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Educação Física, formação acadêmica 

e trabalho: realidade e soluções

Physical Education, academic formation and work: reality and solutions

Sporterziehung, akademischebildung und Arbeit: Wirklichkeit und Lösungen

Educación Física, formación académica y trabajo: realidad y soluciones

 

Graduado pela Universidade Federal do Ceará, Fortaleza – Brasil

Mestrando pela Universidade do Porto, Porto – Portugal

Auxiliar do Laboratório de Biomecânica do Desporto

da Faculdade do Desporto – FADE/UP

Prof. Mstdo. Werlayne Stuart Soares Leite

werlaynestuart@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo é uma meta análise discursiva e procura estabelecer um amplo estudo de caráter crítico-reflexivo sobre a área da Educação Física. O objetivo é discutir sobre a realidade do profissional de Educação Física, analisando vários aspectos que influenciam a situação atual, principalmente, os aspectos relacionados à sua formação acadêmica, atuação no campo de trabalho e sobre atuação dos conselhos que regulamentam a profissão, e possibilitar uma reflexão por parte da comunidade acadêmica sobre o assunto. Devemos perceber que os vários assuntos estão interligados e devemos analisar suas inter-relações de forma global e crítica para entendermos a realidade e para tentarmos transformá-la.

          Unitermos: Formação profissional. Mercado de trabalho. Educação Física. Confef. Cref.

 

Zusammenfassung

          Diese Studie ist eine diskursive Analyse zum Thema des kritsich-reflexiven Charakters im Bereich der Sporterziehung. Ziel ist es, anhand der Realität eines Experten zu argumentieren. Grundlegend ist hierbei die Analyse einiger Aspekte, welche die derzeitige Lage beeinflussen. Hauptsächlich werden Aspekte der beruflichen Gestaltung und des Arbeitsfeldes auf Ebene des einzelnen ‘Fachmannes’ sowie auf Ebene der Berufsausbildung herangezogen, um anschließend eine genauere Betrachtung und Reflexion zu ermöglichen. Es ist zu berücksichtigen, dass die Themengebiete nicht einzeln oder getrennt voneinander betrachtet werden können, vielmehr müssen die Wechselbeziehungen in einen globalen sowie kritischen Zusammenhang gebracht werden, um zunächst die aktuelle Situation zu verstehen und um sie dann verändern zu können.

          Schlüsselwörter: Beruflischebildung. Arbeitsfeld. Sporterziehung. Confef. Cref.

 

Abstract

          This article is a discursive analysis and has as objective an ample study of character critical-reflexive on the area of the Physical Education. The objective is to argue on the reality of the professional of Physical Education, analysing some aspects that influence the current situation, mainly, the aspects related to its academic formation, actuation in the field of work and on actuation of the advice about who regulate the profession, and to make possible a reflection on the part of the academic community on the subject. We must perceive that some subjects are linked and must analyse its Inter-relations of global and critical form to understand the reality and to try to transform it.

          Keywords: Professional Formation. Field of Work. Physical Education. Confef. Cref.

 

Resumen

          En este artículo se realiza un análisis discursivo se y busca establecer un amplio estudio de carácter crítico-reflexivo en la área de la Educación Física. El objetivo es debatir sobre la realidad del profesional de la Educación Física, analizando algunos aspectos que determinan la situación actual, principalmente, los aspectos relacionados con su formación académica, actuación en el campo del trabajo y en el actuación del Consejo que regulan la profesión, y hacer posible una reflexión de parte de la comunidad académica en el tema. Podemos percibir que algunos temas están ligados y deben ser analizados en sus interrelaciones de manera amplia y crítica para entender la realidad y para intentar transformarla.

          Palabras clave: Formación profesional. Campo de trabajo. Educación Física. Confef. Cref.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 128 - Enero de 2009

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“E ainda que tivesse o dom da profecia,

e conhecesse todos os mistérios e toda

a ciência (...), se não tivesse amor, nada seria”.

I Coríntios 13.2

 

“Os desafios são imensos; a vida, curta demais.

O trabalho estranhado e amarrado a uma suposta

profissão convocada pelo status liberal

estabelece para esta luta, novos caminhos”.

Renato Sampaio Sadi

Introdução

    Ao desvelarmos o olhar para a realidade da Educação Física como profissão, percebemos que muitas coisas estão erradas (e/ou poderiam melhorar) e muitos profissionais reclamam sobre as dificuldades existentes na área. Dentre as dificuldades podemos destacar as que são de responsabilidade do próprio profissional (ex: formação profissional), de outros colegas da área (principalmente relacionado ao trabalho) e problemas de responsabilidade de terceiros (Confef / Cref’s, governo).

