Ética, estigma e discriminação de grupos vulneráveis no processo educacional Ética, estigma y discriminación de los grupos vulnerables en el proceso educativo Ethical, stigma and discrimination of vulnerable groups on the educational process |
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*Lic. en Educación Física. Universidad del Estado del Santa Catarina **Lic. en Educación Física. Especialista. Universidad do Estado de Santa Catarina ***Lic. en Educación Física. Magíster. Universidad do Estado de Santa Catarina ****Lic. en Filosofía. Doctor. Universidad do Estado de Santa Catarina *****Lic. en Educación Física. Doctor. Universidad do Estado de Santa Catarina ******Lic. en Educación Física Física. Doctor. Universidad de Évora (Brasil) |
Naira Baccarelli Monte* Carla Regiane Vargas** Paulo José Barbosa Gutierres Filho*** José Claúdio Morelli Matos**** Rudney da Silva***** Jorge Manuel Gomes de Azevedo Fernandes****** |
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Resumo Este trabalho teve como objetivo analisar o estigma e a discriminação de grupos vulneráveis no processo educacional inserido no contexto sócio-político e cultural vigente, respaldando-se nos fundamentos da ética como forma de compreender e transformar a própria condição de vulnerabilidade. Portanto, o presente artigo faz uma reflexão sobre o processo de estigmatização durante os contatos sociais presentes no cotidiano escolar. Evidencia, em conseqüência disso, a necessidade de uma abordagem ética durante as situações de tensão geradas pela existência dos estigmas. Nesse sentido, a escola, como colaboradora no processo de construção de identidade de cada um dos educandos, torna-se o espaço ideal para a efetiva prática de valores éticos, haja vista a necessidade de enfrentamento e busca de soluções para os conflitos gerados no contato com o outro. Unitermos: Ética. Estigma. Discriminação. Educação. Grupos vulneráveis.
Resumen Este trabajo tuvo como objetivo analizar el estigma y la discriminación de los grupos vulnerables en el proceso educativo inserto en el contexto socio-político y cultural vigente, respaldandose en los fundamentos de la ética como forma de comprender y transformar la propia condición de la vulnerabilidad. Por lo tanto, este artículo realiza una reflexión sobre el proceso de estigmatización en los vínculos sociales existentes en el cotidiano escolar. Evidencia, como una consecuencia de esto, la necesidad de una abordaje ético durante las situaciones de tensión provocadas por la existencia de estos estigmas. Así, la escuela, como colaboradora en el proceso de construcción de la identidad de cada uno de los educandos, se transforma en el espacio ideal para la práctica efectiva de valores éticos. E incluso se plantea la necesidad de enfrentar y buscar soluciones para los conflictos ocasionados en el contacto con el otro. Palabras clave: Ética. Estigma. Discriminación. Educación. Grupos vulnerables.
Abstract This research has as main objective to analyze the stigma and discrimination on process of the vulnerable groups on the educational procedures inserted it on the actual social-politic cultural context, using the fundaments ethics as way to comprehended and transformed its own condition of vulnerability. Therefore, this article does a reflection about the social contacts stigmatization process present on the daily school life. It evidences, as consequence of it, the need of an ethical approach during the tense situations generated by the stigmas. Thus, the education, as collaborator on the construction of the identity of each student, becomes the place for the effective practice of the ethic values, having on sight the need to confront and find solutions to the conflicts arising in touch with the other. Keywords: Ethics. Stigma. Discrimination. Education. Vulnerable groups. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 132 - Mayo de 2009 |
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Introdução
O processo de estabelecimento das relações humanas provoca problemas práticos entre os indivíduos. Entretanto, as decisões e as ações a serem tomadas baseiam-se na em escolhas que extrapolam a própria vontade individual e afetam aqueles que sofrerão as conseqüências desta ação. Diante desses problemas práticos do cotidiano, os indivíduos terão uma forma de se comportar e que pode se caracterizada pelo conceito de moral. Existem ainda, juízos que aprovam ou desaprovam moralmente estes mesmos comportamentos ou atos. Assim, pode-se afirmar que a moral regula os valores considerados genuínos por uma determinada sociedade, cultura e época, não sendo, portanto, universalista. O que pode ser moralmente aceitável para um indivíduo, pode não ser para o outro. (VASQUEZ, 1996)
