O jogo como fio condutor para compreender o compreender | |||
*Doutor em Filosofia – PUC, RS Prof. e Vice-Diretor do Centro de Ciências Humanas e Jurídicas **Mestre em Ciência do Movimento Humano – UFSM Professor e Coordenador do Curso de Educação Física Centro Universitário UNIVATES, RS |
Rogério José Schuck* Derli Juliano Neuenfeldt** (Brasil) |
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Resumo O conceito de jogo, enquanto fio condutor da explicação ontológica é, em Gadamer, radicalmente uma oposição ao significado subjetivo sustentado, sobretudo, por Kant e Schiller. Nesse sentido, devemos "libertar" esse conceito dos pré-conceitos que o submetem à subjetividade para descobrir-lhe o potencial intrínseco enquanto acontecimento. Ainda que a razão não ocupe mais o lugar único, contudo, ela não é "despedida". O conceito de jogo nos ajudará a compreender melhor a subjetividade não mais como instância determinadora em relação à compreensão. Ao tomarmos o jogo como modelo estrutural para a explicação da compreensão, abrindo espaço para compreendermos o processo ontológico enquanto situação insuperável por parte de quem se lança a compreender. A arte da boa compreensão estaria, pois, em entrar corretamente na circularidade da compreensão e não cair em tautologias. O jogo, nesse sentido, nos ajuda a compreendermos os caminhos da compreensão. Unitermos: Jogo. Hermenêutica. Compreensão. Tautologia. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 128 - Enero de 2009 |
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1. Origem do jogo
O jogo tem origem em tempos muito remotos, quando ainda não havia condições para a configuração que atualmente assume. Buscamos na obra Homo Ludens o fundamento de nossa discussão. O autor, Huizinga (2004) toma o jogo como elemento da cultura enquanto fato mais antigo, inclusive do que a própria cultura. A reflexão em torno do jogo nos leva a perceber que a ludicidade é inerente a toda a cultura, de modo que devemos compreendê-la muito além de um mero reflexo psicológico ou um fenômeno de expressão física.
Este ponto de partida nos leva à elaboração da correlação do jogo infantil e animal com os "jogos sagrados" do culto. O jogo nasce na área do culto que, por sua vez, acontece num espaço onde se reconhece de antemão uma autoridade superior, por parte daqueles que praticam o culto. Para Huizinga (2004, p.7), é no mito e no culto que se originam as grandes forças instintivas da civilização humana, a saber, "o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia, a sabedoria e a ciência. Todas elas têm suas raízes no solo primitivo do jogo".
O mito traz essa possibilidade ao homem primitivo, ao conseguir trazer ao cenário certa compreensão do mundo dos fenômenos, dando-lhes um fundamento divino. Por isso, “em todas as caprichosas invenções da mitologia, há um espírito fantasista que joga no extremo limite entre a brincadeira e a seriedade” (Huizinga, 2004, p. 7). Desse modo, o jogo torna-se espaço que remete à idéia de imagens que levam a uma idéia de imaginação da realidade sem ser dentro do espaço efetivo do quotidiano.
Os sacrifícios, ritos sagrados, consagrações e mistérios das sociedades primitivas são destinados a assegurar a tranqüilidade do mundo, dentro de um espírito de puro jogo. Isso pode ser visto, por exemplo, nos desenhos feitos ao fundo das cavernas, cuja finalidade, ao que tudo indica, se ligava a uma tentativa de iniciar um ritual de caça, abrindo um espaço próprio para se experimentar o acesso a um início do jogo. A experiência que ali se dava, ultrapassando o conhecimento racional e qualquer tentativa de antecipar o sucesso ou o fracasso do caçador em relação à caça, ao mesmo tempo em que fascina, também assusta.
É justamente essa situação que aponta na direção de ser uma tentativa de se colocar para além de si mesmo, que possibilita entrar na mística do fascínio que o jogo exerce sobre aqueles que se dispõem a jogá-lo. A experiência originária é a de, juntamente com os parceiros que se encontram numa situação de jogo, assumir o risco de ter suas expectativas confirmadas ou não, sem, no entanto, ser possível antecipar coisa alguma. Eis o fascínio e simultaneamente o experimentar a si mesmo diante de uma situação de risco “incalculável”.
Nesse sentido, Gadamer (1996), em referindo-se a Huizinga, argumenta que isso o levou a reconhecer na consciência lúdica essa peculiar falta de decisão produzida por tal espaço, que torna praticamente impossível distinguir nela o crer do não crer. Conforme o descreve Huizinga (2004), “em nossa concepção do jogo desaparece a distinção entre a 'crença' e o 'faz de conta’” (p. 29 - 30).
Podemos ampliar a discussão, se tomarmos, por exemplo, o que acontece no culto, o qual, consegue reunir uma comunidade que participa da representação. Isso não tem a ver com qualquer exigência de saber as distinções conceituais tais como identidade, imagem ou o símbolo. Segundo Gadamer (1996, p. 152) "a representação do culto e teatral não representa desde logo no mesmo sentido que aquele que representa uma criança a jogar. Não se esgota no fato de que representam, mas que apontam mais além de si mesmas, àqueles que participam como espectadores".
