efdeportes.com

As esferas do trabalho e lazer e os desafios 

e tendências da qualidade de vida

Los ámbitos del trabajo y el tiempo libre y los desafíos y tendencias de la calidad de vida

 

*Mestre em Ciências Sociais Aplicadas, UEPG

Vinculado aos grupos de pesquisa: Esporte, Lazer e Sociedade, UEPG (pesquisador)

Gestão de recursos humanos para o ambiente produtivo - UTFPR (pesquisador)

Coordenador do curso de Educação Física das Faculdades Integradas de Itararé-SP

Administrador da lista Sociologia do Esporte do CEV.

**Mestrando em Engenharia de Produção pela

Universidade Tecnológica Federal do Paraná (bolsista da CAPES)

Graduando em Tecnologia em Sistemas de Informação pela

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

***Doutor em Educação Física, UNICAMP

Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná,

Cefet-PR, Unidade de Ponta Grossa

Professor do Programa de Mestrado em Engenharia de Produção do Cefet- PR

José Roberto Herrera Cantorani*

cantorani@cev.org.br

Bruno Pedroso**

brunops3@brturbo.com.br

Luiz Alberto Pilatti***

lapilatti@utfpr.edu.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O presente estudo analisa as relações existentes entre duas variáveis que interferem nas atividades laborais, as atividades de lazer e a qualidade de vida. Trata-se de um estudo exploratório, de cunho qualitativo, que é fundado em uma teoria sociológica, a teoria elisiana. Constatou-se que parcela significativa do tempo livre dos trabalhadores é empregado em atividades com elevado grau de rotina. Outro ponto evidente são as crescentes imposições feitas aos trabalhadores do conhecimento. Este estudo constitui-se em uma investigação teórica com a qual se pretende a estruturação de uma base consistente que permita, na seqüência, a construção de um instrumento de avaliação da qualidade de vida. Tal instrumento terá como base teórica os efeitos dos condicionantes de uma vida contemporânea em cada uma das seguintes esferas: fisiológica, psicológica e sociológica. Conclui-se que as possibilidades aumento da qualidade de vida dos trabalhadores e do tempo dedicado a atividades de cunho não rotineiro, apesar da sofisticação que a sociedade apresenta, é restrita.

          Unitermos: Trabalho. Lazer. Qualidade de vida

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 132 - Mayo de 2009

1 / 1

1.     Introdução

    A dedicação exaustiva às atividades profissionais vem ocasionando comprometimento na qualidade de vida dos trabalhadores em função da diminuição do tempo livre. A visão de mercado restrita ao lucro – ainda em grande escala – constitui um empecilho à implantação de programas de melhoria da qualidade de vida nas empresas. Tal conceito ampara-se na justificativa de que uma pausa na produção resulta em um tempo impossível de ser reposto somente pela maior disposição dos empregados na realização do seu serviço.

    Contudo, é preciso adicionar às considerações pertinentes a este embate a influência de atividades miméticas de lazer no dia-a-dia vivido nas sociedades hodiernas, sobretudo no que diz respeito à quebra da rotina. A percepção do prazer proporcionado pelas atividades de quebra de rotina não apenas constituem-se em uma necessidade do ser humano frente a rotina da contemporaneidade, como podem representar um indicador de aumento de produtividade se trabalhado nesse sentido.

    Por outro lado, um obstáculo é constituído pelos próprios trabalhadores, que por não estarem habituados a participar de programas desta natureza, e pelo fato de terem sua participação eximida, não vêem razão para freqüentar tais programas. Até que se entendam os benefícios das práticas de atividades de lazer e da qualidade de vida, empreendedores e também os trabalhadores constituem-se em obstáculos a tais programas.

    Cabe ressaltar, também, o avanço tecnológico, que condiciona o ser humano a uma realidade com elevados índices de comodidade e, consequentemente, de sedentarismo. Tal índice de comodidade poderia ocasionar lacunas de tempo a serem aproveitadas para a vida pessoal. Mas, ao contrário disso, tal economia de tempo ocasionalmente vem sendo aplicada na execução de atividades profissionais.

    Programas com a finalidade de incrementar a qualidade de vida no ambiente empresarial vêm se tornando cada vez mais requisitados. A adoção de políticas que visam propiciar uma melhora nas condições de trabalho dos seus colaboradores vem se tornando mais freqüente, visto que tais políticas prometem acarretar melhoras no ambiente produtivo. Tal fato vem a contribuir com o desenvolvimento do ambiente produtivo no âmbito nacional, ainda que não seja plausível afirmar que a precariedade das condições de trabalho esteja próxima de uma solução.

