efdeportes.com

Os bons profissionais de Educação Física 

e Desporto e as Histórias de Vida

 

Doutorado em Ciências do Desporto

Professor no Instituto Politécnico de Viseu

Escola Superior de Educação

Antonino Manuel de Almeida Pereira

antonino.m.pereira@gmail.pt

(Portugal)

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho pretende desenvolver uma reflexão sobre várias potencialidades da técnica “Histórias de Vida”, na realização de estudos centrados na excelência profissional em Educação Física e Desporto.

          Unitermos: Excelência profissional. Histórias de vida. Profissional em Educação Física e Desporto.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 128 - Enero de 2009

1 / 1

Introdução

    Em qualquer sociedade do nosso tempo, a existência de recursos humanos de excelência constitui um factor estratégico determinante no contexto do processo de desenvolvimento. Com efeito, os recursos humanos de excelência assumem um papel preponderante e de grande utilidade para a sociedade, tendo em conta o elevado mérito do seu desempenho na resolução das mais variadas questões e na identificação de novos problemas com relevância social.

    É neste contexto que têm surgido nas últimas décadas cada vez mais obras e estudos que se têm preocupado com a excelência profissional, desencadeando-se, a partir daí, uma série de questões que têm intrigado os investigadores. Entre essas, podemos salientar aqui as relacionadas (i) com a identificação, selecção e preparação dos profissionais excelentes, (ii) com a forma como os referidos indivíduos realizam as suas tarefas e (iii) com os aspectos cruciais para um desempenho de alto nível (Sonnentag & Schmidt-Brabe, 1998)

    No sector da Educação, a nível internacional e nacional, a preocupação pela qualidade e excelência encontra-se na ordem do dia, procurando todos os sistemas educativos disporem de um corpo docente de qualidade, nos vários níveis de ensino (Delors et al., 1996; Ethier, 1989; Landsheere, 1996; UNESCO, 1998). Se é certo que não se pode estabelecer uma relação unívoca entre a qualidade dos docentes e a qualidade do processo ensino-aprendizagem e os resultados escolares, é hoje bem claro que quanta mais qualidade tiverem os professores maior será a probabilidade desses resultados serem bons (White, 1991).

    Perante tal situação, e tendo em conta que é ainda muito extenso o número de questões por esclarecer sobre a temática «os bons professores», justifica-se, plenamente, a necessidade de se prosseguir com pesquisas nesta área. Este facto motivou-nos para a realização de um estudo no âmbito do bom professor (Pereira, 2001), o qual tinha, entre outros, os seguintes objectivos gerais: i) identificar as razões, valores, atitudes, referências, preocupações que orientam, ou orientaram, a actividade de um grupo de bons docentes; ii) detectar factores ocorridos ao longo da sua vida, da sua formação, que possam ter influenciado, de algum modo, o tipo de profissionais que são hoje. A técnica de investigação utilizada foi as “Histórias de Vida” (Atkinson, 1998; Bertaux, 1997; Bourdieu, 1986; Carter & Doyle, 1996; Dominicé, 1996; Ferrarotti, 1983; Goodson, 1992; Josso, 1992; Legrand, 1992; Nóvoa, 1992; Pineau & Marie-Michèle, 1983; Plummer, 1983).

    As “Histórias de Vida”, na sua pluralidade de sentidos e práticas (Nóvoa, 1992), têm vindo a afirmar-se como uma metodologia qualitativa a ser adoptada, de uma forma crescente, na investigação educacional, principalmente nos estudos sobre o desenvolvimento profissional e a carreira dos professores (Cavaco, 1993; Gonçalves, 1990; Huberman, 1989).

    Nos últimos anos as Histórias de Vida têm sido utilizadas na área da Educação Física (Hutchinson & Buschner, 1996; Pereira, 2001; Sparkes & Templin, 1992; Sparkes, Templin & Schempp, 1993; Stroot & Williamson, 1993, entre outros), assim como no campo do Desporto (Gearing, 2003; Lewis & Ridge, 2005; Papathomas & Lavallee, 2006; Phoenix & Sparkes, 2006; Shakib, 2003; Smith & Sparkes, 2004; Smith & Sparkes, 2005, entre outros).

