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A intencionalidade pedagógica da Educaçao Física 

escolar nas séries iniciais do ensino fundamental

The pedagogical intentionality of the scholar Physical Education at the initial levels of the primary education

 

*Licenciada em Educação Física (UFSM)

Especialista em Educação Física Escolar (UFSM)

Professora de Educação Física da rede de ensino estadual em Cachoeira do Sul-RS

Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (GEPEF/UFSM)

**Doutor em Educação (UNICAMP/UFSM)

Doutor em Ciência do Movimento Humano (UFSM)

Professor Adjunto do Departamento de Metodologia do Ensino (CE/UFSM)

Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM)

Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (GEPEF/UFSM)

Patrícia Soldateli

patisoldateli@hotmail.com

Hugo Norberto Krug

hnkrug@bol.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Objetivamos analisar a intencionalidade pedagógica de professores de Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, em relação ao plano de ensino, ao discurso e à prática pedagógica, bem como analisar a coerência entre esses aspectos. A metodologia caracterizou-se pelo enfoque fenomenológico sob a forma de estudo de caso com abordagem qualitativa. Os instrumentos para coleta das informações foram a análise documental (plano de ensino), a entrevista semi-estruturada (discurso) e a observação assistemática (prática pedagógica). Os indicadores que nortearam os três instrumentos de pesquisa foram: os objetivos; os conteúdos; a metodologia; e a avaliação. A interpretação das informações foi a análise de conteúdo. Os participantes foram três professores de Educação Física. Concluímos que: 1) A utilização pelos professores de intencionalidades pedagógicas diferentes, entretanto, a maioria sendo as tradicionais e hegemônicas na Educação Física Escolar; 2) A maioria dos professores não planeja as suas ações docentes; e, 3) A existência de pouca coerência entre o plano de ensino, o discurso e a prática pedagógica dos professores. Dessa forma, podemos projetar, sem querer ser prescritivos, a hipótese da atuação de um professor de Educação Física que desenvolva a cooperação entre os professores envolvidos, desafiando-os a construírem novos significados para a Educação Física Escolar; realizando planejamentos e constantes estudos no cotidiano da escola.

          Unitermos: Educação Física; Educação Física escolar. Séries iniciais do ensino fundamental. Intencionalidade pedagógica. Coerência.

 

Abstract

          This work intends to analyze the pedagogical intentionality of the Physical Education teachers at the Initial Levels of the Primary Education, related to the teaching plans, to the speech and the pedagogical practice, as well as to analyze the coherence among these aspects. The methodology was characterized by the phenomenological view through the form of study of case with qualitative approach. The instruments to the data claim were the documental analyze (teaching plans), the semi-structured interview (speech) and the unsystematic observation (pedagogical practice). The indicators used in this research were: the objectives; the contents; the methodology; and the evaluation. The interpretation of the data was the content analyze. The participants were three Physical Education teachers. We conclude that: 1) the utilization of different pedagogical intentionality by the teachers, however, the most are traditional and hegemonic at Scholar Physical Education; 2) Most of the people does not plan their teach actions; and 3) there is little coherence among the teaching plan, the speech and the pedagogical practice of the teachers. Of this form, we can project, without fondness to be prescriptive, the hypothesis of the performance of a professor of Physical Education that develops the cooperation between the involved professors, defying to construct them to it new meanings for the Pertaining to school Physical Education; carrying through planejamentos and constant studies in the daily one of the school.

          Keywords: Physical Education. Scholar Physical Education. Initial levels of the primary education. Pedagogical intentionality. Coherence.

 

Artigo Monográfico apresentado ao Curso de Especialização em Educação Física Escolar/CEFD/UFSM

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009

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Considerações iniciais

    Na sociedade moderna, com a transição de uma sociedade rural para uma industrial, com a urbanização e expansão do capitalismo, a escola passou a ter uma grande importância na formação do Homem (SAVIANI, 2000). De acordo com Kunz (1991), institucionalizou-se o processo educacional com o intuito de reforçar os valores coerentes para a sociedade. Ou seja, a escola e a educação têm uma importante função na reprodução das relações sociais de produção , e no controle social, sendo que “o educando só pode interagir na forma de modelos rotinizados, tipificados e normatizados do agir” (BERGER; LUCKMANN apud KUNZ, 1991, p.144).

    Nesse sentido, a educação aqui significa levar o indivíduo a internalizar valores, normas de comportamento que lhe possibilitarão se adaptar à sociedade capitalista. Isto é, uma educação que forma indivíduos alienados em relação às questões da sociedade, que não questionam a sua realidade, que não são críticos em prol de um desenvolvimento adequado de suas capacidades. Enfim, uma educação a serviço dos detentores do poder, da classe dominante (BRACHT, 1992).

    Contudo, a educação precisa ter como foco principal à formação de cidadãos conscientes, ativos e críticos em nossa sociedade, atuando como sujeito de sua história e não meramente um objeto da mesma. Assim, o aluno necessita ser instigado a refletir sobre a sua realidade, o seu contexto social. Em outras palavras, o educando deve realizar uma leitura de sua realidade. Uma leitura crítica regada de intenções pedagógicas, envolvendo toda a comunidade escolar (KUNZ, 1991).

    Mas, o histórico sobre a atuação da Educação Física no Brasil faz com que fique claro o papel a que se prestou a disciplina no contexto educacional, isto é, de servir a interesses ideológicos, tendo pouca preocupação com o Homem em si, suas necessidades e carências (BERESFORD, 2002).

    A Educação Física Escolar atual tem resquícios históricos bastante fortes na ação pedagógica do professor, pois “historicamente, o corpo tem sido visto e tratado preferencialmente do ponto de vista de sua Anatomia e Fisiologia. O corpo trabalhado nas aulas de Educação Física vem sendo um corpo coisificado” (MOREIRA apud BERESFORD, 2002, p.101). Dessa maneira, a Educação Física Escolar fica respaldada somente na finalidade do desenvolvimento de habilidades motoras e capacidades físicas consideradas necessárias para a prática dos esportes institucionalizados.

    Segundo Daolio (1996), mediante uma metodologia puramente tecnicista, a Educação Física Escolar atua homogeneamente, tendendo para a universalização de sua metodologia, partindo do pressuposto de que o corpo responderá sempre da mesma forma. Fica caracterizada, então, uma Educação Física Escolar resguardada em um método onde a cultura corporal de movimento dos indivíduos é negada, a opinião de cada um é desconsiderada e a repreensão dos atos e atitudes é constante.

    A tradição cultural existente em nossa área, conforme Daolio (1996), tem como principal aspecto à consideração do Homem como uma entidade exclusivamente biológica, e seu corpo constituído por um conjunto de músculos, ossos e articulações, passíveis de um treinamento e portanto de melhor rendimento. Ou seja, é a visão dualista do Homem. Dessa forma, o professor de Educação Física, em sua maioria, realiza um trabalho inadequado e equivocado, desenvolvendo um processo pedagógico sem uma intencionalidade educativa definida, gerando, assim, uma redução das suas possibilidades educativas, de seu potencial educativo. Acarretando um descrédito depositado no profissional de Educação Física na escola.

    Verificamos, assim, tanto na prática pedagógica dos professores nas escolas, como em muitos trabalhos já desenvolvidos, que a Educação Física Escolar atua com finalidades vinculadas ao esporte institucionalizado e à aptidão físico-motora, tendo maior visibilidade nas Séries Finais do Ensino Fundamental. Assim, o conteúdo central se resume ao esporte, por um lado devido aos grandes espetáculos propiciados pelo esporte de alto rendimento e por outro, segundo Bracht (1992), pela ligação do esporte ao ideal da educação e da saúde.

    Entretanto, ao deslocarmos nossos olhares para a Educação Física Escolar nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, segundo o Grupo de Estudos Ampliados de Educação Física (1996), as tendências da Educação Física são: a psicomotricidade; o desenvolvimento e aprendizagem motora; e, a recreação.

    Sendo que, de acordo com os mesmos autores, a psicomotricidade legitimou-se como conteúdo da Educação Física Escolar em contraposição do modelo esportivo tornado hegemônico na escola, principalmente no que se relacionava a precocidade do ensino de modalidades esportivas para crianças das séries iniciais. O desenvolvimento e aprendizagem motora, ao contrário, instalou-se como reforçador do modelo esportivo, como precedente ao esporte de rendimento, voltando-se ao desenvolvimento das habilidades motoras necessárias a um futuro desempenho esportivo. A recreação é apropriada pela Educação Física a partir do modelo do “lazer” ou da “Educação Física informal”; sendo que num primeiro momento foi utilizada como conteúdo e método para o desenvolvimento das aulas de Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental e, posteriormente, na Educação Infantil.

