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Autonomia e corporeidade: reflexões 

sobre o ‘corpo’ na contemporaneidade

 

*Licenciada em Educação Física

**Doutorando em Educação

***Licenciado em Educação Física

Universidade Federal de São Carlos

(Brasil)

Angela Salvador Miranda*

angela_loc@hotmail.com

Cae Rodrigues**

cae_jah@hotmail.com

Ricardo Peixoto Stevaux***

risanca@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          O entendimento que cada indivíduo tem de seu próprio corpo é fundamental para a manutenção das estruturas sociais. O corpo é a unidade na qual a disciplina e o controle se materializam para estabelecer relações de poder responsáveis pela manutenção da ordem social vigente. Pensando a Educação Física como mais um dos apoios dessa estrutura, foram discutidas as relações entre o papel da autonomia dos alunos nos processos de ensino e aprendizagem nas aulas de Educação Física e a (re)descoberta de suas potencialidades corporais durante uma intervenção realizada na disciplina “Práticas Esportivas”, realizada na Universidade Federal de São Carlos – SP, o que suscitou uma discussão sobre os métodos e objetivos adotados pela Educação Física e uma reflexão sobre a corporeidade como instrumento desvelador das relações de poder que implicam em condições de vida alienantes e opressoras. Ao final da disciplina, os alunos responderam a seguinte questão aberta: “O que é corpo?”. As respostas foram analisadas com inspirações no método de análise “fenômeno situado” e no entendimento de ciência demonstrado pela fenomenologia.

          Unitermos: Corporeidade. Autonomia. Educação. Educação Física.

 

Abstract

          The understanding that each individual has of his own body is essential for the maintenance of the social structures. The body is the unity in which discipline and control materialize to establish relations of power responsible for maintaining the contemporary social order. Considering Physical Education as one of the supports of these structures, debates were stimulated during the discipline “Sports”, which took place in the Federal University of São Carlos (SP – Brazil),regarding student’s autonomy in the processes of teaching and learning in Physical Education classrooms, as well as the possibilities of the students (re)discovering their corporality , debates which led to a discussion regarding the methods and objectives adopted by Physical Education and the role of corporality as an instrument of the relations of power that lead to alienation and oppressing life conditions. Towards the end of the discipline, the students answered the following open question: "What is body?”. The answers were analyzed according to the phenomenological method of analysis “situated phenomenon”.

          Keywords: Corporality. Autonomy. Education. Physical Education.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009

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Introdução

    Esse trabalho tem como centro de sua discussão o “corpo”, considerando que na diversidade de vivências e compreensões de corpo se constroem as possibilidades de existência. A única conclusão sobre o assunto, até o momento, é a da dúvida, o ato de duvidar de uma existência já estabelecida ou aceita. Pode ser que existindo de outras maneiras alcançaremos formas ainda mais inusitadas de entender o existir e, com isso, o ser.

    Ao final do curso de Educação Física, no qual logo se imagina o corpo como assunto constante, questões que, a nosso ver, são básicas e fundamentais para entender a corporeidade, ainda estão longe de serem desveladas e discutidas. Muito disseram os professores sobre a importância da atividade física, o risco da obesidade, os estilos de ensino e mais uma série de aspectos importantes para a saúde ou a doença, a aprendizagem ou a desempenho de nossos “alunos” ou, muitas vezes, “clientes”, com os quais conviveríamos na nossa atividade profissional.

    Mas o que é o corpo de um indivíduo na estrutura social em que estamos inseridos, o que ele representa e quais os motivos de sua condição atual ainda pouco sabemos, ou compreendemos de maneira velada. As considerações apresentadas sobre tais questões não apareceram no sentido de questionar a lógica vigente em torno do corpo em nossa sociedade, mas, muitas vezes, foram ao encontro desta estrutura social. Ensinam fisiologia ou biomecânica, mas não a fundação filosófica que se põe no cerne destes conteúdos, por exemplo.