    No âmbito das pesquisas relacionadas com a temática da excelência da Educação Física e Desporto, as Histórias de Vida foram já utilizadas por vários autores (Jones, Armour & Potrac, 2003; Sands 2002; Valente Filho, 2006). Atendendo às suas características, permitem a obtenção de informações relativas à vida desportiva e pessoal dos profissionais de excelência, aumentando a compreensão acerca das suas influências sociais e culturais e sobre os contextos onde treinam, competem e vivem (Sands, 2002).

    Desde o início do referido estudo ficámos convencidos das virtualidades desta técnica de investigação, as quais foram reforçadas após a conclusão do mesmo, tendo em conta os dados obtidos. O presente trabalho pretende então desenvolver uma reflexão sobre várias potencialidades desta técnica na realização de estudos centrados nos «bons profissionais de Educação Física e Desporto».

1.     As Histórias de Vida e as Ciências Sociais

    Na bibliografia consultada encontrámos várias definições acerca da técnica de investigação “Histórias de Vida”. Optámos pela indicada por Atkinson (1998) o qual afirma que: “A life story is the story a person chooses to tell about the life he or she has lived, told as completely and honestly as possible, what is remembered of it, and what the teller wants others to know of it, usually as a result of a guided interview by another” (8).

    Nas “História de Vida” pede-se a um indivíduo que se conte, que descreva a sua história pessoal. Inicia-se com uma entrevista, que é gravada, sendo depois transcrita. A partir daí segue-se um conjunto de procedimentos que visam completar a narrativa, ocorrendo por fim a interpretação da mesma (Atkinson, 1998; Poirier et al., 1995). É um método de pesquisa qualitativa que permite obter informação de natureza subjectiva sobre a vida de um indivíduo.

    Vários autores (Bidarra 1996; Gonçalves, 1994; Graça, 2001; Nóvoa, 1992) referem a existência de três grandes períodos no percurso evolutivo da investigação pedagógica. As abordagens desses períodos tiveram como grande preocupação a questão da eficácia e situam-se dentro das coordenadas da investigação quantitativa.

    O primeiro período caracterizou-se pela procura das características intrínsecas do “bom professor”; o segundo procurou encontrar o “melhor método de ensino”; o terceiro, iniciado na década de 60, pode ser definido pelo facto de ter concedido grande importância à análise do ensino no contexto real da sala de aula, com base no chamado paradigma “processo-produto”. Centrando a sua atenção na acção do professor, estas investigações procuram estabelecer relações entre os comportamentos do professor (processos) e ganhos no rendimento escolar dos alunos (produtos). Este tipo de investigação reduzia a profissão docente a um conjunto de competências e capacidades, destacando, essencialmente, a dimensão técnica da acção pedagógica.

    A crise de identidade dos professores que se tem verificado nas últimas décadas não é alheia a esta posição que tem vindo a incutir uma separação entre o “eu” pessoal e o “eu” profissional. Efectivamente, os professores têm passado por momentos complicados nas últimas décadas devido a uma grande variedade de factores, destacando-se aqui a redução das suas competências técnicas e profissionais e o esvaziamento da dimensão pessoal da sua profissão.

    Os estudos de Bal & Goodson (1989) e de Woods (1991) definem este processo da seguinte forma: anos 60, período onde os professores foram “ignorados”, parecendo não terem existência própria enquanto aspecto determinante na dinâmica educativa; anos 70, fase em que os professores foram “esmagados” sendo acusados de contribuírem para as desigualdades sociais; anos 80, década de proliferação de mecanismos de controlo dos professores bem como o desenvolvimento de práticas institucionais de avaliação.

