Análise de conteúdo das monografias de graduação em Educação Física na UFRNAnálisis de contenido de las monografías de graduación en Educación Física en la UFRN |
|||
*Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação UFRN Membro do Grupo de estudos e Pesquisas Corpo e Cultura de Movimento GEEPC Bolsista Capes **Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Professora do Departamento de Educação Física Vice-Coordenadora do Grupo de estudos e Pesquisas Corpo e Cultura de Movimento |
Silvaneide Rocha* Terezinha Petrucia da Nóbrega** (Brasil) |
|
|
Resumo: Refletimos sobre a configuração do conhecimento no Curso de Educação Física da UFRN, considerando-se a produção das monografias de graduação, no período de 1995 a 2004. A metodologia utilizada foi a análise de conteúdo, através da organização e interpretação de categorias temáticas. Na pesquisa, foi possível identificar investimentos na produção do conhecimento, em termos de objetivos, metodologias e linhas de pesquisa. Esse processo contribuiu para refletir sobre a configuração do conhecimento científico na Educação Física e os domínios das ciências naturais, humanas e sociais. Palavras-chave: epistemologia, ciência e pesquisa, educação física, graduação.
Abstract: We reflect about knowledge configuration in Physical Education Course of UFRN, considering the production of graduation monography between 1995 to 2004 years. The methodology make used of was Content Analysis, by organization and interpretation of Tematic Category. In the search was possible to identify investiment in the knowledge production, regarding the objectives, methodologies and search lines. This process contributed to reflect about the configuration of cientific knowledge in Physical Education and the elements of naturals, human and social sciences. Key-words: Epistemology, Search end Science, physical education, graduation. |
|||
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 131 - Abril de 2009 |
1 / 1
Introdução
O quadro “As férias de Hegel”, pintado por Magritte, em 1958, apresenta-se como uma metáfora que conduz a leitura epistemológica dessa pesquisa. Para tanto, considera-se oportuno esclarecer a escolha da imagem.
Sobre o quadro diz o artista: “Pensava que Hegel teria sido sensível a este objeto que tem duas funções opostas: ao mesmo tempo, não admitir água (repeli-la) e admiti-la (contê-la). Ele teria ficado satisfeito, creio, ou divertido (como se estivesse de férias).1
A imagem do guarda-chuva tem sido usada como metáfora para referir-se às diferentes áreas, subáreas e linhas de pesquisa em diversas agências de fomento à pesquisa, como o próprio CNPq. Pensamos também ser significativa a apreciação estética feita por Magritte, relacionando arte e filosofia, ao referir-se a um grande expoente da filosofia e sua tese dialética, cuja relação entre opostos ganha visibilidade na imagem do artista. Os objetos do cotidiano, da arte ou da ciência, ganham funções ou sentidos diferentes conforme os pontos de vista e os contextos nos quais são produzidos.
As férias de Hegel (René Magritte, 1958)
Do mesmo modo, os objetos e os temas investigados adquirem sentidos diversos quando configurados pelo olhar do pesquisador, conforme seus aportes teóricos e metodológicos. Nesse exercício epistemológico, buscamos priorizar o olhar dialético, àquele que reúne os diferentes sentidos e significados, ampliando os horizontes de compreensão. Destacamos ainda o elemento lúdico do quadro e da produção do conhecimento, que nos chama ou nos convida ao prazer da reflexão e da escrita.
O contexto dessa pesquisa parte das experiências vividas na graduação. O interesse em estudar as relações entre Ciência e Educação Física surgiu a partir de algumas situações experimentadas na graduação, como por exemplo, o tratamento que era dado a nós, alunos de Educação Física, pelos professores de outros departamentos. Eles nos tratavam como menos capazes, corroborando com a idéia de que tais alunos são “somente músculos” e não pensam. Somado a isso, percebia que muitas vezes os conhecimentos que os alunos traziam de suas experiências, fora da academia, eram suficientes para uma aprovação nas disciplinas, o que não condizia com a realidade de estar no ensino superior; sem falar também que alguns alunos reforçavam essa idéia, quando julgavam alguns conceitos como “viagem”. Imbuída nesse contexto, questionava o sentido de estar na Universidade. Foi dessa inquietação que nasceu o interesse em refletir sobre a produção de conhecimento na Educação Física. Essas inquietações que levaram a construção desse trabalho são, na verdade, reflexo da inquietação de toda a área, no que se refere a sua identidade acadêmica, suas bases epistemológicas e sua relação com a ciência e o conhecimento.
