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Meninas e meninos apresentam 

desempenho motor distinto? Por quê?

¿Niñas y niños presentan un desempeño motor distinto? ¿Por qué?

Do girls and boys have different motor performance? Why?

 

Doutora em Educação.

Professora do Curso de Educação Física, do Departamento de Pedagogia da - UNIJUÍ. 

Membro do grupo Paidotribus – UNIJUI e participante do Grupo de Estudos

de Educação e Relações de Gênero – GEERGE -UFRGS

Maria Simone Vione Schwengber

simone@unijui.edu.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O presente artigo é parte de uma pesquisa inspirada nos Estudos de Gênero, numa aproximação de teorizações no campo da educação física. Nele problematizo e discuto por que meninas e meninos apresentam desempenho motor distinto. Para essa discussão, apresento diferentes estudos que apontam para o fato de que desempenhos motores de meninos e meninas são efeitos das estratégias educativas das instituições – família, escola, igreja, clube – e das diferentes áreas do conhecimento – medicina, pediatria, educação física. Das análises, destaco as implicações políticas do mito da fraqueza corporal, sobretudo sobre as meninas. Partindo da seguinte assertiva: corpos que encolhem são cérebros que encolhem. Destaco, ainda, que a educação dos corpos por meio das práticas esportivas é um importante instrumento de poder e que, quanto mais cedo os meninos e as meninas aprenderem a confiar em seus corpos e compreenderem que são fisicamente capazes, melhor será para a saúde social de ambos.

          Unitermos: Corpos. Gênero. Práticas corporais e esportivas. Educação Física.

 

Abstract

          The present article is an integral part of a research inspired in Gender Studies, in approximation to theories produced in the field of physical education. I have problematized and discussed why girls and boys have different motor performance. In order to discuss that, I have presented some studies that highlight the fact that girls’ and boys’ motor performances are an effect of both educative strategies of institutions – such as family, school, church, club – and different areas of knowledge – such as medicine, pediatrics, physical education. From the analyses, I have highlighted the political implications of the myth of body weakness, particularly among girls. I have considered the following assertion: bodies that have shrunk are brains that have shrunk. I have also emphasized that body education by means of sports practices is an important power tool, and that the sooner boys and girls learn to trust their bodies and understand they are physically able, the better it will be for their mental health.

          Keywords: Bodies. Gender. Body and sports practices. Physical Education.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 131 - Abril de 2009

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Desenvolvimento motor e gênero

    Aprender a ser menino ou menina, eis uma das questões primordiais da condição humana. Aprender a ser menino ou a ser menina às vezes provoca frustrações, angústias, pela maneira como os modelos de masculinidades e de feminilidade são ensinados, no mundo Ocidental (na cultura). Como a escola, não é uma ilha isolada do mundo, as expectativas de gênero, não só são incitadas em seu espaço, mas emergem do olhar da sociedade sobre o gênero. Exemplo disso é maneira como as meninas são descritas pelos seus desempenhos motores nas aulas de Educação Física.

    Assim inicio a presente discussão perguntando: Meninas e Meninos apresentam desempenho motor distinto? Por quê? Segundo uma determinada corrente de teóricos, aptidões e desempenho corporais seriam inerentes a determinado gênero. Por outro lado, correntes defendem (na qual me incluo) que tais características como as de desempenhos motores de meninos e meninas estão interligados com os processos de socialização que ocorrem ao longo do processo educativo (vida) das crianças.

    Inicialmente uma discussão da categoria gênero se faz necessária nesta reflexão. O que é gênero? O conceito de gênero começou a ser utilizado no campo dos Estudos Feministas por estudiosas anglo-saxãs, a partir da década de setenta. O conceito de Gênero representou inicialmente uma forma de as mulheres lutarem por condições de vida semelhante às dos homens, demonstrando que não deveria existir, uma prevalência da condição masculina sobre a feminina, e nem vice-versa.