    Nesse aspecto, destacamos a relevância de uma proposta pedagógica às Séries Iniciais do Ensino Fundamental a fim de, intencionalmente, propiciar o desenvolvimento integral da criança. Uma proposta regada de intencionalidades coerentes com a realidade escolar, buscando uma intervenção pedagógica adequada e coerente no processo de ensino e aprendizagem. Portanto, a ação educacional deve refletir-se à interpretação das intencionalidades dos educandos, ou seja, não é simplesmente o atendimento dos interesses e necessidades dos educandos, nem tão pouco a imposição de conhecimentos (Mollenhauer apud KUNZ, 1991), pois, segundo Menezes Filho (2002), a educação, por se constituir uma prática social, não é uma ação neutra, mas carregada de objetivos e propósitos bem definidos quanto ao que se quer alcançar, ou manter, ou reforçar ou transformar.

    Carreiro da Costa (1994) afirma que o sucesso educativo somente terá efeito quando houver uma efetiva materialização na capacidade de intervenção do professor no ensino onde torna o professor um dos elementos essenciais do processo formativo e a prática pedagógica um problema central da ação educativa. O autor ainda infere que a educação enquanto atividade estritamente humana é caracterizada por ser uma ação consciente, organizada e coerente. Assim, o ensino só se inscreverá no âmbito da atividade educativa quando refletir uma metodologia detentora das seguintes características: intencionalidade (efeitos educativos desejáveis) previsibilidade, controle e eficácia.

    A partir dessas inferências, apresentamos a seguinte questão norteadora desta investigação: Qual é a intencionalidade pedagógica do professor de Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, em relação ao plano de ensino, ao discurso e à prática pedagógica? Bem como a existência ou não de coerência entre esses aspectos.

    Conseqüentemente, o objetivo geral foi analisar a intencionalidade pedagógica do professor de Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Para atingirmos esse fim, traçamos como objetivos específicos: identificar a intencionalidade pedagógica do professor expressa em seu plano de ensino; identificar a intencionalidade pedagógica do professor expressa em seu discurso; identificar a intencionalidade pedagógica do professor expressa em sua prática pedagógica; e identificar a coerência da intencionalidade pedagógica do professor entre o plano de ensino, o discurso e a prática pedagógica.

    Nessa investigação enfocamos as Séries Iniciais do Ensino Fundamental, pelo fato de o ensino da Educação Física ser compreendido nesse nível escolar através do trabalho de unidocência no Estado do Rio Grande do Sul e no município de Santa Maria, acarretando um descrédito de seu verdadeiro papel educativo frente à criança de seis a dez anos de idade e uma prática pedagógica que desvaloriza a questão da cultura corporal de movimento ou ainda que não trabalha com a questão do movimento.

    Estando a Educação Física Escolar respaldada em uma tradição cultural e histórica (com gênese na visão dualista do Homem) seus atores a levam inconsciente ou conscientemente ao caminho oposto de uma educação global e unitária; resultando, portanto, em uma prática (pedagógica) desligada do processo educativo, bem como reforçada pela falta de intencionalidade pedagógica. Para tanto, é relevante e necessária à quebra do elo entre a Educação Física e a sua tradição cultural dualista para, assim, existir uma ação educativa integral, uma Educação Física Escolar de cunho pedagógico.

    Portanto, é de suma importância que a escola esteja sustentada por intencionalidades pedagógicas as quais justificam o processo educacional, bem como a visão de globalidade e unidade em contraponto à visão dualista do ser humano, pois – como nos coloca Freire (p. 47, 2004) – “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua reconstrução”. Para esse fim é necessário educadores e educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes, os quais vão se transformando em reais sujeitos desse processo. Sendo a cultura, experiência, vivência, conhecimento, linguagem, ética e autonomia do aluno de inquestionável relevância para uma educação global.

    Nesse sentido, o professor de Educação Física assume o papel de educador, e consequentemente anuncia a sua intencionalidade como uma importante função no processo educativo ou processo de humanização.

    Assim, justificamos a nossa investigação em prol da conscientização da construção de uma Educação Física Escolar que rume no caminho de uma legitimidade crítica, que considere o indivíduo em seu todo, e não o isolando em partes, por meio de um trabalho pedagógico que prime pela capacidade de reflexão crítica do educando, baseando-se na vivência e identificação dos conhecimentos da cultura corporal de movimento, no seu acervo lúdico, seus valores, suas necessidades e seus interesses. Uma ação pedagógica que: 

  1. oportunize a ampliação do vocabulário de movimentos e ações; 

  2. propicie o conhecimento/desenvolvimento de novas ações corporais; 

  3. objetive o desenvolvimento global dos educandos; 

  4. transgrida a simples e mera perspectiva de aprendizagem motora, psicomotricidade, ou recreação; e, 

  5. não almeje o movimento apenas como aspecto corporal/motor, mas também em sua dimensão social, cultural e histórica.

    Enfim, a finalidade desta investigação não é apenas relatar o diagnóstico de uma determinada realidade, e sim, por meio da análise e retorno desta às Escolas, contribuir para a qualificação da intervenção pedagógica de educadores da Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, de maneira consciente em relação à importância de se haver uma intencionalidade pedagógica e de sua coerência nas diferentes ações do professor.

Explicitando a metodologia da investigação

    Segundo Krug (2001), a metodologia ajuda às pessoas a entender, não somente o produto da investigação, mas, principalmente, o processo. Destaca que a metodologia é o caminho do pensamento e da prática exercida.

    Acreditamos que o caminho mais adequado para se chegar ao objetivo proposto nesta investigação tenha sido através dos pressupostos que norteiam a pesquisa qualitativa, pois entendemos que a realidade educacional deve ser percebida como uma construção dinâmica e complexa, onde influencia e é influenciada pelo meio sócio-cultural.

    De acordo com Gamboa (1995, p.61), a pesquisa qualitativa proporciona a “busca de novas alternativas para o conhecimento de uma realidade tão dinâmica e polifacética como a problemática educacional”.

    Para a interpretação das informações adotamos o enfoque fenomenológico, que, conforme Triviños (1987, p.125), “(...) surge como forte reação contrária ao enfoque positivista, privilegiando a consciência do sujeito e entendendo a realidade social como uma construção humana”. O autor destaca que na concepção fenomenológica da pesquisa qualitativa a preocupação fundamental é com a caracterização do fenômeno, com as formas que se apresenta e com as variações, já que o seu principal objetivo é a descrição.

    A forma assumida (tipo) de pesquisa foi o estudo de caso, que na concepção de Lüdke; André (1986, p.18), enfatiza a “interpretação em contexto”.

    Para a coleta de informações utilizamos três instrumentos de pesquisa: 

  1. Análise documental – usada para coletar informações do plano de ensino, o qual foi representado pelo plano de curso ou plano de unidade; 

  2. Entrevista semi-estruturada – usada para coletar informações do discurso do professor; e 

  3. Observação assistemática – usada para coletar informações da prática pedagógica do professor, que foi em número de duas aulas observadas.

    Os indicadores que nortearam os três instrumentos de pesquisa foram: os objetivos; os conteúdos; a metodologia; e a avaliação.

    As informações obtidas pelos instrumentos de pesquisa sofreram uma análise de conteúdo. De acordo com Bardin (1977, p.42), a análise de conteúdo pode ser definida como um “conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção/ (variáveis indefinidas) destas mensagens”.

    Ainda para esse autor a utilização da análise de conteúdo prevê três etapas principais: 

  1. A pré-análise – etapa que envolve os primeiros contatos com os documentos de análise, a formulação de objetivos, definição de procedimentos a serem seguidos e a preparação formal do material; 

  2. A exploração do material – etapa que corresponde ao cumprimento das decisões anteriormente tomadas, isto é, leitura de documentos, categorização, entre outras; e 

  3. O tratamento dos resultados – etapa onde os dados são lapidados, tornando-os significativos, sendo que esta etapa de interpretação precisa ir além dos conteúdos manifestos nos documentos, buscando descobrir o que está por trás do imediatamente aprendido.

