efdeportes.com

A utilização do esporte como ferramenta de intervenção

educativa em condições de vulnerabilidade social

La utilización del deporte como herramienta de intervención educativa en condiciones de vulnerabilidad social

 

*Graduada em Educação Física pela UCB/RJ

Pós-graduando em elaboração e gestão de projetos Sócio-esportivos pela UCB/RJ

Integrante do LAPEM da UCB/RJ

Coordenadora de um dos núcleos do projeto Segundo Tempo

**Graduando em Educação Física pela UCB/RJ

Pós-graduando em elaboração e gestão de projetos Sócio-esportivos pela UCB/RJ

Estagiaria do projeto SESC na praia

*** Graduando em Educação Física pela UCB/RJ

Pós-graduando em elaboração e gestão de projetos Sócio-esportivos pela UCB/RJ

Integrante do LAPEM da UCB/RJ

Pesquisador de Grupo de Cultura Corpora da UCB/RJ

Aline de Oliveira Souza*

alinejudoca@gmail.com

Fláviane Marques de Souza**

flaviane_marques@yahoo.com.br

Mauricio Fidelis***

mauriciofidelis@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo de revisão bibliográfica analisa as possibilidades de intervenção educativa através do esporte em condições de vulnerabilidade social. Discutindo inicialmente o contexto sócio-econômico de surgimento da vulnerabilidade e os benefícios sócio-emocionais da prática esportiva. Prosseguindo são considerados argumentos relativos ao emprego do esporte em realidades de vulnerabilidade finalizando com uma reflexão numa perspectiva crítica.

          Unitermos: Vulnerabilidade social, esporte e projetos sociais.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 131 - Abril de 2009

1 / 1

Introdução

    Diante do contexto sócio-econômico brasileiro atual em que é uma crescente a implantação de projetos sociais, principalmente aqueles que utilizam o esporte como ferramenta de base surge este estudo com o objetivo de analisar as possibilidades de contribuições sócio-emocionais em condições de vulnerabilidade social no sentido de colaborar para manutenção ou modificação do modelo de sociedade vigente. Trata-se de uma pesquisa em Ciências Sociais, utilizando o método dialético no qual os fatos não podem ser considerados fora de um contexto social, político e econômico, realizada através da técnica de levantamento bibliográfico norteada principalmente por autores como (GUARESCHI, REIS, HUNING (2007), TRAVERSO-YÉPEZ E PINHEIRO (2002) e ABRAMOVAY, CASTRO, PINHEIRO, (2002) .

Vulnerabilidade social

    Atualmente o conceito vulnerabilidade social vem sendo utilizado em larga escala, no entanto não podemos falar de aspectos da vulnerabilidade sem antes contextualizá-la.

    O termo vulnerabilidade surge inicialmente na área dos direitos humanos, em seguida passa a envolver também a saúde, posteriormente ganha abrangência maior atingindo a esfera social, englobando educação, trabalho, políticas públicas e referindo-se as condições de vida e suportes sociais (GUARESCHI, REIS, HUNING, 2007).

    Estas mesmas autoras entendem vulnerabilidade social como uma posição de desvantagem ocupada por determinadas parcelas da população no que diz respeito ao acesso às condições de promoção e garantia dos direitos de cidadania.

    Segundo Traverso-Yépez e Pinheiro (2002) vulnerabilidade é uma categoria dinâmica mutante e operativa que ultrapassa a posse limitada de bens (fator infuenciador) avaliando aspectos positivos e negativos incluindo das características, recursos, habilidades e estratégias individuais e grupais para lidar com o sistema de oportunidades que a sociedade oferece. Desta maneira a situação de vulnerabilidade é definida pela inter-relação entre objetividades e subjetividades, contexto e pessoas que fazem parte dele.

    Abramovay, Castro, Pinheiro (2002) descrevem o termo em questão como o resultado negativo da relação entre os recursos materiais ou simbólicos disponíveis pelos sujeitos e o acesso às estruturas de oportunidades sociais, econômicas e culturais sejam elas oriundas do Estado, do mercado ou da sociedade.