    As classificações sociais (econômicas, políticas, culturais, ambientais) condicionam, porém não determinam, a existência do ser no mundo. Essas características existências refletem em sua corporeidade, sendo possível dizer que a condição corporal do indivíduo é também sua condição existencial, e é justamente dessa conclusão que nos vem o interesse pelo assunto e suas implicações no cotidiano de nossa sociedade e, mais especificamente, na Educação Física, área acadêmica em que estamos situados.

    Tais questões nos remetem a termos como educação e socialização, que, repensando a estruturação dessa discussão, nos parecem conceitos entrelaçados. O processo de socialização é também o de educação, processos que podem ser vistos como centrados na corporeidade dos indivíduos que compõem a nossa estrutura social. Afinal, a socialização não se trata da interação entre os corpos e a educação, da transmissão das normas para esta interação?

    Enquadramos-nos em situações que nos impõem ou ofertam classificações que acabam por condicionar possibilidades e impossibilidades. Existem posturas vistas como ideais aos corpos femininos, masculinos, infantis, adultos, ricos, pobres, e diversos outros exemplos.

    Pensando a Educação Física como mais um dos apoios dessa estrutura, objetivamos entender as relações entre a autonomia dos alunos nos processos de ensino e aprendizagem nas aulas de Educação Física e a (re)descoberta de suas potencialidades corporais. Desta maneira, propomos uma discussão sobre os métodos e objetivos adotados pela Educação Física para repensar a corporeidade como instrumento desvelador das relações de poder que implicam em condições de vida alienantes e opressoras.

Desenvolvimento

Eu não acho mais graça nenhuma nesse ruído constante
que fazem as falas das pessoas falando, cochichando e reclamando,
que eles querem mesmo é reclamar,
como uma risada na minha orelha, ou como uma abelha, ou qualquer outra coisa pentelha,
sobre as vidas alheias, ou como elas são feias,
ou como estão cheias de tanto esconderem segredos
que todo mundo já sabe, ou se não sabe desconfia.
Eu não vou mais ficar ouvindo distraido eles falarem deles e do que eles fariam se fosse com eles
e o que eles não fazem de jeito nenhum, como se interessasse a qualquer um.
Eles são: As pessoas. As pessoas todas, fora os mudos.
Se eles querem falar de mim, de nós, de nós dois,
falem longe da minha janela, por favor, se for para falar do meu amor.
Eu agora só escuto rádio, vitrola, gravador.
Campainha, telefone, secretária eletrônica eu não ouço nunca mais, pelo menos por enquanto.
Quem quiser papo comigo tem que calar a boca enquanto eu fecho o bico.
E estamos conversados.

 

(música “E estamos conversados”, de Paulo Tatit e Arnaldo Antunes, do disco “O silêncio” – 1996)

    Um conceito importante na discussão proposta nesse trabalho é o de ideologia. Esse é um termo bastante polêmico, e vários autores escrevem a respeito, entre eles gostaríamos de citar como parâmetro Chauí (1980), que descreve a ideologia como um “corpus” de representações e normas que determinam o fazer, o sentir, o querer na sociedade, marcando tais normas por uma universalidade imaginária, em que cada indivíduo se reconhece. Podemos exemplificar através da distribuição de papéis: cada mulher tem características sociais presentes em todas elas, uma mulher se reconhece como tal ao compartilhar desse universo feminino.

    Essa situação é complementada por outros elementos, a lacuna e a eternidade (CHAUÍ, 1980). A ideologia se utiliza da impossibilidade de determinados grupos poderem falar por si próprios, falando-se então sobre eles, e é aí que temos os discursos sobre os negros, sobre as mulheres; quanto à eternidade podemos explicá-la juntamente com a ocultação da gênese do discurso ideológico, ou seja, o “corpus” normativo da ideologia é atemporal, não se sabe de onde veio, quando começou e parece que sempre será assim. Daí vem a idéia de que as coisas são assim mesmo, e sempre serão, ou seja, mesmo as situações mais contraditórias não aparecem diretamente ligadas aos interesses de um determinado grupo, enfraquecendo a possibilidade de resistência, pois não se sabe a quem ou o que resistir (CHAUÍ, 1980).