    Os participantes da investigação foram três professores de Educação Física das Séries Inicias do Ensino Fundamental das redes municipal, estadual e particular de ensino, da cidade de Santa Maria (RS), sendo um professor de cada rede. A escolha dos professores aconteceu de forma espontânea, em que a disponibilidade dos mesmos foi o fator determinante. A fim de preservar as identidades dos professores, eles receberam nomes fictícios (“Zézinho” – Escola Municipal; “Luizinho” – Escola Estadual; e “Huguinho” - Escola Particular).

Os achados da investigação

    A análise das informações obtidas pelos instrumentos de pesquisa levou-nos à identificação de alguns “traços caracterizadores da intencionalidade pedagógica dos professores” envolvidos na investigação.

1.     Professor “Zézinho”

A.     Plano de ensino

    Ao solicitarmos o plano de ensino, o Professor “Zézinho” “não apresentou nenhum planejamento”. Dessa forma, consideramos esse fato um problema grave para caracterizar a intencionalidade pedagógica do referido Professor em suas aulas porque, segundo Canfield (1996), o professor que não tem planejamento de sua ação pedagógica não terá uma linha mestra a percorrer, pois cada encontro pedagógico será único e isolado, sem ter continuidade com o anterior, como também não servirá de base para o posterior. E ainda, conseqüentemente, esse professor não tem objetivo(s) para a sua disciplina.

    Assim, considerando essa inexistência de planejamento do Professor “Zézinho”, percebemos que o mesmo demonstra uma “imparcialidade em relação à intencionalidade pedagógica” em suas aulas de Educação Física. De acordo com Canfield (1996), o professor que não tem planejamento estará tendo uma prática acéfala, impensada, pois estará sendo concretizada em cima do momento, momento este que tem seu início e fim em si mesmo.

B.     Discurso

Quanto aos objetivos

    O Professor “Zézinho” evidenciou em seu discurso um “trabalho recreativo”, afirmando “então, assim, o meu objetivo maior seria proporcionar aos alunos atividades lúdicas, atividades recreativas (...) mais direcionada assim prô movimento né, porque eles ficam muito dentro da sala de aula (...)”.

    Sobre essa fala do Professor “Zézinho”, citamos o Grupo de Estudos Ampliados em Educação Física (1996) o qual coloca que, por trás desse argumento de permitir à criança movimentar-se de forma livre, a recreação camufla seu maior propósito que é o de compensar energias acumuladas durante o tempo em que a criança está submetida à inércia da sala de aula. E ainda, o professor, nesse sentido, acredita que a Educação Física acalma e tranqüiliza os alunos para o retorno às “atividades sérias” da sala de aula.

    Assim, fundamentados na fala do Professor “Zézinho” sobre os objetivos percebemos como “intencionalidade pedagógica a recreação”.

Quanto aos conteúdos

    Ao abordar os conteúdos, o Professor “Zézinho” manifestou: “(...) desenvolvo atividades recreativas, jogo, né, mas sempre voltado prô lúdico (...)”.

    Considerando a fala do Professor “Zézinho” sobre o conteúdo ministrado, novamente percebemos “a recreação como intencionalidade pedagógica” das aulas de Educação Física. De acordo com o Grupo de Estudos Ampliados em Educação Física (1996), a recreação, enquanto prática pedagógica, pode apresentar-se como: a) atividades espontâneas experimentadas pela criança com fins em si mesmas; e/ou b) atividades propostas pelos professores, porém desarticuladas umas das outras. Destacam que nos dois casos citados, o professor não está comprometido com a sistematização, a complexidade e a ampliação do conhecimento a que as crianças precisam ter acesso a fim de avançarem em seu processo ininterrupto de aprendizagem e desenvolvimento.

Quanto à metodologia

    O Professor “Zézinho” quanto à metodologia utilizada manifestou o seguinte: “Como eu também não consigo dá seqüência a um trabalho mais direcionado prá determinados conteúdos, digamos assim, tem sido bastante recreativo, bastante lúdico, então com bastantes brincadeiras, han tem um momento também que eles ficam livres né, que eles gostam muito (...) eu desenvolvo um trabalhinho com eles, que eles precisem; e a outra metade livre (...) um momento pra eles recrear”.

    Assim, considerando essa fala, verificamos a “recreação como intencionalidade pedagógica” do Professor “Zézinho”. Ainda, segundo o Grupo de Estudos Ampliados em Educação Física (1996), a recreação foi apropriada pela Educação Física a partir do modelo do lazer ou da Educação Física informal, aquela que acontece fora do âmbito da escola. Em um primeiro momento, ela foi utilizada como conteúdo e método para o desenvolvimento das aulas de Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental e, posteriormente, com a proliferação das iniciativas de implantação de profissionais de Educação Física na Educação Infantil, houve uma transposição das práticas propostas nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental para a Educação Infantil.

Quanto à avaliação

    Destacamos a seguinte fala do Professor “Zézinho” sobre a avaliação: “Existe um trabalho, assim, um pouco né, mais avaliativo, assim né (...) sobre questões assim de, de problemas que surgem, tipo assim, eles têm bastante agressividade né (...) de sentá com eles e conversá (...) só mesmo na observação (...) a gente conversa assim com o aluno, o quanto ele melhorô, né, assim tipo, por exemplo, com bola, com corda. Digamos que ele não conseguia pula uma corda e que hoje ele consegue (...)”. Ressaltando, “Não, não acontece, pelo menos por escrito”.

    Percebemos nesta manifestação do Professor “Zézinho” sobre a avaliação uma “certa confusão sobre os pontos enfatizados”, pois primeiramente refere-se as questões sociais e culturais, e logo em seguida destaca, com maior ênfase, as questões motoras. Assim, consideramos que “não é possível definirmos a intencionalidade pedagógica de sua avaliação”. Nesse sentido, Rombaldi (1996) destaca que a avaliação no processo de ensino e aprendizagem é muito mais do que simples e puramente a aplicação de testes, o levantamento de medidas, a seleção e classificação dos alunos, não é apenas constar e, sim, modificar, prosseguir, melhorar.

C.     Prática

Quanto aos objetivos

    Após a nossa observação, verificamos que o Professor “Zézinho”, ao deixar seus alunos a maior parte do tempo brincando livremente sem interferência alguma, demosntrou como objetivoa propiciar às crianças um momento de brincar, de se divertir, de se movimentar livremente e de diversão. Dessa forma, percebemos que o Professor abarca “a recreação como intencionalidade pedagógica”. Acreditamos, também, que não haja uma elaboração prévia dos objetivos, pois a Recreação aqui é entendida e praticada como simples espaço de lazer e ocupação do tempo livre, e para tanto não necessita de um planejamento de objetivos.

    Em contraponto, Libâneo (1994) nos coloca que, os objetivos devem ser previamente determinados pelo professor, pois esses são componentes básicos do planejamento de ensino, o ponto de partida rumo ao processo de ensino e aprendizagem, almejando uma prática pedagógica adequada e coerente às necessidades dos alunos. Assim, através da formulação e posterior análise dos objetivos o professor tem um instrumento positivo na sua tarefa de ensinar e avaliar tanto o desenvolvimento de seus educandos quanto a sua própria ação pedagógica.

Quanto aos conteúdos

    Após a nossa observação das aulas, pela forma trabalhada e pelas atividades desenvolvidas, consideramos que o Professor “Zézinho” tem como conteúdo central de suas aulas, os “jogos recreativos”. Percebemos que esse Professor em suas aulas se limita a oferecer espaços nos quais os alunos brincam livremente com intervenções mínimas.

    Assim, fundamentados nessa constatação, facilmente percebemos que a “intencionalidade pedagógica deste professor em suas aulas é a recreação”. Para Darido; Rangel (2005) nesta visão recreacionista de Educação Física, praticamente o professor não intervém, deixando os alunos decidirem o que vão fazer na aula, escolhendo o jogo e a forma como querem praticá-lo. Isso desconsidera a importância dos procedimentos pedagógicos dos professores. Desta forma, as autoras questionam se os alunos são capazes de aprender o conhecimento histórico, geográfico ou matemático sem a intervenção ativa dos professores? Porque, então, não há a intervenção ativa do professor quando fundamenta-se na recreação? Então, é só preenchimento de tempo escolar?

