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Os aspectos educacionais do jogo 

e o desenvolvimento do indivíduo

 

*Licenciado em Educação Física

**Doutorando em Educação

Universidade Federal de São Carlos

(Brasil)

Ricardo Peixoto Stevaux*

risanca@hotmail.com

Cae Rodrigues**

cae_jah@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          A partir da reflexão entre os contrastes da educação escolar e não escolar, pode-se observar a importância do caráter lúdico do jogo no desenvolvimento dos indivíduos, partindo de processos de tomada de decisão, do diálogo, do desenvolvimento das capacidades e habilidades, enfim, da vivência da corporeidade. Sobre uma perspectiva educacional, poderemos considerar que o jogo torna-se um momento particular para serem trabalhados conteúdos e conceitos com crianças e adultos. A não obrigatoriedade de jogar garante a espontaneidade da participação, característica importante do jogo. Por fim, o jogo deve ser desprovido de interesses que não os de exercer aquela prática de forma prazerosa e descontraída, cabendo ao educador que acompanha o seu desenrolar propiciar um ambiente adequado para tal e observar as relações ocorridas na partida, interpretá-las e posicionar-se diante da possibilidade de educação daqueles participantes.

          Unitermos: Jogo. Educação. Corporeidade.

 

Abstract

          Considering the contrasts of education in and out of school, it is possible to observe the importance of the ludic characteristics present in games in the development of individuals, considering decision making, dialog construction, development of capacities and skills, overall, the experience of corporality. On an educational perspective, we can say that ludic activities and games create a particular moment for the apprenticeship of contents and concepts for children and adults. For such, the game must be deprived of interests other than playing pleasurably and casually, and the educator that accompanies the game has to create an environment to favor this happening, observe the relations that occur during the game, interpret them and take a position regarding the educational possibilities of those participants.

          Keywords: Games. Education. Corporality.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009

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Introdução

    O jogo está de tal forma associado á nossa existência que raramente paramos para pensar em seu significado. Mesmo quando não é teorizado ou estudado, o jogo é vivenciado espontaneamente por seus praticantes. Mas o que será, realmente, o jogar?

    Segundo Bueno jogo é:

  1. Atividade física ou mental organizada por um sistema de regras que definem a perda ou o ganho de tempo. 

  2. Brinquedo, passatempo, divertimento. 

  3. Passatempo ou loteria sujeito a regras e no qual, às vezes, se arrisca dinheiro. 

  4. Regras que devem ser observadas quando se joga (...) (1992, p.377).

    Para Huizinga (citado por CAILLOIS), o jogo é:

    Sob o ponto de vista da forma, pode resumidamente, definir-se jogo como uma acção livre, vivida como fictícia e situada para além da vida corrente, capaz, contudo, de absorver completamente o jogador, uma ação destituída de todo e qualquer interesse material e de toda e qualquer utilidade, que se realiza num tempo e num espaço expressamente circunscrito, decorrendo ordenadamente e segundo regras dadas e suscitando relações grupais que ora se rodeiam propositadamente de mistério ora acentuam, pela simulação, a sua estranheza em relação ao mundo habitual (1990, p. 23).

    Cabe uma observação sobre o tema. Na verdade, não se trata de jogo, mas sim de jogar, visto que essa reflexão não é sobre algo que existe por si só, mas sobre a ação de um sujeito, caracterizada por aspectos marcantes que buscaremos discutir.

    Jogar por jogar, além, é claro, do prazer de competir, da possibilidade de vitória ou derrota, ou talvez, simplesmente, participar daquela situação. A princípio, não se produz nada, não se almeja nada além do triunfo sobre o adversário, no caso do jogo competitivo, ou a representação de um papel, referindo-se aos jogos dramáticos, sempre em busca do prazer da participação. É fundamental que a ficção do jogo, assim como o divertimento que é explorado nesta atividade, prevaleça sobre a obstinação do vencer, do trabalho de representar.