    Segundo Lima Júnior (1988, p.9), “Talvez coubesse à ideologia o sentido do termo grego diabolos (enganador, diabo), uma vez que a sua função, quando empregada pelas organizações opressivas , é enganar os corpos”. Não é possível desvincular esses conceitos ideológicos, assim como a percepção de corporeidade, de discussões sobre trabalho, produção, consumo, enfim, da lógica vigente, ou seja, a lógica do capital. Vivemos envolvidos numa atmosfera de interações corpo-a-corpo, que busca o poder de consumir a natureza transformada.

    A questão acima citada se mostra bastante ligada à disciplinarização dos corpos e do espaço de trabalho dos indivíduos que se encontram subdivididos em sessões e departamentos em determinadas horas do seu dia, para executar tarefas já determinadas. Essa tentativa de esquadrinhar os corpos no tempo e espaço é descrita por Foucault. Segundo o autor, “Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’” (FOUCAULT, 1986, p.126).

    As determinações ligadas à corporeidade do indivíduo demonstram a importância do corpo nesse processo.

    O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica (FOUCAULT, 1994, p.80).

    Outro fator que deve ser discutido é que, se anteriormente o capitalismo era centrado na produção, hoje ele é centrado no consumo. Quem pode consumir mais, pode mais. Os indivíduos de maior status são aqueles que podem comprar os carros mais caros, jantar nos melhores restaurantes, ou seja, tem maior possibilidade de consumo de bens capitais elitizados. Junto à mudança de eixo no sistema produtivo da produção para o consumo, há ainda a mudança dos mecanismos de supervisão dos corpos em nossa sociedade, que antes se utilizavam da disciplina e hoje se utilizam do controle. Tal situação fica muito bem ilustrada nas seguintes citações:

    Poder-se-ia dizer que, na ação disciplinar, à produção permanece o centro dos desejos e coações dominantes, mas, naquela de controle, é principalmente o consumo que conquista o lugar de destaque. (...). Além disso, o controle não individualiza os seres humanos somente em função de suas tarefas e instituições, sejam estas públicas ou privadas. Pois sua ação vai muito mais no sentido de isolar os corpos, conectando-os por meio da adesão ao consumo de produtos e serviços que prometem sucesso rápido. Mais isolados e, também, mais conectados, homens e mulheres são coagidos menos pela culpa (conhecida figura da disciplinarização dos corpos) do que pela obrigação de ter espírito de iniciativa, no trabalho e no lazer. (SANT’ANNA, 2002, p.48)

    Parece-me importante situar a educação no contexto da discussão iniciada acima. Não podemos deixar de perceber que a educação é mais um dos âmbitos dessa esfera social em que estamos inseridos e que estes vários aspectos desenvolvem uma relação dialética, na qual transformam e sofrem transformações constantemente. É fato também que a educação ocorre a todo o momento e nem de longe fica restrita ao âmbito escolar. Gostaria de retomar a idéia de que a socialização é a interação entre os corpos e a educação caminho norteador que rege essa interação.

    Podemos então dizer que as instituições, como a Escola, a Igreja, entre outras, nos passam uma série de valores, de hábitos, de saberes. Saberes estes que não são neutros, não existem ao acaso, são permeados pela ideologia e atendem a interesses de determinados grupos. Com essa afirmação, concordamos que o ensinar se presta a toda a lógica proposta pela ideologia dos interesses dominantes (veja que não pretendemos condicionar a discussão à luta de classes, mas sim a divergência de interesses), ou seja, a Escola, a educação familiar, são as bases dessa dominação.