    Meyer (2004) argumenta que não podemos deixar de perceber que os processos que nos educam

    (...) são conflituosos, instáveis e recheados de disputas e é no interior dessas disputas, que se travam entre diferentes teorias e conhecimentos, entre diferentes doutrinas e posições políticas, que se constrói aquilo que reconhecemos como certo/errado, normalidade/desvio, saudável/doente, nós/eles, homens/mulheres.

    Gênero é uma categoria analítica criada para explicar como se articulam as relações entre homens e mulheres (meninos e meninas) e como essas relações são efeitos de estratégias educativas. É nesse sentido e, sob essa perspectiva conceitual, que faz sentido compreender os sujeitos (as crianças) e as práticas educativas produzidas e inscritas no interior de redes de poder (FOUCAULT, 1988). Gênero é uma categoria conceitual que traz à tona a compreensão de que ninguém nasce mulher/homem, menino/menina, e que essas condições são produzidas pela história e pela cultura, não são fundadas apenas na ordem da natureza (corporal), são da ordem do vir-a-ser e do fazer, da produção. É “a civilização como um todo que produz” a posição de gênero (BEAUVOIR, 1988, p. 301). Para Butler (1999) o processo de generificação se torna dizível desde a vida intra-uterina. Ela lembra que a

    (...) emergência recente de ecografias transforma uma criança, de um ser “neutro” em um “ele” ou em “ela”: nessa nomeação, a garota torna-se uma garota, ela é trazida para o domínio da linguagem e do parentesco através da interpelação do gênero. Mas esse tornar-se garota não termina ali; pelo contrário, essa interpelação fundante é retirada por várias autoridades, e ao longo de vários intervalos de tempo, para reforçar ou contestar esse efeito naturalizado. A nomeação é, ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma fronteira e também a inculcação repetida de uma norma (BUTLER 1999, p. 161).

    Desse modo, pensar as questões de gênero, como diz Louro (1997, p. 127), é “pensar a educação de homens e mulheres, meninos e meninas para muito além dos limites que a temos pensado.” É pensar que até mesmo o recém concebido “(...) não é outra coisa senão aquilo que colocamos nele”, como afirma Larrosa, (2001, p. 187). Para Louro (1997), a partir da declaração “é menino” ou “é menina”, começa uma “espécie de viagem”, instala-se um processo que, supostamente, deve seguir um determinado rumo e/ou uma direção. Pode-se então afirmar que nos constituímos como sujeitos generificados desde muito cedo, desde o momento da fecundação, e que são os rituais, as práticas educativas da cultura que permitem que essa constituição seja costurada.

    Para Beauvoir (1988) o tornar-se homem ou mulher se processam em diversas situações sociais, a começar pelas aprendizagens adquiridas na família, passando pelas veiculadas pela escola, e assim, sucessivamente, pelas diversas formas de aprendizagens que são múltiplas, com os nossos pares (amigos, colegas), vizinhos, mídia, igreja, clubes; em suma, pelas diversas escolhas cotidianas, tais como roupas e acessórios, brinquedos. Enfim desde crianças somos rodeados também por uma série de artefatos que tem a finalidade de nos situar nas “devidas posições de gênero”. Portanto, aprende-se de muitas formas, a ser mulher e homem e essa condição se articula com outras categorias sociais como classe social, raça/etnia, geração, religião. Prova disso “é que homens e mulheres [meninos e meninas] diferem muito uns dos outros em diferentes sociedades (HEILBORN, 2003).

    Louro (1997) afirma que a educação no espaço escolar, atuou e atua produzindo sujeitos masculinos e femininos. Segundo a autora a escola enquanto espaço de educação sistemática e intencional foi, desde sua criação, um espaço planejado para imprimir distinções, como por exemplo, o caso da separação entre meninos e meninas1. Louro (1997) salienta que eram evidentes as distinções feitas nesses espaços: meninos e meninas estudavam em colégios separados, tinham professores de acordo com seu gênero e aprendiam conteúdos diferentes. Com a introdução da co-educação em muitos países foram unificados os programas e os conteúdos escolares para ambos os sexos.