A regulação individual ou grupal não satisfaz a necessidade de referência a princípios básicos extensíveis a toda a humanidade, justamente por não ser universal não se aplica a todos os povos, nem fornece a compreensão racional do real e efetivo comportamento humano. Estas exigências são alcançadas somente pelas condutas éticas, e esta não basta apenas como teoria, é preciso que cada indivíduo incorpore princípios éticos e os utilizem na prática da vida cotidiana. (NALINI, 1997)
O destaque da relevância e aplicabilidade da ética na vida cotidiana, não pode deixar de ser relacionado à educação. A educação, ao objetivar a formação de cidadãos baseando-se em princípios e ideais de liberdade, solidariedade e respeito às diferenças, deve tornar a ética o cerne do convívio escolar, resgatando-a do nível do discurso e levando para a prática do cotidiano. Isso se dá no momento em que o indivíduo inserido no contexto escolar, ao agir, consegue pensar no outro e não apenas em si mesmo. Na escola, as condutas éticas encontram-se em primeiro lugar nas próprias relações entre os agentes que constituem essa instituição, neste caso, alunos, professores, funcionários e pais. Em segundo lugar, a ética permeia as disciplinas do currículo, uma vez que o conhecimento não é neutro nem impermeável a valores de todo o tipo. Deste modo, pode-se afirmar que a reflexão sobre as diversas fases da conduta humana deve fazer parte dos objetivos maiores da escola comprometida com a formação para a cidadania. (BRASIL, 1998)
Embora essa concepção de que a ética é intrínseca ao processo educacional, o que se observa é uma realidade diferente. A escola, ao invés de servir de alavanca propulsora para a formação de cidadãos em um processo mais igualitários de consideração humana, acaba se tornando um ambiente de desigualdade e desvalorização do outro. As ideologias atuais acentuam o individualismo exacerbado e ignoram, e até mesmo combatem, iniciativas realizadas coletivamente, não permitindo que os indivíduos enxerguem o outro. O outro passa então a ser estranho, justamente porque é diferente. O outro deixa de ter importância para o grupo, pois o que importa é o “eu” e aqueles que tem importância para esse “eu”. O que é apregoado é a supervalorização do “eu” em detrimento da valorização, consideração e respeito aos demais. (TORMAN, 2006).
O ser humano resulta de vários elementos condicionantes, e sua formação como pessoa será influenciada pelas condições sociais, econômicas, políticas e históricas as quais está inserido. As objetividades das relações sociais se impõem sobre as relações humanas, pois o ser humano vive em conseqüência de vários elementos condicionantes, que o levam a ser o que aparenta ser; mas também lhe fazem ser o que é. Isso implica necessariamente em indivíduos diferentes uns dos outros. (CAMPOS, 2004). Dentre as várias instituições onde os indivíduos estão inseridos, a escola é uma das mais importantes e responsáveis pela construção da identidade. É na escola que os indivíduos entram em contato com as diferenças que os constituem como indivíduos únicos. A identidade é construída à medida que os sistemas de significação e representação cultural se ampliam permitindo ao indivíduo localizar-se de diferentes formas na sociedade. (NASCIMENTO, OLBZYMEK, 2007)
O modelo social vigente tem se utilizado de uma educação cada vez mais tecnicista, mais científica e regida por códigos de competição pessoal e grupal. Em contraposição, constata-se a necessidade de uma democratização profunda que supõe novas regras de relacionamento que vão ao encontro da integração e da multiculturalidade, tolerância e respeito pelas diferenças, dando resposta à enorme diversidade cultural e étnica. (BIOTO, 2001). No momento em que toda essa diversidade não é valorizada, tampouco respeitada, surgem os estigmas e discriminações com aqueles indivíduos pertencentes a grupos vulneráveis. Tais grupos sofrem tanto materialmente como social e psicologicamente os efeitos da exclusão, seja por motivos religiosos, de saúde, opção sexual, etnia, cor de pele, por incapacidade física ou mental, gênero, dentre outras características. Ser deficiente, ser obeso, ser homossexual, ser negro, ser pobre, entre uma infinidade de outras características, passa a ser um fardo para tais indivíduos. A escola pode tanto reforçar este processo como combatê-lo, de forma que nas próprias situações de tensão e conflito, gerados pela estigmatização e discriminação, busque resolvê-los respaldando-se em valores éticos de respeito, tolerância e igualdade. (CORTELLA, 2004)
Portanto, considerando que os processos de estigmatização e discriminação podem ser entendidos como construções sócio-culturais características de grupos, locais e tempos distintos, buscou-se através deste artigo, analisar e discutir, a luz das considerações éticas, o estigma e a discriminação de grupos vulneráveis inseridos no processo educacional, inclusive, nas aulas de Educação Física.
