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A fitoterapia popular na promoção do desenvolvimento local

 

*Docentes

**Discentes

Programa de Pós-Graduação Profissional em Desenvolvimento Local

Centro Universitário Augusto Motta – UNISUAM

(Brasil)

Saulo Roni Moraes*

Aerton Melo de Jesus**

Branca Regina Cantisano dos Santos e Silva Riscado Terra*

Kátia Eliane Santos Avelar*

kesavelar@yahoo.com.br

 

 

 

Resumo

          As plantas medicinais vêm sendo utilizadas com finalidades terapêuticas desde os primórdios da humanidade. Seu uso popular tem sido propagado de geração a geração. Em muitas comunidades das grandes metrópoles brasileiras, o cultivo de plantas medicinais constitui-se como uma alternativa para os cuidados primários de saúde. Esse estudo foi desenvolvido em uma comunidade do Rio de Janeiro, no bairro da Penha, onde há um projeto com plantas medicinais, denominado de “Projeto Sementinha”. Este projeto pode ser considerado como um projeto de desenvolvimento local, uma vez que busca mobilizar, explorar as potencialidades locais, além de assegurar a conservação dos recursos naturais locais, que são a base das suas potencialidades e condição para a melhoria da qualidade de vida da população local. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas individuais e em grupo focal com 8 senhoras da comunidade na faixa etária entre 20 e 70 anos, que são as responsáveis pela horta doméstica do Projeto. Os resultados obtidos com as plantas mais mencionadas mostram que embora a fitoterapia encontra-se em fase de relativo desprestigio nas comunidades de nível sócio-econômico médio e alto, sobrevive na comunidade estudada e ao mesmo tempo é fator de coesão e poder dentro do grupo de mulheres que se envolvem com os cuidados da saúde da comunidade do Parque Proletário do Grotão.

          Unitermos: Plantas medicinais. Fitoterapia popular. Desenvolvimento local.

 

Abstract

          Medicinal plants have been used therapeutically since the early days of humanity. Their uses have been handed down from generation to generation and in many communities in large cities in Brazil, the cultivation of medicinal plants constitutes an alternative to primary health care. The present study was conducted in a community of Rio de Janeiro: the Parque Proletário do Grotão, neighborhood of Penha, Rio de Janeiro. In this community, there is currently a project envolving medicinal plants called the "Sementinha Project". This project can be regarded as a local development initiative, being that it mobilizes and exploits local potential and ensures the preservation of local natural resources, which are the basis of the quality of life of the local inhabitants. The data was collected through individual interviews and a focus group which included eight women of the community, 20 to 70 years old, who are responsible for the home garden project. The results obtained by our study show that, although phytotherapy is the most often mentioned use of the local plants, it is in and of itself a form of technology that is in relative disrepute among the high- and middle-classes of Rio de Janeiro. Nevertheless, the use of phytotherapeutic plants survives in the community under study and functions to give the group of women involved with popular health care in the Parque Proletário do Grotão a certain measure of cohesion and power. 

          Keywords: Medicinal plants. Phytotherapy. Local development.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009

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Introdução

    O desenvolvimento local pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população, em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos (BUARQUE, 2002). Para ser consistente e sustentável, o desenvolvimento local deve mobilizar e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local; ao mesmo tempo, deve assegurar a conservação dos recursos naturais locais, que são a base das suas potencialidades e condição para a qualidade de vida da população local. Um empreendimento endógeno demanda, normalmente, um movimento de organização e mobilização da sociedade local, explorando as suas capacidades e potencialidades próprias, de modo a criar raízes efetivas na matriz socioeconômica e cultural da localidade (BUARQUE, 2002).

    No grupo alvo desse estudo, houve uma busca intuitiva pelo desenvolvimento local por meio do cultivo e utilização de plantas medicinais. Em 1985, algumas mulheres de comunidades do Parque Proletário do Grotão no Bairro da Penha - Rio de Janeiro, se reuniu e organizou uma horta de plantas medicinais, denominada de “Projeto Sementinha”. Neste projeto o cultivo das plantas é realizado por mulheres voluntárias da comunidade, cujo objetivo primordial é o atendimento das necessidades básicas de saúde da comunidade, além do resgate dos saberes populares (EITLER, 1998). Além disso, a fitoterapia popular é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um instrumento potente para o desenvolvimento de novos medicamentos e controle de enfermidades que assolam os países periféricos (OMS, 2003), com a utilização da biodiversidade local para o atendimento primário à saúde.