    Nesse sentido, Libâneo (1994) destaca que os conteúdos são realidades exteriores aos alunos que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados, eles são fechados e refratários às realidades sociais, pois não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados é preciso que se liguem de forma indissociável a sua significação humana e social.

Quanto à metodologia

    Observando e analisando as aulas, ressaltamos que o Professor “Zézinho”, no momento direcionado, orienta as atividades através da fala, apontado as ações dos alunos com dicas. E, no momento livre, o Professor “Zézinho” apenas observa os alunos nas suas brincadeiras escolhidas, intervindo apenas para fins de cuidado e manuseio dos materiais e ainda em relação ao comportamento dos mesmos. Nesse momento livre os alunos têm à disposição brinquedos (bonecas, bonecos, ursos, carrinhos), cordas, bolas, aros, entre outros materiais.

    Assim, concluímos que o Professor “Zézinho” tem a “recreação como intencionalidade pedagógica”. Segundo Darido; Rangel (2005) este modelo recreacionista de Educação Física, na qual os alunos são livres para fazer o que querem, o papel do professor passa a ser somente o de oferecer materiais e marcar o tempo da aula, e isto é condenável, porque retira a importância educativa do professor. Já o Grupo de Estudos Ampliados de Educação Física (1996) destaca que, enquanto profissionais comprometidos com uma educação de qualidade, não podemos nos submeter a ocupar espaços que se configuram como simples preenchimento de tempo, forjando um ensino alienante.

Quanto à avaliação

    Também após a nossa observação, “não percebemos nenhuma evidência de uma forma de avaliação” durante as aulas do Professor “Zezinho”.

    Assim, considerando essa não observação de avaliação nas aulas do Professor “Zézinho” percebemos que o mesmo demonstra uma “imparcialidade em relação à intencionalidade pedagógica em sua atuação docente”. Para Rombaldi (1996), a avaliação é importante tanto para o professor quanto para o aluno: para esse é importante conhecer os resultados de seu esforço e desempenho, não somente pela satisfação da aprendizagem, mas especialmente pelo significado do conhecimento de suas capacidades para futuras aprendizagens; já para àquele, a avaliação torna-se uma análise reflexiva de sua ação pedagógica. É como nos coloca Sacristán (1998), qualquer processo didático intencionalmente guiado implica uma revisão de suas conseqüências, uma avaliação do mesmo. A avaliação serve para pensar e planejar a prática didática.

D.     Coerência

    Conforme os achados anteriormente já debatidos, o Professor “Zézinho” parece entender a Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental como uma “prática recreativa”, e isso “transparece de forma não muito clara em seu discurso e em sua prática”.

    Bracht et al. (2003) ao enfocar a Recreação como intencionalidade pedagógica de Educação Física, alerta para a aplicação dada ao termo “recreação” que “pode se referir ao trabalho com qualquer prática corporal desde que não seja cobrado nenhum rendimento, como também pode apontar trabalho com atividades livres e espontâneas” (p.53).

    A Recreação, nesse sentido, torna-se uma grande aliada à concepção de Educação Física como um passa-tempo e lazer no processo educacional. Mas, esse processo não se trata de um simples preenchimento do tempo, pelo contrário, é um momento de construção e reconstrução do conhecimento, de reflexão e inovações.

    Ainda, podemos concluir que o Professor “Zézinho” parece possuir “pouca coerência entre o seu pensamento (discurso) e a sua prática (aula)”, e que ao não elaborar o plano de ensino “a coerência entre planejamento (plano de ensino), pensamento (discurso) e prática pedagógica (aula) fica muito fragilizada”.

2.     Professor “Luizinho”

A.     Plano de ensino

    Ao solicitarmos o plano de ensino, o Professor “Luizinho” “não apresentou nenhum planejamento, e diz não realizar devido ao seu tempo de prática pedagógica”. Esse depoimento do Professor “Luizinho” encontra suporte na literatura, pois, segundo Canfield (1996), a maioria dos professores de Educação Física com experiência docente não planifica as suas aulas e justificam a sua opção por entenderem que é algo desnecessário porque embasam-se em suas experiências anteriores.

    Conforme Canfield (1996), não é raro encontrar um professor que não evolui, que não acompanha as mudanças, que não planeja as suas ações, e quase sempre justificando esta não evolução, este seu não planejar, pela soma da sua experiência, que sabe o que faz, porque sempre fez assim... e deu certo. Carreiro da Costa (1988) chama este fenômeno, que acontece com o professor no decorrer do exercício de seu magistério, de “retropedagogia”, que é a resistência a inovações, à coisas novas, à mudança, demonstrando uma tendência do professor de se repetir, uma incapacidade de mudar, gerada pelo não comprometimento com a sua profissão.

    Assim, considerando essa inexistência de planejamento do Professor “Luizinho”, percebemos que o mesmo demonstra uma “imparcialidade em relação à intencionalidade pedagógica” em suas aulas de Educação Física.

B.     Discurso

Quanto aos objetivos

    O Professor “Luizinho” argumenta em relação aos objetivos: “Bom, seria... os objetivos eu acho que em primeiro lugar desenvolver o gosto né pela prática da Educação Física. E han trabalha... mas aí eu acho que já entra como conteúdo! Mas eu acho que em princípio seria isso: desenvolver o gosto, han, é o gosto pela prática da Educação Física”.

    Tendo em vista esse argumento do Professor “Luizinho”, “não é possível definirmos a intencionalidade pedagógica”, pois o gosto pela prática da Educação Física é um aspecto valorizado em várias abordagens educacionais, em algumas mais evidenciado do que em outras (Atividade Física para a Promoção da Saúde; Recreação, Psicomotricidade...)

Quanto aos conteúdos

    Ao abordar os conteúdos, o Professor “Luizinho” manifestou: “É, os conteúdos, eu desenvolvo: esquema corporal; han, lateralidade; coordenação motora; orientação espaço-temporal, né (...)”.

    Nessas palavras do Professor “Luizinho” sobre o conteúdo ministrado, percebemos a “psicomotricidade como intencionalidade pedagógica” de suas aulas de Educação Física. De acordo com Azevedo; Shigunov (2001), os conteúdos nessa abordagem são desenvolvidos a partir das condutas motoras: lateralidade, coordenação, equilíbrio, percepção sonoro-tátil-visual, destacando sua pré-história como fator de adoção de estratégias pedagógicas e de planejamento.

    Mas, o Grupo de Estudos Ampliados de Educação Física (1996) reflete a respeito desta tendência ressaltando que se baseia em padrões de movimento genéricos e universais, utilizando testes padronizados na elaboração de sua proposta pedagógica, o que pressupõe uma homogeneização dos indivíduos; sendo essa uma condição incompatível com uma perspectiva de educação transformadora. Uma outra reflexão crítica do grupo é que a psicomotricidade não leva em consideração os condicionantes sócio-históricos, desprezando as experiências sociais.

Quanto à metodologia

    O Professor “Luizinho” relata a respeito de sua metodologia de ensino: “(...) eu trabalho assim ó: na forma de conteste né (...) E trabalho han em grupos, em duplas (...) então, sempre eu falo, explico e demonstro como é que eles devem fazê”.

    Diante do depoimento do Professor “Luizinho” inicialmente tivemos uma certa dificuldade em identificar a sua intencionalidade pedagógica, pois quando destaca que usa o conteste, pode ser a psicomotricidade, pois esse é um dos procedimentos metodológicos da mesma. Entretanto, quando salienta que explica e demonstra o que os alunos devem fazer, concluímos que a sua “intencionalidade pedagógica é a tecnicista”. A partir daí, então entendemos que o conteste, isto é o desafio, é uma forma de incentivo aos alunos fazerem e bem as atividades. Segundo Darido; Rangel (2005) o método da demonstração fundamenta-se na capacidade do ser humano de imitar ou reproduzir um gesto motor. Destaca ainda que é a base da educação tecnicista.

Quanto à avaliação

    Na fala do Professor “Luizinho” percebemos que esse se preocupa em sua avaliação com os aspectos de “condutas motoras”, ou seja, apenas com o desenvolvimento motor de seus alunos: “Olha, na verdade, eu não faço avaliação. Eu, minha avaliação, assim ó, ela funciona, han, nos objetivos, assim, nos exercícios que eu desenvolvo. Então (...) vamô vê se ele consegue superá (...) se ele conseguiu desenvolvê (...)”.