    A publicação da obra de Ada Abraham, “L´enseignant est une personne” (1984), contribuiu para uma viragem na literatura pedagógica. A partir daí surgiram obras e estudos sobre a vida dos professores, as carreiras e os percursos profissionais, as biografias, e autobiografias docentes ou o desenvolvimento pessoal dos professores. Este tipo de obras veio colocar os professores no centro das investigações educacionais (Nóvoa, 1993). Progressivamente, para além das práticas de ensino, tem-se vindo a dar, pois, atenção à vida e à pessoa do professor.

    As Ciências da Educação não se alhearam ao movimento de insatisfação das Ciências Sociais em relação ao tipo de saber produzido e da necessidade de uma renovação dos modos de conhecimento científico. Isto, porque, se vivia uma mutação cultural que, pouco a pouco, fez reaparecer os sujeitos face às estruturas e aos sistemas, a qualidade face à quantidade (Nóvoa, 1992). Por outro lado, pretende-se uma investigação que não seja serva mas sim criativa, caso contrário corre-se riscos de não ser uma real investigação (Carvalho, 1997).

    Perante tal situação os métodos biográficos, a autoformação e as biografias educativas assumem, desde o final dos anos 70, uma importância crescente no universo educacional. O movimento nasceu no universo pedagógico de forma a produzir outro tipo de conhecimento, mais próximo das realidades educativas e do quotidiano dos professores tendo em conta sociedade envolvente.

    Segundo Lyotard (1989) a sociedade vive numa era pós-industrial e uma cultura numa era dita de pós-moderna. A pós-modernidade alarga sobretudo o mundo das possibilidades de se olhar para a existência humana individual e colectiva.

    Os indivíduos numa era pós-moderna necessitam de formular visões epistémicas do mundo, e como tal, de um ponto de vista educativo, a pós-modernidade salienta a necessidade de atenção à educação das nossas mentes para poderem ligar de forma criativa com o mundo das possibilidades (Fereira-Alves & Gonçalves, 2001).

    Este mundo das possibilidades não é evidentemente aquele que as operações formais permitem, que são sempre possibilidades a explorar num certo sistema fechado e pré-definido e para o qual as operações hipotético-dedutivas bastam.

    O mundo das possibilidades pós-modernas engloba sempre opções sistémicas e poderá ainda ser visto como ligado intrinsecamente à esfera da experiência pessoal, onde se espera dos indivíduos que lidem com frequência com a contradição, a aceitem e com ela lidem de forma criativa. Por isso mesmo, a pós-modernidade exige o exercício cognitivo de operações pós-formais, dialécticas ou narrativas (Fereira-Alves & Gonçalves, 2001).

    Para Lyotard (1989), o conhecimento científico está oposto ao conhecimento narrativo, precisamente porque este traduz a acção discursiva actual dos indivíduos, reflectindo igualmente a sua experiência. O conhecimento narrativo é um conhecimento que surge no contexto da experiência do indivíduo, tornando este e o seu saber numa unidade, isto é, um conjunto que não pode ser compreendido observando ou analisando as partes de um forma isolada.

    O saber narrativo está ligado à convivialidade. O conhecimento científico é algo que pode ser usado como troca social impessoal, não podendo assim ser compreendido por regras de convivialidade. O saber vai para além de enunciados denotativos contendo em si próprio “as ideias do saber fazer, do saber conviver, do saber escutar, etc.” (Lyotard, 1989: 47), e portanto para além de se referir a enunciados denotativos, que são típicos da ciência, refere-se também a enunciados avaliativos, prescritivos, etc.

2.     As potencialidades das Histórias de Vida

    A necessidade de renovação metodológica (Ferrarotti, 1983) e a crítica aos dois axiomas fundamentais que caracterizam a epistemologia sociológica, a objectividade e a intencionalidade nomotética - preocupação na formulação de leis universais (Araújo, 1990) - vieram contribuir para a valorização de uma metodologia alternativa, as “Histórias de Vida”.

    Passaremos de seguida a apresentar várias das potencialidades da técnica «Histórias de Vida» no estudo da temática centrada nos «bons profissionais de Educação Física e Desporto», tendo em conta o referido estudo efectuado (Pereira, 2001).