    A cultura escolar produz determinadas identidades, Meyer (2001, p. 29) exemplifica como as produções identitárias do “bom menino e da boa menina”. Para Meyer (2001), o envolvimento com a produção das identidades sociais faz com que a escola, continue sendo, ainda hoje, um espaço institucional constantemente disputado pelas mais diferentes vertentes políticas.

    Os Estudos Gênero desafiam-nos a pensar que os artefatos apresentam uma pedagogia (um currículo cultural), mediante os quais o conhecimento é produzido e legitimado e as identidades são, assim, constituídas. Portanto, os estudos gênero ampliam nossa compreensão do pedagógico e do papel da escola2 desafiando como afirma Meyer (2001, p. 31) a pensar “(...) uma reconceptualização das noções da escola, de conteúdo, de currículo, de conhecimento escolar, de ser menino e menina.”

    As distinções do desenvolvimento motor de mulheres e de homens, de meninos e de meninas vão sendo produzidas, enfatizadas (educadas) no interior das práticas familiares, escolares e nos diferentes espaços da vida social.

    Então é nesse sentido é que a seguir apresento alguns estudos que evidenciam o quanto determinadas práticas tanto da vida cotidiana, como da cultura escolar da Educação Física, por meio das estratégias educativas tratam de modos diferente meninos e meninas. Apresento tais estudos na tentativa de sensibilizar o leitor a pensar porque, muitas vezes, meninos e meninas apresentam desenvolvimento motor diferente.

    Para Dowling (2001) apesar da vasta documentação dos sociólogos, dos historiadores, dos antropólogos, das próprias feministas, referentes às questões da temática da corporeidade, poucos trabalhos teorizam a problemática das diferenças (educativas) do desenvolvimento motor entre meninos e meninas. Preocupações acerca do desenvolvimento motor e da categoria de gênero continuam ainda quase invisíveis, nas conceitualizações dos professores de Educação Física.

Produção dos corpos enfatizada desde o berço até os espaços da Educação Física escolar

    Para Dowling (2001), o mito da fragilidade física começa no berço, quando a criança já é privada de liberdade de estímulos corporais. Dowling estudando estímulos3 na idade de 2 a 24 meses, descobriu que os pais estimulam mais os meninos a tocar seus corpos do que as meninas. No referido estudo, a autora observou-se que os meninos são estimulados e deixados mais à vontade para explorar, brincar com o próprio corpo. Já com as meninas observou que os pais entreviam menos, “como se não deixassem as meninas explorar os seus corpos sozinhos”. E ainda Dowling (2001) conclui que no grupo observado, os pais estimulam mais os meninos a tocarem nos seus próprios corpos do que as meninas.

    Outro dado interessante, analisado neste estudo por Dowling (2001), revela que os pais têm mais contatos corporais físicos com os filhos do que com as filhas. Dowling (2001) observou que os pais realizam muito mais atividades envolvendo brincadeiras de contato corporal com os meninos do que com as meninas; em brincadeiras observadas os pais rolavam pelo chão com o filho, enquanto com as filhas não efetivavam o rolamento. No decorrer das brincadeiras observadas, os pais e as babás ajudam e protegem mais as meninas. Os estudos de Toole & Kretzchmar4 (2001), afirmaram que ambos os pais e babás estimulam mais o comportamento motor ativo dos meninos do que das meninas.

    Na década de noventa, a fotógrafa alemã Marianne Wex5 (2001), documentou posturas corporais de meninos e de meninas na vida diária. Analisando-as verificou o quanto as meninas sentam com os braços junto ao corpo, mãos cruzadas no colo, pés apontando diretamente para frente ou para dentro, as pernas coladas uma nas outras. Nas fotos analisadas o corpo das meninas aparece ocupando pouquíssimo espaço, enquanto o dos meninos se “espalhavam” pelo espaço em volta. Os meninos sentavam com as pernas e braços abertos, a virilha bem visível, o que a pesquisadora denominou de “posição aberta”. As meninas, nas fotos analisadas, adotavam gestos e movimentos delicados, contidos, em que movimentos contidos (cruzar as pernas, dobrar os braços) possibilitavam-lhes ocupar tão pouco espaço quanto possível. As pesquisas mostram que as meninas são estimuladas a destacar sua sensualidade, ao passo que os meninos são estimulados a não expor sua sensualidade (WEX, 2001).