    É preciso dizer que não existe apenas o lado ruim da profissão e que esta não é uma visão pessimista ou radical. Como tudo que existe, existe o lado bom e o ruim. Mas não adianta vermos apenas o que existe de bom e não fazermos nada para tentar transformar o que poderia ser melhor.

    A Educação Física necessita que deixemos de lado esse mundo de faz-de-conta e que façamos sérias críticas sobre as dificuldades e os caminhos tomados atualmente por esta atividade que tenta ser socialmente mais reconhecida e valorizada. Devemos analisar todos os aspectos importantes que influenciam para manutenção dessa realidade, procurando meios para transformá-la. Precisamos ter discussões filosóficas que estudem a totalidade do ser social e sua inter-relação com os aspectos sociais, políticos e econômicos.

    Estes aspectos, relacionando-se entre si, influenciam diretamente sobre a profissão e acabam criando um círculo vicioso onde, embora alguns poucos saiam ganhando, no final a grande maioria sai perdendo. Sendo assim, a Educação Física, enquanto profissão, acaba sendo prejudicada. Precisamos mudar práticas e tomarmos novos rumos para transformá-la.

    É preciso esclarecer que o que será exposto não é uma regra geral, não significa ser assim em todos os casos, mas certamente reflete a situação vivida pela grande maioria dos envolvidos na área. Em estudos com grande população, deve-se analisar esse tipo de situação pela ótica da maioria e não pelas suas exceções.

Formação acadêmica

    Com o rápido aumento do número de Instituições de Ensino Superior particulares e a criação e/ou ampliação de vários cursos, a qualidade do ensino caiu vertiginosamente. Este é um problema que atualmente assola não só a Educação Física, mas inúmeras outras profissões.

    Infelizmente, muitas instituições (mas não são todas) não primam ou preocupam-se pela qualidade do ensino e sim pela criação e/ou ampliação de seus cursos e maior arrecadação de capital. “Penso que o ensino superior brasileiro, por conta da proliferação das instituições, passa por um momento inusitado. Por conseqüência, a formação de professores não se afirma na qualidade. Não se justifica, porém, apenas nesse ponto o despreparo de alguns professores (...). A meu ver, além de pedagógica, a questão é ética” (SANTANA, 2004).

    Assim, acontece um fato preocupante, muitas pessoas procuram estas instituições para cursar um curso de menor duração ou apenas para obterem o diploma de graduação sem muito esforço. Alguns já trabalham na área e querem o diploma apenas para ficar amparados perante a lei. Isso acontece porque nessas instituições as pessoas têm inúmeras facilidades para conseguir seus objetivos, seja no ingresso, seja nos estudos, ou na conclusão do curso.

    É de fundamental importância que a formação acadêmica seja uma formação ampla e com base na criticidade, senão estarão apenas formando mais um profissional reprodutor de modelos pré-estabelecidos. Mas, infelizmente, ainda existe “a falta de preparo dos professores, especialmente no Brasil, para oferecer condições para o desenvolvimento de formas de pensamento crítico, autônomo, divergente e de trabalhar os conteúdos de maneira questionadora e indagadora” (TIBEAU, 2002).

    Se o objetivo for apenas licenciar/graduar um profissional sem uma sólida formação acadêmica, ele não precisaria necessariamente estar cursando um curso de “nível superior”. Ou seja, qualquer pessoa poderia pegar um livro de qualquer modalidade esportiva e aplicar os exercícios e/ou o treinamento contido no livro. O problema é que a formação de professores em Educação Física ainda tem sido centrada numa tradição cultural que preconiza a aquisição passiva de conhecimentos, que privilegia conteúdos esportivos, com muita ênfase em aspectos biológicos, em detrimento de aspectos sócio-educacionais.

    Além disso, para que possa haver uma boa formação acadêmica faz-se necessário uma estreita relação, uma união concreta e correta entre o objeto de estudo teórico e o prático. Talvez esse seja um dos graves problemas que ocorrem atualmente na área da Educação Física, uma falta de conexão correta entre esses dois pontos.

    Claramente percebe-se a divisão da área em dois grupos distintos de profissionais: os de ordem mais prática, que ficam em contato direto com a parte prática, ministrando aulas e sem muita ligação com a parte teórico-filosófica. Muitos desses professores apenas fazem determinadas atividades por fazer, sem ter o conhecimento teórico necessário das atividades (metodológico, filosófico); e os de ordem mais teórica, que são geralmente os profissionais que elaboram estudos e escrevem sobre a área. Percebe-se que muitos desses profissionais estão acostumados apenas com suas salas e seus computadores, muitos desses autores apenas falam o que poderia ser feito, mas sem uma noção prática de como fazer tais mudanças e, por não terem esse conhecimento prático da realidade da área, apontam soluções falíveis para resolução dos problemas, são os “profissionais engravatados”.

