A participação de indivíduos com lesão medular em atividades físicas e esportivas. Uma revisão de literatura sobre barreiras e facilitadores La participación de personas com lesión medular en actividades físicas y deportivas. Una revisión de la literatura sobre barreras y facilitadores |
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*Mestre em Ciências da Reabilitação Professora assistente do curso de Fisioterapia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade Betim **Fisioterapeutas, PUC Minas – Betim (Brasil) |
Aline Cristina Souza* Paulo Henrique Vilela** Cristina Oliveira Silva** Virgínia Barbosa** |
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Resumo A lesão medular é uma das síndromes mais incapacitantes que afetam principalmente adultos jovens, com repercussões sociais e financeiras significativas. De acordo com o atual modelo de reabilitação (CIF), cujo foco é a reintegração do indivíduo na comunidade, as atividades físicas e esportivas podem representar um importante recurso para a promoção da participação social, além de contribuir com benefícios fisiológicos e psicológicos. Apesar disso, a prática dessas atividades não é freqüente. Assim, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão de literatura para identificar os fatores que influenciam a participação de indivíduos com lesão medular em atividades físicas e/ou esportivas. Por meio dessa revisão, foram identificados, como fatores que limitam ou favorecem essa participação, a disponibilidade de dispositivos de auxílio e equipamentos adaptados, ambiente físico ou barreiras arquitetônicas, transporte, prescrição adequada por parte dos profissionais de saúde, gravidade da lesão, envelhecimento e questões psicológicas. Entretanto, esses estudos foram realizados em países desenvolvidos, o que limita a generalização dos achados para países em desenvolvimento como o Brasil. Portanto, sugere-se que pesquisas brasileiras sejam realizadas, com o objetivo de identificar os fatores que limitam a participação social dos indivíduos com lesão medular. A partir dessa identificação, diretrizes e estratégias de intervenção mais efetivas poderão ser formuladas, favorecendo a reintegração de indivíduos com incapacidades secundárias à lesão. Unitermos: Traumatismos da medula espinhal. Esportes.
Abstract Spinal cord injury (SCI) is one of the most disabling syndromes that affect mainly young adults, having significant social and financial repercussions. According to the current model of rehabilitation (ICF) whose focus is the reintegration of the individual in the community, physical activities and sports can represent an important resource for the promotion of the social participation, besides contributing to the physiological and psychological benefits. In spite of this, the practice of such activities is not frequent. Thus, the objective of this study was to do a literature review to identify the factors that influence the participation of SCI people in physical activities and/or sports. Through this review, many factors were identified, as limiting or favoring that participation, such as the availability of adapted aid devices and equipment, physical environment or architectural barriers, transportation, appropriate prescription by the health professionals, severity of the injury, aging and psychological topics. However, those studies were carried on in developed countries, what limits the application of these findings to developing countries as Brazil. Therefore, it is suggested that Brazilian researches should be done, in order to identify the factors that limit the social participation of the SCI victms. From this identification, more effective guidelines and strategies of intervention migth be formulated, favoring the reintegration of individuals with secondary disabilities due to SCI. Keywords: Spinal cord traumatism. Sports. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 131 - Abril de 2009 |
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1. Introdução
A lesão medular é uma das formas mais graves entre as síndromes incapacitantes, constituindo-se um verdadeiro desafio aos profissionais da reabilitação1. No Brasil, a estimativa é de que ocorram 6000 novos casos a cada ano. A maioria são lesões traumáticas, das quais cerca de 80% são provocadas por acidentes automobilísticos, acidentes de trabalho, ferimentos por projéteis de arma de fogo, esportes e quedas2.
A lesão medular afeta principalmente adultos jovens. Nos Estados Unidos, no período entre 2000 e 2006 a idade média de indivíduos com lesão medular foi 32,8 anos3. Com base nesses dados, é possível dimensionar o grande impacto social e financeiro da lesão destes pacientes jovens, que subitamente se tornam funcionalmente dependentes1.
Diante da ênfase atual na contenção de custos no cuidado com o paciente e da necessidade de se diminuir o tempo de internação, a reintegração na comunidade emergiu como importante meta da equipe de reabilitação. Além de promover a independência nas atividades diárias e buscar a melhora da qualidade de vida, a intervenção desses profissionais deve objetivar que indivíduos com incapacidades restabeleçam, na medida do possível, as funções e papéis sociais previamente existentes4,5.