    Para Felipe (2006, p. 21) “a mesma sociedade que promove leis justas de proteção às crianças e adolescentes também ajuda a projetar pela mídia um desejo cada vez maior pelo corpo, na maioria dos casos, feminino”. A mulher, para conquistar espaço, precisa ser desejável. Na cultura brasileira, existe um imenso culto à erotização, afirma Jane (2006, p. 21). Isso captura homens, mulheres e também tem afetado as crianças.

    Para Dowling (2001) os movimentos corporais, de um modo geral, são afetados pelo uso das roupas – a respectiva distinção no uso das roupas – colabora para acentuar as diferenças corporais entre meninos e meninas. Os meninos, geralmente, usavam predominantemente roupas mais folgadas, mais esportivas do que as das meninas. As meninas usavam roupas mais apertadas, ajustadas ao corpo; tamanquinhos, saltos nos calçados, dificultando-lhes a mobilidade corporal. “Ser sexy”, hoje, é socialmente valioso, a moda infantil estimula o comportamento erotizado, em particular, o das meninas, por meio das formas de vestir. As meninas, bem mais cedo que os meninos, adotam “práticas disciplinares e reguladoras”, como as da roupas e das restrições alimentares (dietas).

    O estudo de Wex (2001) destaca que no contexto escolar, as meninas são repreendidas sobre os modos corporais – quando falavam ou riam alto – mais do que os meninos. Outro dado revelado pelo estudo da autora é a tendência dos pais e professores a controlarem o espírito agressivo nas meninas e a estimulá-lo nos meninos.

    As formas de brincar são outros modos de avaliar como as distinções corporais entre os gêneros masculino e feminino vão se constituindo. Costumeiramente os meninos recebem como brinquedos carrinhos, armas, bolas; as meninas recebem bonecas e suas brincadeiras girarão no universo das casinhas de bonecas (panelinha, comidinha, mobília) e elementos em torno do cuidado corporal das bonecas e de si (vestuário, maquiagem, bolsas, calçados, bijuterias). Só recentemente pesquisadores começaram a entender o preço que as meninas pagam por essas distinções nas ofertas dos brinquedos no tocante ao desenvolvimento motor6. As crianças internalizam as categorias dos brinquedos destinados a cada sexo, sendo estimuladas a brincarem com este ou aquele determinado brinquedo. Educa-se as crianças com brinquedos como “próprios para um gênero” ou “impróprios ao outro, como feminino (bonecas) e masculino (bolas). Os brinquedos provocam nas crianças reações diferentes. Enquanto os brinquedos dos meninos por exemplo estimulam a correr, saltar, esconder-se, subir, vencer obstáculos, os das meninas reforçam a passividade, fazendo com que elas se atrasem, em relação àqueles no aprendizado das habilidades motoras. Muitos pais usam como método para escolha dos brinquedos o que está socialmente legitimado no mercado como sendo próprio de cada gênero.

    Estudo realizado por Altman (1998) a partir de observações das crianças brincando, no contexto escolar, destaca que os meninos usavam mais objetos, jogavam mais bola, construíam mais pontes com peças de lego, armavam mais torres com blocos, mexiam mais com objetos mecânicos do que as meninas. Estudos de Bee (2003) revelaram que as crianças ao ingressarem no primeiro grau já apresentavam uma distinção, muitas vezes, evidente entre as brincadeiras pertencentes ao universo dos meninos às pertencentes ao das meninas.

    Estudos de Heel (2001) sobre atividades realizadas em playgrounds,7 abrangendo aproximadamente trezentos meninos e meninas das Séries Iniciais, revelou que os meninos exploravam bem mais o playground (se movimentavam, ocupavam mais espaço, passando por quase todos os elementos) do que as meninas. As meninas nos playgrounds davam preferência a longos períodos de conversas, em grupos de duas a três colegas. Esse estudo também evidenciou que os meninos, dentro do playground, participavam de jogos coletivos, organizados, como o futebol, o basquete, ao passo que as meninas ficavam passivas, muitas vezes, na condição de expectadoras.