    Mas, de acordo com Sacristán (1998), para o professor não importa colocar a avaliação somente como um problema técnico-pedagógico a ser resolvido no ensino, mas também deve concebê-la como um caminho para entender o currículo real do aluno. Ou seja, avaliando apenas uma ou outra característica do aluno não se consegue atingir a globalidade da ação pedagógica, pois se considera o aluno de forma fragmentada, e como conseqüência o trabalho pedagógico se torna fragmentado – não havendo um trabalho interdisciplinar.

    Assim, na manifestação do Professor “Luizinho” sobre a avaliação, percebemos que o mesmo, ao se basear em condutas motoras demonstra como “intencionalidade pedagógica em suas aulas a psicomotricidade”.

C.     Prática

Quanto aos objetivos

    Após a observação consideramos que o Professor “Luizinho” “não evidenciou em sua ação pedagógica o(s) objetivo(s) aos seus alunos”. Esse fato evidencia a falta de planejamento prévio de sua ação pedagógica. Canfield (1996) questiona: um professor que não tenha suas atividades didáticas planejadas terá objetivos a perseguir? A autora destaca que o objetivo é a essência da Educação Física! E se ele não existir, o que estaremos fazendo? Em que embasaremos a nossa prática pedagógica?

    Assim, considerando essa não observação de objetivo(s) nas aulas do Professor “Luizinho” percebemos que o mesmo demonstra uma “imparcialidade em relação à intencionalidade pedagógica” em sua atuação docente. Libâneo (1994) ressalta que a formulação dos objetivos possibilita uma reflexão em relação à prática pedagógica do professor, tanto em aspectos teóricos quanto práticos, tanto em relação aos educandos quanto a si próprio. Enfim, a definição dos objetivos é um elemento indispensável para o trabalho docente, pois requer um posicionamento ativo do educador frente ao processo educativo, bem como instiga esse a refletir coerentemente a sua atividade pedagógica.

Quanto aos conteúdos

    Após a observação das aulas, pela forma trabalhada pelo Professor “Luizinho”, consideramos que os conteúdos desenvolvidos partem das “condutas motoras”, enquadrando-se na “intencionalidade pedagógica psicomotricidade” que, segundo Azevedo; Shigunov (2001), utiliza-se da atividade lúdica como impulsionadora dos processos de desenvolvimento e aprendizagem. Trata das aprendizagens significativas e exploratórias da criança e de suas relações interpessoais. Focaliza sua metodologia com base em experiência com grupos de crianças de todas as idades, com mais ou menos dificuldades de adaptação escolar e social. Seus conteúdos são desenvolvidos a partir de condutas motoras.

    Mas, conforme Sacristán (1998), os fenômenos educativos são construções sociais e não se pode pensar que tenham uma resposta única e certa para cada aspiração, pois existem soluções múltiplas, mas não-equivalentes. As decisões básicas que se tomam no currículo (conteúdos) são, fundamentalmente, sociais e morais com um significado político: que cultura dar e a quem distribuí-la. Portanto, o currículo é um objeto de muitas práticas que se expressa e se concretiza nelas, molda-se numa multidão de contextos, sendo afetado por forças sociais, por marcos organizativos, pelos sistemas de produção de materiais didáticos, pelo ambiente da aula, pelas práticas cotidianas, pelas praticas de avaliação, concluindo que todo ele é um processo social.

Quanto à metodologia

    Após a observação e análise das aulas, destacamos que o Professor “Luizinho” orienta seus alunos – tanto antes como durantes às atividades – através da fala, apontando o que os alunos devem fazer; sempre enfatizando os erros de execução. Professor “Luizinho” também oferece uma maior atenção e auxílio àqueles alunos com mais dificuldades, principalmente no momento da atividade.

    Em vista disso, percebemos que a “intencionalidade pedagógica desse professor é a desenvolvimentista”, pois, segundo Moreira (2001), o professor nessa abordagem preocupa-se com os padrões e normas estabelecidas de habilidades motoras básicas, localizando assim os erros de execução e oferecendo condições para que os alunos possam superá-los.

Quanto à avaliação

    Após a nossa observação, “não percebemos nenhuma evidência de uma forma de avaliação” durante as aulas do Professor “Luizinho”.

    Assim, considerando essa não observação de avaliação nas aulas do Professor “Luizinho”, percebemos que o mesmo demonstra uma “imparcialidade em relação à intencionalidade pedagógica em sua atuação docente”.

    Sacristán (1998) nos coloca que avaliar tem a finalidade de obter a consciência sobre o curso dos processos educativos e seus resultados, com o objetivo de valorizá-los. Para tanto é preciso tratar da avaliação não apenas com problemas de natureza técnica (como obter a informação, com que provas, etc), mas também com questões de tipo ético (o que se deve avaliar e por que; o que se deve comunicar sobre a avaliação; como convém expressar os resultados de avaliação). Assim, avaliar é uma prática reflexiva da ação pedagógica.

D.     Coerência

    Conforme os dados anteriormente apresentados, o Professor “Luizinho” parece entender a Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental como “Psicomotricidade”, e isto “transparece de forma não muito clara em seu discurso e em sua prática”.

    Ainda, podemos concluir que o Professor “Luizinho” parece possuir “pouca coerência entre o seu pensamento (discurso) e a sua prática (aula)”, e que ao não elaborar o plano de ensino “a coerência entre planejamento (plano de ensino), pensamento (discurso) e prática pedagógica (aula) fica muito fragilizada”.

    Também precisamos destacar que esta pouca coerência está pulverizada de algumas transposições de outras intencionalidades pedagógicas que em alguns casos (Promoção da Saúde e Tecnicista) comprometem o direcionamento de suas aulas e em outros casos (Desenvolvimentista) não chegam a comprometer.

3.     Professor “Huguinho”

A.     Plano de ensino

Quanto aos objetivos

    Ao analisarmos o plano de ensino do Professor “Huguinho”, destacamos objetivos com uma intencionalidade pedagógica respaldada na “abordagem construtivista-interacionista”, percebida devido a alguns pontos relevantes: a) “desenvolver harmoniosamente as dimensões do Ser Humano envolvidas em cada prática corporal, aprimorando-as com vistas ao cultivo da solidariedade, da liderança, da afetividade e da sexualidade”; b) “despertar a fantasia e a imaginação”; e c) “expressar-se espontaneamente, utilizando o corpo através de movimentos, demonstrando capacidade criativa”.

    Segundo Moreira (2001) e Azevedo; Shigunov (2001), a abordagem construtivista-interacionista tem como foco principal respeitar o universo cultural do aluno, explorando possibilidades educativas. Tendo algumas intenções, tais como: construção do próprio conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo; respeitar o universo cultural do aluno, explorando as diversas possibilidades educativas lúdicas espontâneas; vivência de valores humanos, tais como socialização, organização, afetividade, os quais tem grande influência na vida cotidiana e podem fazer com que a criança obtenha a formação suficiente e crítica diante à sociedade; tentar valorizar a experiência dos alunos.

Quanto aos conteúdos

    Considerando o planejamento apresentado pelo Professor “Huguinho”, destaca-se novamente “como intencionalidade pedagógica a construtivista-interacionista”, pois “são oportunizadas experiências corporais variadas e múltiplas através da exploração do espaço, objetos e materiais, resgatando, principalmente, nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, o espaço lúdico, onde a criança explora, joga e faz exercícios”.

    Para Freire (1992) o meio de atingir as intenções de sua proposta construtivista é através do jogo transformado em instrumento pedagógico. Para isso, faz uso da sua própria construção de jogos, brinquedos e brincadeiras utilizando materiais alternativos para a educação do corpo inteiro da criança. Além disso, é preciso compreender que as habilidades motoras poderão se desenvolver sem uma monotonia já embutida culturalmente nas aulas de Educação Física, na medida em que forem desenvolvidas num contexto de jogo e de brinquedos, no universo da cultura infantil e de acordo com o que a criança já possui – sua bagagem histórica. Desse modo, cabe à escola e ao professor admitir as atividades da cultura da criança como conteúdo pedagógico, pois garante o interesse e a motivação das crianças.

