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Qualidade de vida e senso de auto-eficácia para quedas

em idosos participantes do Projeto AFRID/UFU

 

*Fisioterapeuta. Especialista em Gerontologia pela UNIMINAS

Mestranda do Curso de Gerontologa da UNICAMP.

**Educadora Física. Doutora em Educação pela PUC-SP

Professora da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia

Coordenadora do Projeto AFRID/UFU

***Agrônomo. Professor da Universidade Federal de Uberlândia.

(Brasil)

Iara Guimarães Rodrigues*

iaraguima@yahoo.com.br

Geni de Araújo Costa**

genicosta@click21.com.br

Rogério de Melo Costa Pinto***

rmcpinto@ufu.br

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste artigo é relatar a relação entre a avaliação que o idoso faz de sua qualidade de vida e a sua capacidade em realizar as tarefas, com ou sem preocupação de cair. Participaram do estudo 25 idosos, de idade de 60 anos ou mais, participantes do Projeto AFRID/UFU, sendo 92% mulheres, 48% viúvos, 32% casados, 16% solteiros e 4% divorciados. A média de idade foi de 69,8 anos e 92% dos entrevistados apresentavam hipertensão. Em relação ao fator queda, 56% dos entrevistados relataram ter caído no último ano. Verificou-se que os idosos com 70 anos ou mais tiveram uma percepção inferior de qualidade de vida, quando comparados aos de 70 anos ou menos. O fato de ter sofrido queda não influenciou na avaliação do senso de auto-eficácia para quedas, mas o fator idade sim. Enfim, existe uma suposta relação entre a percepção de qualidade de vida e senso de auto-eficácia para quedas, porém o fato de ter sofrido queda no último ano influenciou significativamente sua capacidade de realizar tarefas, pela preocupação de cair.

          Unitermos: Qualidade de vida. Senso. Auto-eficácia. Idosos. Quedas.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009

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Introdução

    Nos países menos desenvolvidos um fator extremamente importante é o envelhecimento populacional sem uma real melhoria das condições de vida de grande parcela dessa população, quando são analisadas as alterações do envelhecimento e suas perspectivas futuras.

    Desde a década de 1950, a maioria dos idosos vive em países do terceiro mundo, fato ainda não apreciado por muitos que continuam associando velhice a países mais desenvolvidos da Europa ou da América do Norte (United Nations, 1985).

    Dados mostram que as taxas de mortalidade estão decaindo significativamente e já fazem parte da realidade brasileira.

    A individualidade nesse processo de envelhecimento faz acreditar que grupos reunidos em projetos, envolvendo atividades para a terceira idade, seja uma boa alternativa para desviar ou, até mesmo, superar os obstáculos e as suas alterações fisiológicas. Para tanto, estudar uma população ativa, em determinado projeto de atividades, é considerado válido para que se possa observar se realmente ocorre melhoria na qualidade de vida e superação das complicações impostas pelo processo de envelhecimento.

    Para a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2006), qualidade de vida é a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Avaliar qualidade de vida consiste em comparar as condições disponíveis e as desejáveis. Os resultados são expressos justamente por índices de desenvolvimento, bem-estar, desejabilidade, prazer ou satisfação (NERI, 2005 e 2007).

    A qualidade de vida na velhice tem sido, muitas vezes, associada a questões de dependência-autonomia. As dependências observadas nos idosos resultam tanto de alterações biológicas (deficiências ou incapacidade) como de mudanças nas exigências sociais (desvantagens) e, freqüentemente, as últimas parecem determinar as primeiras (DUARTE; PAVARINI, 1997).

    Em busca do envelhecimento com dignidade e qualidade de vida, o requisito fundamental é a preservação do potencial para o desenvolvimento do indivíduo, podendo ser este estimulado e aprimorado dentro dos limites da plasticidade individual, permitida pela idade e estabelecida por condições individuais de saúde, estilo de vida e educação.

    Vecchia et al.(2005), em uma pesquisa sobre a compreensão do que vem a ser qualidade de vida para os idosos, encontraram diversos fatores que influenciam a vida no sentido de uma boa qualidade. São eles: relacionamentos interpessoais, boa saúde física e mental, bens materiais (casa, carro, salário, acesso a serviços de saúde), lazer, trabalho, espiritualidade, honestidade e solidariedade, educação (ao longo da vida) e ambiente favorável (sem poluição e sem violência).