    “A educação Física brasileira, hoje, é uma área repleta de contradições. De um lado, interpretações equivocadas na política e na prática profissional, de outro, soluções falíveis para o que chamam de transformação... no trabalho, na suposta profissão. Generalizamos a teoria, limpando as mãos na prática!” (SADI, 2005, p. 21).

    Mas é preciso dizer que não existe a divisão apenas entre profissional teórico e prático. Ninguém consegue ter apenas a prática e não saber nada da teoria, assim com ninguém consegue ter apenas a teoria e não ter relação nenhuma com a prática (mesmo que seja a empírica). Então teremos, necessariamente, os mais práticos ou os mais teóricos.

    Outro fator que implica negativamente na formação acadêmica é a divisão do curso em licenciatura (área formal) e bacharelado (área não-formal). Isso prejudica na formação por provocar uma especificidade do conhecimento sem antes passar por uma generalidade. Seria mais importante conhecer e ter uma noção geral da área da Educação Física, para depois especificar o conhecimento em uma destas duas áreas ao qual o acadêmico tivesse mais afinidade.

    Mas essa mudança não gerou muita transformação, basicamente o que se fez foi pegar todas as disciplinas da Educação Física e separá-las para os dois novos blocos. Em seguida, deu-se um novo nome para algumas disciplinas para que estas pudessem atender às novas exigências curriculares. No entanto, não se teve uma mudança substancial no conteúdo destas, foi praticamente apenas uma mudança de nomenclatura.

    Ainda relacionado à formação profissional, temos outro fator de importância significante. Muitos profissionais, depois de graduados, acomodam-se e não preocupam-se em fazer cursos de aperfeiçoamento/reciclagem, cursos de pós-graduação, produção científica ou participar de congressos e eventos. Muitos profissionais contentam-se apenas com o diploma de graduação e acham que isso é alguma coisa ou é suficiente para exercer a profissão.

    Em relação a esse ponto pode-se indagar: como um profissional poderá vislumbrar um bom salário se ele não se preocupa em especializar-se mais? Sendo assim, o que acontece é que o profissional reclama dos salários pagos quando ele mesmo não se especializa. Então é a área que remunera mal ou são os profissionais que recebem mal por serem pouco especializados?

    Mesmo que o diploma fosse suficiente para exercer de forma satisfatória a profissão, deve-se levar em conta que o conhecimento não é imutável, ele está sempre se transformando e a todo o momento aparecendo novos estudos sobre a área. Então é necessário estar sempre estudando, se informando sobre novos conhecimentos e se reciclando.

Atuação no campo de trabalho

    Um dos fatores mais importantes, relacionado à atuação do profissional de Educação Física no campo de trabalho, está relacionado com a atuação de estagiários (entendam-se os estudantes, os graduandos da área). Irei detalhar mais adiante sobre esses pontos, mas resumindo, estes acabam trabalhando como professores, recebem como estagiários, tiram o emprego dos profissionais (entendam-se os licenciados, os graduados), acabam deixando mais baixo o nível salarial, quando se graduam (muitas vezes) são demitidos e para seus lugares são contratados outros estagiários.

    Se o empregador puder escolher pagar mais ou pagar menos, a grande maioria destes, com certeza, irão escolher pagar menos, independente de qualidade do profissional ou dos serviços por ele prestados. Estes estagiários vão trabalhar como professores porque, quase sempre, vão exercer a função sozinhos e, como estagiários que são, deveriam sempre estar acompanhados por profissionais graduados supervisionando-os. Só que o empregador não vai querer pagar duas pessoas se ele pode pagar apenas uma e, esta a ser paga, ser o mais barato.

    Na hora do trabalho, a carga horária do estagiário será geralmente a mesma do profissional. Quando este for receber pagamento, embora trabalhando como profissional, vai acabar recebendo como estagiário. O empregador sempre vai ter a desculpa de que vai pagar menos porque ele ainda não é graduado e, às vezes, ainda vai deixar claro que está fazendo um “favor” para sua carreira profissional. Nesse caso, o estagiário acaba tirando o emprego do profissional por fornecer uma mão de obra mais barata.

    Mesmo se fossem desconsiderados estes aspectos, outro grande problema desse assunto seria o domínio teórico-pático do conhecimento. Um aluno nos primeiros semestres de faculdade certamente não tem conhecimento suficiente para exercer determinadas funções, por mas que este aluno tenha conhecimento e vivência em determinada (o) atividade/esporte (como atleta, árbitro), apenas o conhecimento prático não é suficiente para desempenhar uma função. Assim como dominar apenas o conhecimento teórico também se faz insuficiente.

    Isso vai gerar inúmeras transformações dentro da área, pois, diante do exposto, é normal que o nível salarial diminua e esse problema vai acabar afetando muito o profissional. Como o nível salarial cai e o profissional tem mais necessidade de trabalhar que o estagiário, ele vai acabar se sujeitando a trabalhar por aquele preço cada vez menor.

