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O processo de desportivização do Mixed Martial Arts

 

Aluno de Mestrado em Sociologia do Esporte

DEF/UFPR

(Brasil)

Fabio Antonio Pellanda

fbasq23@gmail.com

 

 

 

Resumo

          O processo de desportivização é um impulso civilizador que surge nos esportes no sentido de determinar normas e condutas, assim o presente estudo visa observar o processo de desportivização do MMA (Mixed Martial Arts ou Artes Marciais Misturadas) analisando a evolução das suas regras.

          Unitermos: Desportivização. Regras. MMA.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 131 - Abril de 2009

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1.     Introdução

    Na atualidade o esporte moderno é utilizado constantemente como objeto de estudo em varias áreas acadêmicas, mas de maneira auspiciosa, a sociologia vem se apropriando do esporte como objeto de estudo, realizando trabalhos importantes no sentido de entender o esporte moderno. Marchi Jr. fala sobre a importância do esporte como objeto de estudo:

    Podemos citar a historia do esporte, antropologia do esporte, a sociologia do esporte, a economia do esporte, em suma, uma rede de estudos na qual –renomados autores e autoridades de diversas áreas do conhecimento acadêmico estão direcionando seu escopo teórico para estudar o fenômeno de maior impacto sociocultural do final do século XX e inicio do XXI (p. 160)

    Na abordagem sociológica nos esportes, uma das mais importantes linhas estudadas são as condições sobre as quais as regras foram sendo incorporadas pelas diversas modalidades esportivas, em cima disso Elias (1992, p. 227) atenta que:

    prestar atenção as regras e normas que governam o comportamento humano, num dado tempo, e as organizações no interior das quais essas regras são mantidas e suas observâncias controladas passou a ser um trabalho bastante comum das investigações sociológicas.

    A institucionalização de regras no esporte é uma das manifestações do impulso civilizador na sociedade. Como o desporto encontra-se inserido na sociedade, este incorpora os códigos determinado pela mesma para o controle da violência, introduzindo preceitos e costumes que são aceitas no espaço social especifico, sobre a forma de normas ou regras. Dessa maneira, atentando para a especificidade do desporte, Honorato (2004) coloca que

    Os códigos de normas socialmente estabelecidos, num determinado tempo e espaço, são o que consideramos por regras esportivas. Essas regras foram construídas e aperfeiçoadas pelos indivíduos para indivíduos e desempenham um significativo papel, pois ao estabelecerem-nas atestam um modelo de comportamento a ser seguido.

    Atualmente o esporte moderno esta sujeito a transformações e o surgimento de novas modalidades faz parte desse processo, assim como, paralelamente, existe o aumento do interesse por parte das pessoas por estas novidades esportivas, seja para praticar, assistir, acompanhar e consumir. Entretanto estas modalidades emergentes, por ainda estarem se organizando, requerem um processo de institucionalização de suas regras na forma de impulso civilizador, para se tornarem mais aceitos pela dinâmica da sociedade.

    Assim, mesmo os esportes considerados violentos, e que na sua gênese, não sistematizaram muitas regras, sentiram a necessidade da normatização. Desse modo, esse trabalho analisará o MMA (Mixed Martial Arts ou artes marciais misturadas) dentro da perspectiva de desportivização apresentada pelos autores sociológicos Elias e Dunning.

    O processo de desportivização pode servir como parâmetro para entender a necessidade pela qual o MMA busca através da normatização e do surgimento de regras mais civilizadas, uma maior aceitação por parte da sociedade.

2.     A evolução do MMA

    Segundo conceito do site Brazil MMA, o MMA é definido como uma modalidade de luta onde os praticantes não precisam seguir um estilo específico de arte marcial. O esporte possibilita ao praticante utilizar qualquer golpe ou técnica das mais diferentes artes marciais como o boxe, jiu-jítsu, caratê, judô, muay thai, entre outras.

    No presente trabalho iremos utilizar o termo MMA em detrimento do termo vale-tudo, uma vez que a modalidade passa por uma serie de processos que visaram uma civilização do esporte, já que, ao contrário do senso comum presente nos indivíduos, não “vale tudo” no MMA. O esporte vem evoluindo e profissionalizando-se e suas regras também acompanham esse desenvolvimento e estão cada vez mais rígidas. O intuito de toda esta evolução é preservar cada vez mais a integridade física do atleta. Mas como veremos mais adiante, não só a preservação da integridade dos lutadores, mas a venda de um produto mais aceitável e civilizado para o publico, contribui para essa evolução.

