Perfil dos grupos de pesquisa na Educação Física brasileira Perfil de los grupos de investigación en la Educación Física brasileña |
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*Bolsista de Iniciação Científica- CNPq/UFRN **Professoras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento (Brasil) |
Profa. Dra. Terezinha Petrucia da Nóbrega* Prof. Dra. Maria Isabel Brandão de Souza Mendes Prof. Dra. Rosie Marie Nascimento de Medeiros Thompson Pereira da Costa** |
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Resumo Trata-se de uma análise de conteúdo, considerando como corpus de análise os Grupos de Pesquisa em Educação Física, cadastrados na Plataforma Lattes do CNPq, em 2004. A categorização temática possibilitou construir um perfil dos grupos de pesquisa em Educação Física no Brasil, considerando a inserção institucional, localização geográfica, área de conhecimento, linhas de pesquisa e setores de atividade; bem como, diagnosticar a situação de infra-estrutura para a pesquisa e formação de recursos especializados na área, no sentido de apontar perspectivas de consolidação e expansão dessa área no cenário científico e tecnológico. Unitermos: Epistemologia. Pesquisa. Educação Física.
Resumen Esta reflexión es una análisis de contenido, considerando cómo corpus de análisis los grupos de investigación en Educación Física, registrados en la Plataforma Lattes del CNPq en 2004. La clasificación temática permitió construir un perfil de los grupos de investigación en Educación Física en Brasil, mientras que la inserción institucional, localización geográfica, área de conocimiento, líneas de investigación y los sectores de actividad, así como diagnosticar la situación de la infraestructura para la investigación y la formación de recursos especializados en el área, en el sentido de apuntar perspectivas de consolidación y expansión de esta área en el escenario científico y tecnológico. Palabras clave: Epistemología. Investigación. Educación Física. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 131 - Abril de 2009 |
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Contemporaneamente na Política Científica brasileira, em particular na Educação Física, os Programas de Pós-Graduação strictu sensu são referências para a pesquisa na área. Entretanto, boa medida do que é produzido em termos de conhecimento científico na área não aparece neste cenário, por exemplo, a produção de Grupos de Pesquisa situados em regiões do Brasil que ainda não contam com Programas de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) ou que atuam em outras áreas de conhecimento como educação, ciências da saúde, ciências sociais, filosofia, entre outras.
As observações de Ana Márcia Silva, produzidas com base na fábula Alice no País das Maravilhas, são pertinentes para a nossa reflexão. Alice ao procurar o Coelho Branco cai em sua toca e vai parar num lugar estranho, cheio de enigmas e desafios. É nesse contexto que a autora observa a presença de Educação Física, que assim como Alice, defronta-se com uma serie de problemas e imprevistos no cenário político-científico nacional, onde as tocas e suas respectivas Rainhas de Copas representariam as instituições de auxilio à pesquisa pela imposição de modelos e determinação de normas e regras. Além do modelo de pós-graduação, a autora coloca que as tocas do coelho podem ser varias: “a normatividade ainda não totalmente explicita do CNPq, ou os estreitos interesses político-partidários do Conselho Nacional de Esporte ou ainda o regramento conservador do Conselho Nacional de Educação” 1.
Concordamos com a referida autora que um dos problemas que tem assaltado a política científica em Educação Física é o modelo arbóreo da ciência que por meio da pós-graduação e das exigências das agências de fomento à pesquisa tem reduzido as possibilidades da Educação Física, tendo como implicação a fragmentação do processo de construção do conhecimento. Nota-se que a Educação Física tem atuado com ações no sentido de refletir sobre a sua classificação enquanto subárea da saúde bem como em constituir forças para interferir na política cientifica em curso, tanto para o seu campo para os demais, permitindo avaliar não só a política em curso, como o próprio modelo arbóreo de ciência.
