Estudo da marcha em jovens e adultos com síndrome de Down praticantes de ciclismo: análise cinemática |
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* Docentes do Curso de Educação Física da Universidade Presbiteriana Mackenzie ** Docente do Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento eCoordenadora do Curso de Fisioterapia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Brasil) |
Ms. Denise Elena Grillo* Dra. Silvana Maria Blascovi-Assis** Dra. Graciele Massoli Rodrigues* Ms. Marcos Merida* |
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Resumo Este estudo teve como objetivo avaliar a marcha de 08 indivíduos adultos, com síndrome de Down, praticantes de ciclismo (CSD), através da análise cinemática com um programa de apresentação universal dos dados (UDP - Universal Darstellung Program). Obtivemos os valores máximos e mínimos das variáveis angulares de joelho e tornozelo, bem como a oscilação vertical do quadril. Os resultados obtidos em relação à articulação do joelho foram na fase de apoio e os CSD apontaram maior extensão da articulação dos joelhos em relação às pessoas com síndrome de Down que não praticam atividade física e tampouco o ciclismo (ISD) se aproximando mais de pessoas sem a síndrome de Down (IN) e maior flexão (os IN flexionam menos os joelhos na fase de apoio); na fase de balanceio, os CSD apresentam menor extensão articular do joelho, ou seja, um grau de extensão mais próximo dos IN e menor flexão em relação ao IN. Em relação à articulação do tornozelo os CSD apresentam valores próximos em relação à variação da mobilidade articular de IN, na fase de apoio. Na fase de balanceio, apresentaram menor mobilidade do tornozelo, ou seja, existe menor flexão e menor extensão desta articulação, em relação às pessoas normais. No que diz respeito ao quadril, observamos maior oscilação vertical que os IN, em função da maior flexão de joelhos na fase de apoio e menor extensão de joelhos na fase de balanceio. Concluindo, a atividade de ciclismo pode alterar o padrão da marcha dos indivíduos com SD, aproximando-os ao padrão da marcha normal, no que se refere à articulação do joelho na fase de apoio. Unitermos: Marcha. Síndrome de Down. Ciclismo. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009 |
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Introdução
A tendência atual das sociedades organizadas é de se adaptarem para incluir, em seus sistemas, indivíduos que estavam excluídos e que sofriam restrições de acesso aos seus direitos fundamentais. Pode-se observar que os esforços para a concretização desta proposta envolvem a área governamental, através do Ministério da Ciência e Tecnologia, além do setor privado e do terceiro setor, os quais atuam de forma complementar por intermédio de leis, resoluções e medidas provisórias (IBICT, 2005).
Esse contexto social deve se fazer presente em qualquer pesquisa que tenha como meta oferecer melhores condições para que a pessoa com deficiência possa se sentir incluída nos programas de sua comunidade e desfrutar de melhor qualidade de vida. Pessoas com síndrome de Down (SD) estão, historicamente, presentes em nossa sociedade muito antes de sua primeira descrição clínica, feita por John Langdon Down, em 1866 e somente em 1959, Lejeune e colaboradores demonstraram que se tratava de uma anormalidade cromossômica, identificando a presença do cromossomo extra nos afetados.
Diante das evidências e potencialidades da atividade física, principalmente quando conduzida por profissionais com a formação adequada, perante o atual momento social e suas demandas por inclusão, torna-se oportuno o estudo particularizado de indivíduos com Síndorme de Down (SD), por se constituírem em parcela do universo social excludente, que necessita do desenvolvimento de programas e protocolos de atividades físicas, que os auxiliem no sentido de minimizar as dificuldades no desempenho de seus papéis como cidadãos.
Essas pessoas apresentam características clínicas comuns, aliadas a um quadro de atraso global do desenvolvimento. Entre essas características pode-se destacar a hipotonia, a obesidade e as anormalidades músculo-esquléticas (PUESCHELL, 1995).
A contribuição que este estudo pretende trazer à comunidade científica está relacionada, especificamente, à análise da marcha e suas variações, diante das alterações produzidas pela SD, bem como verificar a ação que determinada prática esportiva pode proporcionar, interferindo no padrão decorrente da patologia do indivíduo com SD.