    Ao mesmo tempo em que um professor discursa sobre democracia numa aula de geopolítica, esse mesmo professor pode estar se apoiando em seu título para estabelecer uma relação professor-aluno baseada no autoritarismo. É impossível desvincular o saber das relações de poder atadas ao seu ensino, se há a intenção de modificá-lo. Se o que queremos ensinar aos alunos é a possibilidade de mudança, isto não pode ser apenas um conteúdo, mas uma possibilidade de existência.

    No que tange a educação escolar, seria ingênuo pensar na possibilidade de uma educação “neutra”. A Escola, como as demais instituições, se encontra mobilizada em defender interesses específicos de determinadas classes, o que é possível visualizar desde a estruturação curricular até a postura dos professores.

    Os projectos curriculares, os conteúdos do ensino, os materiais didácticos, os modelos organizacionais das escolas e liceus, as condutas dos alunos e do professorado, etc., não são algo que possamos contemplar como questões técnicas e neutrais, à margem das ideologias e do que acontece em outras dimensões da sociedade, tais como a econômica, a cultural e a política. Pelo contrário, grande parte das decisões que se tomam no âmbito educativo, e dos comportamentos que aí se geram, é condicionada ou afectada por acontecimentos e peculiaridades dessas outras esferas da sociedade e atinge todo o seu significado sob uma perspectiva de análise que tenha em conta essa intercomunicação. (SANTOMÉ, 1995, p.15).

    O processo de controle aos quais indivíduos estão sujeitos se mostra articulado ao estabelecimento de regras e saberes tidos como verdadeiros e aceitos no processo de educação. A esse respeito, Santomé (1995) discorre afirmando que as “verdades” que hoje temos estabelecidas em nossa sociedade passam por um processo de legitimação, o qual possui vários níveis, que culminam com a especialização.

    Ao pensarmos nossa realidade, principalmente se pensarmos a produção de conhecimento que se faça reiterado como científico, poderemos perceber uma tentativa de segmentação do ser, uma busca pelo distanciamento da emoção, do sentir e, conseqüentemente, do corporal.

    Tentativas mais ousadas de educação escolar e não-escolar, assim como a existência de outras realidades culturais, demonstram-nos que existem outras maneiras, outros saberes, outras formas de fazer que não a exemplificada acima. Não pretendemos simplesmente desmoralizar, impugnar o saber fazer que tal método demonstra, não pretendemos dizer que é bom ou ruim, mas sim mostrar que a escolha radical por uma verdade pode trazer restrições custosas, e que caminhos alternativos existem, e que tais caminhos não são necessariamente bons ou ruins, mas, por vezes, vale a pena experimenta-los.

Metodologia

    Um ponto marcante nesta trajetória metodológica foi a inquietação com os métodos e discussões da área de Educação Física, concomitantemente com a oportunidade de monitoria da Disciplina de Práticas Esportivas no ano de 2004 na Universidade Federal de São Carlos - SP. As aulas seriam realizadas durante as terças e quintas-feiras, das 10 às 11 horas da manhã durante o primeiro semestre de 2004.

    Parecia-nos insuficiente buscar um método já estipulado, que se enquadrasse nos objetivos, e simplesmente aplicá-lo. Preferimos não adotar uma metodologia prévia, pois nossas crenças na possibilidade da autonomia não se aplicavam somente aos alunos, mas também a nós. Acreditando-se na reflexão como caminho para a recriação da existência, talvez este não deva ser apenas um compromisso profissional, mas existencial. Esta é ainda uma busca pela superação da divergência entre discurso e ação, situação comum no universo acadêmico, na qual muito se escreve e pouco se vive.