    Assim, esta técnica de investigação possibilitou:

a.     O estudo de «bons professores» de uma forma diferente, até porque na pesquisa bibliográfica efectuada tivemos oportunidade de verificar que nenhum dos estudos efectuados sobre esta temática tinha utilizado as “Histórias de Vida” como técnica de investigação.

    A excelência do professor é um fenómeno multidimensional (Housner & French, 1994; O’Sullivan & Doutis, 1994); como tal não pode ser limitado a uma única perspectiva (Dodds, 1994). Um desempenho excelente tem a ver com uma série de disposições, atitudes, crenças, conhecimentos, comportamentos e práticas que se inserem na forma como o profissional vê o mundo e a sua profissão. Sendo assim, o seu estudo, para que possa ser o mais abrangente possível, deve contemplar várias dimensões (pedagógicas, socais, psicológicas, morais e políticas) e utilizar diversos paradigmas e metodologias de investigação científica;

b.     O conhecimento de contextos familiares, físicos, educacionais, culturais, políticos e sociais de vários períodos de vida como a infância, a adolescência, o estado adulto e a reforma, se for o caso.

    A História de Vida de um bom professor é normalmente rica, singular e reflecte a interdependência dos múltiplos contextos em que evoluiu. Ao ter em atenção esses contextos, foi possível saber como é que esses factores marcaram as histórias de vida dos indivíduos estudados e verificar as condições em que se desenvolveu um determinado tipo consciência, seja ela profissional, social ou política;

c.     A concessão de uma grande atenção à formação, permitindo ir mais longe na investigação e na compreensão dos processos de formação que intervieram ao longo das vidas dos indivíduos.

    A aprendizagem da profissão docente não se inicia com a frequência de um curso de formação inicial, nem finaliza com a obtenção do seu diploma. Desenvolve-se ao longo de toda a vida do professor. É algo que se constitui como um continuun que começa muito antes da formação inicial e que permanece em aberto até ao dia em que o professor escreve o seu último sumário (Carreiro da Costa, 1994).

    Os conhecimentos que resultam desta actividade diária de muitos anos não são geralmente transmitidos. Efectivamente, o professor, na maior parte das vezes, não transmite a sua experiência pedagógica, o que significa que as suas melhores actuações e criações profissionais ficam assim perdidas para os seus actuais e futuros colegas.

    Nesse sentido, é necessário reunir e interpretar o conhecimento prático dos professores, fundando nestes bases sólidas de reflexão pedagógica (Sarmento et al., 1990).

    As “Histórias de Vida” permitem também que cada pessoa identifique na sua própria história de vida aquilo que foi realmente formador (Ferrarotti, 1983; Josso, 1992), desempenhando assim um papel fundamental como instrumento de formação/autoformação (Carreiro da Costa, 1994; Sarmento et al., 1990). Permitem levar o professor a reflectir sobre o seu processo de formação e a tomar consciência das estratégias, dos passos, dos momentos fulcrais ao longo da sua vida, a esse nível.

    Por outro lado, exige-se, actualmente, aos professores uma lista infindável de tarefas, de aptidões, de atitudes e comportamentos, encontrando-se em aumento crescente o seu nível de exigência.

    A formação, o conhecimento, a competência e as capacidades pessoais serão cada vez mais os recursos para enfrentar os desafios profissionais, já que vivemos num tempo em se verifica a supremacia do conhecimento (Bento, 1998). O sentimento de independência intelectual é fundamental para o desempenho correcto das funções docentes (Russel, 2000).

    Nesse sentido era extremamente importante saber qual o relevo que os bons docentes deram e dão à sua formação. “É que os conhecimentos desempenham um papel instrumental; a um dado nível de saber corresponde um nível de compreensão da vida e dos seus problemas e da capacidade de os enfrentar"(Bento, 2000);

d.     A identificação de momentos, acontecimentos ou períodos históricos ou significativos na vida de cada um, quer no âmbito profissional quer no pessoal.