Nesse sentido, podemos afirmar que não é o representante que determina o envolvimento da comunidade em torno de "algo" representado. Ele próprio segue determinadas regras, bem como poderíamos dizer que, no caso do culto, há um "jeito próprio" de ser conduzido, a fim de cumprir com seu papel frente à representação. Portanto, o representante não retém em mãos o domínio sobre esse "algo". "Algo acontece" no culto, assim como nos jogos esportivos, que foge à possibilidade de dominação subjetiva por parte de quem representa, mesmo que ocupando o papel principal.
Um exemplo do que estamos discutindo pode ser percebido em determinados ritos que acontecem no culto, como é o caso de uma encenação da Paixão e Morte de Jesus Cristo. O espectador, que acompanha a cena, não enxerga mais a pessoa que está representando, mesmo que a conheça pessoalmente, ainda que seja alguém que lhe é muito próximo. Entretanto, o objetivo da encenação não visa em primeiro lugar aos espectadores, mas a si mesma enquanto manifestação e aproximação, no caso do culto, do mistério da fé. O espectador se encontra envolvido de tal maneira, que é capaz de experienciar um conjunto de sentido próprio daquele evento. Há, portanto, uma apropriação deste horizonte que se manifesta, onde a situação exige justamente o “deixar-se levar”.
Não se trata de ignorar elementos prévios que orientam o expectador, mas sim de conduzi-lo a um espaço onde ele experimenta a si próprio no extremo limite da fantasia e da seriedade, do faz-de-conta e de uma realidade que lhe fascina e emudece. Nesse sentido podemos dizer como que desaparece o jogador (ator), sendo que há, sobretudo, uma gradativa anulação da diferença entre os envolvidos, ator e espectador. O foco central vai se firmando em torno da "encenação mesma", ela como que assume uma autoprodutividade, vai se desenrolando em seu espaço, na medida em que os envolvidos permitem entregar-se ao espaço aberto com a encenação como tal. O conteúdo de sentido é igual, tanto para os atores quanto para os espectadores, sendo que estes possuem uma primazia metodológica frente aos atores. No entanto, isso não impossibilita que ambos se tornem igualmente participantes no efetuar-se da encenação.
Percebemos que a experiência do espectador, na verdade, é uma forma de participação no próprio jogo. Em outras palavras, a encenação proporciona uma experiência maior, na medida em que o espectador "mergulha" nela, entregando-se completamente ao movimento do jogo. Logo, percebemos que se cria um espaço próprio, pois já não é mais o dia-a-dia que está ali, haja vista o fato de haver uma separação espacial em relação aos acontecimentos do quotidiano. Abre-se, assim, um espaço que, naquele momento, em si mesmo manifesta um conjunto de sentido. A esse respeito, Huizinga é preciso, ao afirmar: “É-lhe reservado, quer material ou idealmente, um espaço fechado, isolado do ambiente quotidiano, e é dentro desse espaço que o jogo se processa e que suas regras têm validade”. (Ibidem, p. 23).
Isso também pode ser claramente percebido nas procissões, que exigem, por assim dizer, a presença do espectador dentro dum espaço próprio. Não há procissão sem espectador, de modo que não há também um modelo de procissão capaz de ser tomado como o mais cúltico. Talvez nisso repouse também a necessidade de haver uma inculturação, vindo a surgir inúmeros tipos de procissões, cada qual com características próprias. Olhando a história do Brasil, uma pista disso pode ser encontrada, por exemplo, junto às Procissões em Honra de Nossa Senhora, ou então, nos Cultos Afro-brasileiros. Quem participa da procissão ou culto, está sendo absorvido pelo conjunto do espetáculo, sendo que mesmo havendo uma espécie de fio-condutor, não há um modelo por excelência a ser seguido, assim como também suas regras têm validade reconhecida dentro de tal espaço.
Há uma manifestação de um conjunto de sentido, o que, em linguagem cristã, poderia ser traduzido como "comunhão", no sentido de estar em "comum união", numa sintonia tão profunda com relação ao acontecimento, que é possível falar em "participar do uno". O espectador "realiza o que o jogo é como tal", a saber, para "ele, e não o jogador (ator) é a quem e em quem se desenrola o jogo" como tal (Cf. Gadamer, Ibidem, p. 153) . Isso tudo, porque há um sentido do conjunto do espetáculo a ser absorvido, não significando que o jogador (ator) esteja impossibilitado de experimentá-lo; porém, o espectador possui uma primazia metodológica em relação ao espetáculo que está se desenrolando. Conforme Gadamer, "enquanto o jogo é para ele, é claro que o jogo possui um conteúdo de sentido que tem que ser compreendido e, portanto, pode separar-se da conduta dos jogadores". (Ibid., p.154). Porém, o sentido não está submisso a uma base racional. O culto, assim como o jogo, remonta a uma origem "pré-racional".