Quanto à metodologia

    Por meio da análise do planejamento do Professor “Huguinho”, enfatizamos que “a presente proposta tem seu foco não apenas na questão do movimento em si, mas enfatiza os contextos pessoais, culturais e sociais em que ele ocorre, de modo que a atividade corporal tenha significado (...) Um dos pilares desta proposta é considerar as aulas de Educação Física não apenas uma simples hora de lazer ou mera prática esportiva (...) Assim, as intervenções didáticas são sempre no sentido de valorizar a diversidade de histórias e vivências corporais entre os alunos, interesses, oportunidades de aprimoramento fora da escola e o convívio em ambientes físicos diferenciados”.

    Portanto, destacamos que a metodologia do planejamento do Professor “Huguinho” baseia-se no “na abordagem construtivista-interacionista enquanto intencionalidade pedagógica”. Segundo Freire (1992), a estratégia metodológica da Abordagem Pedagógica Construtivista-Interacionista é o resgate do conhecimento do aluno. O autor ressalta que não acredita na existência de padrões de movimento, pois, para tanto, teria que acreditar também na padronização do mundo. Constata, isso sim, a manifestação de esquemas motores, isto é, de organizações de movimentos construídos pelos sujeitos, em cada situação. Ainda, salienta outro risco possível a partir de uma consideração isolada do ato motor: a redução do papel da Educação Física a enquadrar os alunos/crianças em padrões de movimentos.

Quanto à avaliação

    Ao analisarmos o planejamento do Professor “Huguinho”, destacamos que: “A avaliação é continua, constante, cooperativa, com função diagnóstica, pelo acompanhamento do processo de construção das competências. A observação é um dos mecanismos que viabiliza a avaliação da postura do aluno nas diversas situações de aprendizagem e a sua forma de interação”. Sendo dois pontos/aspectos a serem avaliados: 

  1. envolve-se nas aulas de Educação Física realizando as atividades com empenho”; 

  2. tem atitudes de respeito, cooperação e solidariedade com os colegas nas aulas de Educação Física”.

    A partir destas colocações, destacamos que a avaliação prevista no planejamento do Professor “Huguinho” enquadra-se na “intencionalidade pedagógica desenvolvimentista” porque, segundo Azevedo; Shigunov (2001), esta Abordagem Pedagógica embasa sua avaliação na observação sistemática sobre o desenvolvimento das habilidades dos alunos.

B.     Discurso

Quanto aos objetivos

    Ao questionarmos o Professor “Huguinho” em relação aos objetivos, salientou: “(...) os objetivos que é a gente formar a criança na parte da psicomotricidade (...) é toda uma seqüência de 1a a 4a série. A gente trabalha com eles a parte da convivência, trabalhar em grupo. (...) que eles tem que respeitar o próximo (...)”.

    Assim, fundamentados na fala do Professor “Huguinho” sobre os objetivos de suas aulas, verificamos que ele próprio destaca a “psicomotricidade como intencionalidade pedagógica”. Segundo Azevedo; Shigunov (2001), a Abordagem Psicomotricista trata de aprendizagens significativas, espontâneas e exploratórias da criança e de suas relações interpessoais.

Quanto aos conteúdos

    Ao abordar os conteúdos, o Professor “Huguinho” manifestou: “a gente trabalha expressão corporal; a parte da motricidade fina; eles aprendem também a parte da dança (...); tem a parte dos esportes, que a gente coloca de forma bem lúdica”.

    Notamos que o Professor “Huguinho” apresenta uma variação de conteúdos, não sendo bitolado apenas em um aspecto da cultura corporal de movimento. Assim, percebemos que esse tem como “intencionalidade pedagógica a psicomotricidade”.

    Nesse sentido, Azevedo; Shigunov (2001) nos trazem que os conteúdos da Abordagem Psicomotricista são desenvolvidos a partir de condutas motoras: lateralidade, coordenação, equilíbrio, percepção sonoro-tátil-visual, destacando sua pré-história como fator de adoção de estratégias pedagógicas e de planejamento.

Quanto à metodologia

    “(...). Eu sempre faço uma aula direcionada. Às vezes eu faço uma aula que a gente chama de atividade livre e depois de um certo tempo, que eles já sabem mais ou menos quais são as atividades, eu coloco que daí eles tem a opção de escolher qual das atividades que eu levo. Por exemplo, eu levo cinco atividades e eles escolhem o que eles vão fazer. Então geralmente as aulas são todas direcionadas. Como são crianças de 1a à 4a série é mais fácil trabalhar com elas soltas, né. Então, cada uma vai poder trabalhar da sua forma”. Em questão de estratégia o Professor “Huguinho” acrescenta: “Primeiro é o explicativo, então, eu explico todo ele, e depois é o demonstrativo”. Tem ainda o “diálogo”. “Na 1a série geralmente eu conto uma historinha, quando a gente vai fazer a atividade tem sempre uma historinha no meio. Do pegador é sempre uma historinha até eles começarem a fazer, aquela função de saber que não é só uma simples brincadeira, que é uma atividade também que a gente tá trabalhando”.

    Ao abordarmos a respeito de sua metodologia de ensino, o Professor “Huguinho” evidenciou em seu discurso uma “certa confusão”, pois enfatizou atividades livres que referem-se à Recreação; aulas direcionadas, que são relativas ao Tecnicismo; e o diálogo que pode se relacionar com várias intencionalidades pedagógicas centradas no aluno.

Quanto à avaliação

    Destacamos a seguinte fala do Professor “Huguinho”: “é através da observação, então, a gente tem três itens que a gente observa: que é a participação; o desenvolvimento deles e a convivência deles com os colegas”.

    No momento que o Professor “Huguinho” enfatiza em sua avaliação a participação, a convivência e o desenvolvimento, não está se detendo apenas a um aspecto, considerando, então, o aluno em seu todo, um ser global e unitário. Ou seja, busca a formação integral do educando, levando em conta também o seu acervo lúdico e de vivências.

    Sendo assim, consideramos que o Professor “Huguinho” tem alicerce na “abordagem construtivista-interacionista como intencionalidade pedagógica”. Sobre a qual Freire (1997) acredita que qualquer tipo de aprendizado é significante, desde que esteja vinculado a um contexto concreto para aqueles que dele se apropriam, ou seja, é necessário considerar os aspectos socioculturais em que a criança está inserida. Então, o rumo da avaliação do professor é de suma importância no processo de ensino e aprendizagem.

C.     Prática

Quanto aos objetivos

    Através da observação das aulas, destacamos que o Professor “Huguinho” realiza uma conversa, no início das aulas, com os alunos a respeito do trabalho a ser realizado: como? o que? para que?

    Detectamos que em suas aulas o professor expressou como objetivos oportunizar o desenvolvimento da criatividade, proporcionar o desenvolvimento da organização e convívio em grupo, bem como valorizar a experiência dos alunos. Portanto, os objetivos do Professor “Huguinho” estão abarcados na perspectiva “construtivista-interacionista enquanto intencionalidade pedagógica”.

    Um dos pontos destacados na perspectiva construtivista é a construção do próprio conhecimento através de uma ação sobre o mundo. Ou seja, a aquisição do conhecimento é um processo construído pelo indivíduo durante toda a sua vida num processo de constante reorganização (DARIDO et al., 2001).

Quanto aos conteúdos

    Após a observação das aulas, pela forma trabalhada pelo Professor “Huguinho”, consideramos que o conteúdo é desenvolvido através do jogo e brincadeiras, assim como valorizando a vivência anterior do aluno, deixando-os criar seus próprios movimentos. Sendo assim, percebemos como “intencionalidade pedagógica a abordagem construtivista-interacionista”.

    Darido et al. (2001) destaca que o jogo – enquanto conteúdo, estratégia – tem um papel privilegiado no processo de ensino e aprendizagem, sendo desenvolvido em ambiente que gire em torno da ludicidade e do prazer.

    O aluno constrói seu conhecimento a partir da interação com o meio/mundo, resolvendo seus problemas, numa relação que extrapola o simples ato de ensinar e aprender. Por isso, Freire (1992) considera de suma importância para o desenvolvimento das aulas de Educação Física o conhecimento que a criança traz consigo para a escola, isto é, a sua bagagem cultural, social, motora e afetiva, por exemplo.