    Dentro do aspecto saúde física, várias complicações podem alterar a avaliação do indivíduo sobre uma boa qualidade de vida. O fator queda é uma dessas complicações, podendo ser definida como um evento acidental, cujo resultado é a mudança de posição do indivíduo para um nível mais baixo, em relação a sua posição inicial, com incapacidade de correção em tempo hábil e apoio no solo (MOURA, 1999; SANTOS; ANDRADE, 2005).

    A estabilidade do corpo depende da recepção adequada de informações por meio de componentes sensoriais, cognitivos, do sistema nervoso central e musculoesquelético de forma integrada. O efeito cumulativo de alterações relacionadas à idade, doenças e meio-ambiente inadequado parece predispor à queda (PEREIRA et al., 2001)

    Quando o idoso cai há uma tendência à diminuição de suas atividades diárias. Assim, o indivíduo pode se expor menos ao risco, como forma de proteção. O próprio envelhecimento natural apresenta uma tendência à redução da capacidade de processamento e da habilidade de dividir atenção, o que favorece o risco de acidentes.

    Fabrício et al. (2004) mostraram em seu trabalho, realizado com cinquenta idosos, que 28% deles faleceram por conseqüências diretas de quedas, entre as quais, fraturas e lesões neurológicas. Somente no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2004 morreram 441 pessoas idosas por causa de quedas e essas mortes representaram 1,0% de todos os óbitos de idosos no estado. No Brasil, em 2004, as mortes por queda entre os idosos chegaram a 3.024 e esse percentual representou 0,6% de todas as mortes de idosos no país.

    Devido à importância desse evento, a análise do senso de auto-eficácia para quedas é importante para o conhecimento do grau de confiança que a pessoa tem ao realizar, sem cair, atividades do dia-a-dia (TINETTI et al, 1990).

    O conceito de auto-eficácia descrito por Bandura (1977, 1982, 1986 e 1997) refere-se justamente à avaliação que o indivíduo faz de sua habilidade de realizar uma tarefa dentro de certo domínio. Assim, a fim de contribuir para a conquista da longevidade, da velhice bem-sucedida, com verdadeira qualidade de vida, este estudo tem como objetivo verificar a relação entre as variáveis qualidade de vida e senso de auto-eficácia para quedas, em idosos participantes do projeto de Atividades Físicas e Recreativas da Terceira Idade (AFRID), realizado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Metodologia

Amostra

    Este estudo contou com a participação de 25 idosos, de ambos os sexos, de idade igual ou superior a 60 anos, participantes de alguma atividade do Projeto AFRID/UFU e que demonstraram interesse em participar da pesquisa. Foram excluídos aqueles que não conseguiam se comunicar verbalmente ou tinham dificuldade de compreensão, que faziam uso de algum equipamento de auxílio à marcha ou cadeirante.

Procedimentos da coleta de dados

    Após aprovação pelo Comitê de Ética da UFU, a pesquisa foi desenvolvida no Campus da Educação Física/UFU, local de realização das atividades do Projeto AFRID.

    O projeto atende semanalmente cerca de 450 idosos da cidade e região, com idades variando entre 50 e 89 anos e oferece atividades de hidroginástica, natação, musculação e dança, entre outras.

    Foram inclusos neste estudo 25 participantes com idade igual ou maior que 60 anos. Após a sua inclusão no estudo, os idosos foram submetidos individualmente à entrevista para a coleta dos dados pessoais, seguida de um questionário de qualidade de vida e avaliação por uma escala que mensura o senso de auto-eficácia para quedas.

Instrumentos

    Os instrumentos utilizados para esta pesquisa foram:

  • Ficha anamnese, para entrevista, contendo dados pessoais, atividades que participam dentro do projeto AFRID/UFU, estado civil, número de medicamentos em uso e condições de saúde.

  • Questionário WHOQOL Abreviado - Adaptado para o Brasil (CHACHAMOVICH et al., 2006), constitui-se de 26 questões subdivididas em quatro domínios de análise. São duas questões gerais de qualidade de vida e 24 referentes ao domínio físico, dos níveis de dor física e tratamento médico; psicológico, à aceitação da aparência física, como aproveita a vida, etc; relações sociais com parentes, amigos, conhecidos e, finalmente, meio ambiente, que investiga quanto o ambiente é saudável para o idoso.

  • Escala de Eficácia de Quedas – Internacional (FES-I) – Adaptada para ser aplicada aos idosos brasileiros (CAMARGOS, FFO; DIAS, RC; DIAS, JMD, 2007). Essa escala avalia o quanto o indivíduo é competente em realizar algumas atividades, através da preocupação de cair.