De acordo com a atual Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), um indivíduo que apresenta uma lesão ou doença pode estar limitado na realização de suas atividades ou restrito na participação social, não apenas pelas alterações em suas estruturas ou funções corporais, mas também pela influência de fatores pessoais e ambientais. Esses fatores podem atuar como barreiras e limitar o desempenho de atividades e a participação social6,7,8.
Esse embasamento conceitual configura uma abordagem biopsicosocial7 do processo de saúde-doença e oferece aos profissionais da reabilitação um modelo teórico para a prática clínica e o desenvolvimento de pesquisas. Além disso, possibilita melhor compreensão da condição do indivíduo, desde a instalação da doença até suas conseqüências funcionais9. De acordo com esse marco teórico, o objetivo principal da reabilitação deve ser a reinserção social do indivíduo e a potencialização de sua participação na comunidade10.
O conceito "de vida na comunidade" envolve a participação em cada aspecto da vida da comunidade, incluindo trabalho, situações sociais e culturais, além de atividades físicas, esportivas ou outras atividades de lazer5. Nesse contexto, além da percepção do terapeuta, é importante no processo da reabilitação considerar a percepção do próprio indivíduo quanto à sua participação e aos fatores que ele percebe como barreiras ou facilitadores a essa participação10.
As atividades físicas ou esportivas não devem ser consideradas apenas como meio de inserção social, mas também como meio de promoção de saúde, à medida que possibilita a prevenção de incapacidades11. Estudos epidemiológicos e experimentais evidenciam que um estilo de vida ativo tem impacto positivo em muitos aspectos da saúde, em qualquer fase da vida, em indivíduos hígidos ou com algum tipo de doença ou lesão12,13,14.
A prática de atividades físicas e esportivas promovem controle do peso corporal, melhora da mobilidade articular, do perfil lipídico, da resistência aeróbia, da força muscular, da resistência à insulina, aumento da densidade óssea e contribui para a diminuição da pressão arterial. Além dos benefícios físicos a atividade física traz benefícios psicossociais, tais como, aumento da auto-estima, alívio do estresse, melhora da auto-imagem e bem estar, redução do isolamento, manutenção da autonomia e diminuição da depressão15.
Entretanto, apesar dos benefícios sociais e fisiológicos decorrentes da prática de exercícios, a inserção e adesão de indivíduos com lesão medular a um programa de atividade física/esportiva ainda é restrita5. Existem fatores que influenciam essa adesão e é importante que eles sejam identificados. Esse é o primeiro passo para que se possa intervir sobre eles e desse modo diminuir a restrição social, os riscos à saúde associados à inatividade e o sedentarismo, principalmente em indivíduos com seqüelas importantes, como indivíduos com lesão medular11.
Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão crítica da literatura para identificar os fatores que limitam a participação de indivíduos com seqüelas de lesão medular em atividades físicas e esportivas.
2. Materiais e métodos
Para esse estudo de revisão foi realizada uma busca nas bases de dados eletrônicas Medline, Scielo, Lilacs e Cochrane. As palavras-chave utilizadas foram: lesão medular, esportes, atividade física, recreação, barreiras, limitadores, facilitadores e suas correspondentes na Língua Inglesa, combinadas entre elas de diferentes formas.
Dos artigos levantados por meio desta estratégia, foram selecionados aqueles em Língua Portuguesa e Inglesa, com data de publicação entre 1998 a 2008, e, após a leitura do título, foram definidos aqueles que abordavam o tema. Em seguida, foram lidos os resumos dos artigos selecionados e aqueles que descreviam os fatores que influenciavam a participação de indivíduos após lesão medular em atividades físicas e esportivas foram incluídos neste estudo.
Por meio da estratégia de busca definida, foram selecionados 18 artigos na Língua Inglesa, incluídos na discussão desse artigo. Não foram encontrados artigos que identificassem barreiras ou facilitadores da prática de atividades físicas e / ou esportes na Língua Portuguesa.
Além dos 18 artigos levantados, foram utilizados, para a elaboração deste artigo, artigos conceituais sobre a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), capítulos de livros sobre lesão medular e dois documentos eletrônicos.