    Neste sentido,

    É indiscutível que o segredo, o mistério, o travestir, enfim, se prestam a uma actividade de jogo, mas convirá acrescentar desde já que essa actividade se exerce necessariamente em detrimento do segredo e do misterioso. Ela expõe-no, publicita-o e, de certa forma, gasta-o. Numa palavra, tende a retirar-lhe sua característica mais essencial. Pelo contrário, quando o segredo, a máscara, o disfarce cumprem uma função sacramental, podemos estar certos de que ai não há jogo, mas instituição. Tudo que é, naturalmente, misterioso ou simulacro está próximo do jogo. Mas é também preciso que a componente de ficção e de divertimento prevaleça, isto é, que o mistério não seja venerado e que o simulacro não seja início ou sinal de metamorfose e de possessão (CAILLOIS, 1990, p. 24).

    Essa característica aproxima o jogo do lazer, pois a espontaneidade ao praticar a atividade é uma condição existencial para o lazer, além do que, o jogo pede que os envolvidos se entreguem à dinâmica, se envolvam e, para tanto, torna-se fundamental que se tenha iniciativa para desenvolvê-lo. O desenrolar do jogo depende da iniciativa de seus protagonistas. Para Marcelino, “Apesar da polêmica sobre o conceito, a tendência que se verifica na atualidade entre os estudiosos do lazer é no sentido de considerá-lo tendo em vista os dois aspectos – tempo e atitude (2001, p. 08).

    Quando se pensa nos porquês de se jogar, lembra-se logo de explicações como: desocupar a cabeça de problemas, fugir do cotidiano ou, simplesmente, relaxar. Realmente o jogo está associado a uma fuga do cotidiano, já que seus participantes passam a vivenciar uma situação que não faz parte do seu dia a dia, mesmo que se jogue todos os dias. Assim mesmo, não é possível desassociar o momento do jogo da vida do sujeito que o pratica. A vida não para no momento do jogo, enquanto se joga se vive, assim como quando não se joga. O que muda realmente é a atitude daquele que joga, pois ele se dispõe a uma prática importante para o seu desenvolvimento, como veremos adiante neste trabalho. Apesar disso, o jogo é uma situação isolada, tendo suas conseqüências consideradas apenas naquela situação, durante a partida. Os participantes podem carregar conseqüências do jogo na construção de seu caráter, de sua formação enquanto sujeito íntegro. Talvez esta seja uma das razões importantes para se estudar os jogos.

    Pensando o jogo e suas importâncias pedagógicas, poderemos considerá-lo como um momento único para serem trabalhados conteúdos e conceitos com crianças e adultos, já que ambos podem ser participantes dessa prática. A não obrigatoriedade de jogar traz o jogador à participação da dinâmica por razões espontâneas.

    Nesse contexto, podemos considerar a educação no âmbito escolar e extra-escolar, fora da sala de aula. A educação extra-escolar é caracterizada principalmente por trazer consigo a característica da não pontuação do momento de aprendizagem e do momento de ócio ou de lazer, além de proporcionar a possibilidade que a criança vivencie situações que se diferem das experiências escolares, não pelo acontecimento em si, mas por serem sujeitos do acontecimento espontaneamente. Para Heidegger, “(...) fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança, que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma” (citado por BONDÍA 2002, p. 25).

    A variedade de movimento, amplitude, a melhora das habilidades e capacidades físicas que pode se adquirir pelo brincar é fundamental para o desenvolvimento do ser. Segundo Mukhina "O jogo é o fator principal para introduzir a criança no mundo das idéias" (1996, p. 165). É claro que durante o desenvolvimento do jogo há certa postura por parte dos seus participantes, dentre eles, o educador. Nesse sentido, acreditamos na autonomia e no diálogo entre os participantes.

