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Da pré-história à regulamentação: 

breve ensaio sobre a história da Educação Física

From pre-history to the regulamentation: a brief essay on the history of Physical Education

 

Licenciado em Educação Física pela Universidade Castelo Branco (UCB/RJ)

Pós-graduando em Elaboração e Gestão de Projetos sócio-esportivos pela UCB/RJ

Integrante do grupo de Cultura Corporal da UCB/RJ

Rafael Valladão

rafael-valladao@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Muito se questiona sobre o real significado da Educação Física e atrelado a isso muitas definições vem surgindo ao longo do tempo. Desde as épocas mais longínquas até os dias atuais o homem vem praticando atividades físicas, porém é necessário buscar o entendimento de que se essas atividades seriam realmente a prática do movimento humano consciente. O presente estudo realizou uma revisão de literatura, objetivando traçar uma linha de tempo, em um breve ensaio histórico sobre a Educação Física no mundo, até a culminância de sua regulamentação como profissão no Brasil em 1998.

          Unitermos: Educação Física. História. Regulamentação.

 

Abstract

          Much has been questioned about the real meaning of Physical Education and combined with the many definitions it has emerged over time. Since the most remote times until the present day man is practicing physical activities, but it is necessary to seek the understanding that if such activities would be really the practice of human movement conscious. This study conducted a literature review, aiming to draw a line in time, in a brief essay on the history Fitness in the world, until the culmination of its regulamentation as a profession in Brazil in 1998.
          Keywords: Physical Education, History, Regulamentation.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009

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Educação Física antes ou depois de Cristo: quando começa essa história?

    A História da Educação Física (...) terá também, nesse esforço de delineamento, que lidar com os problemas relativos a indefinição do seu campo de conhecimento, principalmente da Educação Física. Afinal, o que é Educação Física? Essa questão tem mobilizado continuamente os pesquisadores na nossa área e está longe de ser respondida (MELO, s/d , p. 12)

    Movimento humano consciente; aprendizagem relacionada ao movimento; estudo da motricidade humana; possibilitar a realização de uma infinidade de movimentos: andar, saltar, pegar, rebater e outros, são definições corriqueiras atribuídas à Educação Física (SODRÉ e GUIMARÃES, 2008). Medina citado por Fensterseifer (1999) elucida que, antes de tudo, a Educação Física precisa, urgentemente, entrar em crise, questionar criticamente seus valores, sendo capaz de justificar-se a si mesma e procurar a sua identidade. Provavelmente esse deva ter sido o motivo do professor Jorge Steinhilber, ter intitulado seu livro de: Educação Física existe?

    Isso acaba por nos reportar a tempos longínquos da história onde caberiam questionamentos como: na condição de nomadismo e/ ou seminomadismo, no qual dependia de sua velocidade, força, agilidade, para caçar, pescar e sobreviver, nas realizações de grandes caminhadas, constantes migrações, nas danças para saudar seus deuses, nas lutas contra tribos rivais, já praticava o homem a Educação Física?

    Se formos considerar que Educação Física seja movimento humano consciente, talvez estes à praticassem. Ou talvez não. Para ter consciência de seu próprio movimento o homem deve antes aprendê-lo com algo, com alguém e/ ou consigo mesmo. Com a descoberta do fogo, é provável que um indivíduo tenha ensinado aos outros como produzi-lo, através da execução de determinados movimentos. Mas talvez, não tenha sido preciso um nômade, ter consciência de velocidade, tempo de reação, nível de freqüência cardíaca, volume de oxigênio ou técnicas de atletismo para salvar sua vida fugindo de um predador, o que anularia a mesma definição de movimento humano consciente e estudo da motricidade humana. Talvez a primeira aula de Educação Física, tenha sido dada, pelo primeiro homem (ou mulher) primitivo que ensinou ao seu primeiro filho, algum tipo de movimento para atingir, com ele, determinado objetivo.

    Esse homem pré-histórico, nômade, descobriu uma outra possibilidade de conseguir seu alimento que não fosse através da caça de outros animais, mas através do cultivo do solo, da plantação, da agricultura. Isto gerou uma sedentarização em um corpo fisiologicamente adaptado à atividade física, constante e intensa, aumentando o tempo ocioso, levando à “esportivização” de atividades que antes eram praticadas apenas por razões utilitárias, guerreiras ou ritualística.

