Lecturas: Educación Física y Deportes
www.efdeportes.com/
Revista Digital


Español


A EDUCAÇÃO FÍSICA NO RIO GRANDE DO SUL DURANTE A REPÚBLICA VELHA: APONTAMENTOS DO MOMENTO HISTÓRICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Prof. Marcelo S. da Silva (Brasil)
marcelo.ufprlitoral@gmail.com


Mestrando em Educação - Universidade Federal de Pelotas
Pós-Graduando em Sociologia - Inst. de Sociologia e Política - Univ. Fed. de Pelotas


Resumo
Este ensaio visa demonstrar as relações existentes entre a implementação da Educação Física nas escolas gaúchas durante o período da República Velha (1890-1930) e o contexto político - histórico do estado, além de apontar algumas indicações sobre a formação dos professores de Educação Física neste período. Como toda interpretação histórica, este trabalho sofreu limitações pela dificuldade de se encontrar fontes seguras de informações tendo em vista a escassez de dados sobre a Educação Física nas Escolas do Rio Grande do Sul. Apesar desta dificuldade procura-se demonstrar, através dos autores pesquisados, como a Educação Física neste Estado sofreu influências do pensamento filosófico Positivista de A. Comte, e como isso proporcionou um grande incentivo ao seu desenvolvimento.
Unitermos: História da Educação Física. Positivismo. Formação de Professores.

PHYSICAL EDUCATION AT RIO GRANDE DO SUL DURING OLD REPUBLIC: NOTES OF HISTORICAL MOMENT AND TEACHERS' ARRANGEMENT.
Abstract
This essay wants to display relations between an accessory of schools "gaúchas" Physical Education during Old Republic (1890-1930) and context historical-politic on the state, besides to demonstrate any indications about forming teachers in this period. Like the whole historical interpretation this trial has suffering limitations by difficulties to be founded informations' security sources because of data deficiency above Physical Education at Rio Grande do Sul schools. Although these difficulties it tries to demonstrate through these authors examined as Physical Education admitted influences of A. Comte Positivism philosophical thought's, and how it has estimulating Physical Education development.
Key words: History of Physical Education; Positivism; Teacher' arregement.

"Aquilo que nesse momento se revelará
Aos povos surpreenderá a todos
Não por ser exótico; Mas pelo fato
De poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido óbvio."

Caetano Veloso
Introdução
Este ensaio visa demonstrar as relações existentes entre a implementação da Educação Física nas escolas gaúchas durante o período da República Velha (1890-1930) e o contexto político-histórico do estado, "de feições positivistas e cunho autoritário, com sua economia de base predominantemente agropecuário" 1 . Além de apontar algumas indicações sobre a formação dos professores de Educação física neste período.

A definição deste período - República Velha - se deu pelo fato da extrema relevância do momento histórico para o Brasil e o Rio Grande, encarada a questão tanto do ponto de vista da instância econômica como da política. "A implantação da República no país representou um ajustamento do nível político às necessidades geradas na economia e na sociedade brasileira." 2 Além desse fato segundo PICCOLI "a Educação Física nas escolas gaúchas de 1º grau, anterior a 1890, era praticamente inexistente, sendo que novas leis, e regulamentos a esta disciplina começaram a surgir posteriormente" 3 .

É importante ressaltar que assim como PICCOLI também encontramos dificuldades para falar da Educação Física nas escolas gaúchas durante a República Velha devido à falta de informações sobre o assunto e também pela ausência de atividades de Educação Física no currículo das escolas estaduais de 1º grau até metade do século XIX 4 , além da dificuldade de encontrar trabalhos que relacionassem a Educação Física com o contexto histórico em questão.

A partir destas constatações é pertinente frisar que a intenção primeira deste trabalho é relatar os fatos analisando-os à luz do referencial teórico encontrado.


Educação Física: algumas histórias
A preocupação em conceber a Educação Física enquanto "ciência" ou área autônoma do conhecimento pode ser considerada como um fenômeno recente, tendo em vista que no final do século XIX ela ainda era considerada como um ramo das ciências médicas, encarada como forma de simples adestramento dos corpos e também como instrumento de higienização destes.