A marcha ou deambulação é a forma de locomoção do ser humano, garantindo-lhe a independência e facilitando seu entrosamento no meio em que vive (VIEL, 2000). Os indivíduos com SD possuem limitações de comportamento motor por dificuldades intrínsecas em função das alterações músculo-esqueléticas (hipotonia muscular e alterações posturais) E pré-disposição á obesidade.
É relevante observar as características do indivíduo com SD em relação a hipotonia muscular, já que seu tônus postural é insuficiente e por conseqüência há uma ação lenta da musculatura (Fonseca, 1995).
Se analisarmos a hipotonia muscular e a frouxidão ligamentar poderemos observar uma disfunção motora e, como conseqüência, podemos imaginar que o indivíduo com SD pode ter dificuldade de executar determinados movimentos básicos como: andar, correr, saltar, saltitar e/ou determinadas atividades físicas específicas como chutar, arremessar, lançar (Anwar,1986; Chimitz e Felder, 1992, apud Schwartsman et al 1999).
Algumas alterações podem ser evidenciadas em pessoas com SD conforme aponta Schwartzman et al (1999) e dentre elas, algumas merecem destaque nesse estudo: displasia e conseqüente deslocamento do quadril; provocados por frouxidão ligamentar e capsular (déficit de tecido conjuntivo), associada ao aumento de amplitude de movimento, com rotação externa durante o ciclo da marcha; subluxação da patela, decorrente de instabilidade que não é incapacitante pois, o mesmo também, promove uma compensação no ciclo da marcha, com hiperextensão do joelho e alteração do centro de gravidade e diminuindo, assim, o uso do quadríceps; os ossos longos são mais curtos que o normal; hiperflexibilidade das articulações. Vale destacar que a ocorrência desses fatores são individuais e não se configura em todas as pessoas com SD.
Kioschos et al (1999) confirmam que de 08% a 12 % de indivíduos com SD apresentam a abdução dos quadris (excessiva rotação externa).
Leshin (2003) mostra que de 05% a 08% de indivíduos com SD desenvolvem anormalidades do quadril. A condição mais comum é o deslocamento do quadril que pode ser chamada de subluxação; nesta condição a cabeça do fêmur se move para fora da cavidade formada pela pelve (acetábulo). Este deslocamento pode estar ou não associada à má formação da pelve. Pueschell (1995) aponta que a fossa do acetábulo em algumas pessoas com SD é rasa, mas o deslocamento parece ser uma combinação do tecido conjuntivo que normalmente envolve o quadril, juntamente com o pequeno tônus muscular do indivíduo com SD, e isso pode acarretar o ato de mancar, que pode estar ou não presente.
As articulações de quadril e joelho, citadas acima, são as mais observadas quando estudamos a marcha. Começamos a análise da marcha no momento em que o pé direito se eleva (ou seja, a 60% do ciclo de marcha), instante preciso no qual o pé que estava apoiando parte do peso do corpo torna-se livre. Trata-se da inversão entre a fase de apoio sobre um pé e a fase de oscilação para este membro inferior, ação que permite o deslocamento no espaço enquanto o pé contralateral garante o equilíbrio e o suporte do peso do corpo (Viel, 2000).
A passada (na marcha) analisada segundo Correia (1996) compreende a fase de apoio, que consiste no contato de um dos pés com o solo e a fase de balanceio, que consiste no apoio em somente um dos pés com balanceio da perna oposta; até a volta do mesmo pé inicial ao solo.
Cioni et al (2001) apontam que indivíduos com Síndrome de Down mostram significante diminuição da flexão-plantar e perda de força da articulação do tornozelo. Os mesmos autores observam, também, que esses indivíduos apresentam hipotonia e frouxidão ligamentar da articulação do tornozelo, o que dificulta o comprimento da passada destes indivíduos.
De acordo com Carmeli et al (2004), um programa de exercícios físicos melhora a capacidade coordenativa e melhora significativamente as respostas a estímulos, além de promover, também, compensações feitas no aparelho locomotor desses indivíduos e reduzir os balanços realizados na marcha do individuo com Síndrome de Down. Portanto, indivíduos com SD que participam de atividades físicas, tal como ciclismo, com caráter competitivo ou não, podem apresentar características específicas na avaliação da marcha.