Tanto o jogo quanto o culto mantêm sua autonomia frente à subjetividade. Quem quer dominá-los, acaba como que sendo excluído do acesso ao espaço onde eles se efetuam. Quem assume o risco e se entregar, através da experiência de se deixar levar, torna-se participante. Percebemos que o jogo, assim como o culto, não se efetua sem o participante, porém, em momento algum, pode-se atribuir a existência do jogo ao jogador. Ele simplesmente joga, permitindo que o jogo se desenrole em si mesmo, ou seja, em seu ser jogado.
O jogo como tal é imprevisível. Todos com certeza temos alguma experiência do que acontece, por exemplo, quando numa partida de futebol alguém busca dominar individualmente o jogo. Surge uma situação em que esse alguém quer ser a "estrela" a brilhar para os espectadores. Tal situação leva à perda do conjunto e, conseqüentemente, do “espírito de equipe” e, com isso, todos os membros da equipe "ficam ameaçados de perder seu peculiar caráter lúdico como competição, justamente ao se transformarem numa competição de espetáculo". (Ibid., p. 152). A conseqüência óbvia não poderia ser outra, a saber, a desmotivação, que traz um efeito mais prejudicial ao conjunto dos jogadores do que o eventual sucesso em uma ou outra jogada individual. Não significa que o jogador deva deixar totalmente de lado a jogada individual, porém que a arte da boa jogada está justamente na autopercepção por parte do jogador (ator) em não perder de vista o conjunto, a equipe, e, eventualmente aproveitar da melhor maneira as oportunidades que o jogo oferece. Desse modo, a jogada individual, dentro de um contexto oferecido pelo jogo, é importante, porém, não é ela o fator determinante.
O problema do “espírito individualista” é que predominam, nesse caso, tentativas individuais, perdendo-se a perspectiva de conjunto. Nessa situação aqueles jogadores, que assim jogam, estão preocupados em convencer o espectador de que são "estrelas" capazes de, individualmente, proporcionar-lhes o espetáculo, dominando o jogo. É bem verdade que pode haver verdadeiros craques em campo, ninguém o nega. Porém, infelizmente, o que acontece é que, quando os jogadores buscam determinar o jogo à base de suas habilidades individuais, perdem a perspectiva do próprio jogo. No caso do futebol, esta melhor se efetiva, quanto melhor o conjunto da equipe conseguir um “espírito de conjunto”.
Gadamer faz questão de deixar claro que, para que o jogo aconteça, "é importante que se coloque no próprio jogo uma seriedade, até mesmo sagrada". (Ibid., p.144). Isso porque o jogo tem que ser jogado. Só no seu ser jogado ele existe. Ele precisa de um espaço próprio. "Aquele que joga sabe, ele mesmo, que o jogo é somente jogo, e que se encontra num mundo que é determinado pela seriedade dos objetivos". (Ibid., p. 144) . O jogo se efetua ao ser jogado, seguindo as próprias regras do jogo, exigindo uma postura condizente por parte do jogador, conforme veremos a seguir.
2. Características estruturais do jogo
Há no jogo regras específicas que exigem respeito a elas, por parte dos jogadores. Os jogadores se expõem ao risco de chegar a algum resultado ou não, isto é, é-lhes impossibilitado prever o resultado. "Não é a relação que, a partir do jogo, de dentro para fora, aponta para a seriedade, mas é apenas a seriedade que há no jogo que permite que o jogo seja inteiramente um jogo". (Ibid., p. 144) .
A predisposição é uma dos pressupostos por parte de quem vai entrar no jogo, assim como o conhecimento de suas regras, conforme veremos adiante, sem, no entanto, haver a possibilidade de prever qualquer resultado enquanto ele está se efetivando. Daí a necessidade de chegar a uma perspectiva interna a ele e abandonar-se totalmente em tal espaço, assumindo como condição o risco de obter o resultado desejado ou não. "O atrativo que o jogo exerce sobre o jogador reside exatamente nesse risco. Usufruímos com isso de uma liberdade de decisão que, ao mesmo tempo, está correndo um risco e está sendo inapelavelmente restringida" (Ibid., p. 149) .
O jogo possui uma "essência própria", independente da consciência daqueles que jogam. O horizonte temático não pode ser limitado, nem dominado pela subjetividade. O que lhe é possibilitado é decidir sobre este e não aquele jogo. Segundo Huizinga (2004, p. 5 – 6), "trata-se de uma realidade que ultrapassa a esfera da vida humana. Portanto, seu fundamento não reside na subjetividade, pois, se assim fosse, limitar-se-ia à humanidade".
Outro fator de destaque é que a autoprodutividade, o movimento de vaivém do próprio jogo, além de seduzir e cativar leva a uma expectativa por parte dos envolvidos, a saber, tanto jogadores (atores) quanto os expectadores. No início, eles estão impossibilitados de se posicionarem frente a qualquer tentativa de dominá-lo, ou mesmo de prever com certeza qualquer resultado. Eles simplesmente podem jogar, evidentemente, dentro das regras do próprio jogo.
