma valorização do lazer enquanto fenômeno gerado historicamente e que se constitui como patrimônio histórico dos seres humanos, no âmbito escolar, bem como colocando em discussão o papel da escola na sociedade atual. Não uma valorização que se pauta na abertura das escolas aos finais de semana, sem um mínimo de diálogo entre aqueles que estruturam as propostas de intervenção e aqueles aos quais estas propostas são oferecidas. Mas uma valorização que introduza, amplie e consolide o debate acerca do lazer nos diversos componentes curriculares, resguardando as suas peculiaridades, mas procurando um trabalho interdisciplinar, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e social da comunidade escolar e para um entendimento mais crítico e ampliado do lazer. Esse é o nosso desejo!
Nota
O entendimento de práxis neste estudo é abordado de acordo com a perspectiva freireana, que considera a mesma como sendo a “reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 2005, p.42), dimensões estas, mútuas e solidárias entre si, que apresentam encontros e desencontros no seio de nosso objeto de pesquisa.
Referências
BRACHT, Valter. Educação física escolar e lazer. In: WERNECK, Christianne L. G.; ISAYAMA, Hélder F. Lazer, recreação e educação física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
CAMARGO, L. O. L. O que é lazer?. São Paulo: Brasiliense, 2003.
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 2004.
____. Sociologia empírica do lazer. 2 ed. São Paulo: Perspectiva: SESC, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
GOMES, Christianne L. Lazer e trabalho. Brasília: SESI/DN, 2005.
GONÇALVES JUNIOR, Luiz; SANTOS, Matheus Oliveira. Brincando no jardim: processos educativos de uma prática social de lazer. In: VI EDUCERE: Congresso Nacional de Educação – Práxis, 2006, Curitiba. Anais... Curitiba: PUCPR, 2006. (CD-ROM).
GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Lazer e novas relações de trabalho em tempos de globalização: a perspectiva dos líderes sindicais do Brasil e de Portugal. 2003. 95f. Tese (Pós-Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Lisboa (Portugal), 2003.
GUTIERREZ, G. L. Lazer e prazer: questões metodológicas e alternativas políticas. Campinas: Autores Associados, 2001.
MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1995.
MARTINS, Joel; BICUDO, Maria A.V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes/EDUC, 1989.
MELO, Victor A. de; ALVES JUNIOR, Edmundo de D. Introdução ao lazer. Barueri: Manole, 2003.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PADILHA, V. Tempo livre e capitalismo: um par imperfeito. Campinas: Alínea, 2000.
PAIS, José M. Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Porto: Ambar, 2001.
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