O ciclismo, de acordo com Zatsiorsky (2004) é um esporte interessante para analisarmos a partir do ponte de vista músculo-esquelético por propiciar um movimento essencialmente em duas dimensões, com poucos graus de liberdade (diferentemente da marcha), ou seja, qualquer pessoa que pratique o ciclismo tem determinada musculatura desenvolvida devido à especificidade dos movimentos de repetição.
Comparando-se a marcha e o movimento de membros inferiores no ciclismo pode-se observar a participação da mesma musculatura, porém, com movimentos específicos diferentes.
Todo o processo que envolve o movimento no ciclismo pode determinar uma condição física diferenciada do ponto de vista do desenvolvimento muscular dos membros inferiores se for considerada a prática de outras modalidades esportivas ou mesmo, algumas atividades da vida diária como o ‘andar’.
Objetivos
Geral
Avaliar, a partir de análise cinemática, a marcha de jovens/adultos com Síndrome de Down que praticam ciclismo.
Específicos
Verificar os dados encontrados neste estudo com a análise da marcha de indivíduos com SD não praticantes de atividade esportiva (ciclismo), a partir da literatura consultada.
Verificar os dados encontrados neste estudo com a análise da marcha de indivíduos normais não praticantes ciclismo, a partir da literatura consultada.
Identificar possíveis influências da prática do ciclismo na marcha dos participantes deste estudo.
Metodologia
Para avaliação da marcha optou-se pela análise cinemática, que consiste na captação de imagens que posteriormente podem ser observadas em quadros (MORAES, 2000). Os dados obtidos por este tipo de análise foram tratados de modo quantitativo envolvendo medidas precisas e cálculo de médias e desvio padrão.
Fizeram parte deste estudo oito pessoas com Síndrome de Down, de ambos os sexos, com idade entre 19 e 33 anos, sendo 05 mulheres e 03 homens, praticantes de ciclismo de forma recreativa e não competitiva ou treinamento e uma professora coordenadora do Programa.
Os participantes selecionados faziam, na ocasião da coleta de dados, parte do projeto PEAMA – Programa de Esportes e Atividades Motoras Adaptadas da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes da cidade de Jundiaí - SP.
Foram critérios de inclusão praticar ciclismo com orientação de, no mínimo, um professor de educação física, pelo menos duas vezes por semana e ser praticante dessa modalidade há pelo menos 18 meses.
Os indivíduos foram avaliados no Laboratório do Curso de Educação Física da UPM a partir da filmagem da marcha sobre uma plataforma linear e com as marcações circulares com etiquetas nos pontos anatômicos: quinto metatarso; calcanhar; maléolo lateral; eixo do joelho; grande trocanter; articulação escapulo-umeral; eixo do cotovelo e processo estilóide da ulna. Já a coordenadora nos cedeu uma de cunho semi-estruturada. Os cálculos de todas as variáveis cinemáticas foram feitos utilizando-se um programa de computador de apresentação universal dos dados (UDP - Universal Darstellung Program) que permite a calibração do sistema, digitação dos pontos, reconstrução bidimensional das coordenadas. O programa é do Instituto de Biomecânica da Escola Superior Alemã de Esporte de Colônia, e tem o nome de "Vídeo“, descrito em Corrêa (1996). Antes da filmagem dos indivíduos foi filmado um Calibrador construído de madeira, em forma de “L para que possibilita a conversão da escala humana para o programa e providenciado a aprovação do comitê de ética em pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Apresentação e discussão dos resultados
Entrevista e análise documental
Em relação à análise documental da instituição, destacamos dados relevantes para este estudo, entre eles a independência, no que diz respeito à locomoção, troca de roupa e uso de banheiro.
Os indivíduos serão identificados como (CSD) Ciclistas com Síndrome de Down - os indivíduos deste estudo; (IN) Indivíduos Normais - os dados obtidos em pesquisas da marcha normal em mulheres com sapatos de salto baixo e indivíduos normais (Winter, 1983; Murray, 1970); (ISD) Indivíduos com a Síndrome de Down encontrados na literatura, ou seja, resultados de pesquisas da marcha, com indivíduos com SD, adultos, em diferentes cadências e dados de crianças com SD, com 5 anos de idade (Parker et al,1986).