    Nós estamos na lógica do sistema capitalista e existe a lei da oferta e da procura. O número de profissionais está crescendo muito rápido (com a criação e/ou ampliação dos já citados cursos) e a oferta de emprego não cresce na mesma proporção, então a lei da oferta é maior do que a da procura. Sendo assim, se um não quiser se sujeitar a trabalhar por um preço, existem outros muitos que aceitarão esse valor (principalmente os estudantes de semestres iniciais). A tendência disso é que o valor da hora/aula tenderá a baixar ou a se manter sempre em um nível muito baixo e, infelizmente, essa é a nossa realidade.

    Diante dessa realidade, o profissional acaba tendo que trabalhar em vários locais ou várias horas por dia para que tenha uma renda razoável. Por esse motivo é que muitos profissionais acabam desempenhando outras funções fora da área para que sua renda mensal seja complementada. É comum ouvir profissionais afirmando que não dá pra se manter apenas da Educação Física. Então o que deveria ser uma profissão, às vezes acaba se tornando apenas um hobby.

    “O que deveria se constituir na finalidade básica do ser social – a sua realização no e pelo trabalho – é pervertido e deturpado. O processo de trabalho se converte em meio de subsistência. A força de trabalho trona-se, como tudo, uma mercadoria, cuja finalidade vem a ser a produção de mercadorias. O que deveria ser a forma humana da realização do indivíduo reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído” (ANTUNES apud SADI, 2005, p. 28).

    Umas das principais justificativas dadas para explicar o fato de que o estagiário precisa trabalhar é que este precisa adquirir experiência profissional ou para que possa manter-se economicamente. Mas existem outras profissões onde os alunos não podem trabalhar antes de se graduarem e não tem seu aprendizado diminuído por isso e nem passam necessidades financeiras porque não trabalham.

    Em relação à aquisição de experiência profissional, a tendência européia utilizada para dar mais experiência aos seus estudantes é, principalmente, através da investigação científica. É incentivada ao máximo a pesquisa e o conhecimento, exaustivo e teórico-prático, do campo de trabalho ao qual o aluno pretende ingressar. Também é usada uma forma de estágio não remunerado e supervisionado, acompanhado de perto pela universidade, que realmente funciona bem. Esses dois pontos conseguem promover uma aquisição de conhecimento e experiência de seus alunos nas diversas áreas. As universidades brasileiras têm as disciplinas de “Prática de Ensino” ou de “Estágio Supervisionado”, se fossem bem acompanhadas, deveriam ser suficientes para a aquisição de experiência acadêmica.

    Em relação à questão financeira, devemos perceber que o profissional tem uma maior necessidade em trabalhar para manter-se economicamente do que o estagiário. E quando este estagiário conseguir se graduar, ele, agora como graduado, sofrerá estas mesmas influências de outros estagiários. Devemos analisar também que se este aluno não tivesse ingressado no curso de Educação Física, ele conseguiria sobreviver, porque se ele precisasse realmente trabalhar, conseguiria trabalhar em outra área.

    Muitas as pessoas acham que é melhor agir dessa forma, pois é mais cômodo trabalhar na própria área e poder usar essas justificativas a seu favor. A meu ver, essas “desculpas” que são dadas é que não tem fundamentação e acabam prejudicando a todos. Então fica a indagação: vale à pena trabalhar antes de ser graduado e depois de graduado receber um salário mais baixo durante o resto da carreira profissional?

    Um aspecto importante que existe na área é o forte corporativismo individual. As pessoas confundem confiança com corporativismo. Quando se tem uma vaga pra um determinado emprego, é natural que você queira chamar o profissional que você confia e acha que este seja apto para desempenhar bem aquela determinada função, isso é confiança. No entanto, o que acontece é que os profissionais acabam chamando as pessoas com quem tem algum tipo de afinidade (amigos, familiares), muitas vezes não se importando se este vai realizar bem a função ou não, isso é corporativismo. Isso ainda ta muito forte na Educação Física e precisa ser mudado.

    “O corporativismo atrasa de todas as formas a consciência avançada do professorado, dificulta os olhares críticos na construção de uma unidade de interesses e bloqueia até mesmo as táticas da luta diária de um dado coletivo profissional (...)” (SADI, 2005, p. 92).

    Outro aspecto que merece destaque é em relação à “experiência” profissional. Acredito que esta se divida em dois tipos distintos: a Experiência Absoluta e a Experiência Relativa. Para melhor compreensão deste ponto, analisemos um exemplo. Se um profissional tiver 20 anos de graduado, não significa necessariamente que ele tenha 20 anos de experiência. Se ao longo de todo esse período ele foi construindo, adequando e melhorando sua metodologia profissional de ensino, a fim de estabelecer parâmetros educacionais desejáveis, pode-se dizer que este profissional tem 20 anos de experiência, nesse caso é a Experiência Absoluta.