As análises de Foucault 2 mostram a questão da disciplina como um corte arbitrário num conjunto indefinidamente móvel, que é o saber, havendo uma descontinuidade entre o pensamento e a cultura que acarreta em conseqüências para a organização dos saberes dentro de uma dada sociedade. Assim é que, desde o começo do século XVII, o pensamento cessa de se mover no elemento da semelhança. A episteme clássica, fundada na semelhança, naquilo que é contínuo, numa espécie de história natural e em análises baseadas na observação e descrição da natureza vai sendo questionada, sendo associada ao erro e à ilusão dos sentidos.
O crescimento dos saberes em nossa época solicita uma reflexão sobre como lidar com essa diversidade. A questão da fragmentação dos saberes está atrelada ao modo de organização do conhecimento, às estruturas mentais e sociais próprias do paradigma da racionalidade moderna, que vem se configurando desde o século XVII. É somente na metade do século XX, que se pode constatar, de modo mais abrangente, a necessidade de se estabelecerem vínculos entre as diferentes disciplinas. A metáfora do rizoma, diferentemente do modelo arbóreo, conduz à imagem e ao modo de organização em que os saberes formam um conjunto complexo no qual os elementos remetem necessariamente uns aos outros e também para fora do conjunto.
Deleuze e Guattari 3 apresentam os princípios deste modo de organização do conhecimento, a partir das seguintes características: conexão, heterogeneidade, multiplicidade, ruptura a-significante, cartografia e decalcomania. O princípio da conexão diz que qualquer ponto do rizoma pode ser/estar conectado a qualquer outro, não havendo uma hierarquia rígida entre diferentes tipos de conhecimentos ou fundamentos epistemológicos. O princípio da heterogeneidade afirma, que dado qualquer conexão ser possível, o rizoma segue a heterogeneidade. Segundo o princípio da multiplicidade, não há uma unidade ou síntese fundamental e totalizante, pois, o conhecimento não corresponde ao ser em sua completude. O princípio da ruptura a-significante diz que não há uma hierarquização do saber segundo fundamentos únicos, há sempre linhas de fuga que apontam para novas e insuspeitas direções. O princípio da cartografia refere-se ao mapa do rizoma e suas múltiplas entradas, permitindo a exploração e descoberta de novas facetas. O princípio da decalcomania diz que não há correspondência perfeita e única entre o mapa do saber e a realidade, mas sempre sobreposições que fazem surgir novos territórios interpretativos.
De acordo com esses princípios, a organização rizomática não opera com fundamentos únicos do saber, nem busca sínteses totalizantes ou uma correspondência unívoca com a realidade, preservando a singularidade dos saberes e dos diferentes contextos. No rizoma, as múltiplas possibilidades de entrada ou abordagens geram sempre novas interfaces de compreensão/atuação sobre os fenômenos.
Essas reflexões sobre a organização do conhecimento científico apresentam contribuições relevantes para a análise do perfil dos grupos de pesquisa na área e a lógica do conhecimento que configuram as pesquisas.
Notas sobre os Grupos de Pesquisa e a produção do conhecimento na Educação Física brasileira
Com a pesquisa, foi possível construir um perfil dos grupos de pesquisa em Educação Física no Brasil, considerando a inserção institucional, localização geográfica, área de conhecimento, linhas de pesquisa e setores de atividade; bem como, diagnosticar a situação de infra-estrutura para a pesquisa e formação de recursos especializados na Educação Física, no sentido de apontar perspectivas de consolidação e expansão dessa área no cenário científico e tecnológico.
Como técnica de pesquisa utilizou-se a análise de conteúdo, considerando como corpus de análise os Grupos de Pesquisa em Educação Física, cadastrados na Plataforma Lattes do CNPq, em 2004. Para cada cadastro, organizamos uma ficha de conteúdo dos 199 grupos, localizando as informações disponíveis sobre as linhas de pesquisa, áreas de conhecimento, sub-áreas e setores de aplicação. Em seguida, agrupamos as linhas de pesquisa, enumerando 21 linhas de pesquisa e seus respectivos registros (ocorrência numérica).