Para tanto, este estudo foi caracterizado como uma pesquisa bibliográfica (OLIVEIRA, 2002), de cunho qualitativo (LAVILLE e DIONE, 1999). A orientação principal balizou-se por uma análise crítica sobre as temáticas em tela, com apoio na literatura especializada. O levantamento bibliográfico dos livros de base ocorreu entre os meses de março e agosto de 2007, na biblioteca setorial do Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, da Universidade do Estado de Santa Catarina, assim como o levantamento de artigos científicos eletrônicos ocorreu entre os meses de março de 2007 a março de 2008, tendo-se como base, as seguintes plataformas:
Periódicos Capes
Scientific Eletronic Library Online
Scholar Google
A detecção dos artigos ocorreu através da identificação dos tópicos abordados, desenvolvendo-se para tanto, a busca simples e avançada nas bases de dados citadas, procurando-se ainda, o cruzamento destas temáticas, que foram selecionadas a priori e definidas pelo quadro operacional dos indicadores do estudo. A seleção dos indicadores de pesquisa possibilita a concretização da hipótese do estudo pela verificação empírica, bem como a ligação entre a suposição inicial e a análise e interpretação dos dados (LAVILLE E DIONNE, 1999). Os estudos qualitativos permitem flexibilidade na composição dos indicadores de pesquisa, pois este procedimento permite que no desenvolvimento da pesquisa se apresentem conteúdos significativos ao estudo, levando assim às mudanças nestes indicadores. Deste modo, as categorias obtidas a posteriori também foram admitidas na análise do material bibliográfico adotado.
Os resultados da análise críticas das temáticas em estudo foram apresentados em quatro unidades de análise:
Educação Física e condutas éticas;
Estigma e discriminação;
Escola e construção da identidade; e
Cultura e formação social.
Cultura e formação social
A sociedade pode ser compreendida como o conjunto dos membros de um todo, sujeitos às mesmas leis e ligados as mesmas características culturais. O modelo clássico de sociedade produz indivíduos semelhantes, mas desiguais. Quanto mais moderna é uma sociedade, mais rápida e profundamente ela age sobre si mesma e de maneira mais acentuada elimina as barreiras e distâncias sociais herdadas do passado. Porém, a sociedade política, detentora do poder, que mantém em estado de dependência uma sociedade civil em desigualdade, renasce constantemente. (TOURAINE, 1998).
Pode-se entender que o que qualifica uma sociedade em seus aspectos morais, éticos, materiais e espirituais é a cultura. A cultura pode ser considerada a bagagem desenvolvida pelos pensamentos, sentimentos e atitudes dos indivíduos que convivem na sociedade. Assim, cada indivíduo configura-se como um agente cultural que sente, pensa, age, cria e influencia o coletivo. A partir desse processo cultural de formação social, que se desenvolvem as organizações de trabalho, que se formam os sistemas ideológicos, que se ordena uma linguagem como um sistema coletivo, que se moldam as organizações familiares, que se interfere no sistema de produtivo, no cumprimento da justiça, na criação e caracterização dos direitos e deveres dos indivíduos, que se oferecem métodos de auxílio ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, que se indica rumo à vida dos jovens, que se enfatiza a importância de cuidar dos idosos, que se introduzem os ideais de educação, entre outros (DEL PRETTE & DEL PRETTE 1999).
A sociedade não é apenas a soma de idéias e ações individuais jogadas ao coletivo e é por isso que existem as leis impostas pela sociedade. Em contrapartida, essas leis e regras que são criadas para guiar as ações dos indivíduos também exercem influência sobre ele (THOMPSON, 1995). Embora o que se espera seja uma organização da sociedade, tal expectativa acaba sendo utópica, já que distorções no campo econômico e social fazem com que a sociedade se divida em classes com características econômicas e sociais distintas. A gritante diferença entre as classes que se formam, as possibilidades e oportunidades que surgem apenas para as classes superiores e a concentração do poder faz com que surjam cada vez mais diferenças entre os indivíduos, em diversos aspectos: cultural, econômico, racial, étnico, entre outros (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 1999).