3. Discussão
Poucos estudos investigam os fatores que influenciam a prática de atividades físicas e/ou esportivas especificamente em indivíduos com lesão medular. A maioria dos artigos avalia a prática de tais atividades em grupos de pessoas com deficiências físicas diversas, ortopédicas e neurológicas, o que inclui as lesões medulares. Dentre os fatores identificados nessa revisão estão a disponibilidade de dispositivos de auxílio e equipamentos adaptados, ambiente físico ou barreiras arquitetônicas, transporte adequado, a prescrição por parte dos profissionais de saúde, gravidade da lesão, envelhecimento e questões psicológicas10,11,13,15,16,17,18, 19,20,21,22.
Dentre os dispositivos de auxílio e adaptações descritos como fatores que influenciam a prática de atividades físicas e esportivas, as cadeiras de rodas foram os mais citados18,20,23,24. O desenvolvimento de cadeiras de rodas adaptadas para essa prática tem permitido melhor postura do usuário, minimizando a fadiga e maximizando a eficiência mecânica20. Isso fez com que cadeiras de rodas adequadas fossem apontadas como importantes facilitadores para a prática de atividades esportivas.
Em contrapartida, esses equipamentos também foram citados como limitadores devido ao alto custo, especificidade, difícil aquisição e manutenção, manipulação e transporte18,20. Chaves et.al.23, apontaram em seu estudo que indivíduos com lesão medular percebiam problemas associados à estrutura física de suas cadeiras de rodas. As cadeiras de rodas manuais foram consideradas pesadas, difíceis de conduzir e manobrar e desencadeavam quadros álgicos devido aos grandes esforços requeridos para a locomoção (empurrar, subir rampas, retirar e colocar no carro, etc).
Em outro estudo realizado por Rimmer et.al.24 com mulheres afro-americanas de baixo nível econômico, a necessidade de um equipamento adaptado se mostrou uma barreira para a prática de tais atividades. Esta limitação pode ser explicada pelo baixo poder aquisitivo desta população que tornava inviável a aquisição do equipamento. Em outro estudo realizado pelo mesmo autor em 2004, indivíduos que participavam de atividades esportivas também relataram que o custo elevado do equipamento adaptado para a prática esportiva limitava a sua participação25.
Nessa última pesquisa, o autor entrevistou indivíduos com lesão medular, profissionais que orientavam atividades esportivas e arquitetos, com o objetivo de identificar dispositivos de auxílio, equipamentos e adaptações ambientais que facilitavam ou facilitariam a prática. No que diz respeito aos dispositivos de auxílio ou equipamentos, foram citadas as cadeiras de rodas específicas para piscinas, adaptações ou cintas de velcro para melhor acomodação nos equipamentos de exercício, equipamentos aeróbicos para exercitar membros superiores e equipamentos que não exigiam que o indivíduo se transferisse da sua cadeira para exercitar-se25.
Quanto às modificações nos espaços destinados à prática de atividades físicas, foram citados o número adequado de vagas nos estacionamentos, instalação de portas operadas por botão de pressão e com a largura adequada, construção de balcões de recepção mais baixos, para facilitar o alcance de pessoas em cadeiras de rodas, rampas para piscinas ou piscinas com entrada zero de profundidade, que permitam a entrada da cadeira de rodas sem a necessidade de elevador. Os arquitetos que participaram deste estudo destacaram ainda que instalação de corrimãos em escadas e rampas e pisos antiderrapantes também melhorariam a participação em tais atividades25.
Ainda com relação à acessibilidade, as dificuldades com transporte foram barreiras freqüentemente citadas por indivíduos com lesões medulares11,12,24. Rimmer et.al.24 examinaram as barreiras percebidas à participação em atividades físicas e/ou esportivas por 53 mulheres Afro-Americanas, com patologias variadas, dentre elas a lesão medular, que residiam em um subúrbio de Chicago, estavam desempregadas e apresentavam baixos níveis de educação e renda. Os autores notaram que o transporte, incluindo a disponibilidade e custo, foi apontado por essas mulheres como a terceira barreira mais citada em uma lista de 14 consideradas.
Entretanto, no estudo realizado por Scelza et.al.11 em uma amostra residente em uma comunidade de perfil socioeconômico privilegiado em Michigan, formada em sua grande maioria por indivíduos brancos, empregados ou estudantes (período completo ou parcial) que apresentavam níveis altos de educação, o transporte, incluindo a disponibilidade e custo, não foi percebido como problema para esses indivíduos. Esse achado é incongruente quando comparado aos observados mais freqüentemente na literatura e sugere a necessidade de estudos futuros que abordem a relação entre as barreiras identificadas e o nível socioeconômico e educacional dos participantes.