    Essa evolução das regras é acompanhada em outros segmentos da modalidade, França, mostra que:

    os números do MMA impressionam. Existem sites profissionais jornalísticos e lojas virtuais com vendas específicas de produtos voltados ao mundo das lutas. Dentro destes sites existem fóruns mantidos pelos usuários que trocam informações e difundem o esporte. As taxas de compra do pay-per-view de grandes torneios são imensas, assim como a venda dos ingressos.

    A modalidade acompanha o movimento observado em esportes mais estabelecidos, que busca cada vez mais se popularizar, para aumentar seus ganhos financeiros e conseqüentemente ter uma maior exposição na mídia, que se empenha no aprimoramento da divulgação dos eventos e criação de ídolos, ou seja, o processo de espetacularização do esporte. Nessa exposição, Marchi Jr (p. 21) complementa sobre esse movimento dos esportes afirmando que o:

    (...) fenômeno esportivo passa a ser regido pelas relações próprias da lógica do mercado, nas quais os esportes são conduzidos ao processo de espetacularização e mercantilização

    Adentrando na área especifica do MMA, observa-se que este não possui uma entidade institucional com uma estrutura unificada a nível mundial, como as tradicionais federações de futebol (FIFA), basquetebol (FIBA), voleibol (FIVB) entre outras instituições similares. Sua organização é similar ao do boxe profissional que possui algumas instituições a nível mundial, cada uma apresenta um ranking de lutadores, campeões específicos. E com um padrão no que diz respeito a divisão de categorias por peso.

    No MMA existem organizações, mas que atuam como promotoras de eventos com seus lutadores. Atualmente temos o UFC (Ultimate Fighting Championship), Elite XC, K-1, Dream que estão entre os mais importantes do mundo da modalidade, além de organizações de menor expressão. Dentre esses é reconhecido que o UFC é o maior evento realizado no mundo, até porque como observa Eduardo Lapagesse:

    com o estabelecimento do UFC como monopólio do MMA, ao ponto do esporte ser reconhecido por alguns como “ultimate fighting”, o evento está a passos largos de ser um daqueles casos em que o produto dá nome à categoria.

    Esse processo pelo qual passou para se tornar referência dentro do mundo do MMA fez o UFC sofrer algumas transformações que se confundem em parte com a história e evolução da modalidade durante da década de 90 até os dias de hoje. Essa organização foi uma das primeiras a começar a estabelecer uma uniformização das regras e das categorias divididas por peso. Segundo relato encontrado sobre a origem do evento no site Wikipédia:

    O UFC começou como o primeiro evento renomado de vale tudo em 1993 no mundo do MMA. Com o intuito de descobrir o melhor lutador do mundo, não importava o estilo de artes marciais que ele praticava. Por possuir praticamente nenhuma regra (por exemplo, no primeiro UFC não era permitido apenas morder ou colocar os dedos nos olhos do oponente), o UFC era conhecido como vale tudo ao pé da letra e as lutas eram ocasionalmente violentas e brutais. Os primeiros eventos eram menos esporte do que espetáculo, o que levou a acusações de brutalidade e briga de galo humana.

    Os primeiros eventos foram bem comercializados pela TV, mas após um período de sucesso o esporte caiu em declínio por ser considerado muito violento recebendo criticas inclusive de políticos. Por essas pressões políticas que levaram à sua decadência, o UFC se reformulou, de forma lenta foram criadas regras mais restritas, começou a ser sancionado por comissões atléticas, e se vendendo como um esporte legítimo. Deixando de lado o slogan de “there are no rules” (não há regras) e pregando o banner de Mixed Martial Arts, o UFC ressurgiu de seu isolamento para se tornar mais socialmente aceitável, recuperando sua posição na televisão a cabo.

    Além disso, Venga aponta que a violência contida nas lutas dos eventos contribuía para o declínio:

    os motivos são vários, sendo o principal, sem dúvidas, o argumento de que o esporte é bárbaro e violento. Não há dúvidas a respeito de certa violência inerente ao esporte, pois qualquer arte marcial tem, em sua essência, a busca pela superação do oponente por meio da técnica aliada à força, o que geralmente resulta em machucados físicos.