Quanto à metodologia

    Após a observação e análise das aulas, destacamos que o Professor “Huguinho” realiza o menor número de intervenções possíveis, deixando os alunos vivenciarem as atividades conforme sua experiência; orienta as atividades em seu desenvolvimento para fins de organização e comportamento; quando necessário interfere nas ações dos alunos a fim de definir alguma regra ou estimulá-los a participar. Outro ponto a ser enfatizado é que o Professor “Huguinho” preocupa-se em dialogar com as crianças: no início da aula apontando as atividades/jogos a serem realizados; durante, esclarecendo aspectos de atitudes e comportamentos; e no final, refletindo em relação à aula. Além de não se preocupar excessivamente com um aspecto em detrimento de outro.

    Nesse sentido, verificamos que o Professor “Huguinho” valoriza a bagagem cultural e motora de seus alunos, não se preocupando com as condutas motoras apenas. Assim, percebemos a “perspectiva construtivista-interacionista como a intencionalidade pedagógica”.

    Essa Abordagem, segundo Darido et al. (2001), tem como principal vantagem a possibilidade de uma maior integração com uma proposta pedagógica ampla e integrada com a Educação Física nos primeiros anos da educação formal. Porém, pode ocorrer de os conteúdos que não tem relação com a prática do movimento em si poderem ser aceitos para atingir os objetivos que não consideram as especificidades do objeto, que estaria em torno do eixo corpo (movimento). Ou seja, por ter um caráter interdisciplinar, muitas vezes, deixa a Educação Física sem identidade, correndo o risco de pensar essa disciplina como degraus a serem escalados com outros fins. Então, como se trata de uma abordagem interdisciplinar, a especificidade da Educação Física poderia ser esquecida (MOREIRA, 2001).

Quanto à avaliação

    Ressaltamos que o Professor “Huguinho” realiza uma conversa com as crianças no final da aula, refletindo a respeito das atividades desenvolvidas e dos fatos ocorridos (como, por exemplo, o caso de não realizar as atividades por vergonha; o uso inadequado dos materiais antes da aula; o comportamento inadequado dos alunos...).

    Destacamos, nesse sentido, que os momentos avaliativos devem ser convertidos em momentos de aprendizagem, de estímulo para a busca de novos conhecimentos, em momentos de satisfação mútua entre professor e alunos. Assim, a avaliação deixa de ser um elemento terminal do processo de aquisição do conhecimento para se transformar em ação de acompanhamento do processo educativo. Ou seja, a avaliação servirá de instrumento de subsídio à prática educativa que requer uma metodologia adequada à realidade dos alunos (ROMBALDI, 1996).

    Então, o Professor “Huguinho” ressalva em sua reflexão a exposição do pensamento das crianças, deixando-as à vontade para expressarem espontaneamente suas experiências vivenciadas, tanto do conhecimento adquirido no seu ambiente sócio-cultural como o conhecimento construído em âmbito escolar.

    Portanto, a avaliação do Professor “Huguinho” tem respaldo na abordagem “construtivista-interacionista enquanto intencionalidade pedagógica”, pois, segundo Freire (1992), a avaliação na Abordagem Pedagógica Construtivista-Interacionista é composta pela auto-avaliação, que na prática é o momento do diálogo do professor com os alunos..

D.     Coerência

    Conforme os achados já destacados, o Professor “Huguinho” parece entender a Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental como uma “intencionalidade pedagógica construtivista-interacionista”, e isso “transparece em seu planejamento e sua prática”.

    Ainda, podemos concluir que o Professor “Huguinho” demonstra possuir uma “boa coerência entre o seu planejamento (plano de ensino) e a sua prática (aula)”. Entretanto, o seu discurso não demonstra coerência com o seu planejamento e a sua prática, e por isso, “a coerência entre o planejamento (plano de ensino), o pensamento (discurso) e a prática pedagógica (aula) fica fragilizada”.

Concluindo: possíveis sinteses sobre a investigação

    Pela análise das informações obtidas de professores de Educação Física das Séries Iniciais do Ensino Fundamental constatamos algumas características marcantes. São elas:

1.     A utilização pelos professores de intencionalidades pedagógicas diferentes, entretanto, a maioria sendo as tradicionais e hegemônicas na Educação Física Escolar

    Constatamos que os Professores “Zezinho” e “Luizinho” conscientemente ou não tem sua atuação docente respaldadas, respectivamente, pela “Recreação” e pela “Psicomotricidade”.

    Como crítica a esses Professores destacamos que tanto a Recreação quanto a Psicomotricidade são construções teóricas de outras áreas de conhecimento e foram adotadas pelo campo educacional, e, muitas vezes, se tenta “aplicar” essas teorias na prática como se fossem receitas.

    A Psicomotricidade pode ser considerada bastante disseminada e, talvez, hegemônica no desenvolvimento da Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Entretanto, segundo Sayão (2002), essa concepção é pautada num modelo de criança universal, onde o movimento, neste caso, serve de recurso pedagógico visando ao sucesso da criança em outros campos do conhecimento.

    Estas duas intencionalidades pedagógicas (Recreação e Psicomotricidade) contribuem para a construção de uma cultura escolar, no caso, especificamente da Educação Física, que transparece como característica dessa disciplina a criação de um espaço sem maior comprometimento pedagógico.

    Dessa maneira, essas práticas (sem comprometimento pedagógico) passam a ser naturalmente incorporadas às atividades rotineiras da escola sem condizer ou contribuir também com as discussões pedagógicas que embasam a elaboração e a execução do Projeto Político-Pedagógico (PPP). Talvez seja por isso que o professor de Educação Física normalmente não participa de reuniões na escola. Assim, os professores de Educação Física passam, portanto, a constituir a cultura que se faz na escola, despercebida do conhecimento científico e enraizada nas práticas através do senso comum: o aluno sempre faz ou joga a mesma coisa, já que é atividade espontânea e prazerosa, e, normalmente, esta atividade ou jogo é representado pelo futebol. Neste caso, a prática do futebol aparece como um dos principais elementos da cultura dessa comunidade e conseqüentemente como o entendimento simbólico que os alunos e o professor tem sobre o que deve se fazer em uma aula de Educação Física e que, por fatores múltiplos, irão se consolidando como práticas pedagógicas que não propiciam um repensar, um redimensionamento dessa atividade cultural que é a Educação Física.

    Já quanto ao Professor “Huguinho” constatamos que tem a sua atuação docente respaldada no “Construtivismo-Interacionista”.

    Segundo Darido; Rangel (2005), a Abordagem Construtivista-Interacionista apresenta um discurso cada vez mais presente nos diferentes segmentos do contexto escolar, opondo-se à proposta mecanicista da Educação Física, que é caracterizada pela busca do desempenho máximo, de padrões de comportamento, sem considerar as diferenças individuais e as experiências vividas pelos alunos, com o objetivo de selecionar os mais habilidosos para competições esportivas.

    Entretanto, como crítica a essa Abordagem Pedagógica, essas autoras, destacam que, mesmo possibilitando uma maior integração com uma proposta pedagógica mais ampla e integrada da Educação Física no início da Educação Básica, a Abordagem Construtivista desconsidera a questão da especificidade, pois nessa visão, o que pode ocorrer é que conteúdos que não tem relação com a prática do movimento poderiam ser aceitos, já que os objetivos podem ser pouco relacionados ao corpo e ao movimento. Nesse sentido, o movimento poderia ser um instrumento para facilitar a aprendizagem de conteúdos diretamente ligados ao aspecto cognitivo, como: a aprendizagem da leitura, da escrita, da matemática, etc.

    Como aspecto positivo que se apresenta é que esta Abordagem representa uma alternativa de superação dos métodos diretivos de ensino, pois o aluno constrói o seu conhecimento a partir da interação com o meio, resolvendo problemas. E fica nisso (DARIDO; RANGEL, 2005).

2.     A maioria dos professores não planeja as suas ações docentes

    Tanto o Professor “Zezinho” quanto o Professor “Luizinho” não planejam suas ações. Esse fato trás para a discussão a questão do planejamento escolar que sempre foi um tema polêmico nas escolas públicas.

    Destacamos que é incontestável a importância dos professores da escola pública organizarem um espaço de tempo dentro da carga horária semanal destinado ao planejamento para se ter um ensino de qualidade.

    Entretanto, a rotina das escolas e os governantes acabam por sobrecarregar os professores de horas-aula diminuindo ou fazendo desaparecer este momento para o planejamento do professor. Nesse quadro, são poucas ou escassas as situações/oportunidades em que os professores de Educação Física conseguem ter tempo para pensar qual proposta pedagógica, quais enfoques serão abordados e quais estratégias serão utilizadas para desenvolver determinada proposta no decorrer das aulas de Educação Física.