    Alguns povos surgidos a mais ou menos 6 mil anos, tais como os chineses, conseguiram atingir um estágio civilizatório, e parece terem sido os primeiros a racionalizar o movimento humano com a criação do Kong-Fu (a arte do homem) em 2.700 a.C., e na Índia surgiria o yoga, ambos dando à este um forte conteúdo médico (OLIVEIRA, 1994), no que se refere a Antiguidade Oriental. Quanto a Antiguidade Ocidental a civilização grega marcou uma nova era, dando o início autêntico da Educação Física, como por exemplo os Jogos Olímpicos, criados em 776 a.C., em homenagem à Zeus. Na Grécia antiga, segundo Oliveira (1994) só três tipos de acontecimentos marcavam o verdadeiro espírito nacionalista do povo helênico: a iminência de um perigo externo, a religião e as festas esportivas. O esporte grego tinha um caráter natural, basicamente fundamentado no correr, saltar e lançar e eram realizados no estado de nudez. Mas isto nos remete a outro questionamento: Educação Física é Esporte?

    Em 146 a.C. os gregos deixaram-se dominar pelos romanos, pela destruição de Corinto e Cartago nas Gueras Púnicas, marcando o declínio da civilização grega, apesar desta ter influenciado, fortemente, a cultura romana (WIKIPÉDIA, 2008). Os romanos, já sobre influência grega, edificaram seus estádios, circos, anfiteatros, Coliseu, enfim, locais que poderiam abrigar até 385 mil espectadores, segundo Oliveira (1994), onde as multidões exaltadas entusiasmavam-se com as exibições trágicas dos gladiadores lutando entre si, ou com animais, para matarem ou serem mortos. Em sua maioria escravos. A Educação Física começa a ganhar uma concepção trágica.

    Com o início da era Cristã, Roma começa a perseguir os cristãos primitivos e obrigá-los a participarem dos espetáculos de barbárie, onde eram entregues aos leões, aos olhares de multidões eufóricas. Outro fato que merece destaque é a proliferação das termas, que serviam para preencher a ociosidade. Era um relaxamento dos costumes romanos, que contribuiu para o declínio do império, uma vez que a moral romana havia repudiado a nudez grega na prática esportiva. Nas termas até as crianças podiam banhar-se nuas. No ano de 391, Teodósio declarou o Cristianismo como religião oficial do Império Romano, e anos mais tarde decretaria o fim dos jogos Olímpicos, em 395, estando a civilização romana em vias de completa deterioração (CAPINUSSÚ, 2006).

Na Idade das Trevas e Renascimento havia Educação Física?

    A Idade Média, também chamada por alguns historiadores de Idade das Trevas, teve início na Europa com as invasões germânicas provocando a queda do Império Romano do Ocidente, com a deposição de Rômulo Augusto, último imperador do Ocidente, em 476, no século V, estendendo-se até o século XV, caracteriza-se por uma economia ruralizada do feudalismo, dominação política da Igreja Católica e sociedade hierarquizada (SUA PESQUISA, 2008).

    A atividade física (ou Educação Física?) na Idade Média era exclusivamente utilizada para o treinamento dos cavaleiros para as guerras, uma vez que a Igreja Católica que legitimou o seu poder através da fé (ou imposição da fé), fez valer o desprezo pelo culto ao corpo, dando uma extrema importância a salvação da alma, segundo Capinussú (2006).

    Afogado em crenças e dogmas religiosos, surge um homem que só era encorajado à conquista da vida celestial. O total descaso pelas coisas materiais estabelecia um absoluto divórcio entre o físico e o intelectual. (...) só convinha a saúde da alma, onde o “nada para o corpo” era um princípio que suprimia a Educação Física do horizonte cultural desse momento histórico (OLIVEIRA, 1994, p. 32-33).

    Para Oliveira (1994) predominaram esportes como equitação, caça, esgrima, lança, arco e flecha, os torneios e as justas, que serviam em tempos de paz para preparar os cavaleiros para guerras. Já para Capinussú (2006), os cavaleiros também se preparavam para a guerra com a prática de esgrima, o manejo do arco e flecha, as marchas, a corrida a pé, a equitação e os jogos, representados, também, pelos torneios e pelas justas, além de outras provas de menor representatividade.