    Nas duas hortas cultivadas pelo grupo, há cerca de 50 variedades de plantas usadas para muitos fins. "A gente se reúne para trabalhar as ervas e fazer diversos produtos. Vendemos para quem precisa pelo preço de R$2,00 (dois reais) só para ajudar a pagar o custo de alguns materiais", conta Antônia Salustiano da Costa, de 65 anos, uma das fundadoras do projeto e moradora do Parque Proletário. Parte da produção do grupo é distribuída entre as 48 comunidades através da Associação de Moradores do Parque Proletário do Grotão. Do grupo inicial de 13 mulheres permanecem, atualmente, apenas quatro e cinco representantes da segunda geração de trabalho. As pioneiras são imigrantes de Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte e do interior do Rio de Janeiro.

    É importante mencionar que saber popular é definido “como o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural, transmitido oralmente, de geração em geração”. Esse conhecimento é transmitido em todos os níveis da vida diária e não apenas no formal. A sua comunicação por meio da oralidade é uma das diferenças que o separa do científico, que é transmitido por meio da escrita. Nesse sentido, o conhecimento tradicional somente pode ser interpretado dentro do contexto cultural em que foi gerado (BRASIL, 2001).

    O conhecimento acerca das plantas medicinais tem acompanhado a evolução do ser humano através dos tempos. As plantas com propriedades medicinais estão amplamente distribuídas pelo mundo, sendo que podemos encontrar grandes aglomerações destas em regiões tropicais do planeta aonde existe uma biodiversidade exuberante (CUNHA, 2006; CAMARGO JR., 2006).

    Cumprindo a função da universidade como instituição formadora de profissionais capacitados para atuar nas suas respectivas áreas, como agentes capazes de transformar, resolver problemas e orientar a sociedade na busca de seus melhores caminhos, este estudo teve como objetivo levantar informações sobre a fitoterapia, popular no projeto Sementinha e, também, propor ações que proporcionasse a sustentabilidade do projeto.

Material e métodos

    A pesquisa foi realizada na comunidade do Parque Proletário do Grotão, bairro da Penha - Rio de Janeiro, no Projeto Sementinha, de abril a agosto de 2007. Os dados provêm de entrevistas individuais e em grupo focal com 8 senhoras da comunidade na faixa etária entre 20 e 70 anos, que são as responsáveis pela horta doméstica do Projeto. Todas as informantes concordaram em participar da pesquisa e assinaram o termo de consentimento.

    O instrumento utilizado para coleta de dados foi um questionário aberto, direcionado, com 71 perguntas, enfocando aspectos socioeconômicos, plantas medicinais conhecidas, formas de preparo das formulações fitoterápicas, propriedades terapêuticas, principais motivos da procura pelas plantas medicinais, obtenção, preparo e utilização das plantas, comprovação de resultados, interesses em cultivar uma horta medicinal comunitária, entre outras.

Resultados e discussão

    Apesar do cenário ambiental desfavorável, no que diz respeito ao cultivo de plantas medicinais em comunidades, nas grandes metrópoles, onde os espaços disponíveis são limitados, catalogou-se um grande número de espécies cultivadas e utilizadas para diversos fins por praticantes e usuários da medicina popular. Foram levantadas 56 espécies de plantas medicinais distribuídas em 35 famílias botânicas. Todas as plantas tiveram suas atividades farmacológicas confirmadas por estudos da literatura. As quatro plantas mais utilizadas por essas comunidades foram erva-cidreira (Lippia alva); alecrim (Rosmarinus officinalis L); boldo do Chile (Poemus boldus Molina) e saião (Kalanchoe brasiliensis Cambess).