    Com o quadro apresentado, percebe-se que o MMA passa por um processo de desportivização, no qual existe a preocupação em institucionalizar uma serie de regras, nas quais a divisão da lutas por assaltos cronometrados, a separação dos lutadores por peso, a interrupção da luta quando o árbitro percebe que um dos lutadores não tem mais condições de prosseguir na luta, a declaração de um vencedor por pontos, e a proibição de certos golpes. Freitas corrobora com esse argumento:

    Atualmente as competições de Vale Tudo estão adotando alguns critérios para controlar o ímpeto dos lutadores, entre as principais regras destacam-se: a divisão de categorias por peso, a obrigatoriedade em utilizar as luvas, protetor genital e bucal, a possibilidade do árbitro interromper o combate caso o atleta não consiga responder mais os golpes, não são permitidos golpes baixos, cabeçadas, cotoveladas, nem golpes que tenham intenção de furar os olhos do adversário, é proibido acertar golpes na nuca e nas costas e em alguns eventos proibi-se chutar o adversário quando ele está no chão.

    As regras se aplicam e civilizam o esporte seja ele qual for sua natureza, para Elias, o desporto (1992, p. 230) “realiza-se de acordo com regras conhecidas, que definem os limites da violência que são autorizados, incluídos aqueles que definem se a forca física pode ser totalmente aplicada.

    Portanto vemos a modalidade buscando se adequar a uma lógica contida em outros esportes, que procuram ser altamente organizado e institucionalizado em suas regras, com sua evolução constante para restringir os tipos de violência praticados durante o jogo ou combate.

    É possível buscar na antiguidade a origem desses tipos de lutas, o pancrácio é um desses exemplos, essa lutas era uma espécie de vale-tudo, mas muito mais violenta, Elias (1992, p. 201) relata que um dos lutadores “obteve suas vitorias não por derrubar seus adversários e sim por lhes partir os dedos”. Se analisarmos o MMA comparando com as formas de lutas da antiguidade se tem a noção de que hoje o esporte está mais civilizado.

    Elias (1992, p. 202) ainda exemplifica outros tipos de lutas além do pancrácio, com exemplos mais recentes como do século XIX, com o primórdio do pugilismo atual:

    Tal como o tipo de luta do pancrácio, era muito menos limitado por regras, e por essa razão dependia em grau mais elevado da força física, da forca espontânea, da paixão e da resistência, do que do boxe. Não existiam distinções entre diferente classes de pugilistas (...)

    Em cima dessa afirmação, existiu a preocupação de que o MMA evoluísse em relação aos esportes que foram similares em outras épocas, e em relação aos primeiros eventos comercializados na década de 90. Pode se evidenciar com isso, algumas características civilizadoras na direção da desportivização para que a modalidade tivesse nos seus combates, o máximo de equilíbrio entre os oponentes com a divisão dos atletas por categoria e por ranking.

    Na verdade o MMA esta buscando uma forma amadurecida do seu desenvolvimento como esporte, pois como diz Elias (1992, p. 231),

    o fato de ter atingido a sua forma amadurecida, ou aquilo que se lhe pretenda chamar, não significa que todo seu desenvolvimento social terminou; significa apenas, que esse encetou outro estagio

    Não se pode afirmar que o MMA atingiu a sua forma mais amadurecida, mas com certeza, dentro do seu desenvolvimento social, a incursão das regras admite que ela esteja um estágio mais civilizado, pois como já foi descrito, nas primeiras edições do UFC praticamente não existiam regras e nem divisão por pesos e a luta não tinha um tempo estabelecido para o seu final. Então por pressões advindas de políticos, (entre eles o candidato derrotado a presidência dos Estados Unidos, na ultima eleição, John McCain, onde ele criticava e fazia campanha contra o MMA, devido a sua campanha ser financiada por empresários ligados ao Boxe), que baniram o evento de alguns estados, e queda na comercialização do evento pelo publico devido a violência sem limites, iniciou-se processo de institucionalização das regras, que deixaram mais civilizadas o evento. A entrevista do lutador do UFC Brock Lesnar, onde ele afirma que não ser necessária uma volta aos primórdios do MMA, onde "não há regras" pois na sua visão, “as regras existem estão lá por uma razão. Os lutadores precisam viver para lutar outro dia(..) reflete a importância de existir uma regulamentação no MMA como forma de preservar a integridade física do atleta e dar uma maior longevidade na sua carreira dentro do evento.