    Percebe-se assim que este conceito possui estreita relação com a falta de chance de indivíduos ou grupos de usufruir de algo que teoricamente deveria está disponível a todos para uma melhor qualidade de vida.

    Guareschi, Reis, Huning (2007, p. 2) confirmam ao relatarem:

    oportunidades constituem uma forma de ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deterioração das condições de vida de determinados atores sociais. Assim, o conceito de vulnerabilidade social está indiretamente vinculado com o de mobilidade social, posto que as possibilidades que indivíduos em vulnerabilidade social possuem de se movimentarem nas estruturas sociais e econômicas são restritas em termos de modificação de inscrição social.

    O Brasil apesar de ser a décima maior economia industrial mundial, em função do PIB, ocupa a segunda pior posição no que se refere à distribuição de renda. Considerando dados de 1997, 29% dos domicílios encontram-se abaixo da linha de pobreza e 11% estão abaixo da linha de indigência (TRAVERSO-YÉPEZ E PINHEIRO, 2002). Conseqüentemente o Brasil figura como um dos países com as maiores taxas de desigualdade social, no qual “a renda dos 10% mais ricos corresponde a 45% do PIB nacional, se incluir nesse cálculo dados sobre o patrimônio, quando o percentual chega a 75,4% da riqueza total brasileira na mão de 10% da população” (SILVA, 2007, p. 4).

    De acordo com pesquisa realizada por Traverso-Yépez e Pinheiro (2002) observou-se alto nível de vulnerabilidade dos adolescentes, inseridos em um contexto social com serviços de infra-estrutura precários, elevado índice de evasão escolar, e pela ausência de perspectivas e oportunidades acadêmicas e profissionais tanto para meninos quanto meninas.

    Guareschi, Reis, Huning (2007, p. 2) acrescentam que as taxas de vulnerabilidade ascendem quando aparecem situações como: falta de acesso à informação, aos serviços básicos de educação.

    Nota-se assim que a educação assegurada a todos por lei no Brasil, entretanto com uma realidade diferente na prática, aparece como um forte fator influenciador nos índices de vulnerabilidade.

    As relações sociais permeadas por desigualdade de oportunidades, déficit na educação, dificuldade de inserção no mercado de trabalho, ausência de práticas de lazer, bem como de formação ética e cultural em valores de solidariedade e de paz contribuem para a exclusão do indivíduo e dificultam ou em alguns casos até mesmo impedem a participação democrática auxiliadora na formação de identidades sensíveis à diversidade cultural e à solidariedade cidadã, que fortalece a auto-estima e estimula um sentimento de pertencimento à comunidade. (ABRAMOVAY, CASTRO, PINHEIRO, 2002).

    Os mesmos autores ainda acrescentam que “a experiência de processos de exclusão e desigualdades sociais, além de gerar privações materiais, fomenta entre os indivíduos sentimentos de desencanto e frustração, concorrendo para erosão da solidariedade”(p.57).

    Desta maneira os jovens ficam com suas opções muito limitadas e encontram dificuldade para recusar os atrativos que o crime oferece tais como dinheiro e conseqüente acesso aos bens e serviços, possibilidade de ser notado e respeitado, status.

    A violência torna-se uma maneira de externar os sentimentos negativos que surgem no indivíduo por perceber que a sociedade o trata de maneira diferente dos outros, dando origem, em alguns casos, ao desejo de tomar daqueles que tem algo que ele gostaria de ter, mas as oportunidades lhe foram negadas.

    Pelo foco da vulnerabilidade advoga-se que a violência embora associada a pobreza, não é sua conseqüência direta, mas sim da forma como as desigualdades sociais e a negação do direito ao acesso de bens e equipamentos de lazer, esporte e cultura operam nas especificidades de cada grupo social, desencadeando comportamentos violentos. (ABRAMOVAY, CASTRO, PINHEIRO, 2002, p. 57).

