Educação Física escolar, ensino médio: entre a legislação e a ação Educación Física escolar em la escuela media: entre la legislación y la acción School Physical education, medium education: between the legislation and the action |
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UFSCar, São Carlos www.ufscar.br/~defmh/spqmh/ (Brasil) |
Fábio Ricardo Mizuno Lemos |
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Resumo A proposta do texto é apresentar compreensões a respeito da Educação Física Escolar, com ênfase no Ensino Médio, a partir da perspectiva das legislações educacionais brasileiras e da realidade do componente curricular obrigatório, Educação Física. Unitermos: Educação Física Escolar. Legislação. Prática pedagógica.
Abstract The proposal of the text is to present understandings regarding the School Physical Education, with emphasis in the Medium Education, starting from the perspective of the Brazilian educational legislations and of the reality of the obligatory school component, Physical Education. Keywords: School Physical Education. Legislation. Pedagogic practice. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 130 - Marzo de 2009 |
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A Educação Física escolar brasileira teve seu início oficial em 1851, com a Reforma Couto Ferraz, quando foram apresentadas à Assembléia as bases para a reforma do ensino primário e secundário no Município da Corte. Após três anos, em 1854, a sua regulamentação foi expedida e entre as matérias a serem obrigatoriamente ministradas estavam, no primário, a ginástica, e no secundário, a dança (BETTI, 1991).
Especificamente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), principal lei relacionada à Educação, já na primeira (lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961), a Educação Física estava presente. Nesta, era considerada obrigatória nos cursos de graus primário e médio até a idade de 18 anos (BRASIL, 1961), porém, tinha como preocupação primordial a preparação física dos jovens para o ingresso no mercado de trabalho de forma produtiva (SILVA e VENÂNCIO, 2005).
Com a reformulação na LDB, ocorrida em 1971 (lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971), a obrigatoriedade da Educação Física foi ampliada a todos os níveis e ramos de escolarização, mas, ainda, com a intenção de preparação física de trabalhadores. Isto se evidencia com as opções de facultabilidade apresentadas pela lei: estudar em período noturno e trabalhar mais de 6 horas diárias; ter mais de 30 anos de idade; estar prestando serviço militar; estar fisicamente incapacitado (BRASIL, 1971).
Nesse contexto, houve um favorecimento para a consideração da Educação Física enquanto mera atividade extracurricular, como um elemento sem nenhum comprometimento formativo educacional (SILVA e VENÂNCIO, 2005).
No plano legal, tal formulação começa a ser desconstruída com a LDB de 1996 (lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996), na qual a Educação Física passa a ser considerada um componente curricular como os demais. A LDB de 1996, em seu artigo 26o, parágrafo 3o, determina: “A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos” (BRASIL, 1996).
Entretanto, tal alteração não surtiu o efeito esperado, pois, com o caráter genérico desse artigo, não ficou garantida a presença das aulas de Educação Física em todas as etapas da Educação Básica, bem como, que os profissionais que ministrassem essas aulas contassem com formação específica, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil (SILVA e VENÂNCIO, 2005).
Visando a garantia da Educação Física em toda a Educação Básica, em 2001 foi aprovada uma alteração no parágrafo 3o do artigo 26o da LDB, que inseriu a expressão “obrigatório” ao “componente curricular” (BRASIL, 2001).
Em 2003, com a Lei no 10.793, de 1o de dezembro de 2003, a facultabilidade às aulas de Educação Física foi alterada, não se restringindo a todas as pessoas que estudam em período noturno, mas àquelas que, independente do período de estudo, se enquadram nas seguintes condições: mulheres com prole, trabalhadores, militares e pessoas com mais de 30 anos (BRASIL, 2003).
Tem-se, então, atualmente, em termos legais, a Educação Física como componente curricular obrigatório, o que atribui aos docentes deste, a mesma responsabilidade educacional dos demais professores. Todavia, interpretando a facultabilidade às aulas, a preparação física, ainda, aparenta estar fortemente atrelada à Educação Física escolar, principalmente se for pensada no âmbito do Ensino Médio, última etapa da Educação Básica, na qual, estudantes que já se inseriram em atividades físicas “desgastantes” podem requerer a dispensa das aulas, afinal, a Educação Física, agora, não teria mais serventia, pois caracterizaria uma jornada dupla de “cansaço físico”.
É oportuno salientar que o Ensino Médio, com duração mínima de 3 anos, é voltado, idealmente, para pessoas entre 15 e 17 anos e tem como objetivos gerais: aprimorar o educando como pessoa humana e prepará-lo basicamente para o trabalho e cidadania (BRASIL, 1996). Entendendo-o deste modo, a Educação Física escolar tem a colaborar com o aprimoramento do educando como pessoa humana, como cidadão e não, apenas, com a preparação física de pessoas.