Articulação do joelho
Os indivíduos apresentaram uma média de 176° na extensão de joelhos e 134° na flexão dos joelhos na fase de apoio. Na fase do balanceio apresentaram 173° na extensão de joelhos e 137,6° na flexão de joelhos.
Em relação à articulação do joelho, na fase de apoio, nos CSD foram observados valores médios de extensão de 176º e flexão de 134º. A amplitude articular variou em torno de 42º .
Se compararmos com dados obtidos por Winter (1983), em um estudo com mulheres normais (IN), vimos, aproximadamente, 175º de extensão e 160º de flexão, logo, uma amplitude articular de 15º.
Parker (1986), em seu estudo da marcha com pessoas com SD nos mostra um resultado de, aproximadamente, 165º na extensão e 153 º na flexão apresentando uma amplitude articular de 12° (tabela 1).
Em relação à articulação do joelho, na fase de balanceio, nos CSD foram observados valores médios de extensão de 173º e flexão de 137º. A amplitude articular variou em torno de 36º. Em sua pesquisa com mulheres normais (IN) Winter (1983) apresenta, aproximadamente, os seguintes dados: 180º de extensão e flexão de 115°, logo, uma amplitude articular de 65º. Parker (1986) em seu estudo da marcha com pessoas com SD nos mostra um resultado de, aproximadamente, 160º na extensão e 110 º na flexão apresentando uma amplitude articular de 50° (tabela 1). Amplitude articular, neste estudo, significa, segundo Correa (1996), o deslocamento angular entre a máxima flexão e a máxima extensão de uma articulação no plano sagital.
Tabela 1. Tabela com dados, em média, dos sujeitos deste estudo (CSD) de pessoas normais (IN)
e de pessoas com (SD), em relação à articulação de Joelho, na fase de apoio e balanceio.
Fase |
Movimento |
CSD |
IN |
ISD |
Apoio |
Flexão |
134º |
160° |
153° |
Extensão |
176º |
175º |
165° |
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Balanceio |
Flexão |
137° |
115° |
110° |
Extensão |
173° |
180° |
160° |
IN -Winter (1983) SD - Parker (1986)
Isso demonstra que os CSD obtiveram, na fase de apoio uma maior extensão da articulação dos joelhos, em relação aos ISD se aproximando mais dos IN, ou seja, no momento em que se coloca o calcanhar no chão, os CSD mantêm mais estendida a articulação dos joelhos. Winter (1983) diz que na marcha normal (IN), o joelho está completamente estendido quando se toca o calcanhar no solo o que ocorre, também, com os sujeitos aqui testados. Viel (2000) acredita que este momento de apoio do calcanhar com o solo merece ser observado, pois este momento pode ser perturbado, quer seja por disfunção muscular (rigidez ou hipotonia) ou em virtude de espasticidade, que pode interferir na sincronia de coordenação.
Esta variação da mobilidade articular que os CSD realizam indica, também, uma flexão da articulação de joelho além do necessário, nesta fase o que justifica a maior variação na amplitude articular indicada no texto acima, nesta fase.
Na fase de balanceio, os CSD têm uma menor variação da mobilidade articular do joelho, ou seja, menor extensão e flexão em relação aos IN e ISD. Apesar de apresentarem, nesta fase de balanceio, uma extensão mais próxima dos IN, flexionam mais os joelhos que os IN.
Os dados relativos a articulação do joelho obtidos nas fases de apoio e balanceio nesse estudo, apresentaram-se de modo dos dados obtidos por Parker (1986). Deve-se, no entanto, considerar a idade dos sujeitos estudados por Parker, que era de cinco anos. Embora o estudo desse autor traga dados relevantes, pois foi o único encontrado que utilizava os mesmos parâmetros de medida, há que se questionar se a comparação entre o nosso grupo e o dele possa ter significância. A ausência de grupos de pessoas com SD que estejam em idade semelhante ao grupo estudado faz com que tenhamos que reconhecer uma limitação na comparação dos ciclistas com pessoas com SD não praticantes dessa modalidade esportiva.
Os CSD se aproximam de IN na fase de extensão, porém, na fase de flexão apresentam um maior número em graus, o que significa maior flexão de joelhos.