Desenvolvimento

Os jogos de Faz de Conta

    Como comentado anteriormente, o jogo apresenta uma situação aos seus participantes que põe a vida cotidiana em certa suspensão, pois não deixamos nossa vida para jogar, mas o momento do jogo é caracterizado pela situação própria do jogo. No mundo criado para a dinâmica de um determinado jogo, seus participantes são coadjuvantes de um drama que será desenvolvido de início ao fim da partida, e o papel que cada personagem deverá representar é marcado pelas regras que devem ser conhecidas por todos os participantes.

    Dentro dos limites das regras, o jogador se deleita a criar seu repertório de ações e movimentos. Esse distanciamento do universo real traz novas possibilidades para aqueles que se entregam ao jogo. No caso de uma simples “pelada” (jogo de futebol no qual prevalece o lazer), o jogador que participa da partida pode imaginar que, naquele momento, é um craque de algum time profissional de renome, pode imaginar que a partida se realiza num estádio monumental famosíssimo, ou até mesmo o contrário, pode satirizar narrando à partida referindo-se a sua equipe como se ela fosse uma das piores, chamando seus companheiros pelo nome dos atletas piores da liga. Enfim, a imaginação está liberada para sair do real, para assumir outras personalidades, para voar.

    Essa liberdade de criação que o jogo proporciona é importantíssima para o desenvolvimento da criança e do adulto, pois são poucos os momentos na vida das pessoas em que elas têm a oportunidade de criar, de imaginar, de viajar com o pensamento, de imaginar soluções para situações criadas dentro daquela dinâmica. Esse universo de opções e de ferramentas para soluções de problemas que os jogos proporcionam possibilita aos jogadores criarem diferentes soluções para um mesmo problema. O indivíduo exercita sua capacidade de versatilizar as idéias, podendo refletir sobre sua vida cotidiana. Portanto, criar, imaginar, sugerir, são elementos que o jogo pede ao jogador, conseqüentemente, possibilitando que se desenvolva.

    Para o educador que acompanha esse processo, é fundamental entender que é um momento de criação, e sua postura nessa situação é de fundamental importância. Para Paulo 2, a relação educador/educando depende de uma interação muito sutil, em que prevaleça o respeito pelo outro e pelo seu estágio de desenvolvimento, e ainda:

    Ensinar e aprender são assim momentos de um processo maior – o de conhecer, que implica re-conhecer. No fundo o que eu quero dizer é que o educando se torna realmente educando quando e na medida em que conhece, ou vai conhecendo os conteúdos, os objetos cognoscíveis, e não na medida em que o educador vai depositando nele a descrição dos objetos, ou dos conteúdos. (FREIRE, 2005, p. 47).

    É preciso permitir a experiência. Considerar que ambos educando e educador estão sujeitos ao erro, que ambos são aprendizes de um conteúdo que não é fechado, mas está sempre em transformação, está muito além do dois mais dois, lembrar que ninguém nasceu sabendo, respeitar o tempo do outro.

    Educar perpassa, ainda, pela forma que se ensina. Antes de educador, o professor é um indivíduo que possui uma história de vida e carrega consigo uma visão do mundo. É importante que se tenha opinião sobre as coisas, que se tenha princípios e que se zele por eles, mas é fundamental que o educador saiba respeitar os princípios do educando, mesmo, e, principalmente, se estiver em formação para não moldá-lo, mas deixá-lo moldar-se. Todos estamos em formação, e nos moldamos o tempo todo, nos moldamos reflexivos ou alienados, dependemos de inúmeros fatores.

    Não há como não repetir que ensinar não é a pura transferência mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno, passível e dócil. Como não há também como não repetir que, partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer. Jamais disse, como às vezes sugerem ou dizem que eu disse, que deveríamos girar embevecidos, em torno do saber dos educandos, como a mariposa em volta da luz.

    Partir do saber de experiência feito para superá-lo não é ficar nele. (FREIRE, 2005, p. 70).