Nesse sentido, o jogo, ao mesmo tempo em que fascina também pode surpreender. O ser surpreendido significa irritar-se, devido à perda do lugar por ele (jogador) anteriormente dominado. Não é possibilitado ao jogador dominar esse espaço. É como que admitir de antemão que algo se dá no jogo, sobre o que a subjetividade não tem o controle. "É o jogo que mantém o jogador a caminho, que o enreda no jogo, e que o mantém em jogo". (Gadamer, op. cit, p. 181) . Cabe ao jogador manter a abertura para o jogo, seguindo suas regras e, assim, efetivar a jogada.
A tensão surge na relação entre o interior do jogo e o ambiente em que está sendo jogado. Uma vez participando dele, estamos submissos às suas regras. Portanto, é condição, para que o jogo se efetive como tal, que não sejam burladas suas regras, o que seria a tentativa de dominar o próprio jogo. Resulta dessa tentativa a famosa expressão popular: "Ele escondeu as cartas na manga", isto é, fraudou o jogo, inserindo nele uma perspectiva que não era a da efetivação do próprio jogo, mas veio de fora. A fraude leva à perda do fascínio, instaurando uma situação em que o jogador não mais consegue manter a perspectiva interna ao próprio jogo, lançando-o a um espaço reflexivo a partir do olhar dominador que, quando descoberto, obriga os parceiros a abandonarem o espaço do jogo propriamente dito.
Não é possível à subjetividade dominar o jogo. O sujeito do jogo é o próprio jogo, sendo que o jogo se joga, e ponto final. Os jogadores estão sendo quase que absorvidos, isto é, participam enquanto contribuintes da possibilidade do jogo. É possível percebermos isso, ao buscarmos saber algo sobre determinado jogo em andamento. A primeira pergunta que normalmente se ouve é mais ou menos esta: "Quanto está o jogo?". Percebemos que a pergunta refere-se ao jogo propriamente dito, em andamento no caso. Nunca, ou quase nunca, num primeiro momento, alguém costuma perguntar como os jogadores estão em seu domínio do jogo? Há aí reconhecida, implicitamente, uma autonomia do próprio jogo.
Outro fato que pode ser destacado, conforme já o comentávamos anteriormente, é a total impossibilidade de anteciparmos qualquer resultado e a necessidade de levar o jogo a sério. Aquele que não leva a sério o jogo é um desmancha-prazeres1 . Desse modo, o comportamento frente ao jogo difere daquele que podemos assumir em relação a um objeto. “Aquele que joga sabe muito bem o que é o jogo e que o que está fazendo é 'apenas um jogo', mas não sabe o que ele 'sabe' nisso”. (Gadamer, 1996, p. 144) .
Qualquer tentativa de dominá-lo implica em não lhe reconhecer as regras intrínsecas. Pode-se, sim, falar que é dever de quem entra no jogo ter algum ou total domínio (no sentido de conhecimento) das regras, a fim de possibilitar que a jogada flua com naturalidade. O que não é possível é querer jogar, determinando as regras à base de critérios subjetivos, portanto, que venham confirmar expectativas, por parte de quem as está formulando, a fim de não perder o domínio sobre o jogo.
Huizinga, a esse respeito, destaca que "todo jogo tem suas regras. São estas que determinam aquilo que 'vale' dentro do mundo temporário por ele circunscrito. As regras de todos os jogos são absolutas e não permitem discussão" (Huizinga, op.cit., p. 14) . Podemos percebê-lo num caso bem simples, se analisarmos um jogo de baralho, por exemplo, a canastra 2. Existem diferentes tipos de canastra; porém, cada um dos jogos com suas regras próprias. Ao optarem por um tipo de jogo, os jogadores, antes de o iniciarem, podem tirar dúvidas sobre tais regras, para evitar confusões. Uma vez esclarecidas as regras, tais como as pontuações mínimas, o valor atribuído às cartas, e assim por diante, em momento algum se rediscutem as regras. Simplesmente se aplicam, e ponto final. O cumprimento das regras acaba tornando o jogo mais atrativo, sem a possibilidade de manipulação por algum dos parceiros. Ao pegarem as cartas na mão, eles estão como que entregues ao próprio jogo, em igualdade de condições.
Lançados à própria autoprodutividade do jogo, sem nenhuma certeza de que dali vai resultar alguma jogada com resultado positivo, resta-lhes jogar sem deixar passar as possibilidades que o próprio jogo lhes oferece e entregar-se completamente à situação. Não há certeza alguma em se efetuar uma boa jogada, apenas expectativas. É possibilitado ao jogador, seguindo as regras, mover-se dentro do espaço do próprio jogo, através da jogada que lhe é possível ser feita. A total imprevisibilidade ou antecipação de um resultado torna o jogo fascinante.
Se, no entanto, alguém tentar abrir o jogo, e convencer seus parceiros a fazerem o mesmo, mostrando as cartas que estão na mão, o jogo se tornará "in-jogável". Alguém poderia argumentar, dizendo que dessa forma o jogo se tornaria transparente. De fato, torna-se transparente, mas nesse caso já não se trata mais de um jogo, e sim da reflexão e/ou análise racional do jogo. O jogo acontece necessariamente num espaço pré-reflexivo. No momento em que alguém, como participante o abre, para calcular de antemão as possibilidades reais de jogadas, o tornará in-jogável.