Embora Bouchard (2003) relate que indivíduos com peso acima do normal possam apresentar dificuldades em habilidades básicas como o andar, por exemplo, não foi encontrado nesse estudo uma relação direta entre os indivíduos que apresentavam-se obesos ou acima do peso (quadro:3) na articulação do joelho na fase de apoio.
Já na fase de balanceio, os indivíduos que apresentam menor mobilidade são os de número 5 e 6, sugerindo que o excesso de peso pode ser um fator que influencia e afasta o indivíduo dos padrões da marcha normal.
Dugdale e Renshaw, (1996) apud Schwartzman el al (1999) mostram que a hipotonia pode promover uma hiperextensão do joelho, durante o ciclo da marcha. No entanto, em nosso estudo, não houve nenhum caso de hiperextensão, mas sim,de aproximação à angulação dos indivíduos normais, sugerindo que a atividade de ciclismo, possa promover melhor desenvolvimento muscular, beneficiando o padrão da marcha. Para os CSD que se aproximaram aos IN pode-se atribuir o fato dos CSD praticarem a atividade do ciclismo por mais de 18 meses, e com isso terem alterado seu padrão de ação muscular, obtendo, portanto, tônus postural suficiente para não hiperestenderem os joelhos . Já Parker et al (1986) afirmam, após uma análise qualitativa da marcha, que o indivíduo com SD apresenta um andar pobre em relação à coordenação, com pernas afastadas e joelhos ligeiramente flexionados.
A observação da ação muscular, proporcionada pelo ciclismo nos membros inferiores, com possíveis conseqüências na marcha, podem sugerir explicações para a semi-flexão dos joelhos, obtidas neste estudo, nos CSD.
Zatsiorsky (2004) confirma o fato de pessoas que praticam o ciclismo terem desenvolvidos músculos específicos, desenvolvidos por movimentos de repetição tendo estes movimentos poucos graus de liberdade.
Os músculos mais trabalhados no ciclismo são os glúteos, isquiossurais semitendinosos, bíceps femoral e adutores, em função do movimento básico de flexão e extensão de membros inferiores. Outros músculos, ainda, participam do ato de pedalar, como iliopsoas, reto femoral, sartório, tensor da fáscia-lata, além dos músculos plantares, tibial anterior e posterior, longo flexor do hálux, flexor dos dedos, fibular longo e curto. A contração desta musculatura traz, para o praticante do ciclismo, uma condição diferenciada quando pratica outra modalidade ou para atividades diárias (Melo, 2004)
Analisando a musculatura utilizada durante a marcha observa-se o desenvolvimento da musculatura: dorsiflexores (extensor longo dos dedos, tibial anterior, extensor longo do hálux) Tibial posterior, Glúteo máximo, Flexores do quadril, os Isquiotibiais, Adutores e Abdutores, Flexores do quadril, Quadríceps, Isquiossural, Reto femural e Gastrocnêmio (BEHNKE, 2004) (RASCH E BURKE, 1977) (CALAIS - GERMAIN, 2002). Comparando os autores, percebe-se que a musculatura supostamente treinada durante o ciclismo é acionada na marcha. Pode-se considerar, então, que um indivíduo, que pratica o ciclismo, pode ter sua marcha alterada em função de desenvolvimento de tônus postural ou até mesmo força da musculatura de membros inferiores, como por exemplo, a maior contração da musculatura do quadríceps durante o ciclismo, pode vir a colaborar com a aproximação da extensão do joelho na fase de apoio.
Carmelli et al (2004) confirma, dizendo que um programa de exercícios físicos melhora a capacidade coordenativa e melhorando respostas à estímulos, como, por exemplo, promover compensações necessárias ao aparelho locomotor.
Articulação do tornozelo
Em relação à articulação de tornozelo, pode-se observar que os indivíduos apresentaram uma média de 132° na flexão plantar e 107° na flexão dorsal na fase de apoio. Na fase de balanceio, apresentaram uma média de 135° na flexão plantar e de 108° na flexão dorsal.
