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Imagem corporal em indivíduos amputados

 

*Fisioterapeuta e Mestranda em Reabilitação e Inclusão

**Docente do Programa de Reabilitação em Inclusão/IPA

(Brasil)

Letícia Albuquerque

Atos Prinz Falkenbach

atos@univates.br

 

 

 

Resumo

          O presente artigo no formato de um ensaio objetiva discutir, a partir de revisões bibliográficas da literatura da área, a imagem corporal em indivíduos amputados. O termo imagem corporal é um termo bastante utilizado na área da saúde e de suma importância quando pensamos em pacientes que sofreram a amputação de um ou mais membros do corpo, independente de protetização. A metodologia do estudo é bibliográfica, investigou literatura existente acerca da amputação e sua relação com a imagem e consciência corporal de pessoas amputadas. O estudo permitiu reconhecer que a literatura na área da amputação e de sua reabilitação é destacadamente técnica e objetiva. Descreve procedimentos e técnicas, mas esquece de descrever sobre as pessoas, ou seja, como as pessoas se adaptam, reagem e reabilitam diante do processo da amputação. O estudo permitiu perceber que o conhecimento da reabilitação em amputação necessita do recurso de bibliografias da área da psicologia e das terapias alternativas, como forma de contribuir na tomada de reabilitação da imagem e consciência corporal da pessoa amputada.

          Unitermos: Imagem corporal. Pessoas amputadas. Reabilitação.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 131 - Abril de 2009

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Introdução

    O presente estudo surge das motivações do exercício profissional desenvolvido na prática fisioterapeutica com pessoas amputadas. A amputação de membros de um corpo, seja por qualquer situação, implica sempre em uma mutilação física e psicológica. Os impactos de ordem física, emocional, social e laboral podem ser diversos, mas estarão presentes nas pessoas.

    Diante dessa realidade buscamos maiores subsídios teóricos para poder estudar também os impactos na imagem corporal que os amputados manifestam. Nesse processo foi possível constatar que a literatura da área, principalmente nas literaturas referentes à reabilitação da pessoa amputada é excessivamente técnica e pragmática. Há descrições dos métodos, dos recursos, das técnicas e procedimentos, mas passa ao largo de qualquer relação mais humana ou de significado que o procedimento possa impactar sobre as pessoas submetidas a ele. Assim questionamos: qual a imagem corporal que passam a construir as pessoas submetidas às amputações? O que a literatura apresenta como recurso epistêmico para discutir e refletir sobre os impactos da alteração da imagem corporal em pessoas amputadas? Como os terapeutas se comportam diante das manifestações e das dificuldades das pessoas amputadas?

    É certo que como profissionais da área da saúde não podemos estar à distância e neutralizados em relação a todos os aspectos que envolvem as pessoas que sofreram uma amputada, como os aspectos físicos, mas também os emocionais, o social. A frieza e pragmaticidade da técnica distanciam cada vez mais o paciente do terapeuta. O terapeuta realiza o tratamento, mas a compreensão da realidade do paciente pode estar distante e fragilizar o devido tratamento. Não se trata do terapeuta sofrer a dor que sente a pessoa amputada, mas estar ciente e sensibilizado do processo dolorido que o outro é submetido. Poder olhar o paciente com outros olhos que não só com a objetividade do processo de reabilitação física, mas poder pensar e compreender como nossos pacientes passam por esse período e como se vêem nos diferentes momentos pelo qual passarão: inicialmente submetidos a amputação e posteriormente acoplados a prótese.

Imagem corporal

    Entende-se por imagem do corpo humano a figuração do corpo formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual nosso corpo se apresenta para nós. É a representação que cada um faz de si mesmo e que lhe permite orientar-se no espaço (Schilder, 1999; Tavares, 2003).

    A imagem corporal engloba todas as formas pelas quais uma pessoa vivencia e conceitua seu próprio corpo. Lowen (1979) relata que a imagem corporal se desenvolve através da síntese de sensações que derivam dos inúmeros contatos físicos entre a criança e os pais. No início da vida a identidade que possuímos é basicamente corporal, sendo determinante para a formação de uma imagem corporal adequada a qualidade do contato físico estabelecido entre mãe e filho. Esse contato físico determinará o sentimento da criança em relação ao seu corpo e suas respostas em relação à vida.

    A imagem corporal desempenha funções importantes na vida do adulto. Ela serve como modelo para a execução de uma atividade motora consciente, que é ensaiada subconscientemente antes de sua execução. Lowen (1979) relata que a seqüência de movimentos é visualizada em termos de imagem corporal e uma inadequada imagem do corpo prejudicará a execução da atividade motora.

    Adami e Cols (2005) citam o complexo fenômeno que é a imagem corporal. Envolve aspectos cognitivos, afetivos, sociais, culturais, motores. É baseado em vários dados sensoriais proprioceptivos e exteroceptivos e está integrada a uma organização cerebral e influenciada por fatores sensoriais, processos de desenvolvimento e aspectos psicodinâmicos (Alves, 2005; Tavares, 2003). Nesse processo de construção da Imagem do corpo, afirma Adami e cols (2005), os sentidos humanos (principalmente visão, tato e propriocepção) dão informações importantes sobre o desenho, a silhueta corporal.