Todo esse conjunto de diferenças existentes na sociedade deturpa o desenvolvimento moral, intelectual e profissional dos indivíduos gerando as discriminações e exclusões. Para que os indivíduos vivam em conjunto harmonicamente e reconheçam a diversidade de interesses, é necessário que haja convicções e crenças, que cada identidade pessoal ou coletiva particular seja portadora de uma orientação de alcance universal (TOURAINE, 1998).
Em função de todas as diferenças culturais, é inevitável que haja discriminação em todos os âmbitos da sociedade. Existe uma atribuição de falhas a indivíduos que nada fizeram para merecê-las, pelo simples fato de pertencerem a um grupo julgado digno delas. Este processo é um fenômeno universal e que tem início junto com a própria sociedade. Pode-se afirmar que é comum às pessoas desconcertarem ou silenciarem aqueles de quem discordam ou a quem estão combatendo, impondo-lhes algum termo grupal depreciativo e infamante ou algum boato vergonhoso que se refira a seu grupo, desde que tais pessoas pertençam a um grupo que tenha sucesso em afirmar seu status superior em comparação ao de seus adversários. Em todos esses casos, aqueles que são objeto do ataque não conseguem revidar porque apesar de pessoalmente inocentes das acusações e censuras, não conseguem livrar-se, nem sequer em pensamento, da identificação com o grupo estigmatizado. (ELIAS e SCOTSON, 2000).
Admitindo-se esta realidade, pode-se transportar tal fato para uma das organizações de maior relevância à sociedade: a escola. O olhar crítico para a história da humanidade revela, com muita clareza que nenhuma sociedade se constitui bem sucedida, se não favorecer, em todas as áreas da convivência humana, o respeito à diversidade que a constitui. A escola deve ser inclusiva, respeitar a diversidade e responder a cada um de acordo com essas necessidades e potencialidades. Em contrapartida, mesmo que a escola busque incluir e favorecer cada aluno, independente de etnia, sexo, deficiência, condição social ou qualquer outra situação existirá sempre a condição de discriminação entre os indivíduos no ambiente escolar. Os indivíduos considerados “diferentes” pela maioria podem vir a sentir vergonha ou culpa diante dos símbolos de inferioridade que lhes são atribuídos bem como a paralisia da capacidade de revidar que costuma acompanhá-los (ELIAS e SCOTSON, 2000). As crianças com características vulneráveis não conseguem escapar individualmente da estigmatização grupal, assim como não conseguem escapar individualmente do status inferior de seu grupo. (CAVALLEIRO, 2000)
Na escola que, talvez inconscientemente, se encontrem atitudes discriminatórias na relação entre professores, alunos e funcionários. Em relação à prática profissional o professor pode auxiliar a alteração da imagem negativa da criança vulnerável, valorizando e elogiando-a, bem como cuidar da linguagem verbal cotidiana, representada por colocações desagradáveis e apelidos. O professor também deve estar atento a incidentes "aparentemente sem importância”, como por exemplo, uma criança não querer dar a mão para outra por preconceito ou não participar em quadrilhas etc. (CAVALLEIRO, 2000).
Portanto, a maneira como se dá o processo de discriminação e exclusão no âmbito escolar é o próprio reflexo do modelo vigente de sociedade, estruturada nas bases do capitalismo e que se desenvolve em um contexto multicultural. Porém, a escola deve buscar autonomia, não sendo apenas um reflexo de uma sociedade desigual, e sim um agente transformador da mesma. A transformação das idéias, a transformação de atitudes, das relações sociais e a preocupação efetiva de se viver valores éticos no ambiente escolar, como o respeito à diferença em todos os seus aspectos podem sim transformar os cidadãos para que vivam de forma mais digna na sociedade.