    Numa atitude mais radical, alguns autores ligados à vertente qualitativa (como por exemplo Lincoln e Guba, 1985) questionam a adoção de qualquer esquema teórico a priori, defendendo a idéia proposta por Glase e Strauss (1967) de que este deverá emergir da análise de dados. Argumentam que a escolha de um quadro teórico a priori focaliza prematuramente a visão do pesquisador, levando-o a enfatizar determinados aspectos e a desconsiderar outros, muitas vezes igualmente relevantes no contexto estudado, mas que não se encaixam na teoria adotada. (ALVES, 1992, p.58)

    O fato de não escolhermos uma metodologia prévia na verdade determina um caminho, em que as curvas são mais maleáveis, no qual os procedimentos metodológicos aparecem conforme as necessidades investigativas, ou seja, um caminho que se transforma com a realidade, com os interesses nossos e de nossos alunos.

    Com o decorrer das 15 aulas ministradas no primeiro semestre de 2004, definiu-se como objetivo principal o questionamento de nossas relações com a corporeidade e suas implicações na estrutura social vigente.

    Foram utilizados predominantemente métodos de ensino que buscam a participação ativa do aluno, como rodas de discussão, descoberta dirigida, ensino divergente. Houve ainda um esclarecimento prévio e contínuo durante a disciplina sobre a preocupação em se discutir com os alunos o conteúdo e os métodos envolvidos nessa trajetória. As aulas tinham como conteúdo jogos pré-desportivos, brincadeiras, atividades de expressão corporal e atividades sugeridas pelos alunos. Tais aulas foram descritas em relatórios.

    Ao final da disciplina apresentamos aos alunos uma questão aberta: “O que é corpo?”. Para a análise das respostas, escolhemos o método de pesquisa fenomenológico “fenômeno situado”. Segundo Machado (1997, p.35):

    A preocupação central desta trajetória de pesquisa se dá com o ato de compreender, mais do que explicar o objeto de estudo. A fenomenologia significando discurso esclarecedor a respeito daquilo que se mostra por si mesmo, enquanto uma práxis ou forma de ação opera através do método que investiga a experiência no sentido de compreendê-la e não de explicá-la. Compreender diz respeito a uma forma de cognição que diverge da explicação. Compreender é tomar o objeto a ser investigado na sua intenção total, é ver o modo peculiar, específico do objeto existir. Explicar é tomá-lo na sua relação causal.

    Essa trajetória metodológica é marcada por alguns passos, a) descrição do fenômeno, b) análise ideográfica e c) analise nomotética. Os indivíduos participantes da pesquisa respondem a uma questão aberta, que é analisada, evidenciando-se trechos (unidades de significado) que demonstram semelhanças e diferenças entre os discursos. Estas unidades de significado são agrupadas em categorias, posteriormente há um cruzamento dos dados encontrados numa “tabela nomotética”. Finalmente, são feitas reflexões a respeito de tais semelhanças e diferenças, o que foi intitulado “considerações”.

    As categorias encontradas após a análise das unidades de significado foram:

  1. A dicotomização do ser em corpo e mente.

  2. O corpo como a materialização da vida

  3. O entendimento de corpo e as crenças (religiosas?).

  4. O corpo como instrumento de expressão dos sentimentos.

  5. A função utilitarista do corpo.

  6. A importância da reflexão sobre o corpo.

Matriz nomotética

Categorias

1 - A

2 - O

3 - O

4 - O

5 - A

6 - A

dicotomização do ser em corpo e mente.

corpo como a materialização da vida.

entendimento de corpo e as crenças (religiosas?).

corpo como instrumento de expressão dos sentimentos.

Função utilitarista do corpo.

importância da reflexão sobre o corpo.

Participantes

1

-

5,6

4d

6

1,3

-

2

6,7

3

3

8

8

4,5,6,8

3

4

-

-

1,2

2

4

 

Considerações

    Na análise dos discursos dos alunos, demonstra-se bastante forte a presença de uma compreensão de corpo dicotomizada em corpo e mente, pensamento e ação. Poderíamos dizer que se reconhece então uma forte influência do paradigma cartesiano na forma de compreensão de mundo, segundo nossa opinião, influenciado pela educação escolar e não escolar. Isso se mostra bastante coerente, devido a influências predominantes na vida em sociedade, situação comentada nos capítulos anteriores, que não determina, mas certamente condiciona nossas experiências.