    Mas se nesse tempo de graduado, ele apenas pegou o planejamento de um período, um ano, por exemplo, e aplicou nos outros anos, ele não estabeleceu nenhum crescimento profissional e/ou metodológico. A simples reprodução de modelos pré-estabelecidos, sem as melhorias e reflexões metodológicas necessárias para seu aperfeiçoamento, não dá experiência a ninguém. Nesse caso, essa é a Experiência Relativa. Então, 20 experiências de 1 ano são totalmente diferentes de 1 experiência de 20 anos.

Atuação dos Conselhos (CONFEF / CREF’s)

    Para “fiscalizar” o exercício da profissão, na área da Educação Física, existem os conselhos que regulamentam a profissão, o CONFEF – Conselho Federal de Educação Física, e os CREF’s – Conselhos Regionais de Educação Física.

    É importante fazer uma ampla análise crítica para podermos perceber a política implantada e quais são as reais intenções dos conselhos. Inicialmente, é importante deixar muito claro que a regulamentação da profissão está ligada à lógica capitalista, de se adequar ao sistema para ser reconhecida e de auferir maiores lucros. Este discurso dos conselhos de serem entidades “em defesa da sociedade” é pura demagogia. Os conselhos querem é defender seus interesses e ter um número cada vez maior de filiados, aumentando assim suas arrecadações.

    Depois da regulamentação da profissão e da criação dos conselhos, estes desenvolveram uma ampla política de filiação. “Num primeiro momento, baseou-se na opressão, ameaça e repressão aos contrários à sua ideologia. Intimidou estudantes e professores com a obrigatoriedade do registro profissional, cooptou dirigentes e diretores de faculdades de Educação Física, impôs sua plataforma política pela força da lei” (SADI, 2005, p. 114).

    Para se filiar aos conselhos a única exigência é realizar o pagamento das taxas de filiação, não existe nenhum teste de conhecimento específico. Numa profissão que mexe com aspectos importantes, relacionados à saúde da população, e que cresce tão rapidamente como a Educação Física, permitir filiações com base apenas no pagamento de taxas é admitir que o dinheiro seja mais importante do que os outros aspectos.

    “A obrigação ao registro com o respaldo da sociedade pelo reconhecimento da profissão é uma bandeira viva do Conselho, que atrai adeptos e defensores, de um lado, pela força do argumento, do outro, pelo argumento da força” (SADI, 2005, p. 115).

    Para entendermos como realmente funciona a política dos conselhos, temos que entender que existem duas áreas distintas na Educação Física: a área formal (escolas, universidades) e a não-formal (academias, clubes). É preciso esclarecer, e logicamente isso não é divulgado, que os conselhos não podem intervir em nada na área formal de ensino, o professor é uma profissão há muito tempo reconhecida e assegurada pela constituição brasileira, o exercício da profissão de professor é regulado pela habilitação específica, registrada no MEC e pelo cargo assumido na escola. Por isso os conselhos não podem fiscalizar, exigir filiações, etc. Então o conselho perdeu interna e inteiramente uma área de atuação.

    Estabelecendo a divisão nestas duas áreas, veremos ainda que sempre a área não-formal seria mais valorizada. Na área formal (escolar) não existe a presença capitalista de consumo com a mesma intensidade da área não-formal (com exceção de algumas escolas particulares). Mesmo assim, nessa área não tem como incentivar exacerbadamente o consumo, o modelo do profissional liberal, como é feito na área não-formal, e os lucros são muito inferiores porque não se tem a quem vender os produtos e os serviços. Só esses motivos já seriam suficientes para os conselhos darem mais importância à área não-formal, pois a área formal não se molda perfeitamente às exigências do sistema econômico, mas afora isso, ainda existe a impossibilidade destes intervirem na área formal. Então é normal que a área formal (escolar) sofra um “quase abandono”, como vem acontecendo atualmente, e as atenção se voltem à área que trará maiores lucros e que realmente se adéqua ao sistema capitalista, a área não-formal (academias, clubes).