Só para contextualizar, etimologicamente a palavra epistemologia vem da composição grega episteme (conhecimento) e logos (razão, explicação). Desse modo, podemos compreendê-la como estudo da natureza do conhecimento, bem como sua justificação e seus limites.2 Ou seja, ela estuda os critérios de validade de um conhecimento sistemático (episteme). Tal conhecimento prescinde a justificação de seus métodos, os caminhos para se chegar aos seus resultados, o que o torna diferente dos conhecimentos fundados no senso comum, a doxa, e na razão mítica e religiosa, o mittus 3
Sob uma tutela positivista, a epistemologia na filosofia moderna foi reduzida à teoria das ciências, quando na verdade ela questiona todo conhecimento sistemático, sendo a ciência uma parte desse conhecimento. A epistemologia desenvolveu-se com a intenção de recuperar o nexo perdido entre a ciência e filosofia. Surge como uma metaciência (segundo nível), estudo que vem depois das ciências e tem como objeto a própria ciência e a maneira como estuda seus objetos, seus princípios, fundamentos, métodos e condições de validade dos seus resultados.4
Os primeiros investimentos epistemológicos dentro da educação Física, no país, datam da década de 1970, quando o MEC diagnostica a insipiência de produção científica na área. Destaca-se, nesse período, o momento político do Brasil, marcado pela ditadura militar e a presença da Educação Física como atividade recreativa e esportiva, sem preocupações acadêmicas, conforme o decreto lei nº 705/ Julho /1969.5
A pesquisa passa a ser preocupação também por parte dos docentes, que mesmo atuando no ensino superior, não possuíam titulação compatível. A partir de então, muitos investimentos foram feitos em programas de pós-graduação, inclusive no exterior, onde muitos foram continuar sua formação.6 Mas isso não significa a solução dos problemas epistemológicos na Educação Física, para não dizer que tenha sido o começo. Com o retorno desses mestres e doutores houve uma asseverada busca de transformar a Educação Física em uma área academicamente orientada e fundamentada. Para tal, foram reestruturados os cursos de formação profissional e implantados os cursos de bacharelado.7
Em um estudo realizado por Nóbrega et al,8 encontramos que os principais interlocutores na Educação Física que tratam as temáticas relacionadas à racionalidade científica, a delimitação do campo acadêmico, modelo de ciência e identidade epistemológicos são Bracht, Sérgio, Betti, Tani e Lovisolo. Essas referências remetem para o início da década de 1990, quando na Educação Física brasileira intensificava-se o debate acadêmico. Atualmente, nesse debate é possível incluir outros interlocutores, tais como podemos perceber no I Colóquio Brasileiro de Epistemologia, realizado na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande de Norte) em setembro de 20029 e no próprio grupo de trabalho temático do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), o grupo de trabalho de epistemologia, cujos coordenadores foram em ordem cronológica: Paulo Evaldo Fensterseifer (1997- 1999 e 1999-2001), Terezinha Petrucia Nóbrega (2001-2003), Luiz Carlos Rigo (2003-2005), Homero Lima (2005-2007) e, atualmente, Silvio Sánchez Gamboa.
Esse breve panorama demonstra que o debate epistemológico vem se consolidando na Educação Física, resultando também na criação de linhas de pesquisa e inúmeras pesquisas que divulgaram e ampliaram essa reflexão, conforme observamos em importantes publicações da área tais como a Revista Brasileira de Ciências do Esporte.
Nesse contexto, somado-se também às experiências da graduação já citadas anteriormente, e o estado da arte sobre a produção de conhecimento no Brasil, o presente trabalho trás a seguinte questão de estudo: Como se configura a produção de conhecimento no curso de Educação Física da UFRN, a partir das monografias de graduação no período de 1995 a 2004?
O objetivo foi identificar os investimentos da Educação Física na produção de conhecimento, a saber:
investigar quais são as temáticas mais exploradas na produção das monografias;
apontar aquelas que mais necessitam de investimentos;
detectar os principais métodos e as sub-áreas, segundo a tabela de conhecimento proposta pelo CNPq;
refletir sobre a organização do conhecimento da Educação Física, considerando-se a relação entre ciências, os saberes e a prática profissional.
A metodologia utilizada foi a análise de Conteúdo10, a partir da qual foi possível identificar os objetos/temas mais recorrentes, a saber:
Iniciação Esportiva, Desempenho Esportivo e Estimulação Motora;
Aptidão Física, Saúde e Qualidade de Vida;
Grupos Especiais;
Formação e Atuação Profissional;
Atuação Pedagógica Escolar;
Lazer e Cultura;
Corporeidade e
Aspectos Histórico-Filosóficos e Sociais.
O segundo momento da análise refere-se às subáreas de conhecimento segundo a tabela de conhecimento do CNPq, que são Biodinâmica do Comportamento Humano, Esportes Específicos, Aspectos Culturais da Educação e Gestão em Educação Física. O terceiro ponto da análise refere-se aos métodos de pesquisa utilizados.