    Dependendo do jogo, as oportunidades de jogadas não são muitas, obrigando que os participantes tenham atitudes ousadas e arriscadas, podendo resultar em sucesso ou fracasso do jogador que se expõe. Arriscar-se e expor-se são atitudes que o indivíduo pratica naquela situação, e que também reflete na sua formação. O que possibilita o desenvolvimento do indivíduo no sentido da construção de uma personalidade, ou de um caráter definido, é a conseqüência de atitudes que terá a oportunidade de ter durante a situação de jogo, e a reflexão sobre essas atitudes. É fundamental que o educador, ao acompanhar o aprendiz numa dinâmica, se posicione frente à situação, sem interferir a ponto de inibir o processo. A inibição pode começar a partir da criação das regras do jogo. São elas que serão os fatores limitantes daquela prática, e devem ser construídas pelos jogadores, fazendo sentido e tendo significado para eles. Ao educador, cabe a tarefa de proporcionar um ambiente propício para que essa situação se desenvolva.

    Se a atitude for mal sucedida e o resultado não for o esperado, talvez o indivíduo ou a equipe perca um ponto, ou ainda, numa conseqüência mais drástica, perca a partida. É claro que isso é significante, é muito. Normalmente, não se joga para perder e, portanto, ninguém quer perder. Mas por outro lado, a atitude foi pensada, calculada para dar certo e, se der resultado, será a glória, um dos motivos que movem o jogo.

Jogos competitivos

    É comum encontrar jogos que colocam seus participantes em pé de igualdade a fim de travar uma verdadeira batalha, e explicitar qual das partes vence a outra e comprova sua soberania naquela modalidade. “Pouco importa que esses jogos sejam atléticos ou intelectuais. A atitude do jogador é idêntica: é o esforço de vencer um rival colocado nas mesmas condições” (CAILLOIS, 1990, p. 32). É o jogo competitivo, que possui como exemplos os jogos desportivos (futebol, basquete, tênis, etc), jogos de tabuleiro (dama, gamão, xadrez, etc) e alguns jogos de cartas (truco, rouba monte, poker, vinte e um, etc).

    Existem ainda os jogos pré-desportivos, criados como adaptações dos jogos desportivos, objetivando facilitar a aprendizagem de sua prática, seja pela alteração de regras ou pela adequação de materiais. Exemplos dessas atividades pré-desportivas são jogos como base 4 (beisebol adaptado), touch (rugby com regras adaptadas), bola torre (handball com regras adaptadas), cambio (voleibol com regras adaptadas), etc.

    Para minimizar as dúvidas quanto à soberania de um jogador num jogo competitivo, é importante que as condições de igualdade entre as equipes sejam respeitadas, nem que para isso uma das equipes tenha algum tipo de vantagem em relação à outra para compensar algum desequilíbrio. Mas, na realidade, o que garante mesmo essa igualdade é o acordo entre as partes de quais serão as regras daquela partida. Quando ocorre de uma das partes ser muito superior tecnicamente, por exemplo. Então, poderá ocorrer uma mudança nas regras do jogo, a fim de compensar a equipe desfavorecida e colocar as equipes em condições de igualdade para a partida. Isso garante o desafio, a superação para todos, e estabelece um vínculo competitivo para eles.

    A procura de igualdade de oportunidades à partida é, manifestamente, o princípio essencial da rivalidade ao ponto de ser restabelecida por um handicap entre jogadores de diferentes níveis, o que quer dizer que, na igualdade de oportunidades inicialmente estabelecida, se cria uma desigualdade secundária, por proporcional à suposta força relativa dos participantes. (CAILLOIS , 1990, p. 34)

    É fundamental que o resultado da partida seja uma incógnita até seu final, pois garantirá que as partes estejam em condições de igualdade, em situação de jogar e vencer o adversário. Caillois afirma que “a dúvida acerca do resultado deve permanecer até ao fim. Quando, numa partida de cartas, o resultado não oferece mais dúvida, não se joga mais” (1990, p. 27). Ele explicita o jogo de cartas, mas essa observação vale para as diversas modalidades competitivas. Importante ressaltar sobre o resultado que deve ser incerto para a partida. Numa partida de futebol, por exemplo, muitas vezes se constrói um placar avantajado para uma das equipes em pouco tempo de jogo, mas o jogo continua, e a esperança é pela sempre possível possibilidade de superação da outra equipe e a inversão da situação, ou seja, o placar final é incerto, desconhecido.