    As plantas são cultivadas com a finalidade de produzir medicamentos de baixo custo para a comunidade, conforme informações das próprias mulheres "a gente se reúne para trabalhar as ervas e fazer diversos produtos. Vendemos para quem precisa pelo preço de R$2,00 (dois reais) só para ajudar a pagar o custo de alguns materiais". As mulheres desempenham um papel importante na disseminação do conhecimento e no cultivo das plantas medicinais de seu interesse, relacionadas à cura de problemas de saúde mais corriqueiros, especialmente as doenças dos familiares e amigos. Conhecem com detalhes o preparo de chás e xaropes contra várias infecções, sendo os mais procurados os utilizados para as infecções respiratórias. Afirmaram ter aprendido sobre as plantas por meio de informações passadas por vizinhos ou familiares. Além disso, atribuem o poder de cura à própria planta, “cura porque todo remédio é com erva. Aquele chá que faz serve”.

    Quando questionadas acerca da sustentabilidade do projeto, reconhecem que o espaço que possuem para o cultivo das plantas é muito pequeno. Afirmaram que o cultivo é suficiente apenas para o preparo dos produtos que hoje são fabricados e distribuídos para as comunidades locais.

    O conhecimento sobre a arte de transformar plantas em medicamentos tem sido transmitido ao longo das gerações. Porém, esse conhecimento popular sobre o poder terapêutico das plantas tem se restringido a um número cada vez menor de pessoas. O Brasil é um país que detém uma grande diversidade biológica e cultural, mas esta diversidade está ameaçada e deve ser preservada. Segundo SCHULTES (1988), a cada curandeiro tradicional que morre, perde-se o correspondente a uma biblioteca em chamas. Para minimizar os problemas decorrentes do processo de queima da biblioteca, a preservação da sabedoria popular é importante, como uma forma de proteger o conhecimento das comunidades. Esse conhecimento popular pode fornecer dados importantes para novas descobertas científicas (SIMÕES et al., 2005). Isto implica na igual valorização dos diferentes conhecimentos e demonstra a importância da associação entre eles, para que haja uma preservação dos saberes (MATOS, 1985; 1998).

    As plantas utilizadas são as existentes na região e a fitoterapia utilizada tem fins semelhantes aos descritos na literatura, ou seja, visando à prevenção e o tratamento de doenças. As observações populares sobre o uso e a eficácia de plantas medicinais são transmitidas de forma oral entre as gerações e contribuem de forma relevante para a divulgação das virtudes terapêuticas dos vegetais, prescritos com freqüência, pelos efeitos medicinais que produzem, apesar de muitas ainda não apresentarem seus constituintes químicos conhecidos (BRANDÃO et al., 2006).

    Muitas plantas medicinais, incluindo as aromáticas, têm sido consideradas como alternativa ao desenvolvimento de comunidades, pela possibilidade de geração de trabalho para pequenos produtores rurais, em toda cadeia produtiva — desde o cultivo e o preparo, até a comercialização dos produtos, algumas vezes, com valor agregado, por meio da vocação local da comunidade (LOURENZANI et al., 2004).

    As senhoras responsáveis pelo projeto Sementinha relataram suas dificuldades na elaboração dos produtos à base de plantas medicinais. Nesse sentido, a procura de uma Instituição de Ensino próxima à região do projeto possibilitou uma orientação por profissionais especializados quanto à parte técnica, local apropriado para o desenvolvimento de novos produtos e, também, análise das potencialidades comerciais desta comunidade quanto a produtos com a utilização de plantas medicinais, como por exemplo, produtos artesanais.

    Após análises das potencialidades do Projeto Sementinha, surgiu a possibilidade de criação de um modelo de empreendimento solidário, que é uma organização com as seguintes características: 

  1. Coletivas (organizações suprafamiliares, singulares e complexas, tais como associações, cooperativas, empresas autogestionárias, clubes de trocas, redes, grupos produtivos, etc.); 

  2. Seus participantes ou sócias/os são trabalhadoras/es dos meios urbano e/ou rural que exercem coletivamente a gestão das atividades, assim como a alocação dos resultados; 

  3. São organizações permanentes, incluindo os empreendimentos que estão em funcionamento e as que estão em processo de implantação, com o grupo de participantes constituído e as atividades econômicas definidas; 

  4. Podem ter ou não um registro legal, prevalecendo a existência real; 

  5. Realizam atividades econômicas que podem ser de produção de bens, prestação de serviços, de crédito (ou seja, de finanças solidárias), de comercialização e de consumo solidário (LECHAT, 2002).