Estigma e discriminação
O termo estigma surgiu na Grécia e era utilizado para se referir a sinais corporais que evidenciavam algo mau sobre o status moral de quem os apresentava. Esses sinais serviam para avisar que a pessoa marcada era um escravo um criminoso ou um traidor. Atualmente o termo estigma é utilizado de maneira semelhante ao sentido literal original, e caracteriza o indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena. (GOFFMAN, 1988)
A própria sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e os atributos considerados comuns para elas. Ao conhecer uma pessoa, os primeiros aspectos permitem observados permitem prever a sua "identidade social". Com isso, muitas vezes lhes são imputadas características que nem sempre são reais. Muitas vezes podem surgir evidências de que a outra pessoa possui um atributo que o torna diferente dos outros. Esse indivíduo pode deixar de ser considerado em sua plenitude e pode ser reduzido, até mesmo, a uma pessoa inferior. Tal característica é um estigma, principalmente quando seu efeito de descrédito é grande, muitas vezes considerado até como um defeito. (GOFFMAN, 1988)
Diante disso, as pessoas com um estigma sofrem vários tipos de discriminações. As reações da pessoa estigmatizada podem orientar-se reage, em alguns casos, pela correção da base objetiva de seu defeito, como por exemplo, um obeso que tenta emagrecer, ou um homossexual que busca psicoterapia. Pessoas estigmatizadas também podem se isolar, tornarem-se desconfiadas e deprimidas. O indivíduo estigmatizado também pode reagir antecipadamente de maneira defensiva, ao invés de se retrair, age com agressividade provocando nos outros, algumas respostas também desagradáveis. Este processo pode gerar assim, a marginalização da pessoa estigmatizada. (MELO, 2000)
Ter consciência da inferioridade significa que a pessoa não pode afastar do pensamento a formulação de uma espécie de sentimento crônico do pior tipo de insegurança que conduz à ansiedade e talvez à algo ainda pior, no caso de se considerar a inveja como realmente pior do que a ansiedade. O medo de que os outros possam desrespeitá-la por algo que ela exiba significa que ela sempre se sente insegura em seu contato com os outros; essa insegurança surge não de fontes misteriosas e um tanto desconhecidas como uma grande parte de nossas ansiedades, mas de algo que ela não pode determinar. Isso representa uma deficiência quase fatal do sistema de construção do seu "eu". Contudo, este processo de inferiorização surge justamente da existência de um sujeito que externo que provoca esta situação, como por exemplo, do patrão para o empregado ou do homem para a mulher.
O momento crucial é aquele em que sujeito caracterizado como “normais” e “estigmatizados” interagem porque serão nesses momentos que ambos os lados enfrentarão diretamente as causas e efeitos do estigma. A situação que se coloca aqui não é a questão da manipulação de informação sobre o "defeito" do estigmatizado e sim a manipulação da tensão gerada durantes os contatos sociais. Em função disso, as situações sociais mistas para os indivíduos estigmatizados se tornam angustiantes. Uma vez que tanto os normais se inserem em situações sociais mistas, é compreensível que muitas vezes surjam as situações de conflito. (GOFFMAN, 1988)
O “normal” e o “estigmatizado” são parte um do outro. Ao imputar identidades aos indivíduos o conjunto social mais amplo e seus habitantes, de certa forma, se comprometem. Com isso, o estigma envolve não só o conjunto dos ditos “normais” e “estigmatizados”, como também um processo social de duas partes, no qual cada indivíduo participa de ambos em pelo menos algumas situações da vida. O normal e o estigmatizado não são pessoas e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos e que extrapolam esta relação para todo o grupo social. Portanto, o processo de estigmatização dos indivíduos pode ocorrer durante qualquer contato social, podendo gerar tensão. A tendência à categorização de pessoas, em contatos sociais, pode facilitar as interações corriqueiras, mas a sua rigidez tende a ser fonte inesgotável de preconceitos e visões estereotipadas das pessoas. Além disso, um estigma posto a um indivíduo prejudica não só a situação social corrente, mas também as relações já estabelecidas, prejudicando sua reputação e prolongando-se talvez durante toda a vida do indivíduo. O estigma é o caminho para a discriminação e conseqüentemente para a exclusão.