Nesse sentido, a expressão "vamos abrir o jogo" tem, sobretudo, dois significados: significa "des-ocultamento" ou então uma tentativa de tornar o jogo transparente3. Ao querer abrir o jogo, nós estamos num nível de reflexão sobre ele. Não jogamos mais, queremos ver o resultado. A antecipação do resultado remete à idéia de fim do jogo.
Ao tornarmos o jogo transparente, reflexível, estaremos acabando com o elemento surpresa, característico da manifestação do movimento próprio do jogo, no desenrolar de sua autoprodutividade. Isso pode também ser aplicado às relações intersubjetivas. Num primeiro momento, nos parece que manter o jogo fechado remete a ambos os parceiros do jogo a um espaço não ameaçado pela imposição externa de perspectivas dominadoras. Resulta daí que se exige por parte de ambos, deixar-se conduzir dentro de um espaço sem interferências externas. Abrir o jogo significaria permitir que um outro (opinião, critérios morais, preceitos religiosos, etc) lhe determinasse o que deveria fazer, qual postura deveria adotar. Nesse sentido, acaba o espaço autopoético e passa-se à racionalização. Essa idéia remete a uma expectativa de que a subjetividade detenha o potencial de dominar a situação. No entanto, percebemos que, ao se tratar de um jogo, é completamente imprevisível antever qualquer resultado. Sendo assim, a idéia de abrir o jogo, para que alguém tenha o domínio sobre a situação, no contexto sobre o qual estamos refletindo, se fosse aceitável, levaria ao esvaziamento de expressões do tipo "o jogo do amor", "o jogo do poder", e assim por diante. Ao que se percebe, mesmo nas relações intersubjetivas, quando alguém diz "vamos abrir o jogo", está reconhecendo já de antemão o elemento de imprevisibilidade.
Ambos os parceiros do jogo estão como que envolvidos numa situação em que um não sabe o que o outro sabe. Desse modo, ambos não sabem o que se sabe a respeito disso. Frente à imprevisibilidade e busca de segurança, abrir o jogo assume um caráter de reflexividade sobre a situação, na perspectiva de buscar a total transparência ou, então, buscar saber o que não se sabe disso.
Entretanto, o fato de um dos parceiros querer manter o jogo fechado, não significa que esteja querendo o domínio da situação, ou sobre o outro. O domínio sobre o outro não pode ser denominado como um elemento constitutivo da relação intersubjetiva. A relação intersubjetiva, bem o sabemos, "pré-supõe" uma relação de igualdade, de alteridade e de respeito ao outro. Não é possível dizer que ao dominar o jogo, ou então o parceiro, está se mantendo o jogo.
Portanto, a expressão "abrir o jogo" deveria ser entendida no sentido de abandonar o espaço pré-reflexivo dentro do qual o mesmo se desenrola, e assumir o risco de torná-lo reflexivo, sabendo de antemão que significa também interromper o movimento fascinante do próprio jogo. Resulta necessariamente aceitar a possibilidade de não mais poder jogar com o parceiro dentro daquele espaço.
3. Elementos da estrutura ontológica do compreender enquanto processo
Até aqui tentamos demonstrar que a estrutura pré-reflexiva ontológica torna-se a condição para a reflexão. A perspectiva da hermenêutica não quer fugir da racionalidade, mas mostrar que a estrutura encontra-se na situação pré-reflexiva. O elemento fundador da racionalidade é, portanto, a estrutura pré-reflexiva.
Gadamer (1994) toma o jogo como modelo estrutural para a explicação da compreensão, e não enquanto identidade do conteúdo. Conforme sua reflexão, não é tanto o processo metodológico, mas muito mais o processo ontológico de compreensão, enquanto situação insuperável por parte dos parceiros entregues ao jogo que torna tal situação fundamental na busca de uma explicação da estrutura ontológica fundante do processo de compreensão.
Assim sendo, o processo de compreensão, conforme veremos adiante, exige entregar-se à situação de um contexto não tematizável pelas vias da lógica, muito menos na inscrição do dizível, de modo semelhante ao que acontece no jogo. O jogo só deveria ser tomado como modelo estrutural para explicar o porquê do processo de estruturação. Nós mesmos estamos nos encontrando como parceiros do processo de compreensão, na medida em que nos deixamos envolver, levar pelo jogo dentro de um espaço próprio. Isso pode ser claramente percebido, por exemplo, na utilização do jogo como meio terapêutico na ludoterapia.
Acontece que na ludoterapia, através do jogo, torna-se possível superar a distância entre nós e o que fazemos, pois o jogo, por assim dizer, somos nós mesmos. Ele possibilita uma forma de expressão não deformada pelo processo de reflexão e pelos condicionamentos do quotidiano. Nesse contexto, perdem-se as regras de normatização condicionante e possibilita-se de fato um autodistanciamento, principalmente por deixar de lado os elementos normativos que qualificam a "normalidade" dentro da qual o paciente está com problemas. Significa que dentro de determinado espaço, o paciente pode se libertar dos condicionamentos normativos do quotidiano que o “escravizam”. Há algo de encantador no jogo que o eleva à idéia de segredo para nós mesmos, que torna o ambiente exterior a ele pouco significativo, ou mesmo totalmente insignificativo, enquanto estamos enredados no desenrolar do jogo. “Dentro do círculo do jogo, as leis e costumes da vida quotidiana perdem validade. Somos diferentes e fazemos coisas diferentes”. (Huizinga, op. cit., p. 15).