    Portanto, verificou-se a possibilidade de implantação de uma unidade piloto composta por um empreendimento solidário, ou seja, uma cooperativa de moradores da comunidade para a produção e comercialização de produtos artesanais com a utilização plantas medicinais (aromáticos), tais como saches, máscaras, kits relaxantes, sais de banho, dentre outros. Estes produtos proporcionariam à comunidade, a manutenção das práticas culturais e, também, a sustentabilidade financeira. Um projeto foi elaborado e encaminhado para um órgão de fomento para viabilização financeira, o qual foi aprovado e está em fase de implantação na comunidade.

    Ações que possam alavancar melhorias em comunidades é um grande estimulador de projetos onde pessoas da própria comunidade podem ser protagonistas de mudanças e atores principais do desenvolvimento local. Entre essas ações destaca-se o potencial de contribuição das universidades para o desenvolvimento local. Neste contexto, o projeto de fitoterapia popular - Sementinha - pode ser considerado como uma ação relevante das comunidades do Parque Proletário do Grotão na busca de soluções para os cuidados primários de saúde e promoção do desenvolvimento local.

Conclusão

    No Brasil, o interesse maior pelos fitoterápicos, parte de uma grande parcela da população que não tem acesso aos medicamentos industrializados e encontram nas plantas medicinais as únicas alternativas de tratamento. Os resultados obtidos nesse estudo, com a lista das plantas mais utilizadas, bem como as técnicas de preparo, apontam que, embora a fitoterapia se encontre em fase de relativo desprestigio, em regiões de nível sócio-econômico médio e alto, sobrevive em algumas comunidades urbanas e ao mesmo tempo é fator de coesão e poder dentre as mulheres que se envolvem com os cuidados da saúde com a fitoterapia popular.

Agradecimentos

    Gostaríamos de expressar os nossos agradecimentos aos responsáveis pelo Projeto Sementinha, especialmente a Sra. Maria de Lourdes e o Sr. Hércules (Presidente da Associação de Moradores do Parque Proletário do Grotão) por facilitar o nosso acesso ao projeto e, também, às voluntárias pela dedicação para a manutenção do Sementinha.

Referências

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  • LECHAT, N.M.P. Economia social, economia solidária, terceiro setor: do que se trata? Civitas – Revista de Ciências Sociais. 2 (1): 123-140. 2002.

  • LOURENZANI, A.E.B.S.; LOURENZANI, W.L. & BATALHA, M.O. Barreiras e oportunidades na comercialização de plantas medicinais provenientes da agricultura familiar. Informações Econômicas, 34 (3): 15-25. 2004.

  • MATOS, F.J.A. Recuperação de informações, seleção e divulgação de plantas medicinais. Revista Brasileira de Farmácia, Rio de Janeiro, Jul./dez., p.50-61. 1985.

  • ______. Farmácias vivas: sistema de utilização de plantas medicinais projetadas para pequenas comunidades. 3. ed. Fortaleza: IOCE. 219p. 1998.

  • ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Perspectivas políticas de la OMS sobre medicamentos. Ginebra: Organización Mundial de la Salud. 2003.

  • SCHULTES, R.E. Ethnopharmacological conservation: a key to progress in medicine. Acta Botanica, Porto Alegre. 18 (1/2): 393-406 Suppl.. 1988.

  • SIMÕES, C.M.O.; SCHENKEL, E.P.; GOSMANN, G.; MELLO, J.C.P.; MENTZ, L.A.; PETROVICK, P.R. Farmacognosia: – da planta ao medicamento. Porto Alegre: UFRGS; Florianópolis: UFSC. 2005.

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