    O presente estudo tem como objetivo a estruturação teórica que permita elaboração de uma ferramenta de mensuração da qualidade de vida. Para isso será desenvolvido um questionário e, na seqüência, um software para realizar a leitura da qualidade de vida a partir da influência da estrutura hodierna, ou seja: rotina, tempo livre e lazer e suas condicionantes na esfera social, física e psicológica.

    Com relação procedimentos metodológicos, a presente investigação foi delineada nos moldes de uma pesquisa de natureza aplicada, de abordagem qualitativa. Quanto aos objetivos, esta se classifica como exploratória, e quanto aos procedimentos técnicos, tal estudo se enquadra como uma pesquisa bibliográfica, visto que o sustento dessa investigação pautou-se no marco referencial teórico que utilizar-se-á no desenvolvimento do instrumento proposto nesse trabalho.

2.     Apologia ao lazer e qualidade de vida

    A preocupação com o estilo de vida é muito antiga, surgiu com Sócrates por volta de 400 a.C. (ANDUJAR, 2006). Desde então, pesquisadores das mais variadas áreas de conhecimento têm se dedicado para tentar explicar este fenômeno. Longos anos transcorreram, e ainda não é possível definir qualidade de vida em um conceito único e acabado, no entanto, é perceptível que os autores convergem suas teorias no que diz respeito aos aspectos da subjetividade, multidimensionalidade e a existência de dimensões positivas e negativas da qualidade de vida (MION et al., 2005).

    Em virtude do crescente número de definições do termo qualidade de vida, surge dificuldade em apontar um conceito mais completo, mas torna possível a fusão destes conceitos para se chegar a um entendimento mais concreto. A partir deste princípio, podemos mencionar que, de acordo com Gaspar (2001, p.47), pode-se definir qualidade de vida como “um conjunto subjetivo de impressões que cada ser humano possui, sendo simultaneamente um produto de diversos fatores que o afetam e um processo que ele experimenta a cada momento”. Tal afirmação sustenta a teoria de que a qualidade de vida varia de indivíduo para indivíduo, e provém do resultado da variedade de experiências presenciadas pelo indivíduo. Já para Santos (2002, p.01),

    A Qualidade de Vida boa ou excelente é aquela que oferece um mínimo de condições para que as pessoas possam desenvolver o máximo de suas potencialidades, vivendo, sentindo ou amando, trabalhando, produzindo bens ou serviços; fazendo ciência ou artes.

    Os conceitos exprimem a idéia de que a qualidade de vida se relaciona diretamente ao prazer pessoal, e que sofre interferência da vida cotidiana em todos os seus aspectos, o que conduz à compreensão de que Mion et al. estavam corretos ao apontar a qualidade de vida como um fator diretamente dependente da satisfação do indivíduo, bem como dos ambientes com os quais este tem contato.

    Reforçando a idéia de multidimensionalidade da qualidade de vida, cabe mencionar o WHOQOL GROUP (1994), que ao desenvolver o seu instrumento de avaliação da qualidade de vida, tem foco sobre o conceito de “percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Idéia também defendida por Pilatti (2007, p.42), o qual afirma que a qualidade de vida “depende do equilíbrio de seis domínios: físico, psicológico, nível de interdependência, relações sociais, ambiente e aspectos espirituais / religião / crenças pessoais”.

    Já com relação ao lazer, tomar-se-á como ponto de partida a Carta Internacional de Educação para o Lazer, da Associação Mundial de Recreação e Lazer (World Leisure and Recreation Association) – WLRA, onde se encontram as seguintes proposições:

    O lazer se refere a uma área específica da experiência humana com seus próprios benefícios. [...] Abrange formas amplas de expressão e de atividades cujos elementos são tanto de natureza física quanto intelectual, social, artística ou espiritual. [...] é um meio privilegiado para o desenvolvimento pessoal, social e econômico; é um aspecto importante de qualidade de vida. [...] promove a saúde e o bem-estar geral oferecendo uma variedade de oportunidades que possibilitam aos indivíduos e grupos escolherem atividades e experiências que se adeqüem às suas próprias necessidades, interesses e preferências. As pessoas atingem seu pleno potencial de lazer quando estão envolvidas nas decisões que determinam as condições de seu lazer. [...] O lazer é, portanto, visto como um recurso para melhorar a qualidade de vida. (WLRA, 1993).