    Mas é interessante perceber que os alunos não se atentaram somente para a dicotomia corpo e mente, mas também atribuíram importâncias igualitárias a ambos. Isso talvez demonstre a evidência da corporeidade, sua presença incontestável no cotidiano dos indivíduos. Porém, não podemos deixar de lembrar que na sociedade contemporânea, o corpo está em evidência, por se tratar de alvo importantíssimo para o consumo, ou seja, a corporeidade não deixa de ser aspecto fundamental, porém sofre transformações adquirindo diferentes valores.

    Configura-se num grande desafio evidenciar a reflexão sobre o corpo e as implicações de seu entendimento sobre nossas vidas, e esclarecer que esta discussão pode ser utilizada para acentuar ainda mais um entendimento de corpo que se preste a favorecer os beneficiários desta febre do consumo. Repensar a sociedade como a interação dos corpos acarreta na transferência deste entendimento para o âmbito do ensinar, o que, por sua vez, pode servir como questionamento das relações professor-aluno, patrão-empregado, dominador-dominado, evidenciando a relação corpo-corpo.

    Isso demonstra a força da institucionalização de métodos, pois, mesmo pensando que as relações ocorrem entre corpos, ainda são considerados de grande relevância para as relações sociais os títulos que estes corpos possuem, e as posturas e a valoração que permitimos aos corpos baseados em tais títulos. A autonomia no contexto do ensinar não pode ser vista como um conteúdo a ser ensinado, ou como característica de uma metodologia de ensino a ser adotada, pois isso implica novamente na dicotomização do ser em indivíduo e professor, indivíduo e aluno, impedindo a existência enquanto corpo e as possibilidades que tal entendimento lhe proporciona.

    Vivenciar as considerações que nos levaram a esse trabalho não implicou apenas numa forma diferente de entender a educação escolar ou a Educação Física, mas sim numa nova forma de compreender a vida, na qual meu corpo é meu mundo, e o outro é também outro mundo, capaz de interagir e transformar o meu, de trazer novas cores, novos sabores, além de novas dúvidas.

    Tal relação com o saber e com a educação nos leva a pensar que a educação escolar, assim como a Educação Física, são apenas divisões segmentarias da vida, que nos fazem sentir as contradições de forma mais suaves do que realmente são. A esta altura, gostaríamos de nos desvencilhar dos títulos, ou melhor, do valor que damos a eles. O que queremos dizer é que a educação escolar e a Educação Física não existem. O que existe são corpos que interagem entre si. Cabe a nós decidirmos, por meio da reflexão e do ato de duvidar, qual a forma de interação que queremos privilegiar durante nossa existência, ou melhor, o que deve ser primordial na escolha desta forma de interação.

    Acreditamos ser um ato de extrema coragem, que demonstre toda a real crença na busca por reconstrução dos valores sociais, tão presente no discurso de tantos professores, abandonar este título: professor. É um verdadeiro ato de coragem se entregar às possibilidades de existir enquanto corpo e não somente enquanto título. Mas acredito no abandono de outro título ainda, o de aluno, e na aceitação deste enquanto ser com quem interagimos na busca pela descoberta, e não da afirmação. Mas para que isto ocorra, torna-se necessário abandonar não só a crença em nossas certezas, como permitir a descrença do outro em nossas escolhas. Talvez seja esta a maior consideração: a principal certeza, até este momento, é a dúvida. “Encerrar aqui nosso caminho é, portanto, apenas abrir a possibilidade do próprio caminho” (CRITELLI, 1981, p.72).

Referências bibliográficas

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