Em relação à articulação do tornozelo, na fase de apoio, nos CSD, foram observados valores médios de extensão (flexão plantar) de 132º e flexão (flexão dorsal) de 107º. A amplitude articular variou em torno de 25°. Nos IN, foram observados valores médios de extensão (flexão plantar) de 83º e flexão (flexão dorsal) de 110.º A amplitude articular variou em torno de 27°. Nos ISD, foram observados valores médios de extensão (flexão plantar) de 83°º e flexão (flexão dorsal) de 98º. A amplitude articular variou em torno de 15°. Em relação à articulação do tornozelo, na fase de balanceio, nos CSD, foram observados valores médios de extensão (flexão plantar) de 135º e flexão (flexão dorsal) de 108º A amplitude articular variou em torno de 27°. Nos IN, foram observados valores médios de extensão (flexão plantar) de 129 º e flexão (flexão dorsal) de 98º. A amplitude articular variou em torno de 31°. Nos ISD, foram observados valores médios de extensão (flexão plantar) de 95º e flexão (flexão dorsal) de 112 º. A amplitude articular variou em torno de 17 °.
Tabela 2. Tabela com dados, em média, dos sujeitos deste estudo (CSD) de pessoas normais (IN)
e de pessoas com (SD), em relação à articulação de Tornozelo, na fase de apoio.
Fase |
Movimento |
CSD |
IN |
ISD |
Apoio |
Flexão D |
107º |
110° |
98° |
Flexão P |
132º |
83° |
83° |
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Balanceio |
Flexão D |
108° |
98° |
112° |
Flexão P |
135° |
129° |
95° |
IN - Murray (1970) SD - Parker (1986)
Isso mostra que os CSD obtiveram valores próximos em relação à variação da mobilidade articular ao normal o que não observamos nos ISD. Parker et al (1986) afirmam que os indivíduos por eles pesquisados (crianças de 05 anos) apresentaram “padrões imaturos” na marcha e foram encontradas diferenças significativas em relação à articulação do tornozelo, entre crianças com SD e crianças sem a síndrome.
Observou-se uma diferença de amplitude articular entre os CSD e ISD. Este fato pode ser discutido a partir da consideração sobre a prática do ciclismo, porém, parece ser bastante relevante a diferença das faixas etárias estudadas. Além disso, de acordo com Calais-German (2002), a articulação do tornozelo é pouco trabalhada durante o exercício de pedalar.
Na fase de balanceio, observou-se que os CSD deste estudo apresentaram menor amplitude do tornozelo, ou seja, existe menor flexão e menor extensão desta articulação, em relação às pessoas normais, confirmando o que nos mostra Parker et al (1986), que indivíduos com SD mostram uma significante diminuição da flexão plantar e perda de força da articulação do tornozelo, bem como limitações de joelhos, que podem ser decorrentes das compensações feitas pela limitação do tornozelo, ou seja, pela extensão mais acentuada da articulação dos tornozelos. Mauerberger-de-Castro et al (2005) diz que o andar do indivíduo com SD (ISD) se assemelha a um deslizamento. Apesar da autora atribuir este possível deslizamento a uma correção da postura, por causa da dificuldade da estabilização da cabeça, em nosso estudo pode-se atribuir este deslizamento à pouca mobilidade do tornozelo
Quadril
Em relação ao quadril pode-se observar uma oscilação vertical de aproximadamente de 8,1 cm, com importante variabilidade entre os sujeitos.
Os dados obtidos nesse estudo foram captados a partir de um ponto marcado na região do quadril (crista ilíaca), de onde se obteve a oscilação vertical da articulação em centímetros. Observa-se, portanto, nestes valores médios de extensão e flexão do quadril, a oscilação vertical do quadril. Este dado foi de 8,17 cm e pode ser comparado com a literatura de IN, em estudo realizado por Rasch e Burke (1977) conforme tabela 3: (convém ressaltar que esse dado não foi analisado nos estudos de Parker at al., 1986, para indivíduos com SD e de Murray et al, 1970 e Winter, 1983).
Tabela 3. Tabela com dados, em média, dos sujeitos deste estudo (CSD) de pessoas normais (IN)
e de pessoas com (SD), em relação à oscilação vertical do Quadril.