Análise estatística

    Foi feita a análise descritiva para a caracterização sócio-demográfica dos participantes e para o cálculo das médias, quartis e desvio-padrão. A confiabilidade da consistência interna foi avaliada por meio do coeficiente α Crombach e pelo coeficiente de correlação intraclasse. O teste t foi utilizado para a comparação das médias dos grupos em função de quedas e idade. A ANOVA foi utilizada para a comparação dos grupos segundo o estado civil e o teste de tukey para comparação das médias. Para comparar idade e quedas, por meio da escala FES-I, utilizou-se o teste de Man-Whitney, uma vez que os dados não apresentaram distribuição normal.

Resultados e discussão

    Dos 25 idosos participantes do estudo, 92% eram mulheres, 48% viúvos, 32% casados, 16% solteiros e 4% divorciados. A média de idade foi de 69,8 anos e 92% dos entrevistados apresentavam hipertensão.

    Quanto ao número de medicamentos utilizado pelos participantes, foi obtida uma variação de um a seis medicamentos por idoso. As principais atividades realizadas pelos participantes, dentro do Projeto AFRID/UFU foram hidroginástica, musculação e alongamento.

    Em relação ao último ano, 56% dos participantes admitiram ter sofrido algum tipo de queda. Essa proporção de quedas é próxima à encontrada por Fabrício et al. (2004) em um grupo de idosos residentes em Ribeirão Preto, em que 54,0% deles haviam caído no último ano.

    A consistência interna do WHOQOL-Abreviado foi avaliada pelo coeficiente de fidedignidade de Crombach. Para os domínios o coeficiente variou de -0,29 (Domínio 3 – Relações Sociais) a 0,73 (Domínio 1 – Físico); para todas as questões foi de 0,784 e considerando todos os domínios o alfa Crombach foi de 0,705. O coeficiente de Crombach mostra valores satisfatórios quando é utilizado para questões ou para domínios.
Quando tomados individualmente, os domínios 2 (psicológico), 3 (relações sociais) e o domínio 4 (meio ambiente) apresentaram valores de alfa-crombach abaixo de 0,5, sendo que o domínio 3 apresentou valor negativo. No trabalho de Fleck et al. (2000) foram observados resultados semelhantes, ou seja, os domínios 1, 2 e 3 apresentaram os menores valores de alfa-crombach, sendo o valor mais baixo para o domínio 3, porém, os valores foram acima de 0,5.

Tabela 1. Médias e desvio-padrão dos escores dos domínios do WHOQOL Abreviado em indivíduos que sofreram e que não sofreram quedas

Quedas

 

Sim

Não

 

Domínios

Média

Desvio padrão

Média

Desvio padrão

P-valor*

Físico

14,93

5,91

15,42

6,72

0,6319

Psicológico

15,61

1,27

16,30

1,27

0,1466

Relações sociais

14,85

1,60

15,15

1,87

0,5847

Meio ambiente

14,67

2,56

15,00

0,60

0,5175

QV GERAL (Q1 e Q2)

14,85

10,28

16,54

5,67

0,1588

* Teste t

    Na Tabela 1, avaliou-se o efeito das quedas na qualidade de vida dos participantes. Há uma tendência dos pacientes que não sofreram quedas apresentarem escores superiores em cada um dos quatro domínios, porém, essa diferença não foi estatisticamente significativa.

    Ribeiro et al. (2008) em seu trabalho, cujo objetivo foi analisar o efeito das quedas e suas conseqüências na qualidade de vida de idosos de uma comunidade de baixa renda do município do Rio de Janeiro, observaram uma relação direta entre estes domínios. Em todos os domínios da escala aplicada, houve uma redução nas médias do grupo que caiu no último ano, sendo essa diferença também mais significativa no domínio psicológico.

Tabela 2. Médias e desvio-padrão dos escores dos domínios do WHOQOL Abreviado em indivíduos com menos de 70 anos e mais de 70 anos

Idade

 

< 70 anos

≥ 70 anos

 

Domínios

Média

Desvio padrão

Média

Desvio padrão

P-valor*

Físico

16,31

2,52

14,24

2,07

0,0340

Psicológico

16,30

1,09

15,62

1,16

0,1466

Relações sociais

15,15

1,49

14,86

1,15

0,5826

Meio-ambiente

14,86

0,95

14,79

1,54

0,8845

QV GERAL (Q1 e Q2)

16,00

2,83

15,29

3,10

0,5583

* Teste t

    Na Tabela 2, observa-se que os indivíduos com mais de 70 anos apresentam uma percepção de qualidade de vida inferior aos indivíduos com menos de 70 anos. Entretanto, somente no domínio físico a diferença foi significativa.