    As opções que cada professor tem que fazer, cruza a sua maneira de ser com a sua forma de ensinar, e desvenda no seu modo de ensinar a sua maneira de ser (Nóvoa, 1993). Efectivamente, “é impossível separar o eu profissional do eu pessoal” (Nóvoa, 1992:17).

    Este foi um aspecto que pareceu determinante até porque é notório que desempenhos profissionais de alta qualidade surgem ao fim de alguns anos de actividade. Assim sendo foi importante saber que acontecimentos, situações ou experiências, tenham ocorrido e concorrido para desempenhos de grande relevância;

e.     O conhecimento de aspectos relacionadas com a vida interior e espiritual, como valores, crenças e ideais.

    Segundo afirma Morin “Não podemos passar sem ideias mestras, sem ideias-forças” (2003: 270), como tal, foi importante saber quais os tipos de princípios (profissionais, éticos, morais, filosóficos ou religiosos, etc.) que norteavam a intervenção profissional dos docentes estudados.

    Este é um aspecto que nos parece ser importante até porque o respeito pelo pluralismo levou muitos professores a pensar que não há valores que valha a pena seguir. Na profissão docente tem-se discutido, ultimamente, muito sobre questões científicas e intelectuais, as quais são extremamente interessantes, sem dúvida, mas que muitas vezes conseguem turvar muitas outras coisas essenciais. O que levou a que, muitas vezes, se tenha vindo a desfocar, a desvalorizar os valores básicos da vida, da educação e da profissão.

    Por outro lado, a pós-modernidade parece ter introduzido a possibilidade de a ciência se ocupar também sobre questões morais e de valores, clarificando os seus suportes e as suas consequências para o ser humano (Fereira-Alves & Gonçalves, 2001);

f.     Oportunidades de reflexão sobre o passado e o presente das suas vidas pessoais e profissionais.

    Morin (1999) afirma que se verifica sempre um jogo retroactivo entre o passado e o presente, em que não só o passado contribui para o conhecimento do presente, mas também em que as experiências do presente contribuem para o conhecimento do passado.

    Dessa forma foi possível obter visões muito próprias, e muitas vezes diferentes, sobre o universo, a sociedade e a profissão. Dados que poderão ser de grande utilidade para formação inicial e contínua, dos actuais e futuros profissionais, com vista à implementação e ao fomento de desempenhos de elevada qualidade.

    Por outro lado, a forma como os docentes planeiam, concretizam e avaliam determinadas práticas, ou abordam e resolvem determinadas questões e as estratégias por eles utilizadas podem constituir-se como orientações a ser seguidas por outros profissionais.

    Aspecto também importante é que a escola não reconhece como devia a excelência (Fiolhais, 2002). Vale tanto um bom professor como um outro que se limita cumprir o ponto, debitando monotonamente as matérias. Assim sendo, entendemos que seria importante obter informações que nos permitissem saber até que ponto a sociedade, as escolas e demais instituições relacionadas com a profissão docente, criaram e/ou criam condições e incentivos para que os bons professores possam ter bons desempenhos e uma intervenção social, cultural, profissional relevante. Caso essas condições favoráveis não se verifiquem é importante saber de que forma esses professores conseguem ultrapassar as múltiplas adversidades e continuam a desenvolver intervenções de alta qualidade;

g.     O desenvolvimento de reflexões prospectivas relacionadas com o seu futuro pessoal, profissional e da profissão.

    Segundo Morin (1999), “o futuro será um cocktail desconhecido entre o previsível e o imprevisível” (235). Assim, não basta pensar correctamente o presente para ser capaz de prever o futuro. Este antes de chegar está presente, ao mesmo tempo não está ainda presente. Porém, sabemos que o estado do mundo presente contém em potência os estados do mundo futuro.

    É nessa perspectiva que é importante ouvir a opinião dos bons professores sobre determinados problemas já que muito se poderá aprender com personalidades experientes e sábias. Ouvir pessoas cuja prudência e sabedoria nos facultem a visão de quem já não precisa de dar provas, de quem já cumpriu, pode ajudar-nos a compreender melhor o passado e traçar novos rumos de futuro. Dessa forma será possível, em algumas situações, saber antecipadamente o que vai suceder, quando e porquê, e consequentemente actuar previamente e de uma forma adequada.