    Para recuperar esse espaço perdido com a perda da área formal, os conselhos têm basicamente duas saídas. A primeira opção é aumentar sua influência na área não-formal. Se analisarmos a situação de um modo geral, veremos pontos importantes que influenciam essa realidade: a regulamentação da profissão está ligada à lógica capitalista de ter que adequar ao sistema para ser reconhecida; após o reconhecimento da profissão, teve de haver a divisão do curso quanto à formação acadêmica, entre licenciatura (área formal) e bacharelado (área não-formal); a mídia, como principal alicerce do sistema, o de propaganda para o capitalismo, evidencia a busca pela melhoria da saúde, principalmente em espaços privados, como academias, clubes, etc; nesses espaços são incentivados a compra e o consumo de produtos esportivos de toda natureza, como roupas, suplementos, etc; então passa-se o aspecto de uma profissão liberal, de independência e de prestação de serviços para atrair mais profissionais para esta área; cria-se um sistema onde procura-se estimular a escolha pelo curso de bacharelado, que é a área onde o conselho pode atuar e assim pode ter mais filiados, e diminuir a procura pela licenciatura; os donos das empresas investem em máquinas e infra-estrutura, principalmente em locais de maior poder aquisitivo, e usam o poder da mídia para atrair mais “clientes” (no entanto, geralmente pagam mal o profissional).

    “A expansão do mercado de atividade física e saúde é divulgada pelo sistema CONFEF/CREF que enfatiza e promove o crescimento/desenvolvimento de academias de ginástica (...)” (SADI, 2005, p. 110). Conseqüentemente, tenta-se, de várias maneiras, induzir os estudantes a optarem pelo curso de bacharelado.

    Para vermos como isso é feito, analisemos um trecho da matéria publicada na Revista “E.F.”, do Conselho Federal de Educação Física, escrita por Jorge Steinhilber (presidente do CONFEF) e intitulada "Licenciatura e/ou Bacharelado: Opções de graduação para intervenção profissional":

    “são duas formações distintas com intervenções profissionais separadas. Para o LICENCIADO é exclusividade atuar especificamente no componente curricular Educação Física na educação básica, e ao BACHARELADO é impossibilitada a atuação docente na educação básica [...]. Dessa forma, se conclui que aqueles alunos que desejarem atuar como Professores de Educação Física Curricular na Educação Básica devem procurar freqüentar o curso de LICENCIATURA, e aqueles outros que desejarem atuar em demais nichos do mercado de trabalho específico da Educação Física, devem procurar cursos superiores de GRADUAÇÃO (bacharelado conforme já esclarecido), estando claro que um formado em curso de licenciatura não poderá atuar na área do formado em curso de "bacharelado" e vice-versa” (p. 20).

    Quando o autor afirma que “o LICENCIADO é exclusividade atuar especificamente” ele enfatiza duas vezes, ao utilizar as palavras exclusividade e especificamente, que o licenciado só poderá atuar naquela área. No caso do bacharelado, não tem dizendo onde o profissional pode atuar, e sim onde ele não pode atuar, na educação básica (formal). Em seguida, o autor afirma que o aluno que deseje atuar como professor deve procurar a licenciatura. Enquanto os “que desejarem atuar em demais nichos do mercado de trabalho” devem procurar o bacharelado. Ao afirmar isso, ele dá uma idéia de que o bacharelado pode atuar em todas as outras áreas, com exceção de apenas uma, sendo assim, não é uma área restritiva como a educação básica, que é um campo muito maior e com mais opções de trabalho. Por isso, é melhor e deve-se procurar essa área de graduação superior. Mas isso é lógico, se o CONFEF só pode “fiscalizar” esta área e o texto foi escrito pelo presidente do órgão, evidentemente ele vai passar a impressão que esta área é muito melhor.

    A segunda opção dos conselhos é tentar ampliar suas responsabilidades (entendam-se os seus direitos) sobre várias outras áreas. Os conselhos querem “fiscalizar” um maior número de áreas possíveis para poder, na prática, tentar aumentar o número de filiados e ter uma maior arrecadação, aumentar os seus lucros.

    Assim, os conselhos tentam conseguir direitos sobre a área formal de ensino e sobre várias outras áreas como a dança, capoeira, folclore, lutas e artes marciais, yoga e até acupuntura (afirmar que o profissional de Educação Física pode atuar com acupuntura me parece, além de arrogante, cômico), com a desculpa de que essas atividades são compostas de exercícios físicos conduzidos por intervenção pedagógica e, por isso, devem ser responsabilidades do profissional de Educação Física. No entanto, os conselhos vêm sofrendo sucessivas derrotas na tentativa de conseguir pra si o direito de “fiscalizar” estas áreas.

    Foi recusado o projeto de lei 2.939/00 que previa a dança vinculada ao sistema CONFEF/CREF. O projeto de lei 7.370/02 excluiu as artes marciais, capoeira, a yoga e a dança da fiscalização dos conselhos. Existe o projeto de lei 3.559/00 que visa excluir do registro e da fiscalização dos conselhos da Educação Física as tradições culturais, mestres, instrutores e monitores de iniciação e especialização esportiva.