Neste ambiente de incoerências, a possível igualdade educacional com os demais componentes curriculares não é tão efetiva assim, o que indica um certo desprestígio dos profissionais da área.
Esse desprestígio educacional está registrado, até mesmo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). No caso da Educação Física no Ensino Médio: “em diversas escolas, a disciplina encontra-se desprestigiada e relevada a segundo plano. Tal fato é de fácil verificação, basta notar que nem sempre somos chamados a opinar sobre alterações nos assuntos escolares” (BRASIL, 1998, p.50).
Os motivos deste desprestígio também estão indicados, entre eles: “as aulas do ‘mais atraente’ dos componentes limita-se aos já conhecidos fundamentos do esporte e do jogo” (BRASIL, 1998, p.45) e pouco tem contribuído para a compreensão dos fundamentos, para o desenvolvimento da habilidade de aprender ou sequer para a formação ética dos alunos, objetivos que, também, deveriam orientar esta área (BRASIL, 1998).
O docente de Educação Física, educador, não pode ater-se à reprodução de movimentos físicos. Antes da especificidade do componente curricular, esse profissional é educador, e não somente do físico (o ser humano é uma unidade). Não se torna oportuno, então, ignorar reflexões presentes aos indivíduos participantes do processo educativo escolar, tais como, “esportivização” das atividades corporais; influências da mídia sobre o corpo/imagem corporal (LEMOS, SOUZA e LEMOS, 2008).
Em recente publicação da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, intitulada Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008), a qual está estruturada a fim de propor a todos os componentes curriculares, aula a aula, situações de aprendizagem a serem desenvolvidas com os discentes, da Educação Física espera-se a atenção ao repertório de conhecimentos que os alunos já possuem sobre diferentes manifestações corporais e de movimento, bem como a busca pela sua ampliação, aprofundamento e qualificação críticos, o que indica uma intenção de superação da visão reducionista comumente encontrada na prática pedagógica da Educação Física escolar. Também, intenta-se a oferta de melhores oportunidades de participação e usufruto no jogo, esporte, ginástica, luta e atividades rítmicas, assim como “possibilidades concretas de intervenção e transformação desse patrimônio humano relacionado à dimensão corporal e ao movimentar-se – o qual tem sido denominado ‘cultura de movimento’” (SÃO PAULO, 2008, p.42).
Ainda no que tange aos conteúdos, São Paulo (2008) indica cinco grandes eixos (jogo, esporte, ginástica, luta, atividade rítmica) para o Ensino Médio, que se cruzam com os seguintes eixos temáticos: Corpo, Saúde e Beleza; Contemporaneidade; Mídias; Lazer e Trabalho.
No eixo temático Corpo, Saúde e Beleza, atenta-se para as doenças relacionadas ao sedentarismo e ao chamamento para determinados padrões de beleza corporal, em associação com produtos e práticas alimentares e de exercício físico, o que colocam os jovens na ‘linha de frente’ dos cuidados com o corpo e a saúde; em Contemporaneidade, a ênfase é nos conceitos e nas relações que as pessoas mantêm com seus corpos e com as outras pessoas, advindos das grandes transformações da atualidade, tais como, aumento do fluxo de informações que geram, por vezes, reações preconceituosas em relação a diferenças de gênero, etnia, características físicas, dentre outras; no eixo Mídias, estão os meios de comunicação, televisão, rádio, jornais, revistas e sites da internet, como influenciadores do modo como os discentes percebem, valorizam e constroem suas experiências com os conteúdos, muitas vezes atendendo a modelos que apenas dão suporte a interesses mercadológicos e que precisam ser submetidos à análise crítica; em Lazer e Trabalho, está a intenção de incorporar os conteúdos da Educação Física como possibilidades de lazer no tempo escolar e pós escolar, de modo autônomo e crítico, além de propiciar a compreensão da importância do controle sobre o próprio esforço físico e o direito ao repouso e lazer no mundo do trabalho (SÃO PAULO, 2008).
Diante dessa visão para os conteúdos, ao menos no plano teórico, possibilidades educacionais, com a obrigação da inserção de outros temas, estão sendo “oferecidas” ao componente curricular Educação Física no ensino público estadual paulista, o que pode estar gerando um processo educativo mais efetivo, tendo em vista, conforme está estruturada a proposta, também, a realização de reflexões e críticas sobre o feito.
Tal ponderação, acerca das possibilidades educacionais, advém do entendimento de que, por exemplo, se o esporte, conteúdo hegemônico da área, ensinado nas escolas enquanto cópia irrefletida do esporte de competição ou de rendimento, só pode fomentar vivências de sucesso para a minoria e o fracasso ou a vivência de insucesso para a maioria e, deste modo, não apresenta elementos de formação geral (nem mesmo para a saúde física, mais preconizado para essa prática) para se constituir uma realidade educacional, em outra perspectiva, havendo uma transformação didático-pedagógica, o esporte, que é uma das objetivações culturais expressas pelo movimento humano mais conhecidas e mais admiradas, até mesmo entre as mais diferentes manifestações culturais existentes, pode tornar-se uma realidade educacional potencializadora de uma educação crítico-emancipatória (KUNZ, 2006).