    Essa condição é descaracterizada em jogos profissionais, nos quais os objetivos são caracterizados principalmente pela rigidez de regras, nos quais o equilíbrio entre as equipes nem sempre está presente, pois não se busca somente a glória da vitória ou o divertimento de uma atividade espontânea, mas também ganhos financeiros. “(...) é indiscutível que o jogo deve ser definido como uma actividade livre e voluntária, fonte de alegria e divertimento” (CAILLOIS, 1990, p. 26), características não presentes em jogos profissionais.

Regras: “Limitações e possibilidades”

    Uma característica encontrada em grande parte das definições de jogo é a presença de regras como fator limitante da ação dos jogadores. Sobre esse aspecto poderíamos dizer que o jogar é um acordo entre indivíduos que se dispõe a compartilhar de limitações de possibilidades. Mesmo nos jogos ditos não regrados a regra se faz parte fundamental, pois a escolha por não tomar as regras como rígidas não deixa de ser um acordo, uma possibilidade de limitação mais flexível, mas ainda uma regra a ser seguida. Por exemplo, no jogo dramático, no qual um dos jogadores se imagina um médico enquanto outro assume o papel de enfermeiro, e ainda um terceiro se diz o paciente, é fundamental que o jogador que faz o papel de paciente aceite as limitações que este papel lhe impõe, caso ele a rejeite se desorienta o jogo, porém não se deixa de jogar. Na verdade, o jogo se transforma.

    Há muitos jogos que não envolvem regras. Deste modo, não existem regras, pelo menos em termos fixos e rígidos, para brincar às bonecas, aos soldados, aos policiais e aos ladrões, aos cavalos, aos comboios, aos aviões, em geral, aos jogos que supõe uma livre improvisação e cujo principal actrativo advém do gozo de desempenharmos um papel, de nos comportarmos como se fôssemos determinada pessoa ou determinada coisa, uma máquina, por exemplo (CAILLOIS, 1990, p. 28).

    Desta maneira, o que marca o jogo não é propriamente a regra, mas a cumplicidade entre os jogadores, a maneira que se compartilha das limitações daquele jogo, é “como” se joga. Aproveitando o exemplo do jogo dramático citado a pouco, existe também uma regra embutida que dita, de certa forma, o enredo do jogo. Trata-se, justamente, da regra marcada pela condição social em que o jogo se desenrola. É a expressão do médico, do paciente e do enfermeiro que são a imagem dos mesmos na vida real. Dentro das limitações de seus papeis, os coadjuvantes são livres para criar as situações objetivando a promoção do jogo. Assim, “O jogo consiste na necessidade de encontrar, de inventar imediatamente uma resposta que é livre dentro dos limites das regras” (CAILLOIS , 1990, p. 27).

    Este tipo de jogo não só imita a vida, mas também pode reforçar estereótipos, ou ainda quebrar barreiras sociais podendo servir, assim, como forte fator educacional.

    Considerado do ponto de vista histórico, tempo algum pode ser entendido com livre de coações ou norma de conduta social. Talvez fosse mais correto falar em tempo disponível. Mesmo assim, permanece a questão da consideração do lazer, como esfera permitida e controlada da vida social, o que provocaria a morte do lúdico, e a ocorrência do lazer marcada pelas mesmas características alienantes verificadas em outras áreas de atividade humana (MARCELLINO, 2001, p. 08).