    Para Duncan (2001) as meninas quando começam a se interessar pelas práticas esportivas são, em geral, dois anos mais velhas que os meninos, o que produz desvantagens na aprendizagem motora. Estudos de Duncan (2001) apontam que 70% das crianças que rejeitam o esporte coletivo antes dos dez anos de idade são as meninas.

    Duncan (2001, p. 121) afirma que “a mídia, os pais, os professores e colegas dizem as crianças, de muitas e diferentes maneiras, que os meninos são fortes, e as meninas, o oposto”. Estudos de Scarton realizados na década de 19908 perceberam que os professores de Educação Física fazem, de um modo geral, uma avaliação mais positiva da aptidão física dos meninos com relação a das meninas.

    Estudos revelaram que os métodos e os conteúdos da Educação Física tradicional, geralmente, concentravam-se basicamente nos supostos “padrões” de comportamento, a Educação Física das meninas era considerada menos importante que a dos meninos9. Scarton (1990) destaca que, os meninos são criados para serem fortes, independentes, agressivos, competentes, competitivos. Já as meninas, para adquirem um comportamento dependente, carinhoso, sensível, afetuoso.

    Os meninos, muitas vezes, no contexto das aulas de educação física, de um modo geral, são mais estimulados aos esportes coletivos, por meio de uma cultura mais competitiva que a das meninas. Os esportes coletivos são práticas que desenvolvem competição, a autoconfiança, a superestimação de si, o espírito e o exercício de liderança, pressupostos destacados na educação masculina. Enquanto meninas são mais estimuladas para as atividades de manutenção e modelagem corporal (SCARTON, 1990).

    Por último não podemos deixar de registrar que hoje a Nike e Reebok, principais indústrias comercializadoras de artigos esportivos, incluíram a mulher nas temáticas de seus anúncios esportivos. A estranheza que a mulher atleta provocava no passado se transformou hoje em saudável curiosidade. O mundo contemporâneo passou a encarar a mulher esportista com mais naturalidade. Agora, com a ascensão das modelos de fisionomia famélica e a súbita valorização na moda, de rostos e corpos que parecem vender “saúde”, o visual esportivo passou a ser quase um pré-requisito da mulher bem-sucedida (SCHWENGBER, 2001). Outro fato importante é que a transformação da mulher no esporte é impulsionada, fundamentalmente pelo mercado, pois a indústria do material esportivo descobriu que a mulher compra mais roupa e material esportivo que os homens e aposentam esses equipamentos antes também.

A importância das atividades corporais para a vida dos meninos e das meninas

    A presença das atividades corporais na vida dos meninos e das meninas só foi compreendida, em tempos relativamente recentes, no campo da Educação, como no próprio campo de desenvolvimento da Educação Física. Para Merleau-Ponty (1998) “o senso do indivíduo como pessoa ativa é desenvolvido através da experiência de dominar o corpo. Para o autor “o eu posso” e ou “eu não posso” são experiências corporificadas. As práticas de atividades físicas não são, simplesmente, ações que desenvolvem os processos anátomo-bio-fisiológicos, mas um conjunto de processos, afetivos e identitários que desenvolvem e tem efeitos, em graus variáveis, na vida dos meninos e meninas (SOARES, 2006).

    Dowling (2001, p. 102) estuda as implicações políticas do mito das fraquezas corporais, particularmente, da mulher, partindo da seguinte assertiva: corpos que encolhem são cérebros que encolhem. Para autora, o corpo é um instrumento de poder, pois se torna fisicamente mais capaz, quando mais cedo melhor para a saúde social de meninos e meninas.