O mesmo procedimento foi feito com as áreas e sub-áreas de conhecimento e setores de atividade. A interpretação referencial, iniciada desde a pré-análise, foi intensificada a partir da identificação dos núcleos de sentido. Os núcleos de sentido comportam uma leitura particular das unidades de registro temáticas, contendo elementos que possibilitam a interpretação referencial. Esta por sua vez, foi realizada considerando-se o diálogo com a bibliografia pertinente, a partir da qual projetamos a nossa compreensão da problemática investigada, expressa nos meta-argumentos e nas perspectivas indicadas.
Os dados mostram indicadores importantes para compreendermos o desenvolvimento científico da área, temáticas recorrentes e cenários de conhecimento nas sub-áreas e nas grandes áreas. Esses dados indicam aspectos da produção do conhecimento importantes para a reflexão sobre a normatividade científica e a experiência social da Educação Física, identificando algumas capacidades instaladas e outras em desenvolvimento que são extremamente relevantes para a organização da área e sua relação com os órgãos responsáveis pela política científica. Apontamos para a necessidade de flexibilizarmos as fronteiras disciplinares para criar interfaces de compreensão da Educação Física que ultrapassem o modelo classificatório dos campos de saberes e de uma demarcação disciplinar.
O desenvolvimento e a valorização da pesquisa coadunam-se com a lógica da cultura científica, em suas polarizações quanto ao mercado e as diferentes compreensões de ciência e mesmo de Universidade. Impõe-se a necessidade de ampliarmos nossas compreensões de ciência, refletindo sobre as limitações do modelo classificatório dos campos de saberes e de uma demarcação disciplinar.
A partir da análise do Diretório de Grupos da Plataforma Lattes do CNPq, dados de 2003, delineamos um perfil dos grupos de pesquisa em Educação Física e Ciências do Esporte no Brasil. Realizamos um agrupamento das linhas de pesquisa nomeadas no Diretório de Grupos. Em nossa organização, enumeramos 21 linhas de pesquisa, havendo a predominância de linhas de pesquisa que realizam investigações em atividade física e saúde, aproximando-se de linhas na área de EF adaptada, biomecânica, Medidas e Avaliação. Com menor expressão, mas evidenciando algum crescimento observamos as linhas de pesquisa em ciências humanas, tais aspectos sociais e culturais da EF, esporte e lazer, história da EF, esporte e lazer, corpo, epistemologia, entre outras. Não podemos deixar de nos referir à linha de pesquisa processo ensino-aprendizagem, pela relação direta com a tradição pedagógica e educativa da área.
Percebe-se a inserção dos grupos de pesquisa na grande área das ciências da saúde, com uma freqüência absoluta de 182 registros, seguido da inserção de pesquisas na grande área de ciências humanas, com 37 registros. Em princípio essa expressiva vinculação às ciências da saúde, relaciona-se diretamente com a localização dos grupos de pesquisa à área da Educação Física, como se verá no quadro seguinte. A referência às ciências humanas encontra-se nas temáticas de investigação relacionadas com as linhas de pesquisa já mencionadas anteriormente.
Confirma-se a inserção expressiva dos grupos de pesquisa na área de Educação Física, o que se explica pelo fato da inserção institucional e vinculação profissional dos pesquisadores a essa área de conhecimento. Podemos observar, ainda, a influência da atividade de pesquisa e a relação com objetos de conhecimento de áreas afins como fisiologia, psicologia e educação.
É preciso lembrar que, tanto as áreas de aprofundamento na formação profissional inicial e continuada, quanto às pesquisas básicas e aplicadas e as diferentes intervenções sociais, foram estimadas, já na década de oitenta, em mais de trinta campos diferentes e inserções profissionais, todas englobadas numa perspectiva plenamente reconhecida como Educação Física. Duas décadas depois, nos deparamos com ainda mais possibilidades no campo da pesquisa, como aqui demonstrado, como na formação e nas inserções profissionais. Áreas como administração e jornalismo esportivo, personal trainner, ginástica laboral, eco-turismo, filosofia das praticas corporais, entre outras, são demonstrações da dinâmica interna de uma área que extrapola os domínios clássicos da saúde e da educação, suas matrizes primeiras.