Como a realidade do dia-a-dia como tal não é possível ser tomada, na ludoterapia o jogo providencia tal espaço. Exige-se do jogador, por outro lado, um determinado comportamento conforme as regras do jogo. Ao se entregar ao jogo, abre-se um espaço que não é aquele no qual o paciente se encontra sob os condicionamentos do dia-a-dia. Ali, ele pode entregar-se à situação e experimentar outro tipo de possibilidade de comportamento, sem ser ameaçado pelas conseqüências.
Ao que se percebe, no jogo possibilita-se uma quebra da hierarquia estabelecida pelos condicionamentos do dia-a-dia. Parece que ele desempenha um papel de auto-atração. Lança sobre nós um feitiço, tornando-se fascinante, cativante, impossibilitando o domínio por parte de alguém. Ele tem existência própria, uma "natureza própria", ou seja, "o sujeito do jogo não são os jogadores, porém o jogo, através dos que jogam, simplesmente ganha representação" (Gadamer, op. cit, p. 145) . Nele toda postura dominadora fica de lado. Percebemos assim que, nesse sentido, a hermenêutica em última instância se tornará uma crítica radical à tradição da racionalidade. O jogo exerce um fascínio sobre nós e, aparentemente, também nos submete não se sabe a quem.
O próprio jogo assume o lugar antes dominado pela subjetividade. Porém, para ser jogado, ele sempre exige a participação dos parceiros que o executam, os quais não conseguem se desconectar de sua subjetividade. A subjetividade nunca desaparece, mas permanece como que em concordância com as regras do jogo e ajudando "algo" até então desconhecido a se desabrochar em si mesmo no jogador. O movimento, o vai-vem pertence tão essencialmente ao jogo que, em último sentido, faz com que de forma alguma haja um jogar-para-si-somente. É necessário e condição, para que seja um jogo, que haja alguém ou algo com o qual o jogador jogue, de modo a ele ter um contra-lance ao lance dado, mesmo que não seja tal uma pessoa.
É na possibilidade de o jogador se colocar a si mesmo em risco que repousa um dos aspectos fascinantes que torna o jogo cativante. Posso auto-experimentar a mim mesmo no jogo, ele me dá a possibilidade de um comportamento que normalmente não devo ter. Assim podemos afirmar que ao jogar se experimentam diferentes papéis sociais. De certo modo, é um processo reflexivo, mas não no sentido teórico nem epistemológico. É como experimentar a participação numa "quase-reflexividade" ontológica, talvez podendo ser mais bem compreendida com o conceito "pró-flexão" 4.
Essa "pró-flexão" se torna possível, na medida em que o indivíduo se entrega ao próprio espaço do jogo. É ali que ele poderá fazer tal experiência enquanto experimentação de si mesmo, sem ser perturbado pelos condicionamentos do dia-a-dia. É aquela idéia de que algo, enquanto algo se revela, adquire sentido, à proporção que seu sentido é, por assim dizer, de certo modo compreendido por aquele que está fazendo a experiência.
A mesma estrutura encontramos na analogia da ficcionalidade interna da obra de arte. Percebe-se aí uma certa experiência da produção de um espaço próprio da obra de arte, onde "o sujeito da experiência da arte, o que fica e persevera, não é a subjetividade de quem a experimenta, mas a própria obra de arte" (Ibid., p. 145). Enquanto tal, é marcada uma diferença clara do nosso acesso direto à obra, via reflexão, e o acesso direto, via ontologia5.
O jogo deveria lançar uma luz para a própria experiência estética. O modo de ser da obra de arte é intimamente vinculado ao seu ser experimentado, no sentido de experienciado, e não à análise do modo objetivo. Nessa linha de raciocínio, Gadamer dirá que o jogo independe da consciência dos jogadores, possuindo uma essência própria que destrona a pretensão absoluta da subjetividade. Segundo ele, “também há jogo, e inclusive só o há verdadeiramente, quando nenhum 'ser-para-si' da subjetividade limita o horizonte temático e quando não existem sujeitos que se comportam ludicamente” (Ibid., p.145).
O jogo marca um horizonte para além daquele dos participantes. Apesar de o jogo acontecer, devido à participação ativa dos seus envolvidos, o ato de jogar não deve ser entendido como um mero desempenho de uma atividade. Conforme Gadamer, "lingüisticamente o verdadeiro sujeito do jogo não é com toda evidência a subjetividade de quem, entre outras atividades, desempenha também a de jogar; o sujeito é muito mais o jogo mesmo" (Ibid., p.147) .