    Condições de precariedade psicossocial associada a privações materiais têm como conseqüência “relações interpessoais marcadas pela violência, da qual cada um torna-se vítima e reprodutor” (TRAVERSO-YÉPEZ e PINHEIRO, 2002, p. 5).

Esporte como prática educativa

    Na tentativa de uma intervenção positiva nesta realidade encontra-se o esporte como uma possível ferramenta de transformação.

    Atualmente é uma crescente o número de projetos sociais que tem surgido no Brasil, formulados tanto por organizações governamentais quanto por não governamentais, estas últimas principalmente, propondo ações educativas por meio do esporte.

    De acordo com Silva (2007) este fenômeno de inserção do esporte como prática educacional alternativa em projetos sociais tem origem em meados dos anos 90, em especial pelo Instituto Ayrton Senna.

    A prática de atividades esportivas além de benefícios físicos desenvolve potencialmente os aspectos sócio-emocionais na formação do indivíduo.

    O esporte facilita o processo educativo, promove a socialização, a cooperação, participação, o prazer, a espontaneidade, a iniciativa, serve de aprendizado para a vida em sociedade (GUARESCHI, REIS, HUNING, 2007).

    A prática esportiva possibilita a integração do indivíduo ao grupo ou ao meio; satisfação da necessidade social de realizar exercícios físicos; conhecer suas reais possibilidades e interesses; estimula a criatividade, o autoconhecimento, a independência, a responsabilidade pessoal, convivência com vitórias e derrotas; faz o indivíduo lidar com tensões ao encontrar-se frente a situações imprevistas, desenvolve confiança e segurança em si mesmo e promove vivências dos valores éticos e estéticos.

    As atividades esportivas desempenham um papel imprescindível na construção da identidade de jovens e adolescentes, pois veiculam valores que os jovens acabam internalizando, permite que os mesmos façam suas próprias escolhas, reforçam a auto-estima e auto-confiança, bem como criam laços de solidariedade e cooperação (ABRAMOVAY, CASTRO, PINHEIRO 2002, p. 57).

    Além disso o esporte atrai, prova disso é que no programa Trabalho Educativo, vinculado ao Serviço de Apoio Sócio-Educativo do município de Porto Alegre as atividades de dança é um dos momentos mais valorizados com número de faltas reduzidos (GUARESCHI, REIS, HUNING, 2007).

Esporte e vulnerabilidade social

    Considerando que para o desenvolvimento psicossocial dos indivíduos é necessário, entre outros fatores, definir as relações e processos de identidade, a sexualidade, ter certa autonomia, auto-estima reforçada e expressar criatividade e, que a prática esportiva configura um espaço para que tudo isso seja trabalhado, ao traçar um paralelo com o que foi abordado sobre vulnerabilidade, é notória a importância do esporte em contextos de vulnerabilidade social oportunizando ao praticante vivenciar emoções positivas.

    Mesmo com todas as contribuições do esporte supracitadas e apesar deste ser considerado um direito do cidadão brasileiro assegurado pelo artigo 217 da Constituição Federal de 1988, hoje ainda não são todos que tem acesso a prática esportiva, porém esta é uma realidade que vem sendo modificada com a inserção do esporte nos projetos sociais.

    Entretanto se faz necessária uma análise e reflexão de como a prática esportiva tem sido direcionada nestes projetos visto que a mesma não deve ser realizada desconsiderando o contexto sócio-político e histórico no qual está inserida.

    Sabe-se que o esporte como hoje conhecemos é originado na Inglaterra a partir da Revolução Industrial e foi se formando de acordo com a evolução do capitalismo e ideologia burguesa. O mesmo foi usado pelos burgueses na tentativa de conter desordens socialmente intoleráveis, ocupando o tempo daqueles que poderiam tentar reivindicar por melhores condições de vida, ou seja, foi uma maneira de regular a vida das pessoas (MEZZAROBA, 2008).