    Acredito que os profissionais da educação e da Educação Física desempenham papéis extremamente importantes para essa compreensão. Estudos mostram que participar de esportes na escola gera maior autoconfiança corporal, atitudes mais positivas em relação à escola e, menos comportamento autodestrutivo (SCARTON, 1990).

    Para Dowling (2001) o senso de fragilidade começava na infância. O corpo aprende o que nós aprendemos com ele. Particularmente para muitas mulheres foi um legado de incapacidade, de fragilidade, poucas escaparam. As mulheres de hoje formam a vanguarda de uma revolução física, uma revolução já bem tardia. Como meninas fortes elas se transformarão em mulheres que recusarão ser vitimadas. Confiar no próprio corpo, esse é um dos obstáculos para obtenção de uma liberdade psicológica, queremos que as meninas e os meninos tenham espaços de socialização mais abertos para se relacionarem com o próprio corpo, com o corpo do outro. Corporeidades não para serem apertadas dentro de roupas, para ser olhado, mas corporeidades que enfrentam desafios de ser capaz de confiar em seu corpo, recuperando a capacidade de confiar em si (SCHWENGBER, 2006).

    As práticas de atividades físicas tornam-se um espaço fundamental para o desenvolvimento tanto das meninas como dos meninos. Evidencia-se que as mulheres que mantêm a prática regular de atividade física hoje, 80% delas ocupam empregos de destaque (SABA, 2001).

    Pergunto: As escolas, as aulas de Educação Física, estão mudando a maneira de estimular a prática das atividades físicas? Estão assumindo, em suas aulas, programas que ajudam as meninas e os meninos a terem mais sucesso nas atividades corporais?

    Entendo que as distinções no desempenho motor entre meninos e meninas continuaram a existir, enquanto persistirem as seguintes condições – enquanto ocorrer tratamentos diferentes em termos de estímulo, de instruções técnicas e de oportunidades educativas. Enquanto não problematizarmos os velhos preconceitos.

Notas

  1. Para uma análise específica da Educação Física., consultar o trabalho de SOUZA, Eustáquia S. de. Meninos, à marcha! Meninas, à sombra! – A história do ensino da educação física em Belo Horizonte (1987-1994). Campinas: Unicamp, 1994. (Tese de Doutorado).

  2. Steinberg, (1997) nos alerta que a educação das crianças, se estabelecem em infinitos espaços, não se limitando apenas à escola. Para a autora a contemporaneidade apresenta uma gama diversificada e densa de espaços (estratificados) de aprendizagens, concebe-os como “pedagogias culturais em circulação” (STEINBERG, 1997, p. 98). “O termo ‘pedagogia cultural’ refere-se à idéia de que a educação ocorre numa variedade de locais sociais, incluindo a escola, mas não se limitando a ela. Locais pedagógicos são aqueles em que o poder se organiza e se exercita, tais como bibliotecas, emissoras de TV, filmes, jornais, revistas, brinquedos, anúncios, videogames, livros, esportes. Steinberg (1997) argumenta que existem pedagogias sendo operadas nos diferentes artefatos e espaços culturais.

  3. Colette Dowling (2001) Peter f. Radford. “Womens Foot-Races in the 18 and 19 Centuries: a popular and Widespread Practice. In Congresso Internacional de História do Esporte de 1993, Berlin-Alemanha.

  4. Colette Dowling (2001) apud Toole e Kretzchmar, Feminism, Theory and the Politics of Difference (Oxford, Inglaterra, 1999, p. 50).

  5. Colette Dowling (2001) apud Marianne Wex, Bodily. Deformities in Girlhood, Popular Science Monthly, 1983.

  6. Tonya Toole, Judith Kretzschmar Colette Dowling (2001) apud Toole e Kretzchmar, Feminism, Theory and the Politics of Difference (Oxford, Inglaterra, 1999, p. 50).

  7. Chris Weedon. Feminism, Theory and the Politics of Difference (Oxford, Inglaterra, 1999, p. 24).

  8. Sheila Scarton. The Principles and Practice. Univestity Illiones Press, 1994.

  9. Bruce Kild Sport, Men and the Gender Order, 1990, p. 35.

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