    Novamente, fica evidente, a impotência de professores de Educação Física em planejar sua disciplina e assim assumirem um comprometimento maior a respeito da importância da Educação Física no currículo escolar. Também fica nítido a cultura escolar, socialmente construída pelos próprios professores de Educação Física, de que ela fica à margem dos demais conhecimentos científicos definidos como importante para o currículo escolar.

    Afirmamos isso porque nas duas intencionalidade pedagógicas apresentadas pelos Professores “Zezinho” e “Luizinho”, de Recreação e de Psicomotricidade, podemos até perceber que se justifica a desnecessidade de planejamento da Educação Física na opinião desses professores, porque essas intencionalidades, mesmo classificadas em dois eixos, apresentam um único enfoque: são práticas de atividades que irão auxiliar na aprendizagem do aluno em sala de aula.

    Nestas perspectivas, a Educação Física não se destaca como um componente curricular que possui uma especificidade. A sua importância está sempre relacionada a outras áreas do conhecimento que, nas entrelinhas, são colocadas como de maior relevância.

    Nestes professores (“Zezinho” e “Luizinho”) percebemos uma impotência em conceituar/visualizar a especificidade da Educação Física Escolar. E essa impotência é desencadeadora da desvalorização da Educação Física no currículo escolar observado em práticas pedagógicas que consolidam uma cultura escolar de senso comum e que com o passar dos anos se naturaliza e se dissemina como verdade inquestionável. Para Bracht et al. (2003, p.28), o espaço-tempo da Educação Física é “raramente encarado como tempo de estudos de uma disciplina que tem algo a ensinar e a contribuir na formação humana”.

    Parece-nos ser alentador que o Professor “Huguinho” tenha plano de ensino, entretanto, acreditamos que este planejamento exista porque o mesmo pertence a uma escola particular e que a mesma tenha como órgão mantenedor uma “religião”, onde a filosofia da escola é expressa no PPP e conseqüentemente apareça no planejamento da Educação Física. Dessa forma, não acreditamos que seja uma construção de planejamento do professor ou, mesmo da disciplina, e, sim, uma construção da entidade mantenedora, um planejamento de cima para baixo. Por isso, a existência de planejamento.

3.     A existência de pouca coerência entre o plano de ensino, o discurso e a prática dos professores

    Considerando, nesta investigação, coerência como a estreita ligação entre a escrita, o pensamento e a ação do Homem, no nosso caso de professores de Educação Física, percebemos que os Professores “Zézinho”, “Luizinho” e “Huguinho” demonstraram “pouca coerência”. Essa realidade já pode ser constatada em estudo realizado por Machado; Canfield (1995) com professores de Educação Física (n=40) que atuavam na 8a Série do Ensino Fundamental de escolas de Santa Maria-RS, que teve como objetivo verificar na versão do professor, se faziam planejamento de suas aulas, bem como se o colocavam em prática, e se era coerente em suas partes (objetivo-conteúdo-avaliação). Os autores constaram mais coerência (65%) entre suas partes do que não (35%). Entretanto, na versão dos alunos (10 de cada professor) constataram que para a maioria não houve coerência (62,5%). Segundo Siedentop (1983) para um ensino eficaz é necessário a interdependência entre objetivos, conteúdos e avaliação.

    Para nós, essa realidade é um problema para a valorização da Educação Física Escolar porque os professores estudados não possuem consciência dos rumos de suas aulas, isto é, que tipo de alunos estão formando. Esse fato nos indica que não compreendem adequadamente o processo de ensino. Concluímos, considerando Wittrock (1989) que coloca que as ações dos professores tem origem geralmente em seus processos de pensamentos, os quais por sua vez se vêem afetados pelas ações. O autor crê que o processo de ensino só será compreendido plenamente quando estes dois domínios (pensamento e ação) forem estudados em conjunto e cada um deles examinados em relação ao outro. Ora, se o professor de Educação Física não sabe explicitar a intencionalidade de sua ação, expressa em nossa investigação pelos objetivos, conteúdos, metodologia e avaliação, como irá colocar em prática? É impossível!

    Também podemos concluir que se o professor não tem bem definido os objetivos, os conteúdos, a metodologia e a avaliação de sua atuação docente, isso nos leva a crer que ele também não tem clareza de sua função, bem como da função da Educação Física na escola. Este fato tem implicações ao nível de competência pedagógica e ao nível de competência social e política deste professor. Aí, podemos ressaltar que esse professor não tem noção da totalidade que envolve o ser (aluno) no mundo. Isso leva a uma prática incoerente e com fim em si mesma, isto é, a prática pela prática, e também promove/instiga/fomenta uma CRISE na identidade da Educação Física Escolar.

Aprendendo com a investigação: buscando alternativas

    Considerando que esta investigação nos permitiu realizar uma das possíveis interpretações do contexto da problemática investigada e que aprendemos com este exercício, acreditamos que temos o direito e a obrigação de projetar/buscar alternativas para o futuro de nossa profissão, professor de Educação Física.

    Assim, para finalizarmos queremos destacar que não pretendemos ser prescritivos, indicando “receitas” para um desenvolvimento ideal de intencionalidades pedagógicas para as aulas de Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, pois entendemos que qualquer prática para ser conseqüente precisa situar-se nos significados produzidos pelos sujeitos que estão em interação no processo educativo. Interações que produzem uma cultura escolar, que sempre impõem limites ou que instituem regras.

    Dessa forma, podemos projetar, sem querer ser prescritivo, mas, sim, estabelecer novos entendimentos para a Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, a partir dos já existentes e analisados, a hipótese da atuação de um professor de Educação Física que desenvolva a cooperação entre os professores envolvidos, desafiando-os a construírem novos significados para a Educação Física Escolar.

    Para que isso ocorra, é necessário realizar planejamentos e constantes estudos no cotidiano da escola, destacando que o professor deveria discutir sobre o que ensina, como ensina, porque ensina determinado conteúdo e para quem ensina. Isto é, colaborativamente os professores poderiam construir novas intencionalidades pedagógicas para a Educação Física nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental.

    Ressaltamos que neste horizonte colaborativo de construção de novas intencionalidades pedagógicas os professores de Educação Física não podem esquecer de dois referenciais: 

  1. que a Educação Física faz parte da educação, e que a educação enquanto atividade estritamente humana é caracterizada por ser uma ação consciente, organizada e coerente. E que as suas característica são as seguintes: 

    1. Intencionalidade – quando define com clareza os efeitos educativos desejáveis, enquadrando-os num sistema de idéias justificadas em seus saberes; 

    2. Previsibilidade – quando define os meios e procedimentos suscetíveis de levarem à realização dos objetivos delineados, coerentes com as opções filosóficas e pedagógicas assumidas; 

    3. Controle – quando define os mecanismos que permitam não somente acompanhar o desenrolar do processo e regulá-lo, fazendo com que os alunos sejam sujeitos ativos e criadores do seu próprio desenvolvimento; e 

    4. Eficácia – quando estabelece a busca da superação efetiva das necessidades e insuficiências da comunidade escolar alvo, constatando as dimensões e o grau de obtenção dos efeitos educativos alcançados; 

  2. que o professor de Educação Física na opção por uma intencionalidade pedagógica a ser adotada nas suas aulas, precisa ter a clareza teórico-metodológica sobre como se procede a aprendizagem e a representação de criança que se reflete. Sem o conhecimento real das possibilidades de ensino de sua intencionalidade pedagógica o professor passa a exercer uma prática cega, onde suas aulas passam a ser o acúmulo de atividades, descontextualizadas, desconjuntadas e fragmentadas, sem uma intencionalidade consciente. O professor ao ter conhecimento sobre a sua intencionalidade tem maiores possibilidades de ministrar uma educação de qualidade, porque sabe responder/justificar as seguintes perguntas: Para que? Para quem? Onde? Como? Quando?

Referências

  • AZEVEDO, E.S. de; SHIGUNOV, V. Reflexões sobre as abordagens pedagógicas em Educação Física. In: SHIGUNOV NETO, A.; SHIGUNOV, V. (Orgs.). A formação profissional e a prática pedagógica: ênfase nos professores de Educação Física. Londrina: O Autor, , 2001, p.77-94.

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revista digital · Año 13 · N° 129 | Buenos Aires, Febrero de 2009  
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