Conclusões

    Com esta reflexão tentámos de enumerar algumas potencialidades da utilização das “Histórias de Vida”, como metodologia científica autónoma, no estudo dos bons professores. Esta, já utilizada em áreas como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia e as Ciências da Educação, ao fazer uma “aposta científica em aspectos escandalosos, como a subjectividade, a historicidade e a singularidade” (Ferrarotti, 1988), poderá acrescentar algo ao conhecimento científico e desafiar a segurança frágil e abusiva de muitas generalizações teóricas.

    Do ponto de vista epistemológico, efectua uma crítica, ao defender a mediação da história individual à história social (Ferrarotti, 1983; Ferrarotti, 1988). Isto porque cada indivíduo totaliza a sociedade pela mediação do seu contexto social directo, pelos grupos socais de que faz parte, pois estes grupos são por sua vez agentes sociais activos que totalizam o seu contexto. De igual modo, a sociedade totaliza o indivíduo específico por intermédio das instituições mediadoras que a focalizam cada vez mais para o indivíduo em questão.

    O conhecimento do homem deve contemplar, pois, uma parte introspectiva. Se, tal como afirma Montaigne, “cada indivíduo carrega em si a forma inteira da condição humana”, então deverão ser desenvolvidos estudos que permitam extrair do homem verdades de valor universalmente humano (Morin, 2003).

Bibliografia

  • ABRAHAM, A. (1984). L´enseignant est une personne. Paris: ESF.

  • ARAÚJO, H. C. (1990). Procurando as lutas escondidas através das histórias de vida. Revista Cadernos de Consulta Psicológica. Vol. 6, Lisboa.

  • ATKINSON, R. (1998). The life story interview. Qualitative Research Methods, Vol. 44. Thousand Oaks: Sage.

  • BAL, S. & GOODSON, I. (eds.) (1989). Teachers´lives and careers (2nd. ed.). London: The Palmer Press.

  • BENTO, J. (1998). Desporto e humanismo. O campo do possível. Rio de Janeiro: Ed. UERJ.

  • BENTO, J. (2000). De derrota em derrota. Jornal A Bola. Lisboa, 29 de Janeiro.

  • BERTAUX, D. (1997). Les récits de vie. Paris: Éditions Nathan.

  • BIDARRA, M. G. (1996). Orientações paradigmáticas na investigação sobre o ensino e formação de professores. Revista Portuguesa de Pedagogia, Ano XXX, nº3, pp. 133-163.

  • BOURDIEU, P. (1986). L´illusion biographique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº 62/63, Juin, 1986, pp.69-72.

  • CARREIRO DA COSTA, F. (1994). Formação de professores: objectivos, conteúdos e estratégias. Revista Colóquio, Educação e Sociedade, nº6, Lisboa, Julho, pp.101-134.

  • CARTER, K. & DOYLE, W. (1996). Personal narrative and life history in learning to teach. In John Sikula, Handbook of Research on Teacher Education (2nd ed.). (pp. 120-139). New York: Simon & Schuster Macmilan.

  • DELORS, J. et al. (1996). Educação. Um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da comissão internacional sobre educação para o século XXI. Porto: Edições Asa.

  • DODDS, P. (1994). Cognitive and behavioural components of expertise in teaching Physical Education. Quest, Vol. 46, nº2, pp.153-163.

  • DOMINICÉ, P. (1996). L´histoire de vie comme processus de formation. Paris: Édition L´Harmattan.

  • ETHIER, G. (1989). La gestion de l´excellence en éducation. Quebéc: Press de L´Université du Québec.

  • FERRAROTTI, F. (1983). Histoire et histoires de vie. Le méthode biographique dans les sciences sociales. Paris: Livraire des Méridiens.