Um indicador desta dinâmica interna da Educação Física e de suas múltiplas interfaces pode ser observado abaixo, no quadro de inserção dos núcleos de pesquisa nas áreas de conhecimento e subáreas de pesquisa. As subáreas de pesquisa correspondem aos desdobramentos das linhas de pesquisa, aproximando-se das temáticas de investigação mais recorrentes na área como a pedagogia do esporte e da EF, biodinâmica, desenvolvimento motor, história da EF, esporte e lazer, entre outras.
Os setores de aplicação relacionam-se diretamente aos produtos de pesquisa, vinculando-se a atuação profissional e a função social da Educação Física. Nesse caso, observamos o destaque para os setores de saúde humana e educação, com referências significativas para os produtos e serviços recreativos, culturais, artísticos e desportivos.
Observa-se a concentração dos grupos de pesquisa nas regiões sudeste e sul do Brasil, havendo necessidade de programas estrurantes para as demais regiões. No que se refere às linhas de pesquisa destacamos: atividade física e saúde; formação profissional; políticas públicas; ensino-aprendizagem; História da Educação Física; Treinamento esportivo; Comunicação e mídia; Corpo; Lazer; Epistemologia; Currículo; Biomecânica; Psicologia do esporte; e aspectos socioculturais da Educação Física e Esporte. Em relação à área de conhecimento predomina a inserção na Grande área de Ciências da Saúde, havendo registros na área de Ciências Humanas e Sociais, sobretudo no campo da Educação. Os principais setores de atividades encontrados são saúde e educação. Os resultados evidenciam perspectivas de configuração da pesquisa na área e serão aprofundados a partir da interpretação referencial. Observa-se também, o registro significativo em outros setores não diretamente especificados na Plataforma Lattes.
Os dados colhidos em 2004 na Plataforma Lattes, em que pese a necessidade de sua atualização quantitativa, expressam o movimento da pesquisa na Educação Física, suas problemáticas, enquadramentos em subáreas e especialidades que merecem destaque e aprofundamento, sobretudo no sentido de se repensar o modelo de ciência e a classificação da Educação Física nas áreas de conhecimento junto aos órgãos de fomento a pesquisa em nosso país.
Percebe-se também nas linhas e subáreas de pesquisa múltiplas possibilidades de investigação que permitem pensar em uma configuração do conhecimento que ultrapasse o modelo arbóreo e desafiam o pensamento rizomático.
É preciso considerar que a lógica de estruturação da Plataforma Lattes induz a organização interna da área, em especial, aos líderes que necessitam registrar os grupos de pesquisa. Importante ressaltar que apesar do pouco tempo de existência da plataforma, sua capacidade acumulada e sua força de penetração na comunidade acadêmica, ao se tornar eixo das políticas financiamento a pesquisa, conferiu-lhe forte poder de indução na organização da produção e socialização do conhecimento no Brasil, para alem do âmbito do CNPq.
Importante ressaltar que, apesar desta diversidade e diferença conceitual, a pesquisa e a produção do conhecimento no interior desta área têm crescido geometricamente, criando condições, objetivas inclusive, para que se reflita acerca da necessidade de um melhor enquadramento no âmbito das grandes áreas do conhecimento, reconhecidas publicamente e em suas subdivisões internas já existentes.
Notas
SILVA, A.M. Uma política científica para a Educação Física ou de Alice e a toca do coelho. In CARVALHO, Y. & LINHALES, M. (Orgs). Política científica e produção do conhecimento em educação física. Goiânia: CBCE, 2007, p. 153.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. 6a ed. Tradução Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol.1. Trad. Aurélio Pinto Neto et al. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.
Referências bibliográficas
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol.1. Trad. Aurélio Pinto Neto et al. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. 6a ed. Tradução Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
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