    O Esporte Medieval, que para Capinussú (2006), não pode ser considerado Educação Física, era uma forma recreativa de passar o tempo e exercer um treinamento militar. Porém, com o fim da Idade das Trevas, a ascensão das monarquias européias, os descobrimentos marítimos, a Reforma Protestante e em especial o surgimento do movimento de redescoberta da cultura clássica, por volta do século XV - o Renascimento – faz com que a Educação Física, para Oliveira (1994), volte a ser assunto dos intelectuais, em uma reintegração do físico, do estético às preocupações educacionais.

    Um grande exemplo desses intelectuais, preocupados com a educação, é Jean-Jacques Rousseau que dedicava uma atenção especial à educação do corpo, como se pode observar em sua obra Emílio ou Da Educação, citado por Goellner (1997, p. 2):

    Os exercícios contínuos assim deixados unicamente à direção da natureza fortificam o corpo sem embrutecer o espírito, como também formam em nós a única espécie de razão de que a infância seja suscetível e a mais necessária em qualquer idade.

    Neste contexto surgia uma pedagogia mais liberal, pela valorização do ser humano, anulando o autoritarismo do ensino escolástico, até então predominante na filosofia medieval.

    É no período do Renascimento que a Educação Física se reintroduz-se no ideal da educação cortesã, trazendo consigo os exercícios físicos, como o salto, a corrida, a natação, a luta, a equitação, o jogo da pelota, a dança, a pesca. Nesse período pensadores como Da Vinci, Montaigne, Francis Bacon, o médico italiano Mercuriale, Locke, Pestalozzi, e o já citado Rousseau, começaram a dedicar reflexões, investigações, pesquisas e estudos sobre a importância dos exercícios físicos para o bem estar do homem, antes totalmente ignorado na Idade Média. Era o início da formação de uma ginástica, com parâmetros verdadeiramente médicos (OLIVEIRA, 1994).

A modernidade e o sonho de Coubertin

    As explicações teológicas, metafísicas, dogmáticas e imposições de fé religiosa não satisfaziam mais o homem moderno. Era necessário o desenvolvimento de algum método que pudesse explicar os fenômenos naturais, sem necessariamente estar este atrelado à alguma causa divina. É nesse clima cultural do século XVII, que entra em cena um homem que, segundo Aquino et al (1988), para ele tudo era duvidoso, nada podia ser considerado como certo, a não ser “penso, logo existo”, que é a idéia central da Dúvida Metódica, que aceita somente o que a razão pode compreender e demonstrar. Este homem era René Descartes.

    Descartes, considerado por muitos o pai do método científico, junto com Galileu, desenvolveu o "cogito" cartesiano, tendo como um de seus subprodutos a noção moderna do corpo-máquina, limitando ao prisma das ciências físico-biológicas ("naturais"), e retirando a possibilidade de compreensão da dimensão social (prático-moral) do "humano" bem como da dimensão subjetiva (estético-expressiva) (FENSTERSEIFER, 1999).

    Na medida em que o método científico utilizado para dar conta da explicação da sociedade é tomado das ciências físicas e biológicas, o fato social e o sujeito que o constrói – o homem – aparecem como que aprisionados nos limites dessas ciências (...) As questões sociais passam a ser "naturais" e o homem social passa a ser "homem biológico" ( SOARES apud FENSTERSEIFER, 1999, p. 140).

    É nesta separação corpo/mente, reduzindo este a uma dimensão anátomo-fisiológica, que se tornara objeto dos “métodos de ginástica”, ignorando as relações sociais devido a pretensa neutralidade atribuída ao "mito do homem natural e biológico". A concepção exclusivamente natural, biológica e de saúde do corpo, na atualidade, é considerada como uma subversão dos objetivos da Educação Física por Oliveira (1994):

    A colocação dos cursos de Educação Física nos Centros e Institutos de Saúde subverteu os seus objetivos. Educação Física é Educação. Deve ser incluída, portanto, nos Centros de Ciências Humanas e Sociais das Universidades a que pertencem. É uma ciência que deve conhecer as divisas entre o adestramento e a educação. É a ciência que lida com pessoas, e não com objetos (p. 105).