    Segundo Schilder(1999) para desenvolvermos a imagem corporal é necessário referências sobre o próprio corpo: vivenciar as sensações corporais e torná-las concretas. Essa integração pode permitir ampliar o contato interno e facilitar a adaptação ao mundo externo. As sensações corporais asseguram a construção da imagem corporal.

    Esta representação mental do corpo faz-se necessária à vida normal e fica prejudicada quando há lesão cerebral ou um trauma, como a perda ou ausência de um segmento corporal.

Corpo

    O corpo é um objeto que se constrói como identidade. Nascemos com um corpo, um esboço de imagem no mundo construído pelos pais, familiares e sob influência cultural forte. Mas esse corpo construído não corresponde ao nosso corpo concreto. A identidade corporal se desenvolve baseada nas vivências das sensações. O corpo se desenvolve partindo de suas potencialidades e limitado pelas possibilidades impostas pelo meio externo.

    Tavares (2003) destaca a importância da conexão do indivíduo com seu corpo relatando que para que o corpo se apresente como imagem em nossa mente é preciso que ele exista para nós como objeto concreto e significativo. Há uma profunda relação entre imagem corporal, corpo, representações mentais, identidade corporal, cultura, estímulos e outros.

    O corpo possui aspectos fisiológicos, sociais, psicológicos, ambientais e culturais que se relacionam e se integram durante a vida mediante o contínuo processo de perceber. Esse corpo possui memória, história e identidade. Tavares (2003) descreve que o corpo é a representação da identidade corporal que chamamos de imagem corporal.

    A delimitação da imagem corporal passa pela determinação do que pertence e do que não pertence ao “EU CORPORAL”. Existem as próprias sensações corporais, mas existem outras referências que dizem o que sou como gostariam que fosse, como gostaria de ser. Tais referências são importantes na construção do EU CORPORAL (Tavares, 2003).

Deficiência e amputação

    A deficiência física, independente da sua forma de manifestação, pode afetar a imagem corporal do indivíduo. Com a perda de uma parte do corpo o indivíduo pode ter uma brusca alteração da imagem corporal (De Benedetto, K.M. e cols, 2002).

    Marcadas pela falta de um membro ou segmento corporal, as pessoas amputadas trazem inscritos em seus corpos sinais que as identificam como sendo diferentes, não raras vezes, sendo identificadas também como seres imperfeitos e incapazes (Luccia, 2001). As pessoas amputadas trazem inscritas em seus corpos características que as diferenciam de outras pessoas (Omote, 1997).

    Chini e Boemer (2007) acrescentam: que perder parte do corpo é doloroso e impõe um novo modo de viver, de estar no mundo, de se relacionar. A relação com o corpo em um indivíduo bilateralmente amputado, ou seja, que perdeu os membros inferiores, é alterada, modificando inclusive a forma de olhar o mundo, as pessoas, as coisas. Perder parte do corpo altera toda uma existência. É ter de se adaptar, readaptar, aprender a viver novamente assumindo uma nova perspectiva do mundo para si, para os outros, para os objetos (Chini e Boemer, 2007).

    Viver a amputação relata Chini e Boemer (2007), é viver experiências marcadas por alterações biopsicossociais, culturais, repletas de estigmas decorrentes da deficiência e de sentimentos diversos. Esses sentimentos estão permeados pela razão que visualiza a cirurgia como necessária para salvar a vida, mas também permeados pela emoção na dificuldade em aceitar a perda: há a esperança de acabar com a dor física, de manter-se vivo afastar a idéia da morte. Por outro lado há a perspectiva da vivência de modo diferente, incompleta, que modifica o movimento do ser humano no mundo.

    Paiva e Goellner (2002) relatam que para o paciente amputado falar sobre o corpo amputado é uma tarefa difícil e nomeá-los deixa aparentemente mais visível as diferenças e imperfeições. Os indivíduos precisam aprender a dominar seus corpos renunciando a gratificação imediata de seus desejos mais simples, como ficar em pé sem as muletas. Esse controle sobre seus corpos não se dá sem uma série de sentimentos ambíguos: amor e ódio, desejo e repulsão, cuidado e descuido com o corpo. Chini e Boemer descrevem a amputação como boa e ruim, alegre e triste, feliz e infeliz, fácil e difícil, pois existe a perda de parte do corpo, mas existe o retorno à vida.

    A amputação revela a morte real de uma parte de um corpo, bem como a morte simbólica de um estilo de vida, de uma forma de ser e de uma identidade. Seus corpos passam a ser desconhecidos, escapam de enquadramentos, implicita a diferença (Paiva e Goellner, 2002).