    O mesmo autor ao opinar sobre a intensa utilização do esporte em projetos do terceiro setor, hoje em dia, afirma “acredito que o principal motivo seja a ocupação do tempo livre das crianças e jovens, pois assim é possível controlá-los ainda mais, disciplinando-os e impedindo que suas tensões sejam canalizadas em outros âmbitos”(p.124). E ainda acrescenta que o esporte pode apresentar também como malefício ser considerado como único caminho para as crianças e jovens em vulnerabilidade social contribuindo para a falta de perspectivas dessa parcela da sociedade.

    Traverso-Yépez e Pinheiro (2002) ralatam que propostas formuladas sem reflexão sobre o contexto econômico e sócio-cultural colaboram para manutenção de papéis de submissão e conformismo.

    O esporte deve ser analisado com profundidade para não prejudicar a formação de indivíduos sendo reprodutor do modelo segregador vigente (SILVA, 2007).

    Surge então a indagação de como proporcionar os benefícios do esporte e evitar uma atuação que contribua para manter os indivíduos em vulnerabilidade social?

    É importante saber o que desejamos realizar e para se ter esses objetivos bem delineados é importante saber a quem estamos servindo. E isso só poderá acontecer quando de fato elaborarmos uma educação que vise integrar as classes quitando passo a passo a divida social que a nossa sociedade tem com os mais pobres, aprofundando-se nos seus anseios e necessidades (FIDELIS, MARQUES, OLIVEIRA, 2009, p. 6).

    O esporte não deve ter um caráter assistencialista, é fundamental que os beneficiários tenham participação direta no planejamento, execução e avaliação das atividades oferecidas.

    De acordo com Abramovay, Castro, Pinheiro (2002) em projetos sociais com jovens em situação de vulnerabilidade social o protagonismo dos mesmos constitui um importante contraponto à violência e exclusão social e contribui para dar a estes sentidos positivos e projetos de vida direcionando-os a reconstrução de valores éticos, como de solidariedade e responsabilidade social

    As atividades precisam ultrapassar as perspectivas de descoberta de talentos esportivos ou formação atlética, elas devem conduzir ao resgate da dignidade, ter compromisso ético-político com a transformação, estimular a discussão e reflexão crítica das ações e das potencialidades dos indivíduos, desenvolver consciência dos direitos e deveres, valorização do ser humano, ampliação de horizontes e novas perspectivas de vida, educando para que possam exercer a plena cidadania e colaborando na tentativa de superar as condições de vulnerabilidade social.

Conclusão

    Baseando-se nesta pesquisa constatamos que a vulnerabilidade social é estabelecida em meio a um contexto de extremas desigualdades sociais, falta de oportunidades e dificuldade de acesso aos direitos garantidos como educação e esporte, entre outros e que esta é uma realidade que tem como conseqüência a exclusão social, uma série de sentimentos negativos e a violência.

    O esporte é meio através do qual pode ser proporcionado a estes indivíduos vivências de emoções positivas promovendo a socialização, cooperação, solidariedade, elevação da auto-estima, iniciativa, aquisição de consciência crítica bem como facilitando a internalização de valores éticos, entre outros benefícios.

    No entanto dependendo da sua utilização ele pode trazer malefícios que acabem por manterem ou ainda pior aprofundarem as condições de vulnerabilidade visto que o esporte tem um histórico de ser manipulado por interesses da classe dominante para manter a ordem social vigente, produzindo indivíduos submissos e disciplinados.

    Concluímos que o esporte é uma alternativa a ser utilizada em condições de vulnerabilidade social, contudo se faz necessário que seja uma intervenção que considere aspectos sócio-políticos e econômicos e que esteja pautada em reflexões críticas contribuindo de maneira eficaz e eficiente para a formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres.

Referências bibliográficas

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 14 · N° 131 | Buenos Aires, Abril de 2009  
© 1997-2009 Derechos reservados