    Ao contrário do que pode parecer, tempo livre e lazer se tratam de conceitos distintos. Partindo desse pressuposto, pode-se considerar tempo livre como o tempo liberto das ocupações de trabalho. Erroneamente se acredita que todo o tempo não dedicado ao trabalho pode ser dedicado ao lazer. Ao contrário disso, nas presentes sociedades somente parte do tempo livre é voltado para as atividades de lazer (ELIAS; DUNNING, 1992).

    Em vista de uma melhor compreensão das atividades de tempo livre, cabe ressaltar a colocação de Gebara (1994), onde este interpreta o tempo livre como sendo um tempo individual e o tempo disponível como um tempo social. Em se tratando de entretenimento, o tempo é utilizado na dimensão do tempo disponível.

    Para que tais afirmações se tornem passíveis de compreensão, Elias e Dunning (1992) realizam uma categorização do tempo livre, dividindo em grupos de atividades com naturezas semelhantes.

3.     A teoria elisiana e as categorias do tempo livre

    As atividades de tempo livre podem ser classificadas em cinco categorias: trabalho privado e administração familiar; repouso; provimento das necessidades biológicas; sociabilidade; atividades miméticas ou de jogo. (ELIAS; DUNNING, 1992, p.108-109).

    Nem todo tempo livre pode ser considerado lazer, porém, todas as atividades de lazer são atividades realizadas durante o tempo livre. A seguir será abordada a classificação proposta por Elias e Dunning (1992), articulando as atividades de tempo livre e possivelmente enquadrando-as como atividades de lazer:

  • trabalho privado e administração familiar: engloba as atividades da família e a provisão da casa, tais como a orientação dos filhos, a estratégia familiar, a transação de finanças e planos para o futuro. Por se tratar de um trabalho que precisa ser realizado, de forma prazerosa ou não, dificilmente poder-se-á denominá-las como atividades de lazer.

  • repouso: pertencem as atividades onde não se faz nada em particular, os desvaneios, as futilidades, tais como fumar, tricotar ou, até mesmo, dormir. Apesar de diferirem das demais, estas atividades também podem ser consideradas como atividades de lazer.

  • provimento das necessidades biológicas: envolve as todas as necessidades biológicas providas do nosso organismo, tais como se alimentar, fazer higiene corporal, fazer amor e dormir. Tais atividades estão habitualmente submetidas à rotina, mas podem acentuar determinado prazer, ao produzirem algum tipo de satisfação de forma não rotineira, como por exemplo, comer fora de casa. Além disso, algumas dessas atividades se irradiam, especialmente para a categoria da sociabilidade.

  • sociabilidade: não é trabalho, porém, envolve atividades que se relacionam com o trabalho, como visitar amigos ou sair em uma excursão, e envolve também atividades não relacionadas com o trabalho, como se deslocar a um bar, clube, restaurante ou festa, na presença de outras pessoas.

  • atividades miméticas ou de jogo: pertencem as atividades de lazer como praticar esportes, assistir televisão, ir ao cinema, pescar, dançar. Tais atividades apresentam caráter de lazer, proporcionado tanto pela e participação como ator ou espectador de tais atividades, desde que estas não caracterizem atividades profissionais em particular.

    Com base nesta classificação, fica evidenciado que um indicador que pode distinguir o lazer do tempo livre é o grau de rotina – ou a quebra da rotina propriamente dita –, podendo, desta forma, proporcionar prazer nas atividades que caracterizam o lazer. Tornando compreensível a idéia de que a satisfação proporcionada pelas atividades de lazer tende a ser considerada como um meio de permitir o alívio das tensões e de melhorar as capacidades das pessoas. (ELIAS; DUNNING, 1992, p.140).

4.     Perspectiva da qualidade de vida nas sociedades hodiernas

    As condições de trabalho impróprias, o esforço demasiado, a jornada de trabalho excessiva, e o alto índice de acidentes de trabalho constituíram um quadro de fatores que levaram os operários a reivindicar por melhores condições de trabalho, durante o período da revolução industrial (CARVALHO, 2004, p.159-160).

    Ao longo da história, é perceptível que houvera a humanização gradativa do trabalho, através da redução da jornada de trabalho, melhora nas condições de trabalho, e maior valorização do trabalhador como ser humano. Em contrapartida, exige-se cada vez mais qualificação profissional. A cobrança por um aumento nos índices de produção, em menos tempo e com menor custo, impõem novas exigências os trabalhadores da sociedade moderna. Em virtude disso, a qualidade de vida destes vem sendo comprometida (PILATTI, 2007).