    A amputação provoca uma modificação permanente na aparência do indivíduo, em sua auto-imagem. Precisam conviver com situações que lhe eram habituais, reconstruindo esquemas e possibilidades motoras para cada situação nova. Adaptam-se e readaptam-se com essa nova condição corporal causada pela amputação e faz-se necessário toda uma nova adaptação e readaptação com o uso da prótese.

    Oliveira (2000) ressalta a importância da consciência da amputação para a reabilitação e que a mesma se torna mais precisa a medida que inicia-se os movimentos e o indivíduo mobiliza seu próprio corpo, mostrando-se mais ativo, reencontrando-se e confrontando-se com sua imagem.

Considerações finais

    Com a perda de uma ou mais partes do corpo, o indivíduo tem sua imagem corporal alterada. Para que esse indivíduo tenha sucesso em sua reabilitação e, consequentemente, os profissionais que dedicam à reabilitação dessas pessoas, faz-se necessário essa reintegração dessa nova imagem corporal à consciência. As alterações decorrentes desse distúrbio da imagem do corpo se sobrepõem a perda da sensação do membro e a função do mesmo. Influencia na auto-estima, nas relações sociais e laborais, no auto-conceito da pessoa. A amputação transcende a perda física de um membro, mas engloba fatores emocionais, laborais, sociais advindos com essa perda.

    A aceitação de sua nova condição física bem como a aceitação da prótese passam pelo processo de reintegração corporal, se ver e se perceber em sua condição de amputado e enxergar as possibilidades que existem além da protetização, se amar, voltar a amar o corpo com a amputação, e apesar dela.

    Durante a realização desse artigo ficou evidente o quão pragmática é a literatura quando aborda o tema da amputação. Para buscar recursos acerca de um processo que inclina-se para humanizar a relação com os amputados é necessária a pesquisa de recursos na literatura da psicologia e das terapias alternativas

    Foi perceptível a quantidade de conteúdos da literatura acerca de procedimentos, mas é escassa aquela que aborda o tema de pessoas que foram submetidas à amputação e o seu cotidiano. Avaliamos que se trata de algo valioso compreender e estudar acerca da sensibilidade e necessidades do outro diante de uma fragilidade corporal. Compreendemos que na correria do dia-a-dia há predominância com a preocupação de alcançar os objetivos traçados ao paciente, sem realmente parar para tentar compreender o processo real pelo qual estão passando, em que a amputação repercutiu emocionalmente, socialmente e laboralmente. Também há repercussões na forma como se percebem, lidam com seu novo corpo, as reais e diversas adaptações que são submetidos diariamente após a amputação.

    Reconhecemos que é de suma importância dominar as técnicas, os recursos que serão empenhados para a protetização do paciente, mas também é de suma importância humanizar essa relação terapeuta-paciente. Cabe aos profissionais da área da saúde auxiliar no processo de retomada das condições sociais, de lazer, laborais da pessoa amputada. O sentimento de cada pessoa, a necessidade que possui de ser amado e valorizado são bons auxílios no processo reabilitador. Reabilitar deve ser mais que ensina-los a colocar e retirar uma prótese e a caminhar com ela, mas é auxiliar em superar os diferentes desafios reais que enfrentarão diariamente, a se tornarem ativos e valorizados em suas próprias vidas.

Referências

  • ADAMI, F. e Cols. Aspectos da construção e desenvolvimento da imagem corporal e implicações na educação física. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 10, número 83, abril 2005. Disponível em http://www.efdeportes.com/efd83/imagem.htm

  • ALVES, F. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Walk, 2005.

  • CHINI, GCO. BOEMER, MR. A amputação na percepção de quem a vivencia: um estudo sob a ótica fenomenológica. Revista Latino-Americana de Enfermagem, vol.15, no.2, Ribeirão Preto, Mar./Apr. 2007.

  • DE BENETTO, KM. e Cols. Reintegração corporal em pacientes amputados e dor fantasma. Acta Fisiátrica 9 (2):85-89, 2002.

  • LOWEN, A. O Corpo Traído. São Paulo: Summus, 1979.

  • LUCCIA, N. et al. Amputações de membros. In: GOFFI, F. et al. (Orgs.). Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas cirúrgicas. São Paulo: Atheneu, 2001. p.180-99.

  • OLIVEIRA, R. Elementos psicoterapêuticos na reabilitação dos sujeitos com incapacidades físicas adquiridas. Portugal: Análise Psicológica, 2000.

  • OMOTE, S. Deficiência e não-deficiência: recortes do mesmo tecido. Revista Brasileira de Educação Especial, v.1, n.2, p.65-71, 1997.

  • PAIVA, LL. GOELLNER, SV. Re-inventando la vida: un estudio cualitativo sobre los significados culturales atribuidos a la reconstrucción corporal de amputados mediante prótesis. Interface (Botucatu) [online]. 2008, v. 12, n. 26, pp. 485-497. ISSN 1414-3283.

  • SCHILDER, P. A Imagem do corpo: as energias construtivas da psique. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

  • TAVARES, MC. Imagem corporal: conceito e desenvolvimento. Barueri, SP: Manole, 2003.

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