  • FERRAROTTI, F. (1988). Sobre a autonomia do método biográfico. In A. Nóvoa & M. Finger (org.), O método (auto)biográfico e a formação (pp.17-34). Lisboa: Ministério da Saúde.

  • Ferreira-Alves, J. & Gonçalves, O. (2001). Educação narrativa do professor. Coimbra: Quarteto Editora.

  • Fiolhais, C. (2002). A coisa mais preciosa que temos. Lisboa: Gradiva.

  • Gearing, B. (2003). Narratives of identity among former professional footballers in the United Kingdom. Journal of Aging Studies, Spring, Vol. 13 Issue 1, p.43.

  • GONÇALVES, C. (1994). Avaliação do processo de ensino‑aprendizagem. Boletim SPEF, nº 10/11, Lisboa, Verão/Outono, pp.111-134.

  • GONÇALVES, J. (1990). A carreira dos professores do ensino básico. Contributo para a sua caracterização. Tese de Mestrado não publicada, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

  • GOODSON, I. (1992). Studying teachers´ lives: an emergent field of inquiry. In Ivor Goodson (ed.), Studying Teacher´s Lives (pp. 1-17). London: Routledge, 1992.

  • GRAÇA, A. (2001). Breve roteiro da investigação empírica na Pedagogia do Desporto: a investigação sobre o ensino da Educação Física. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, Vol.1, nº1, Janeiro, pp.104-113.

  • HOUSNER, L. & FRENCH, K. (1994). Future directions for research on expertise in learning, performance, and instruction in sport and physical activity. Quest, Vol. 46, nº2, May, pp. 241-246.

  • HUBERMAN, M. (1989). La vie des enseignants. Evolution et bilan d´une profession. Paris: Delachaux & Niestlé.

  • Hutchinson, G. & Buschner, C. (1996). Delayed-entry undergraduates in Physical Education teacher education: Examining life experiences and career choice. Journal of Teaching in Physical Education, v.15, nº 2, pp. 205-223.

  • Jones, R.; Armour, K. & Potrac, P. (2003). Constructing expert knowledge: a case study of a top-level professional soccer coach. Sport, Education and Society, Volume 8, Issue 2, October, pp. 213-229.

  • JOSSO, C. (1992). L´histoire de vie et l´approche biographique au service d´une nouvelle citoyenneté. Revue de L´ASOSP, nº3/4, Zurich, pp.11-14.

  • LANDSHEERE, G. (1996). O novo papel dos professores face às mudanças sociais e económicas e os consequentes desafios a empreender pelos sistemas educativos. In J.Garrido; R.Carneiro; S.Fowell, F.Chung & G. de Landsheere, A Educação do Futuro. O Futuro da Educação (pp. 85-96). Porto: Edições Asa.

  • LEGRAND, M. (1992). L´approche biographique: théorie, méthode, pratiques. Análise Psicológica, Vol. X, nº 4, Lisboa, pp. 499-514.

  • Lewis, B. & Ridge, D. (2005). Mothers reframing physical activity: family oriented politicism, transgression and contested expertise in Australia. Social Science & Medicine, Volume 60, Issue 10, May, pp. 2295-2306.

  • LYOTARD, Jean-François (1989). A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva.

  • Malpique, M. (2002). Histórias de vida. Porto: Campo das Letras, Editores S.A.

  • Morin, E. (1999). As grandes questões do nosso tempo (6 ed.). Lisboa: Editorial Noticias.

  • Morin, E. (2003). O método V. A humanidade da humanidade. A identidade humana. Mem Marins: Publicações Europa América.

  • NÓVOA, A. (1992). Os professores e as histórias de vida. In A. Nóvoa (org.), Vidas de Professores (pp.11-30). Porto: Porto Editora Lda.

  • NÓVOA, A. (1993). Ser professor. Dilemas, contradições, desafios. Revista Correio Pedagógico. Lisboa, Março.

  • O´SULLIVAN, M. & DOUTIS, P. (1994). Research on expertise: guideposts for expertise and teacher education in Physical Education. Quest, Vol. 46, nº2, pp.176-185.