    Nos dias atuais, o trabalho é caracterizado por surpreendentes avanços tecnológicos, pela sofistificação dos métodos e instrumentos de trabalho. Nesse contexto, a inovação representa às empresas, uma possibilidade efetiva de sobrevivência, a partir do momento que oferece sustento para o aumento da produtividade. Em função dos avanços tecnológicos, a estimativa de que o tempo disponível é errônea, e diante desta perspectiva, o número de postos de trabalho é reduzido (PILATTI, 2007).

    O trabalho torna-se uma atividade seletiva, apenas aqueles com alta qualificação garantem seus postos. Aqueles que não possuem acesso aos avanços tecnológicos tornam-se desqualificados e são excluídos da sociedade trabalhista. Desta forma, caminha-se para a maximização de um problema social.

    Em contraste ao que se supõe, a inovação não proporciona avanços significativos na qualidade de vida da população, assim, as projeções futuras não se apresentam otimistas no que diz respeito a uma qualidade de vida melhor (PILATTI, 2007).

5.     Considerações finais

    O lazer é um fator significativo na qualidade de vida e, em função de sua multidimensionalidade, possui relação não somente com a vida pessoal, mas também, com o ambiente profissional.

    Partindo deste pressuposto, torna-se factível afirmar que uma avaliação do quesito “lazer” no ambiente produtivo venha a corroborar, não somente com o bem estar dos colaboradores, mas com o ambiente empresarial como um todo. Desta forma, ao se diagnosticar deficiências relacionadas ao lazer, ou a ausência do lazer, sejam traçadas estratégias para reverter a situação, através da melhora das condições de trabalho, ou da própria oferta de atividades de lazer, fazendo com que o este passe a compor um indicador positivo na produtividade da empresa.

    A partir do desenvolvimento deste estudo, pretende-se correlacionar os aspectos do lazer com as esferas fisiológica, sociológica e psicológica. E, com base nesses resultados, subsidiar discussões a respeito da influência do lazer no contexto “qualidade de vida” da socieade contemporânea.

Referências

  • ANDUJAR, A. M. Modelo de qualidade de vida dentro dos domínios bio-psico-social para aposentados. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. 208f.

  • Associação Mundial de Recreação e Lazer. Carta internacional de educação para o lazer. Disponível em http://www.saudeemmovimento.com.br/conteudos/conteudo_exibe1.asp?cod_noticia=195. Acesso em 28 mar. 2007.

  • CARVALHO, V. R. de. Qualidade Vida no Trabalho. In: OLIVEIRA, O. J. (org.) Gestão da Qualidade: tópicos avançados. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. p. 159-167.

  • ELIAS, N.; DUNNING, E. A Busca da Excitação. Tradução Maria Manuela Almeida e Silva. Lisboa: DIFEL, 1992.

  • FAMED – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL/HCPA. Versão em português dos instrumentos de avaliação de qualidade de vida (WHOQOL) 1998. Disponível em http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol.html. Acesso em 28 mar. 2007.

  • GASPAR, C. A. de F. Qualidade de vida de trabalhadores que participam de práticas externas de cidadania empresarial: possibilidades de transformações individuais e coletivas. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.

  • GEBARA, A. O Tempo na Construção do Objeto de Estudo da História do Esporte, do Lazer e da Educação Física. In: II Encontro Nacional de História do Esporte, Lazer e Educação Física, 1994, Ponta Grossa, PR. Coletânea do II Encontro Nacional de História do Esporte Lazer e Educação Física. Ponta Grossa: Gráfica da Universidade Estadual de Ponta Grossa, 1994. v. 1. p. 175-189.

  • MION JÚNIOR, D.; PIERIN, A. M. G.; GUSMÃO J. L de. Desafios no controle da pressão arterial no Brasil: a qualidade de vida e a terapêutica anti-hipertensiva. Disponível em: http://www.deciomion.com.br/medicos/folhetos/index.asp. Acesso em: 28 mar. 2007.

  • PILATTI, L. A. Qualidade de vida no trabalho: perspectivas na sociedade do conhecimento. In: VILARTA, R. et al. Qualidade de vida e novas tecnologias. Campinas: Ipes Editorial. 2007

  • SANTOS, S. R. dos et al. Qualidade de vida do idoso na comunidade: aplicação da Escala de Flanagan. Rev. Latino-Am. Enfermagem vol. 10 no. 6 Ribeirão Preto Nov./Dec. 2002.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 14 · N° 132 | Buenos Aires, Mayo de 2009  
© 1997-2009 Derechos reservados