    Uma das ações dos conselhos é tentar acabar com a atuação dos “leigos”, por afirmar que o conhecimento científico não advém da experiência prática, mas isso é uma grande contradição. Como afirmar isso se os próprios conselhos, que se dizem defender os profissionais e a profissão, ainda fazem mini-cursos aos finais de semana para habilitar professores, os chamados provisionados? Se o conhecimento não advém da experiência prática, então como os conselhos permitem os alunos (estagiários), principalmente os de semestres iniciais, trabalharem?

    A política dos conselhos é repleta de contradições e incoerências, o discurso atual vai totalmente de encontro aos interesses mostrados antes da aprovação da lei que regulamenta a profissão. “Consideramos que a atuação do Conselho Federal, de maneira geral, mostra-se em provável desacordo com os aspectos legais verificados na Constituição Federal e na Lei propriamente dita, necessitando de estudos mais aprofundados e específicos sobre a legalidade das suas ações para melhor esclarecer o real objetivo de certas decisões que foram tomadas nesta gestão” (MONTEIRO & GARCIA, 2006).

    Não se tem uma fiscalização em relação à habilitação e a prática profissional, professores com habilitação em licenciatura atuam no setor não-formal e vice-versa. Pode-se afirmar ainda que os conselhos não fazem nada pra defender os profissionais. Paga-se a filiação e a anuidade e não se tem benefício nenhum em troca, não existe fiscalização adequada (com exceção de grandes academias nas capitais), não existe efetivamente nenhum apoio dos conselhos aos profissionais. Paga-se apenas por pagar.

Visão do profissional frente à sociedade

    Em relação a este ponto, inicialmente é preciso estabelecer uma diferenciação entre o professor e o profissional de Educação Física. Essa diferença também vai interferir na forma com que estes são vistos frente à sociedade.

    O professor de Educação Física é aquele que ministra aula e está ligado à rede formal de ensino (escolas, universidades). Analisando a área escolar, a visão do “professor de física” (como é comumente conhecido) é daquele professor que não faz nada, apenas entrega uma bola e coloca os alunos pra jogarem. Isso é uma verdade em muitos casos, principalmente em escolas públicas.

    Esse fenômeno tem, principalmente, duas influências. Uma é histórica, pois desde a década de 70 que a Educação Física escolar vinha sendo trabalhada com vistas à formação de atletas para as diversas modalidades esportivas. E a outra é filosófico-metodológica, muitos professores (principalmente os de escolas e universidades públicas) não tem fiscalização e acabam não se preocupando com planejamento, assiduidade, elaboração de aulas e acham que podem ministrar suas aulas de qualquer forma. É muito mais cômodo não perder tempo e não planejar aula, faltar ou fazer o planejamento de qualquer forma, principalmente se não tem a quem prestar contas.

    O profissional de Educação Física é aquele que está ligado à rede não-formal da área (academias, clubes). Este acaba se adequando a lógica capitalista destas instituições e passa a viver no mundo regido pelo capital onde a realidade, os deveres e as obrigações diferem totalmente do professor. A experiência profissional deste está sendo transformada em competência profissional para empregabilidade, ou seja, competência para manter o emprego frente ao grande número de profissionais em busca de vagas. Muitas vezes a empregabilidade é maior do que a experiência profissional e/ou conhecimento específico

    A visão deste frente à sociedade não é muito diferente, geralmente é visto como aquele que só tem músculo, que só sabe “puxar ferro”, que não precisa se preocupar em ensinar nada e geralmente não tem inteligência. Em parte o próprio profissional tem muita responsabilidade nisso, muitas pesquisas, com professores da área não-formal, apontam que estes profissionais dão muita importância às disciplinas da saúde (biomecânica, fisiologia) e deixam de lado as disciplinas humanas (sociologia, filosofia). Mas, se estamos trabalhando e nos relacionando com pessoas, é de fundamental importância que dominemos e demos importâncias as duas áreas disciplinares em igualdade, precisamos acabar com essa visão de dicotomia e passar a ver o ser humano integralmente. Outro grande problema desta área, devido à instabilidade profissional, à empregabilidade e ao grande número de profissionais existentes, é a falta de ética que existe nas relações entre professores, patrões e alunos. Isso ajuda a prejudicar muito a imagem do profissional.

    Se analisarmos bem as duas categorias de profissionais, poderemos perceber que estes se diferem muito e se distanciam em sua prática profissional. Então, se já tínhamos dois grupos na Educação Física (os mais práticos e os mais teóricos), agora temos outros dois (os professores e os profissionais). Mas a verdade é que, independente do tipo de trabalho exercido e da área de atuação, precisamos rever nossas práticas se quisermos mudar nossa imagem perante a sociedade para sermos mais reconhecidos e valorizados.

Soluções

    É interessante que nesse tipo de estudo crítico se apontem possíveis soluções para a resolução dos mencionados problemas. Isso é outro ponto onde também ocorrem equívocos. Muitos preocupam-se em criticar, apontar erros e defeitos, mas poucos preocupam-se em apontar soluções. Não significa, necessariamente, que as soluções, aqui apresentadas, possam resolver de forma satisfatória todos os problemas, mas podem dar uma direção para que venham outras melhores.