  • Papathomas, A. & Lavallee, D. (2006). A life history analysis of a male athlete with an eating disorder. Journal of Loss and Trauma, 11:2, pp. 143-179.

  • PEREIRA, A. (2001). A excelência profissional em Educação Física e Desporto em Portugal. Perfil a partir de sete histórias de vida. Tese de Doutoramento não publicada. Universidade do Porto, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física.

  • Phoenix, C. & Sparkes, A. (2006). Young athletic bodies and narrative maps of aging. Journal of Aging Studies, Volume 20, Issue 2, April, p. 107-121.

  • PINEAU, G. & MARIE-MICHÈLE. (1983). Produzire sa vie, autoformation et autobiographie. Québec: Éditions Albert Saint-Martin.

  • PLUMMER, K. (1983). Documents of life. London: Unwin Hyman Dtd.

  • POIRIER, J.; CLAPIER-VALLADON, S. & RAYBAUT, P. (1995). Histórias de vida. Teoria e prática. Oeiras: Celta Editora.

  • RUSSEL, B. (2000). As funções de um professor. In H. Arendt; E. Weil; B. Russel; Ortega y Gasset, Quatro Textos Excêntricos (pp. 71-85). Lisboa: Relógio D´Água Editores.

  • Sands, R. (2002). Sport ethnography. Champaign, IL: Human Kinetics.

  • SARMENTO, P.; ROSADO, A.; RODRIGUES, J.; VEIGA, A.; FERREIRA, V. (1990). Pedagogia do Desporto II. Instrumentos de observação sistemática da Educação Física e Desporto - Elementos de apoio. Lisboa: F.M.H.

  • Shakib, S. (2003). Female Basketball participation. Negotiating the conflation of peer status and gender status from childhood through puberty. American Behavioral Scientist, Vol. 46, Nº. 10, June, p.1405-1422.

  • Smith, B. & Sparkes, A. (2004). Men, sport, and spinal cord injury: an analysis of metaphors and narrative types. Disability & Society, Vol. 19, nº 6, October, pp. 613-626.

  • Smith, B. & Sparkes, A. (2005). Men, sport, spinal cord injury, and narratives of hope. Social Science & Medicine, Volume 61, Issue 5, September, pp. 1095-1105.

  • SONNENTAG, S. & SCHMIDT-BRABE, U. (1998). Expertise at work: research perspectives and practical interventions for ensuring excellent performance at the workplace. European Journal of Work and Organizational Psychology, Vol. 4, nº 7, pp. 449-454.

  • Sparkes, A & Templim, T. (1992). Life histories and Physical Education teachers: exploring the meanings of marginality. In: Sparkes, A. (Ed.), Research in Physical Education and Sport: Exploring alternative visions. London: The Palmer Press.

  • Sparkes, A.; Templim, T. & Schempp, P. (1993). Exploring dimensions of marginality: reflecting on the life histories of physical teachers. In: Stroot, S. (Ed.), Socialisation into Physical Education - Journal of Teaching in Physical Education, vol.12, nº4, July, pp. 386-398.

  • Stroot, S. & Williamson, K. (1993). Issues and themes of socialization into Physical Education. In: Stroot, S. (Ed.), Socialization into Physical Education - Journal of Teaching in Physical Education, vol.12, nº4, July, pp. 337-343.

  • UNESCO (1998). Professores e ensino num mundo em mudança. Relatório mundial de Educação 1998. Porto: Edições Asa.

  • Valente Filho, J. (2006). Mário Jorge Lobo Zagallo:  entre o sagrado e o profano:  uma história de vida. Tese de Doutoramento não publicada. Universidade do Porto, Faculdade de Desporto.

  • WHITE, W. (1991). Search for the excellent teacher and the emergence of the master teacher. Journal of Instructional Psychology, Vol.18, nº 2, pp. 93-102.

  • WOODS, P. (1990). Teacher skills and strategies. London: The Palmer Press.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 13 · N° 128 | Buenos Aires, Enero de 2009  
© 1997-2009 Derechos reservados