    Vejamos outro exemplo de jogo, no qual os envolvidos brincam de casinha. Enquanto o menino percorre grandes distâncias com seu caminhãozinho e passa por várias aventuras imaginárias com ele, a menina brinca de fazer a comida, lavar a louça e arrumar a casinha. Evidentemente, essa situação não ocorre necessariamente. Mas é comum esse enredo de brincadeira, talvez por ser embasada, segundo o exemplo descrito, numa sociedade patriarcal. O reforço dos valores de uma sociedade se faz presente nas brincadeiras, marcando-as, e assim reforçando ou questionando esses valores, dependendo do curso, do enredo do jogo.

    O importante é que, normalmente, esse enredo de jogo não está escrito como fórmula a ser seguida pelos jogadores, são eles próprios que o definem (em termos, já que o enredo dos jogos é baseado em fatos reais que norteiam as dinâmicas, e isso limita as histórias). Esse fato torna a aventura de jogar muito interessante, uma vez que, para tanto, o raciocínio e o entendimento dos jogadores sobre aquela situação são postos a prova a todo o momento, sempre de forma improvisada, o que obriga ainda mais os participante jogarem com maior atenção. Se um jogador abandona a idéia do jogo, seja porque não concorda com algum direcionamento que o enredo do jogo tenha sido levado, seja porque não tenha gostado de seu personagem, o jogo se acaba, pois o jogo depende daquele jogador, foi construído contando com aquele papel.

    Em um jogo, as regras podem ser mudadas desde que haja o consentimento geral das partes, antes da ocorrência de uma situação em que se evidencie o benefício de uma das partes pela regra antiga, ou uma mudança considerável no enredo da história. Nesses termos, o jogo acaba sendo muito democrático.

Considerações finais

    O jogo é uma atividade que deve ser livre, sendo que o jogador não deve ser à ela obrigado, pois, assim, o jogo perderia a sua natureza de diversão; o final deve ser incerto, já que o seu desenrolar não pode ser determinado por agentes externos, apenas pelos participantes da partida, nem o seu resultado obtido previamente, já que é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador torna-se certa a liberdade pela necessidade de inventar; delimitada, limitada no que diz respeito a espaço e tempo (regrado), previamente estabelecidos; improdutiva, não gerando bens, nem riquezas; fictícia, acompanhada de uma consciência específica de uma outra realidade, ou da irrealidade em relação à vida normal; regulamentada, considerando que haja convenções a fim da suspensão de leis, normas que instalam momentaneamente uma orientação nova, a única que conta, pois são os novos limites para a liberdade de criação, construídos de forma bastante autônoma (CAILLOIS, 1990).

    Por fim, o jogo deve ser desprovido de interesses que não os de exercer aquela prática de forma prazerosa e descontraída, cabendo ao educador que acompanha o seu desenrolar propiciar um ambiente adequado para tal e observar as relações ocorridas na partida, interpretá-las e posicionar-se diante da possibilidade de educação daqueles participantes.

Referências bibliográficas

  • BRUHNS, Heloísa T., GUTIERREZ, Gustavo L. (orgs.). O Corpo e o Lúdico: ciclo de debates lazer e motricidade. Campinas: Autores Associados, 2000.

  • BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. 6ª ed. São Paulo: Lisa S/A, 1992.

  • CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.

  • DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1976.

  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

  • HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1980.

  • KISHIMOTO, Tizuko M. Jogo, brinquedo e brincadeira e a educação. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1999.

  • LAROSSA BONDÍA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência e o saber da experiência. In: Revista Brasileira de Educação, nº 19. 2002. (p. 20 – 28)

  • MARCELLINO, Nelson C. (org). Lazer e esporte: políticas públicas. Campinas: Autores Associados, 2001.

  • MUKHINA, V. Psicologia da idade pré-escolar: um manual completo para compreender e ensinar a criança desde o nascimento até os sete anos. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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