    Os séculos que se seguem ao surgimento da era da Razão, encontraram nas Revoluções Industrial e Francesa um mundo diferente. As máquinas começam a substituir o trabalho dos homens e a burguesia assenta-se definitivamente no poder, explorando o trabalhado assalariado para acumulação de riquezas, promovendo a concorrência do proletariado entre si para obtenção de trabalho, para exercer sua dominação de classes (MARX e ENGELS, 2005).

    Segundo Melo e Alves Junior (2003) o tempo livre para as diversões dos operários eram entendidas como perniciosas pelas classes dominantes, pois além de se oporem a lógica do trabalho árduo era uma forma de manutenção dos antigos estilos de vida, sem falar que nos momentos de Lazer os trabalhadores se reuniam e tomavam consciência de sua situação de opressão e articulavam estratégias de luta e resistência.

    Em contra partida, Marx citado por Valladão e Parangaba (2008), afirma que na Inglaterra, por exemplo, durante 36 horas consecutivas, com apenas 2 horas de pausa para comer e dormir, trabalhadores que na maioria possuíam entre 11 e 17 anos, tinham uma jornada de 14, 15 e 16 horas ininterruptas, em alguns dias da semana. A permanência destes numa mesma posição ao longo de todas essas horas de trabalho, acarretou o aumento dos mesmos problemas posturais do trabalhador para os jovens.

    Todos esses fatores concorreram para que muitos dedicassem uma atenção maior à Educação Física, onde segundo Oliveira (1994), destacam-se quatro correntes que caracterizam a história desta ciência no século XIX:

a.     Corrente alemã

    Inicialmente inspirada por Rousseau, reencarnando os ideais clássicos da educação helênica, passou a ser incluída nos deveres dos indivíduos, com idéias pedagógicas sufocadas por um novo modelo de ginástica alemã. Com a derrota para Napoleão em Jena (1805) a Alemanha mergulhou em um profundo sentimento nacionalista desenvolvendo uma ginástica para formar o forte no ideal do “Viver quem pode viver”.

b.     Corrente sueca

    Os suecos esperavam obter através de uma ginástica racional e científica, uma raça livre do crescente processo de alcoolismo e tuberculose. A ginástica na Suécia preocupava-se com a execução correta dos exercícios, inspirados por Pestalozzi.

c.     Corrente francesa

    Constitui-se nos primeiros estímulos que vieram a instituir os alicerces da Educação Física brasileira. O que caracteriza a ginástica francesa era o seu espírito militar não sendo adequada à ambientes escolares. Apesar disso foi introduzida nas escolas francesas tendo suas aulas ministradas quase sempre por suboficiais do Exército, sem cultura geral nem formação pedagógica.

d.     Corrente inglesa

    É a única das quatro nesse período com uma orientação não-ginástica, foi concebida em uma atmosfera para envolver a prática esportiva, incorporando definitivamente o esporte na escola, com uma conotação verdadeiramente educativa, dando grande importância ao fair-play.

    E é da Inglaterra a origem de um personagem que através da realização de seu sonho, acabaria por mudar a história da Educação Física (e do Esporte) para sempre. Foi com Pierre de Fredy, o barão de Coubertim, francês formado em filosofia, interessado por música, poesia, literatura, história e esporte, que o mundo viu ressurgir os Jogos Olímpicos na Era Moderna. E foi no dia 6 de janeiro de 1896, que finalmente a chama olímpica pôde brilhar novamente, em Atenas, com a presença de 311 atletas não profissionais nas disputas, representando 13 países. O lema de Coubertin era: O importante não é vencer, mas competir, e com dignidade. O barão faleceu na Suíça, em 1937, onde foi enterrado e seu coração foi colocado em uma coluna de mármore, em Olímpia na Grécia, como era de sua vontade (NETSABER; OLIVEIRA, 1994, 2008)

A Educação Física no Brasil: da proclamação da República ao fim da ditadura militar (1889-1985)

    No Brasil, o professor Paulo Guiraldelli Júnior (2007), em seu livro Educação Física Progressista, demonstra quatro grandes tendências que nortearam concepções de Educação Física no final do século XIX e no transcurso do século XX:

 

a.     Tendência Higienista

    Predominou no final do século XIX época da proclamação da República e início do XX, entre 1889 e 1930. “A Educação Física é produto do pensamento liberal” (GHIRALDELLI, 2007, p.22), na qual o liberalismo acreditava na escola como a redentora da humanidade. Rui Barbosa defendia na época que a Educação Física deveria enraizar nas juventudes hábitos higiênicos, a saúde individual das pessoas, saúde moral na quais os jogos, o desporto, a ginástica deveriam levar à esse fim.

b.     Tendência Militarista

    Predominou entre 1930 e 1945, durante a Segunda Grande Guerra. A Educação Física Militarista, tinha a única e exclusiva função de preparar o cidadão para guerra. Nessa época a Educação Física era totalmente seletora, tendo fortes tendências eugenistas, onde os mais valorizados eram os mais forte, os mais bem preparados, na qual o cidadão deveria se tornar um “cidadão-soldado”, capaz de obedecer cegamente e se servir de exemplo para o restante da juventude pela sua bravura e coragem. As barras de ferro para exercício, pranchas de abdominais, dos equipamentos públicos de lazer, por exemplo, são resquícios dessa época.

c.     Tendência Pedagogicista

    Nem a Educação Física higienista nem a militarista, colocam de forma sistemática e contundente, a Educação Física como uma atividade prioritariamente educativa. Existe uma diferença entre instrução e educação, assim algumas disciplinas escolares são instrutivas outras, como a Educação Física, educativas. E é justamente a Educação Física Pedagogicista que está preocupada com a juventude que freqüenta as escolas. Nesse contexto, a Educação Física é encarada como algo útil e bom à sociedade, além de propagar o sentimento de valorização profissional que permeia essa tendência, que predominou entre 1945 e 1964.

d.     Tendência Competitivista

    Essa é a tendência da ditadura militar pós 64, assim como Educação Física Militarista, a Educação Física Competitivista também está a serviço de uma hierarquização e elitização social. Os competitivistas são voltados ao culto do atleta-herói, onde o mais importante é aquele que sobe ao podium. No “desporto de alto nível” que é o “desporto espetáculo”, há uma exacerbação de interesses neste, por parte dos meios de comunicação, explicitamente incutido na população pelo governo militar. Uma vez que o povo está mais preocupado com o rendimento de seus heróis nas Olimpíadas e Copas do Mundo, a atenção para os abusos cometidos pela ditadura é desviada.

    Para Castro (s/d), a influência positivista predominava na Educação Física, na época da repressão, provocando limitação da pesquisa de caráter filosófico, tornando esta um instrumento das ideologias das classes dominantes, a propagar seus valores autoritários e acríticos. Porém a ditadura, com seu império de arbitrariedades, prisões, crimes, mortes, torturas, sequestros e alienação em massa através do Esporte no Brasil, só duraria até 1985, com a eleição de José Sarney de Araújo Costa, o primeiro presidente não-militar desde 1964, ano do golpe.

    Um ano antes da eleição de Sarney, a Federação Brasileira das Associações de Professores de Educação Física (FBAPEF), junto às Associação de Professores de Educação Física (APEF'S), apresentaria na Câmara Federal o projeto de Lei número 4.559 / 84, para regulamentar a profissão de Educação Física no Brasil, que não seria aprovada naquele período (VALLADÃO e PARANGABA, 2008). Nesse contexto, convém questionar os motivos para a regulamentação ocorrer (ou não ocorrer?) anos depois.

1998, o ringue está montado: por que a regulamentação?

    Sancionada a Lei 9696/98, em 1° de setembro de 1998 que regulamente a profissão de Educação Física, mas sem aprofundar muito a questão, que provavelmente daria um artigo completo (ou mais que isso), para tratá-la, busca-se aqui expor alguns fragmentos do pensamento de quatro pesquisadores notáveis, nesta batalha de argumentos, sendo dois à favor do processo de regulamentação: Sérgio Sartori e Jorge Steinhilber; e dois contra este: Lino Castellani Filho e Hajime Nozak, dando suas contribuições para o fechamento deste ensaio sobre a história da Educação Física culminando com sua regulamentação no Brasil.

    Inicialmente com os opositores da regulamentação, para Castellani Filho (s/d), ainda com a regulamentação, a lei não tem o poder — como muitos foram levados a acreditar — de alterar as relações de poder, por exemplo, entre os médicos e os profissionais de Educação Física, de modo que não será por seu intermédio que eles deixarão de receitar atividades físicas aos seus “auxiliares”, os professores de Educação Física.