    A meu ver, dentre as possíveis soluções para a resolução desses problemas estaria, em primeiro lugar, uma boa formação acadêmica. Esta, baseando-se principalmente na criticidade. A universidade tem importância fundamental na formação e solidificação do aluno, não apenas na aquisição de conhecimentos, mas na sua formação humana também.

    Essa formação poderia ser aliada a uma maior fiscalização por parte do governo sobre as instituições (principalmente as privadas), seja em um maior rigor quando da abertura e concessão de autorização para funcionamento dos cursos, seja em uma avaliação periódica para medir o desempenho desses cursos.

    Extinção da divisão do curso em licenciatura e bacharelado. Acredito que a formação possa e deva ser multidiversificada, o aluno deve conhecer um pouco dos vários campos da Educação Física. Depois, então o acadêmico escolheria e se especificaria na área de trabalho que se identificasse mais.

    Outro ponto seria a proibição da atuação remunerada de estudantes no campo de trabalho. Como já foi exposto anteriormente, esse fato não implicaria em perdas para os estudantes, mas implicam em grandes perdas para o profissional. Se o argumento for a experiência profissional, este poderia estagiar de graça. Se o argumento for a questão financeira, este poderá trabalhar em outra área que não fosse a Educação Física.

    Instituir um teste rigoroso para avaliação dos profissionais e para estes poderem exercer a profissão depois de graduados, semelhante ao teste da OAB. O número de profissionais está crescendo muito rápido e isso poderia selecionar apenas os que realmente têm competência para exercício profissional.

    A criação de um piso salarial nacional também teria de grande importância profissional, pelo menos fixava um preço mínimo para prestação dos serviços nas diversas funções (academia, escola, personal tainer, etc). Entenda-se, não seria um único preço pra todas essas funções e sim um preço para cada função. Alguns afirmam que isso faria com que todos os profissionais receberiam apenas o mínimo. No entanto, a profissão em geral sairia ganhando, pois todos teriam pelo menos o mínimo assegurado. Mas, certamente, os bons profissionais continuariam se destacando e ganhando mais e não apenas o mínimo.

    Uma excelente saída seria a divisão das duas áreas de atuação profissional em duas profissões diferentes. O professor ficaria com a designação da profissão de Educação Física, por ter historicamente esta nomenclatura e desenvolver aspectos educacionais propriamente ditos. O profissional receberia a designação de outra profissão, “profissional de fitness”, por exemplo. Estas seriam duas profissões diferentes, assim como temos a Educação Física e a Fisioterapia, por exemplo.

    Outra saída interessante seria um processo semelhante ao qual passa a área do jornalismo. Revogava-se a lei que regulamenta a profissão da Educação Física (desregulamentando-se assim os conselhos) e regulamenta apenas o profissional. É importante salientar que os conselhos não estão preocupados em defender os interesses dos profissionais da área e sim defender seus interesses e proporcionar o aumento de seus recursos financeiros.

    Precisamos procurar soluções para tentarmos encontrar novos caminhos para a Educação Física, mas estas precisam ser soluções éticas para a resolução dos problemas. Infelizmente isso não vem ocorrendo muito na área, há uma busca muito grande pelo sucesso desejado onde o importante é consegui-lo a qualquer custo e não importando os meios.

Novos conceitos propostos para a área

* estas definições já são propostas por SADI (2005).

Reflexões

    Acredito que muito ainda possa ser estudado, escrito, refletido e, principalmente, debatido sobre a área. Esses debates, desde que sejam de forma civilizada e educada, é que podem fazer um maior crescimento da profissão e dos profissionais. Mas pra isso, precisamos andar juntos e caminharmos na mesma direção e com o mesmo objetivo, a melhoria e maior valorização da Educação Física.

    O meu objetivo é que daqui a algum tempo tudo, ou a grande maioria do que está escrito aqui, possa ser considerado ultrapassado e que não reflita mais a situação atual. Devemos procurar saídas para esses problemas e não apenas esperar que as coisas aconteçam. Também devemos apontar possíveis soluções. Como já foi dito, criticar e mostrar erros é muito fácil, qualquer pessoa pode fazer isso. O difícil é tentar fazer algo pra mudar!

    Coloco-me à disposição para que possam me enviar críticas ou elogios, e para que possamos realizar este debate. Seria interessante podermos trocar informações sobre a situação atual da Educação Física em diferentes regiões para termos uma idéia geral a respeito da área.

Bibliografia

Outros artigos em Portugués

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revista digital · Año 13 · N° 128 | Buenos Aires, Enero de 2009  
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