Tabela 3. Média e desvio-padrão dos escores dos domínios do WHOQOL Abreviado em relação ao estado civil

Estado Civil

 

Solteiro

Casado

Viúvo

 

Média

Desvio padrão

Média

Desvio padrão

Média

Desvio padrão

Domínio 1 (Físico)

14,4a

3,55

15,71a

2,59

15,10a

1,97

Domínio 2 (Psicológico)

15,73a

0,37

15,92a

1,49

16,00a

1,21

Domínio 3 (Relações sociais)

14,93a

1,46

15,50a

0,69

14,67a

1,50

Domínio 4 (Meio-ambiente)

13,6b

0,96

15,25a

0,93

15,04ab

1,37

QV GERAL (Q1 e Q2)

13,20b

3,06

15,25ab

1,83

16,83a

3,01

    Médias seguidas de mesma letra não diferem estatisticamente entre si pelo teste Tukey.

    Na Tabela 3, de maneira geral, os solteiros apresentaram menor percepção de qualidade de vida. Porém, somente no domínio meio ambiente observou-se diferença significativa entre os solteiros em relação aos casados e viúvos. Avaliando-se a qualidade de vida geral (Q1 e Q2), verifica-se que os solteiros diferiram estatisticamente dos viúvos, porém não diferiram dos casados.

Tabela 4. Média e desvio-padrão dos escores da Escala de Eficácia de quedas – Internacional em relação aos fatores idade e quedas

Escore total - Avaliação

Variável

Categoria

n

%

Média ± DP

P25

Mediana

P75

*P-valor

Idade

< 70 anos

12

48

26,00 ± 9,55

20,00

21,50

28,50

0,022

 

≥ 70 anos

13

52

35,62 ± 8,74

28,00

39,00

40,00

 

Quedas

Sim

14

56

30,14 ± 10,62

21,25

28,00

39,00

0,565

 

Não

11

44

39,02 ± 10,04

23,50

29,00

41,00

 

*Teste de Mann-Whitney; DP: desvio-padrão; P25 e P75: percentil 25 e 75, respectivamente.

    Em relação à escala FES-I, a confiabilidade foi determinada pelo coeficiente de correlação intraclasse (ICC) tipo II, calculado item por item da FES-I. A consistência interna apresentada pela FES-I-Brasil foi alta (α de Crombach = 0,92). A análise de confiabilidade da média item por item foi ICC=0,427 (IC95%: 0,295-0,603). A média do escore da FES-I-Brasil foi 31,0±10,2 e a mediana 28,0, com primeiro quartil (Q1) igual a 21,0 e o terceiro (Q3) 39,0.

    Dessa forma, observou-se (Tabela 4) que o fator queda não influenciou na avaliação que o idoso fez quanto a sua preocupação de cair, caso realizasse atividades do dia-a-dia. Já o fator idade influenciou na avaliação do senso de auto-eficácia para quedas, ou seja, indivíduos com 70 anos ou mais apresentaram escores mais altos na Escala FES-I, mostrando-se extremamente preocupados em cair, caso fizessem algumas atividades do dia-a-dia, sendo menos competentes nas atividades de vida diárias (AVD’s). Esses resultados se assemelham aos encontrados no estudo de Ribeiro et al (2008), em que o medo de cair, entre os idosos, também alcançou alta proporção.

    O medo de cair é uma conseqüência destacada por vários autores e traz consigo alterações, como perda de autonomia e de independência para as atividades de vida diária, diminuição das atividades sociais e sentimentos de fragilidade e insegurança.

Considerações finais

    O fator idade interferiu na percepção de qualidade de vida, uma vez que aqueles com mais de 70 anos consideraram pior a sua qualidade de vida, demonstrando, também, maior preocupação em cair.

    Considera-se provável a relação entre as variáveis qualidade de vida e senso de auto-eficácia para quedas, pois os idosos que não caíram apresentaram escores mais elevados em todos os domínios. E também porque as quedas determinam complicações que alteram negativamente a qualidade de vida desse público.

    Outro resultado interessante foi o de que o fato de ter sofrido quedas não interferiu no senso de competência de realização de algumas atividades do dia-a-dia, ou seja, não influenciou na avaliação que o idoso faz da sua preocupação em cair, caso fizesse algumas atividades.

    Enfim, observou-se que é incentivar a continuidade na criação de mais programas voltados à promoção do envelhecimento saudável, com melhor qualidade de vida, haja vista ser essa a camada da população que mais cresce a cada ano.

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