Também foi mencionado como fator que influencia negativamente a participação do indivíduo com lesão medular em esportes, o não incentivo ou encaminhamento por parte da equipe de reabilitação12. O que se observou nos estudos revisados é que os profissionais envolvidos na reabilitação não estão preparados para orientar seus clientes quanto à participação em algum tipo de atividade física11. Em um estudo realizado por Scelza et.al.11, em que indivíduos com lesão medular apontavam as barreiras percebidas na prática de atividades físicas, menos da metade dos indivíduos participantes relataram que seus terapeutas haviam prescrito tais atividades. Corroborando com esses achados, um estudo qualitativo realizado por Levins et.al.18, registrou relatos de que a falta de experiência dos profissionais, bem como a não prescrição de atividades esportivas eram percebidas como um entrave à participação. Ainda, segundo os autores, os profissionais raramente estavam atentos aos anseios dos seus clientes com relação a essas atividades.
Outros estudos também se referem ao despreparo dos profissionais de saúde na indicação de atividades esportivas. Slater e Meade20 destacam que o profissional tende a criar um estereótipo do “indivíduo ideal”, o que leva à exclusão daqueles que não se encaixam em um padrão de competidor profissional. Os autores acrescentam que freqüentemente os profissionais não são capazes de identificar a discrepância entre o tipo de participação desejada pelo indivíduo e sua capacidade de alcançá-la.
Além desses fatores extrínsecos, alguns fatores intrínsecos aos indivíduos foram apontados como barreiras à prática de atividades físicas. A gravidade da lesão mostrou uma forte associação negativa com o nível da realização de tais atividades19. Scelza et.al.11 observaram que indivíduos com tetraplegia relataram maiores dificuldades na realização de exercícios do que indivíduos com paraplegia. Lund et.al.10 relataram que indivíduos com tetraplegia perceberam maiores problemas no que diz respeito à sua participação num âmbito geral, inclusive em atividades físicas, quando comparados àqueles com paraplegia.
A idade também foi citada como fator determinante de declínio na participação em atividades físicas16,19. Charlifue e Gerhart16 examinaram as mudanças na participação de indivíduos com lesão medular e identificaram desafios adicionais para prática de atividades físicas relacionados ao envelhecimento. Os autores atribuíram esses desafios à diminuição dos recursos financeiros com o aumento da idade e à tendência da sociedade em marginalizar os idosos.
Por último, o medo do “desconhecido” e da falha, principalmente para indivíduos que não tinham apoio suficiente da família e dos amigos, foi apontado como importante barreira emocional e psicológica experimentada por pessoas com incapacidades, relacionada ao envolvimento em atividades físicas e ou recreacionais14,25.
É importante salientar que todos os estudos incluídos nessa revisão foram realizados em países desenvolvidos. Não foram encontrados estudos que investigassem os fatores que interferem na participação de indivíduos com lesão medular em atividades físicas ou esportivas no Brasil ou em outros países em desenvolvimento. Isso significa que os achados do presente estudo não podem ser generalizados, e fatores que não foram percebidos como barreiras podem passar a ser percebidas como tal em populações cujas características socioeconômicas e culturais sejam diferentes das estudadas.
Por fim, sabe-se que o desenvolvimento de estratégias efetivas para estimular a participação de indivíduos com lesão medular em atividades físicas, esportes ou lazer depende da identificação dos fatores que influenciam essas atividades. Com isso, torna-se importante a realização de estudos brasileiros que investiguem a percepção dos indivíduos sobre os fatores que limitam ou favorecem a sua participação social.
4. Conclusão
A disponibilidade de dispositivos de auxílio e equipamentos adaptados, ambiente físico ou barreiras arquitetônicas, transporte, a prescrição adequada pelos profissionais de saúde, gravidade da lesão, envelhecimento e questões psicológicas foram os principais fatores, descritos na literatura, que influenciaram a participação de indivíduos com lesão medular em atividades físicas ou esportivas.
Esses dados, entretanto, são relativos a estudos realizados em países desenvolvidos, limitando sua generalização para países em desenvolvimento como o Brasil. Portanto, sugere-se que pesquisas brasileiras sejam encorajadas, com o objetivo de identificar as barreiras e/ou facilitadores percebidos por indivíduos com lesão medular. A partir dessa identificação, diretrizes e estratégias de intervenção mais efetivas podem ser formuladas, favorecendo a reintegração de indivíduos com incapacidades secundárias à lesão.
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