    Castellani Filho (s/d) afirma também, que ao longo do embate pela regulamentação, fez-se alusão, de forma sutil e na maioria das vezes, subliminar, que haveria a possibilidade dela vir a impedir que os donos das academias, entre outros estabelecimentos, fossem pessoas de fora da área, apenas interessadas em lucrar às custas da exploração da atividade comercial nas práticas corporais e da exploração da força de trabalho do profissional de Educação Física, o que não acontece.

    Já Nozaki (1999), afirma que o processo de regulamentação além de antidemocrático, pelo tom da pressa e pela ausência de discussão junto aos professores de Educação Física, trazia um retrocesso no campo da produção de conhecimento na área na medida que ignorava tais debates, apontando para uma adaptação proveniente do sistema capitalista, estimulando a concorrência, colocando os trabalhadores em confronto uns com os outros, promovendo a reserva de mercado. Além dos pressupostos corporativistas uma vez que foi necessário, segundo Nozaki (1999), atacar outros trabalhadores para o processo de regulamentação.

    Aos autores favoráveis à regulamentação destaca-se primeiramente Sartori citado por Valladão e Parangaba (2008), que defende esta pelo contexto da época, no qual nem sempre, os professores de Educação Física, podiam exercer o que, por formação, era um direito de trabalho, pois precisavam concorrer com outros indivíduos, às vezes completamente despreparados e que, por isso, aceitavam condições salariais e de trabalho incompatíveis, além de não possuírem os requisitos de preparo (quando estes existiam), também ocorrendo a obtenção da habilitação e título precário para o exercício profissional, devido ao ritmo acelerado de construção de centros formadores de professores de Educação Física.

    Para Steinhilber (1998), a regulamentação é um direito de tornar jurídico aquilo que, de fato, a sociedade consome, aceita, acredita, respalda e vive; é estabelecer um código de ética profissional e, seguramente, corroborar para melhoria do exercício profissional, dado que a competição por competência estaria motivando os profissionais a uma constante atualização. Para o mesmo autor, não se trata de corporativismo mas de defesa ao atendimento condigno e responsável, garantido à população, pela lei 9696/98, além de ser uma medida necessária em face do interesse social e humano, e não a pura e simples reserva de mercado. A profissão regulamentada é a possibilidade de fiscalizar o exercício dos profissionais de Educação Física com vistas no bem-estar da sociedade (STEINHILBER, 1998).

    Independente da posição, contrária ou à favor, faz-se mister ao profissional de Educação Física abandonar a sua postura apolítica, acrítica incutida em seu corpo pelo positivismo da ditadura militar, e atuar junto aos grandes pensadores para a constante contestação e reorganização de sua profissão, se despindo da roupagem de analfabeto político.

    O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais (BRECHT apud OLIVEIRA, 1994, p. 6).

Considerações finais

    Ao longo de toda a pesquisa pode-se observar que a história da Educação Física se confunde com a história dos Esportes, cabendo entre outros questionamentos o de se Educação Física é Esporte. Questiona-se também durante o texto o real sentido da profissão: o que é Educação Física? Movimento humano consciente? Estudo da motricidade humana? Assunto que vem preocupando os pesquisadores da área já alguns anos. Longe de ter a pretensão de querer responder a tais questionamentos, buscou-se, através de uma linha de tempo, analisar como as sociedades ao longo da história lidavam com a Educação Físicas, e como esta se desenvolveu.

    Conclui-se que não há uma precisão, ou verdade absoluta que ratifique o surgimento da Educação Física, em determinado período histórico, no entanto a atividade física (de qualquer natureza), seja ela manifestada através da dança, dos jogos, das lutas, das corridas, do saltar, caminhar, pular, está presente na vida humana desde os tempos mais remotos, muito antes do homem se tornar civilizado e/ ou se organizar em cidades.

    É notória a necessidade de investigações mais aprofundadas no que concerne a história da Educação Física, e empreender a busca incessante por sua identidade e status junto às demais ciências, além de estudos mais específicos que embasem a real necessidade (ou a não-necessidade) da regulamentação da profissão de Educação Física no Brasil.

Referência

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  • WIKIPÉDIA, A enciclopédia livre. Guerras Púnicas.

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