Para compreender melhor vejamos o que afirma SOARES sobre a origem da Educação Física:

"...é durante o século XIX que se elaboram os conceitos básicos sobre o corpo e sobre sua utilização enquanto força de trabalho; é na Europa e em especial na França, que se consolidam neste período o Estado burguês e a burguesia enquanto classe, criando condições objetivas para que as suas próprias contradições de classe no poder apareçam, e seja inevitável o reconhecimento da existência de seu oponente histórico - a classe operária". 5

É a partir deste contexto, relações de poder, dominação e conflitos de classe, que começa a surgir a Educação Física 6 . Durante esse período a burguesia emergente, comerciantes, industriais, banqueiros, começam a preocupar-se em desenvolver um "novo homem", um homem que possa sustentar a nova ordem, uma nova economia um novo modo de produção. E

"é nessa perspectiva que podemos entender a Educação Física, como a disciplina necessária a ser viabilizada em todos as instâncias, de todas as formas, em todos os espaços onde poderia ser efetiva a construção desse homem novo: no campo, na fábrica, na família, na escola" 7 .

Neste momento a Educação Física torna-se a solução e a cura para a indolência, a letargia, para os males físicos, mentais e morais do homem. A Educação Física converte-se na forma de construir homens saudáveis, dóceis e aptos a suportar longas jornadas de trabalho em condições subumanas. Ela passa então a integrar o discurso médico, pedagógico e familiar.

Juntamente com o ideário da revolução burguesa passa a vigorar na sociedade uma concepção positivista de mundo, que vê os indivíduos como seres a-históricos, seres anátomo-fisiológicos, descritos e explicados meticulosamente pela ciência - que regia a lógica da sociedade daquele momento em diante. A filosofia Positiva de Auguste Comte fortemente influenciada pelas ciências naturais - astronomia, matemática, física, biologia - constituiu um dos principais marcos teóricos para a análise e compreensão da sociedade neste período. Comte ressaltava a importância da observação dos fatos como forma de chegarmos a produção das teorias e através da "cientificidade" substituirmos o relativo pelo absoluto 8 .

Nesse período a ciência - natural - dita a direção da Educação Física, o que para ela era útil, justamente para legitimá-la, pois era necessário algo que lhe conferisse respeitabilidade, e o discurso do homem biológico explicável pela ciência lhe dava o status necessário para ser aceita pela sociedade.

A Educação Física ainda assim não possuía um caráter próprio, e seu desenvolvimento se dá principalmente quando encarada como forma de higienizar e moralizar a sociedade.

Durante o desenvolvimento da sociedade burguesa, a exploração da força de trabalho e a expansão da industrialização provocaram um grande crescimento urbano, devido em parte pela migração de pessoas do campo para as cidades, e juntamente com ele um crescimento da população marginalizada do processo "civilizatório".

Segundo PARK a grande diferença entre as antigas cidades e as cidades modernas, é que as primeiras eram principalmente fortalezas para tempos de guerra, enquanto as segundas são grandes centros de conveniência e comércio. Ainda segundo PARK:

"A competição industrial e a divisão do trabalho, que provavelmente mais fizeram pelo desenvolvimento dos poderes latentes da humanidade, somente são possíveis sob a condição da existência de mercados, dinheiro e outros expedientes para facilitar os negócios e o comércio." 10

Portanto o surgimento de grandes cidades era tanto uma conseqüência como uma causa necessária à industrialização.

"Esse contingente marginalizado prolifera-se e começa a "ameaçar duplamente a burguesia no poder, de um lado pela organização da classe operária e, de outro, pelo surgimento de epidemias que começavam a atingir os ricos". 11

Torna-se então necessário uma moralização sanitária, é necessário combater os vícios e as imoralidades das classes populares é preciso garantir a estes não somente melhores locais para viver e melhores condições de saúde, mas também educação higiênica. E é este discurso que incorpora a Educação Física e a percebe como um dos instrumentos capaz de promover uma assepsia social, de viabilizar esta educação higiênica e de moralizar os hábitos. 12

É através do discurso positivista - científico - que a classe burguesa encontra meios para desenvolver uma cultura de dominação, difundindo idéias, crenças e valores de que a dominação, as diferenças individuais e as diferenças sociais são condições naturais e plenamente justificáveis através de proposições "científicas".

A Educação Física presta-se, nesse momento, justamente para comprovar essas diferenças e para provar que hábitos higiênicos e disciplinados são a única maneira de manter a "ordem" natural impedindo que degradações possam abalar o "progresso" da sociedade. O pensamento social da época, fortemente influenciado pelo positivismo de A. Comte, predizia que a hierarquia era peça fundamental para o desenvolvimento da sociedade 13 .