A produção do conhecimento nas monografias
Os dados obtidos na análise confirmam os estudos realizados na década de 1980 e 1990 que diagnosticaram uma forte influência da medicina esportiva, da fisiologia e da cineantropometria.11 Esse aspecto pode ser notado na pesquisa ao se destacarem os temas ligados à Aptidão Física, Saúde e Qualidade de Vida. Uma das razões para a predominância das ciências naturais na construção dos objetos e temas de pesquisa pode ser encontrada na própria história da área que tem se preocupado com um corpo anatomofisiológico.12
No que se refere ao tema Atuação Pedagógica Escolar, encontramos apenas 7,84% dos trabalhos e os estudos que envolvem os Aspectos Histórico-filosófico e Sociais, também não apresentam ênfase, registrando-se apenas 5,88%. Observamos que é importante uma reflexão sobre esta possível lacuna nos aspectos pedagógicos, uma vez que se trata de um curso de licenciatura. Outro ponto em destaque são os temas ligados à Corporeidade, os quais aparecem como menos estudados. Assim sendo, inferimos pouca preocupação com as questões estéticas, simbólicas e uma visão de homem e de corpo amparadas nas humanas. Tal situação fortalece os modelos positivistas modernos e perpetua suas influências na atualidade com as ciências naturais, como a fisiologia, a biodinâmica e a cineantropometria. Parece que o homem ainda é visto como uma máquina, um complexo de “alavancas biológicas” ou ainda análogo a máquina a vapor de Lavoisier.13
Na pesquisa, foi possível identificar 11 trabalhos relacionados à dança, não se criando um grupo em vista da proximidade a outros temas/objetos. Por exemplo, seis estão inclusos no grupo de Atuação Pedagógica Escolar; quatro estão relacionadas ao objeto/tema Corporeidade e apenas uma monografia aborda a dança relacionada ao tema da Aptidão Física, Saúde e Qualidade de Vida. Esse dado apresenta-se como diálogo importante da relação da Educação Física com o campo da Arte, fortalecendo a transversalidade dos saberes ligados ao corpo e à estética.14
A partir das análises, apontamos a “necessidade de se buscar conhecimentos em outras áreas como a filosofia, sociologia, a biologia, a antropologia, a história, entre outras [...] considerando a existência de diferentes arranjos para o conhecimento” .15
Analisando as subáreas, identifica-se que Biodinâmica do Comportamento Humano conta com a realização de 66 trabalhos, 41,18%, apresentando uma prevalência em relação às subáreas de Esportes Específicos (22, 88%) e de Gestão em Educação Física 21(13,73%). A segunda subárea mais estudada, Esportes Específicos, apresenta produções em todos os anos do período estudado na pesquisa, mantendo-se de forma sistemática o que denota o interesse no tema esportes pelos graduados de Educação Física, dado que muitos estudantes já entram no curso com vistas a serem professores “daquele esporte”, “daquela modalidade esportiva”. O tema também se relaciona com a Iniciação Esportiva, Desempenho Esportivo e Estimulação Motora.
Monografias relacionadas aos Aspectos Culturais da Educação Física também aparecem em todos os anos pesquisados, apresentando ondulações no número de trabalhos para cada ano.
A produção das monografias contribui de maneira significativa para com o aprendizado da pesquisa, bem como se configura como porta de entrada na decisão do rumo profissional e/ou acadêmico, elaborando seu objeto de estudo e contribuindo para a consolidação desse campo acadêmico.
Notas
Paquet, 2000, p. 30.
Audi apud Gamboa, 2005.
Gamboa, 2005.
Idem.
Castellani Filho, 1998.
Bracht, 2003.
Tani, 1996.
Nóbrega at al, 2003, p. 181.
Nóbrega, 2006.
Bardin,1977.
Bracht, 2003.
Soares, 1994.
Fensterseifer, 2001.
Nóbrega, 2006.
Nóbrega et al, 2003a, p. 181.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa, 1977.
Bracht, Valter. Educação e Ciência: cenas de um casamento (in) feliz. 2ªed. Ijuí: Ed. Unijui, 2003. 160p.
Castellani Filho, Lino. Política Educacional e Educação Física.Campinas: Autores Associados, 1998. (Coleção Polêmicas do nosso tempo; 60).
Fensterseifer, P. A educação física na crise da modernidade. Ijuí: Ed. Unijui, 2001.
GAMBOA, Silvio Sánchez. Epistemologia. In: González, Fernando Jaime; FENTERSEIFER, Paulo Evaldo (orgs.) Dicionário critico de Educação Física. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005. p.158-161.
Nóbrega, T.P. at al. Educação Física e epistemologia: a produção do conhecimento nos congressos brasileiros de ciências do esporte. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v. 24, n.2, pp. 173-185, jan, 2003.
NÓBREGA, T. P. Corpo e epistemologia. IN: NÓBREGA, T.P. (Org.). Epistemologia, saberes e práticas da Educação Física. João Pessoa: Editora da UFPB, 2006.
Paquet, Marcel. René Magritte: o pensamento tornado visível. Lisboa: Taschen, 2000.p.59-74.
Tani, Go. Cinesiologia, educação física e esporte: ordem emanente do caos na estrutura acadêmica. Motus Corporis, Rio de Janeiro, v.3,n.2, 1996.
SOARES, C. Educação Física, raízes européias e Brasil. Campinas: Autores Associados, 1994.
Outros artigos em Portugués
revista
digital · Año 14 · N° 131 | Buenos Aires,
Abril de 2009 |