É através dos jogadores que o jogo simplesmente ganha sua representação. No jogar "o movimento que nestas expressões recebe o nome de jogo não tem um objetivo ao qual desemboque, senão que se renova em constante repetição". Portanto, "é o jogo que é jogado ou desenvolvido; não há aqui nenhum sujeito que seja o que jogue. É o jogo a pura realização do movimento" (Cf. ibid., p.146). É, pois, o próprio jogo que mantém o jogador a caminho, que o enreda no jogo. Na seqüência podemos aproximar a discussão com a questão do processo de compreensão.
4. Aplicação das estruturas do jogo ao processo de compreensão
Gadamer (1996) irá aplicar a estrutura do jogo na área do conhecimento, da compreensão. Há "algo" que se manifesta, um conjunto de sentido que, na hermenêutica, não depende mais de uma subjetividade que impõe sobre o objeto o que ela busca conhecer. Em outras palavras, não é a subjetividade que arranca o sentido do objeto. Ao invés disso, na hermenêutica gadameriana, há uma relação de alteridade entre a subjetividade e o objeto, de modo que a subjetividade não desaparece. Há um processo pré-reflexivo que chega a ponto de quase se tornar a instância de autoridade que determina a reflexão.
A questão é defender a interpretação da arbitrariedade e das limitações que derivam de inconscientes hábitos mentais, olhando para "a coisa mesma" que se dá a compreender. Tomemos como exemplo a seguinte situação: alguém se dirige a um texto no intuito de interpretá-lo. Ele nunca o faz como uma tabula rasa, pois "a compreensão não é livre de pressupostos. Quem quer compreender um texto, tem que estar disposto a deixá-lo dizer algo a ele" (Ibid., p. 334) .
Ao dirigirmo-nos ao texto, no intuito de tomá-lo como objeto, introduzimos nele nossos próprios "pré-juízos", ou, melhor dito, somente se legitimam nossos "pré-juízos", nossa perspectiva. Resulta daí que não fazemos mais do que legitimar nossa pré-compreensão, nossas expectativas, perdendo de vista a "coisa mesma". “Esta abertura implica sempre que se ponha a opinião do outro em alguma classe de relações com o conjunto das opiniões próprias, ou que um se põe em certa relação com as do outro” (Ibid., p. 334).
Gadamer busca demonstrar a tarefa da hermenêutica em "defender o sentido racional do texto contra toda imposição" (Ibid., p. 335) vinda de fora. Nesse sentido, semelhantemente ao jogo e ao culto, qualquer tentativa de dominar a compreensão é passível de confusões e equívocos, que poderão levar a mal-entendidos, e mesmo ao fechamento do espaço onde a compreensão se dá.
Desse modo, quem quiser compreender, deve estar disposto a deixar que o texto mesmo lhe "diga" alguma coisa. O intérprete deve falar, para escutar o texto, ou seja, deve propor um "sentido" após o outro, num "sentido" melhor e mais adequado do que o outro, para que o texto apareça sempre mais em sua alteridade, como realmente é. São os "pré-juízos", de que não temos consciência, os que nos tornam surdos para a voz do texto . Tais “pré-juízos” ou “pré-conceitos” com que operamos, caso ao serem buscados na sua confirmação, nos levam a tautologias, estagnando o processo de abertura da compreensão para o novo.
Assim como no jogo, "algo" se dá a compreender, na medida em que aquele que quer compreender deve ser capaz de ouvir o outro, numa relação de alteridade, sem hierarquia, mas igualdade de condições, para com ele estabelecer um "diálogo" (Gespräch). A idéia a que se chega, efetuado o diálogo, é resultado de uma experiência ontologicamente determinada. Por enquanto, vamos nos limitar a ficar com essa idéia sob forma de tese.
Portanto, o sentido não é imposto ao texto. Essa é a diferença fundamental entre Gadamer e Heidegger. Em Gadamer o texto é um outro concreto, com o qual eu estabeleço uma relação de alteridade, ao passo que, para Heidegger, ele é um objeto disponível do qual disponho para me impor no mundo.
Gadamer não é claro ao se referir à "coisa mesma", ele não explicita o que é. Certamente se ele o fizesse, faria com que perdesse seu status e não estaríamos mais operando com o “pré”, o que resultaria na implosão de sua tese. Com base nas pistas que são dadas no decorrer do texto, parece que ele está se referindo a uma espécie de núcleo central6 que é capaz de manter uma identidade consigo mesmo, não determinável por qualquer tentativa exterior.
Nesse ponto, a instauração do sentido parece ficar mais clara. O intérprete de um texto deve "ganhar a compreensão do texto". O fato de estar aberto à compreensão do texto, “não quer dizer que eu compartilhe com o que está sendo dito, porém é condição para uma verdadeira possibilidade de compreensão" (Gadamer, 1996, p. 334) .
Aquele que se dirige a um texto, no intuito de interpretá-lo à base de sua pré-compreensão, apenas busca legitimar suas próprias idéias. Essa parece ser uma questão central e um problema central para podermos dirigir a crítica à perspectiva iluminista na construção do conhecimento, uma vez que, conforme visto acima, "a coisa mesma" do texto não pode ser ignorada. Há, sem dúvida, algo a que se tem acesso, que se abre à compreensão, sem que seja possível compreendê-lo em sua totalidade, mas enquanto "algo" dentro da totalidade de sentido que se manifesta.