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CSD |
IN |
SD |
Oscilação |
8,17 cm |
4 a 5cm |
XX |
IN - Rasch e Burke (1977)
Observa-se neste item avaliado importante variabilidade entre os sujeitos estudados, com oscilação entre 3,4 cm e 15,9 cm, resultando em um desvio padrão de 3,93 (tabela 3). Não pode ser estabelecida relação direta como peso e o IMC dos indivíduos. No entanto, pode-se considerar que os CSD apresentam uma maior oscilação vertical. Pode-se sugerir relação deste achado com os dados da flexão do joelho dos CSD, que apresentam uma média de extensão semelhante aos IN na fase de apoio e maior flexão na fase de balanceio, quando comparados com os IN (tabela 1).
Deve-se considerar que para a discussão desses achados, uma vez que, de acordo com Parker et al (1986) a marcha dos indivíduos com SD pode apresentar-se com a base alargada, podendo haver relação entre a oscilação vertical do quadril e este dado.
Por outro lado, nos ângulos encontrados na articulação do tornozelo nos levam a pensar que os CSD têm, como já dito antes um andar mais “arrastado”, ou seja, com pouca mobilidade desta articulação, em relação aos IN e ISD e que esta menor mobilidade do tornozelo não interfere na oscilação vertical. No que diz respeito ao Quadril, não acontecerá, neste estudo, comparação entre os graus de flexão e extensão de tronco com IN ou ISD, porque os dados aqui apresentados não se referem aos ângulos do quadril que determinam a flexão e extensão do tronco em relação à coxa, ou seja, no plano sagital, como mostra a figura a seguir:
É importante salientar que, neste estudo, foram analisados os dados no plano sagital e não foi levado em consideração a velocidade apresentada dos indivíduos.
5. Considerações Finais
Considerando os objetivos deste estudo, podemos concluir que os indivíduos ciclistas com síndrome de Down:
Em relação à articulação de joelhos apresentam na fase de apoio uma extensão de 176° ou seja , no momento em que se coloca o calcanhar no chão, os mesmos mantêm estendida a articulação dos joelhos, se aproximando a indivíduos normais. Nesta fase, ainda, os CSD apresentam um ângulo de 134°, o que significa uma maior flexão de joelhos, se compararmos ao IN. Na fase de balanceio, apresentam uma extensão de 173°, o que significa uma menor extensão em relação aos indivíduos normais e uma flexão de 137°, ou seja, uma menor flexão em relação aos IN. Estes dados podem ser conseqüência da atividade do ciclismo, que proporcionaria, aos participantes deste estudo, maior extensão de joelho na fase de apoio pela ação da musculatura da perna trabalhada durante o ciclismo como fortalecimento dos quadríceps e ação de tibial posterior, no ato em que coloca o calcanhar no chão, já que a musculatura envolvida na marcha é trabalhada no ato do ciclismo.
Apresentam semelhança na mobilidade (flexão e extensão plantar) do tornozelo, na fase de apoio, aproximando-se de IN. Já na fase de balanceio, apresentaram uma menor mobilidade nesta articulação, distanciando-se dos resultados encontrados na literatura para IN, que diz que indivíduos com SD apresentam um andar “deslizado”, com pouca mobilidade articular. Apesar de ser esta referida articulação importante para a marcha, a mesma não participa, do mesmo modo, para o ciclismo.
Apresentam maior oscilação vertical do quadril, em relação aos indivíduos normais. Acredita-se que esta oscilação ocorra em função da maior flexão de joelhos, na fase de apoio, sendo este o único dado possível para ser realacionado a partir da vista lateral da análise da marcha.
A atividade do ciclismo, levando-se em conta que os sujeitos desta pesquisa praticam esta atividade de forma recreativa a não com fins de treinamento ou competitivo, pode influenciar a marcha de indivíduos com SD, aproximando-os ao padrão da marcha normal. Entretanto, há necessidade de outros estudos com indivíduos praticantes ou não de ciclismo para que maior detalhamento sobre a marcha em indivíduos com SD possa ser obtido, tendo em vista que os estudos tomados como referência nesta trabalho datam de 1970, 1983, 1986, havendo poucas referências atualizadas com a utilização da metodologia proposta nesse estudo, dificultando assim, a obtenção de grupos comparativos.
Referências
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digital · Año 13 · N° 129 | Buenos Aires,
Febrero de 2009 |