Educação e construção da identidade
A escola como instituição social insere-se sempre num contexto concreto e historicamente definido. Deste modo, a relação escola versus sociedade deve ser considerada, tanto na análise das suas práticas pedagógicas, quanto nas considerações sobre o seu papel e as suas funções na sociedade. A experiência escolar amplia e intensifica a socialização dos indivíduos. Os contatos com os outros e com outros objetos de conhecimentos possibilita outros modos de leitura do mundo. Toda essa experiência pode e deve ser positiva para o ser humano. (ARANHA, 2004)
Porém, a escola é vista como uma instituição social de natureza contraditória, inserida numa sociedade desigual. A escola possui possibilidades de mudança tanto quanto de manutenção da sociedade onde ela se insere. A educação e os educadores têm uma autonomia relativa. O clima da sala de aula e da escola acaba reproduzindo a sociedade violenta, a sociedade do consumismo, a sociedade da competição, na sociedade da desigualdade. A constituição da identidade do ser humano como expressão de grupos e categorias sociais está indissoluvelmente ligada ao processo de socialização. Daí se pode afirmar que uma das funções da socialização é a da construção da pessoa humana dentro dos parâmetros de seu locus espacial, temporal e sociocultural. (HASENBALG, 1979)
Nesses termos, a identidade é um dos resultados mais importantes no processo de constituição social do sujeito. Ela refere-se a um contínuo sentimento de individualidade que se estabelece valendo-se de dados biológicos e sociais. O indivíduo se identifica conhecendo seu próprio corpo, situado em um meio que o reconhece como ser humano e social. Assim, a identidade resulta da percepção de si próprio, advinda da percepção que existente de como os outros vêem. Desse modo, a identidade é concebida como um processo dinâmico que possibilita a construção gradativa da personalidade no decorrer da existência do indivíduo. (CAVALLEIRO, 2000)
Numa sociedade ocidentalizada, na qual predomina a desigualdade, historicamente construída, a identidade estruturada durante o processo de socialização terá por base a precariedade de modelos satisfatórios e a abundância de esteriótipos negativos. Diante disso, cada indivíduo socializado em nossa cultura poderá internalizar representações preconceituosas sem se dar conta disso, ou até mesmo se dando conta por acreditar ser o mais correto. (CAVALLEIRO, 2000). A educação, entendida como um processo social no qual os cidadãos têm acesso aos conhecimentos produzidos e deles se apropriam de forma a se prepararem para o exercício de sua cidadania, representa um ato político que pode levar à tanto construção de um indivíduo participante, como à construção de indivíduos conformados á realidade apresentada. (GADOTTI, 1987).
Portanto, pode-se afirmar que o ambiente escolar colabora no processo de construção da identidade do sujeito, por ser um dos primeiros espaços sociais que freqüentamos longe da presença familiar. O contato com a diversidade cultural e social fará com que cada um descubra a si mesmo como ser humano único e perceba também o outro. A escola demonstra seu papel ao contemplar na prática o que ela prega na teoria, buscando produzir futuros cidadãos e não futuros excluídos em larga escala. O enfrentamento dos conflitos colocados no contato com o outro, a existência da derrota e do sucesso, dos mais aptos e dos menos aptos e das diferentes culturas corporais envolvem aspectos morais, cognitivos, culturais e sociais que implicam necessariamente na busca de soluções. Deste modo, vislumbra-se uma sociedade mais justa, democrática e que respeite as diferenças, resultante de ações eticamente respaldadas postas por cada indivíduo transformado pela educação e seus agentes.
Considerações finais
Com base nas discussões realizadas através da literatura analisada pode-se constatar que os processos de discriminação e estigmatização são inerentes ao ambiente educacional típico de uma sociedade competitiva e produtivista. A escola está inserida em um modelo de sociedade multicultural que não respeita as diferenças. Os indivíduos com características vulneráveis não conseguem escapar do estigma a eles imposto, bem como da discriminação que sofrem.
A própria sociedade estabelece modelos padronizados de indivíduos e busca estabelecer quais são os atributos considerados “normais” conforme o padrão sócio-histórico cultural vigente. Cria-se um modelo social do indivíduo que nem sempre corresponde à realidade. Alguém que pertença a uma categoria com atributos diferentes ou incomuns, é pouco aceito pelo grupo social e até mesmo discriminado. O indivíduo em condição de vulnerabilidade pode não ser considerado em sua totalidade e sua capacidade de ação e de transformação, tornando-se assim ameaçado e podendo até mesmo, limitar o desenvolvimento de suas potencialidades.
A escola pode tanto reforçar como combater estes processos, de forma que nas próprias situações de conflitos, gerados pelo estigma e pela discriminação, busque resolvê-los respaldando-se em valores éticos. O indivíduo, independente de qualquer característica que venha a ser enquadrado, merece que sua dignidade seja respeitada. Deste modo, o educador tem papel fundamental, sendo o principal mediador durante os conflitos entre aqueles considerados “normais” e os “estigmatizados”. Por isso, a conduta ética deve balizar as ações cotidianas e ser o cerne de sua prática profissional, pois caso não adote esta perspectiva de atuação, ao invés de contribuir para a quebra de barreiras e preconceitos, estará reforçando atitudes que diminuem a dignidade humana e atrasam o desenvolvimento social.
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