Gadamer sabe muito bem que "aquele que quer compreender está exposto aos erros de opiniões prévias, que não se comprovam nas coisas mesmas" (Ibid., p. 333) , mas sabe também ser necessário "que examine tais opiniões enquanto sua legitimação, isto é, enquanto a sua origem e validez" (Ibid., p. 334) . São as regras do jogo da compreensão que vão sendo traçadas, e aos poucos vai se percebendo a necessidade de cumpri-las. É por isso que nossos hábitos lingüísticos não devem ser introduzidos direta e acriticamente num texto. Exige-se, ao contrário, que reconheçamos “como tarefa nossa o ganhar a compreensão do texto somente desde o hábito lingüístico de seu tempo e seu autor” (Idem Ibidem).
“Estar aberto à opinião do outro ou à do texto", eis uma das condições sine qua non da interpretação hermenêutica. É a própria alteridade do texto que o exige, e "uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva desde o princípio para a alteridade do texto” (Ibid., p. 335). Evidentemente não se trata de uma espécie de cancelamento da subjetividade, nem de negar a existência de "pré-conceitos"; porém, essa questão está muito mais ligada a uma tentativa de entrar corretamente no círculo hermenêutico, seguindo suas regras.
Gadamer, nesse sentido, não nega a reflexão de Heidegger, ou seja, o texto de fato está-aí, disponível. Cabe ao intérprete dirigir-se a ele e buscar a interpretação. Porém, se o fizer conforme o espírito iluminista, o texto se fecha em sua possibilidade de interpretação, ocorrendo somente, no máximo, a legitimação do que já era conhecido. Ao serem introjetadas no texto as perspectivas que interessam ao intérprete a fim de arrancar-lhe aquilo que o sujeito deseja, apenas se está fazendo tautologia.
Semelhante ao jogo, também na interpretação de um texto não está na subjetividade o poder de dominar a situação. Pelo contrário, exige-se um entregar-se à situação, a fim de avançar no processo de efetivação da instauração do sentido ou, em outras palavras, avançar no processo de penetração do sentido, enquanto resultado da experiência que o intérprete faz, sem poder compreendê-lo em sua totalidade.
Notas
O termo "Spielverderber" comumente é traduzido do alemão para o português como "desmancha-prazeres". Talvez aqui ele deveria assumir mais o sentido de "in Unordnung bringen", ou seja, é uma espécie de tentativa de acabar com o "existente aí", ou não se enquadrar nas regras. "Verderben" possui um sentido de arruinar; estragar. Nesse sentido, pode-se dizer que tal já "pré-supõe" o que "está-aí" à disposição.
A esse respeito, Huizinga (2004) concebe a essência do jogo numa categoria primária da vida. Em sua obra Homo Ludens, destaca que tal essência se situa no divertimento. Em alemão usam-se dois termos para exprimir esse conceito: Spass e Witz. No divertimento, importa entrar nesse outro espaço, sem a preocupação de saber o que se sabe nisso. Nesse sentido, as regras do jogo são fundamentais, a fim de proporcionar uma total entrega, por parte dos parceiros do jogo.
Ocultamento não tem aqui o sentido de esconder, mas como algo ao qual os participantes não têm acesso.
Trata-se de uma estrutura com um potencial implícito, em favor de uma possível abertura, e não em favor de uma delimitação, de uma restrição. É o encontro com algo que eu ainda não conhecia. Pode-se inclusive falar num experimentar de algo, depois do qual o sujeito encontra-se noutro lugar em que não domina o processo no qual está sendo deslocado pelo outro.
Não é nosso intento entrar na discussão sobre a obra de arte. Apenas registramos aqui o fato de que a reflexão sobre o jogo pode ser muito válida para a análise da própria obra de arte. Com isso, não descartamos que o contrário também seja igualmente possível. Fica, pois, essa questão registrada mais sob a forma de tese; o leitor poderá encontrar, na obra de Gadamer, uma vasta reflexão a esse respeito.
Evitamos aqui o termo "núcleo duro", a fim de não criar confusão com outros autores que trabalham esse termo noutra perspectiva.
Referências bibliográficas
CORETH, Emerich. Questões Fundamentais de Hermenêutica. São Paulo: EPU, Ed. Da Universidade de S.P., 1973.
GADAMER, Hans-Georg. Verdad y Método I: Fundamentos de una hermenéutica filosófica. Salamanca: Ed. Sígueme, 1996.
_______. Verdad y Método II. Salamanca: Ed. Sígueme, 1994.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Vol 1. Petrópolis: Vozes, 1995.
_______. Ser e Tempo. Vol 2. Petrópolis: Vozes, 1995.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 5 e. São Paulo: Perspectiva, 2004.
PALMER, Richard E. "Crítica de Gadamer à Estética Moderna e à Consciência Histórica". IN.: Hermenêutica. Lisboa: Ed.70, 1989.
STEIN, E. A Caminho de uma Fundamentação Pós-metafísica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
_____. Aproximações sobre Hermenêutica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
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digital · Año 13 · N° 128 | Buenos Aires,
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