Outro exemplo de possibilidade de colaboração para um processo educativo mais efetivo é a abordagem do tema lazer e trabalho.
O lazer, que surgiu da conquista de um tempo liberado do trabalho, pode ser discutido em suas possibilidades de se constituir em um tempo de reflexão e crítica desse e dos interesses econômicos envolvidos, sendo assim, estímulo para os sujeitos empenhados na luta pela conquista de autonomia e pela garantia de um viver digno, ultrapassando as barreiras dos discursos ideológicos opressores e injustos (WERNECK, 2000).
Nessa perspectiva, para Marcellino (2000), o lazer pode assumir um caráter “revolucionário” e portador de duplo papel: veículo e objeto de educação. Veículo (educação pelo lazer) porque as possibilidades de desenvolvimento pessoal e social que a prática de lazer oferece estão próximas ou se confundem com os objetivos mais gerais da educação.
só tem sentido se falar em aspectos educativos do lazer, se esse for considerado (...) como um dos possíveis canais de atuação no plano cultural, tendo em vista contribuir para uma nova ordem moral e intelectual, favorecedora de mudanças no plano social. Em outras palavras: só tem sentido se falar em aspectos educativos do lazer, ao considerá-lo como um dos campos possíveis de contra-hegemonia (MARCELLINO, 2000, p.63-64).
E objeto de educação (educação para o lazer) porque o próprio lazer pode ser o motivo da ação educativa para que se desenvolva, por exemplo, a criticidade e seletividade de opções, ao invés da restrição ao lazer funcionalista [lazer dotado de emissão de valores funcionalistas que buscam, sobretudo, “a manutenção do ‘status quo’, procurando mascarar essa verdadeira intenção, através de um falso humanismo” (MARCELLINO, 2000, p.39)] e ao “lazer mercadoria” (mercadorização do lazer enquanto entretenimento rentável), largamente disseminados na sociedade.
Tais possibilidades, se efetivadas, poderão colaborar para a não ocorrência da desconsideração da especificidade do Ensino Médio. Na atual realidade, acaba-se, comumente, repetindo os programas do Ensino Fundamental, esquecendo-se das características próprias dessa fase vivenciada pelos estudantes. Costuma-se investir esforços às etapas anteriores, afinal, nestas, como indicado por São Paulo (2008), os alunos vivenciam (ou deveriam vivenciar) um amplo conjunto de experiências, incluindo o contato com as culturas esportiva, gímnica, rítmica e de luta, as quais, no Ensino Médio, vão ser inter-relacionadas com eixos temáticos interdisciplinares, gerando sub-temas a serem tratados como conteúdos ao longo das três séries.
Apresenta-se, assim, uma forte indicação de que a Educação Física escolar, para o Ensino Médio, pode deixar de se restringir ao desenvolvimento físico acrítico dos estudantes, às repetições dos “treinamentos” oferecidos nas etapas anteriores e passar a, efetivamente, assumir a responsabilidade educacional que lhe cabe.
Referências
BETTI, M. Educação física e sociedade. São Paulo: Editora Movimento, 1991.
BRASIL. Presidência da República. Lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário Oficial, Brasília, 27 dez. 1961.
BRASIL. Presidência da República. Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971. Diário Oficial, Brasília, 12 ago. 1971.
BRASIL. Presidência da República. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial, Brasília, 23 dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 1998.
BRASIL. Presidência da República. Lei no 10.328, de 12 de dezembro de 2001. Diário Oficial, Brasília, 13 dez. 2001.
BRASIL. Presidência da República. Lei no 10.793, de 1o de dezembro de 2003. Diário Oficial, Brasília, 2 dezembro 2003.
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. 7. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2006.
LEMOS, F.R.M.; SOUZA, P.C.A.; LEMOS, F.R.M. Notas sobre os componentes curriculares Arte e Educação Física. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, v. 13, n. 123, ago. 2008. http://www.efdeportes.com/efd123/notas-sobre-os-componentes-curriculares-arte-e-educacao-fisica.htm
MARCELLINO, N.C. Lazer e educação. 6. ed. Campinas: Papirus, 2000.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Educação Física. São Paulo: SEE, 2008.
SILVA, E.V.M. e; VENÂNCIO, L. Aspectos legais da Educação Física e integração à proposta pedagógica da escola. In: DARIDO, S.C.; RANGEL, I.C.A. (Coord.) Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. p. 50-63.
WERNECK, C.L.G. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: UFMG; CELAR-DEF/UFMG, 2000.
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