    O MMA sofreu com a questão dos combates sem regras, o que afastava o publico dos eventos, Elias aponta para o fato do que prende o interesse dos participantes e dos expectadores, é a pela tensão e excitação pelo resultado, mas o seu excesso pode trazer a repugnância, fato observado nos primeiros eventos, e que causou algumas pressões políticas.

    Sabe-se que o esporte tem como característica o confronto de duas ou mais pessoas ou equipes, e não somente o equilíbrio entre os competidores, mas o seu equilíbrio entre a emoção e a repugnância são importantes para prender o interesse dos participantes e dos espectadores no evento.

3.     Considerações finais

    Analisar a desportivização do MMA trará algumas indagações sobre o tema "Este é o desporto para uma nova geração”, diz Dana White, 37, presidente da UFC. Essa declaração traz questionamentos, a aposta no sucesso da modalidade com a propaganda de um novo esporte, e que parece ser um atrativo para novos consumidores, e principalmente sobre se MMA é um desporto, Freitas Jr, utilizando a classificação de Allen Gutmann coloca que “exigências presentes para que uma atividade física seja considerada um esporte, é existir um órgão burocrático que padronize suas regras”, realmente não existe um órgão mundial, mas as organizações existentes, e o exemplo utilizado do UFC, demonstram uma preocupação em normatizar suas regras.

    E ainda, será essa o único requisito para se considerar? O nível de exigência do treinamento dos competidores são similares aos de atletas de outras modalidades. Os eventos são organizados dentro da lógica da igualdade, do cumprimento de regras, controle de dopagem, e assim como o processo de compra e venda de imagens seguem a lógica de outras modalidades. Além disso, as comissões atléticas que existem nos diversos estados americanos, tem o poder se suspender os lutadores tanto das competições, como dos treinos, por um determinado tempo, após lutas em que os mesmo saem com contusões.

    Mesmo sem ser um órgão institucional do MMA, o UFC, como a mais importante das organizações, e as suas normatizações imitadas em alguns aspectos pelas demais, além das suas regras, a maneira como é gerida a organização, suas fontes de rendas pelo pay-per-view e o show pelo qual o evento é caracterizado, também são modelos para as outras organizações. Obviamente cabe mais analises no sentido de observar as relações de poder no sub campo das estruturas organizacionais da modalidade no que se refere ao UFC ser uma estrutura estruturante em relação às demais.

    Sendo assim, este o objeto de estudo desse trabalho carece de mais estudos, mas já é possível constatar que mesmo os esportes considerados violentos e com poucas restrições na sua regulamentação na sua criação necessita passar por um processo de desportivização. Esse fato se deve ao um impulso civilizador que se deu nas suas regras, equilibrando a relação entre emoção, repugnância, e tensão, dos competidores e espectadores, além de colaborar com sua espetacularização.

    A desportivização do MMA, mesmo não atingido ainda sua forma madura, pode evidenciar que os esportes, independente da sua natureza, seja individual ou coletivo, com maior ou menor contato físico, entre outras classificações existentes, necessitam, para serem aceitos pelos indivíduos de uma sociedade, de regras e normas definidas, que sigam o modelo da sociedade com leis morais superiores, na busca do respeito, igualdade e autocontrole pelos indivíduos.

Referencial teórico

  • ELIAS, N. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992,

  • FREITAS M. A prática do vale tudo: alguns apontamentos a partir da teoria elisiana.

  • HONORATO. T. Uma história do skate no brasil: do lazer à esportivização http://www.anpuhsp.org.br/downloads/CD%20XVII/ST%20IX/Tony%20Honorato.pdf

  • MARCHI JR, W. Como é possível ser esportivo e sociológico. In: GEBARA, A e PILATTI, L. Ensaios sobre sociologia nos Esportes. Jundiaí: editora Fontoura, 2006.

  • ______________. MARCHI JR, W. "Sacando" o voleibol: do amadorismo a espetacularização da modalidade no Brasil (1970 - 2000). Campinas, 2001. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas.

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