Nesse período a sociedade é vista como um organismo explicável através das regras básicas das ciências naturais, especificamente as biológicas, "regras estas que passam a ser universalizadas para o estudo do humano, e a Educação Física será a expressão de uma visão biologizada e naturalizada da sociedade e dos indivíduos. Ela incorporará e veiculará a idéia da hierarquia, da ordem, da disciplina, da fixidez, do esforço individual, da saúde como responsabilidade individual" 14 .

Diante de todo esse quadro a Educação Física começa a migrar, dos grandes centros intelectuais da época - França, Alemanha, Inglaterra, para os países do novo continente. No Brasil a Educação Física surge principalmente pela necessidade de uma mudança no perfil sócio-político-econômico do país.

O Brasil era um país de características econômicas preponderantemente agropecuárias até aproximadamente o final do século XIX. Na economia brasileira predominavam os grandes latifúndios - lavouras de cana-de-açúcar, plantações de café, grandes criações de gado - e caracterizavam-se pela mão de obra escrava. Essas características davam ao país um quadro populacional de praticamente metade de sua totalidade composta por escravos negros, quadro esse que se manteve até por volta de 1850 15 .

Com o advento do movimento abolicionista uma grande população de escravos passa a ser a massa de trabalhadores livres, que o país começa a necessitar durante o seu processo de industrialização e transformação em Estado de pretensões capitalistas. Juntamente com essa transformação começam a surgir graves problemas: o primeiro deles foi a falta de conhecimentos mínimos de que os trabalhadores necessitavam para desempenhar as suas novas tarefas. Ao mesmo tempo com a chegada de imigrantes europeus e com o aumento populacional nos centros urbanos surge a questão da falta de estrutura básica nestes centros de concentração de assalariados. Assim como na Europa começam a surgir as grandes epidemias e também o movimento operário 16 .

Confirmando esse quadro, a Educação Física aparecerá no país colada aos ideais eugênicos de regeneração e embranquecimento da raça, figurando em congressos médicos, em propostas pedagógicas e em discursos parlamentares 17 .

A preocupação com o "melhoramento" do povo brasileiro pode ser traduzido como a tentativa de construir o novo homem, o futuro construtor do novo país, e que apesar disso deveria se conformar com sua "natureza" inferior, com seu destino pré-determinado de ser sempre dominado, tendo é claro, que ser educado/adestrado por instrumentos "científicos" que aprimorassem tanto seus aspectos físicos como seus aspectos morais sem deixa-lo se esquecer do seu lugar na sociedade.

A Educação Física, particularmente a escolar, surge no Brasil a partir da metade do século XIX ligada diretamente ao discurso médico-higienista e propagada principalmente através do pensamento pedagógico de nomes representativos do meio político-acadêmico, como Rui Barbosa e Fernando Azevedo.

Foi este discurso médico-higienista, de forte papel no Brasil republicano, e em alguns momentos o discurso militar, como demonstra MELO 18 , que fomentaram a implementação da Educação Física nas escolas. Educação Física esta de bases anátomo-fisiológicas e cunho positivista que via o homem como um ser individualizado, a-histórico e biologizado.

MELO destaca que dentro do desenvolvimento da Educação Física no Brasil percebe-se uma divisão dualista entre aqueles que pensam e aqueles que executam, entre aqueles que se preocupavam com o "desenvolvimento científico" e aqueles que "aplicavam" as descobertas deste campo na "prática" 19 . Ele ainda demonstra a relação dos militares com a formação do profissional de Educação Física, pois, desde a origem das escolas militares observava-se uma preocupação com a aplicação de exercício físicos.

Segundo MELO a influência de militares na origem da formação dos profissionais da Educação Física fica explicitada pelo fato da:

"...nomeação tanto do mestre de Esgrima Antônio Francisco da Gama, em 1858, como do contra mestre de ginástica Pedro Guilhermino Meyer, em 1860, ambos para a Escola Militar, responsável na época pela formação do oficialato do Exército. A valorização da prática sistematizada de exercícios físicos estava ligada a manutenção da boa forma do combatente, mas também a crença de sua utilidade na disciplinarização da tropa." 20

Posteriormente estes oficiais formados pelas escolas Militares tornavam-se instrutores das próprias escolas militares, além de atuarem em clubes e instituições particulares, e finalmente nos primeiros cursos de formação de professores de Educação Física.


Seguinte >>


Lecturas: Educación Física y Deportes
http://www.efdeportes.com/
Revista Digital
Año 4. Nº 13. Buenos Aires, Marzo 1999.