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A dança no contexto da educação física. Uma análise 

da prática de ensino no processo de formação docente

 

*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR)

Especialização em Personal e Populacional Training

Professora de ballet no Colégio Marista Pio XII (PG/PR)

Formada em ballet clássico pela Escola do Teatro Bolshoi no Brasil

**Docente do Curso de Graduação de Educação Física e do

Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR)

Doutora em Ciência da Atividade Física e do Esporte (UNILEON/ES)

Mestre em Educação (UNIMEP/SP). Professora pesquisadora

Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Física Escolar e Formação de Professores (GEPEFE).

Fabíola Schiebelbein Capri

fabicapri@ig.com.br

Sílvia Christina Madrid Finck

scmfinck@uol.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este trabalho descreve o estudo realizado numa instituição de ensino superior particular, da cidade de Ponta Grossa-PR (Brasil) onde a questão investigada refere-se primeiramente à análise das propostas da dança no Processo de Formação de Professores (PFP) do Curso de Licenciatura em Educação Física (EF), também investiga qual o espaço que a dança ocupa na escola, especificamente nas aulas desta disciplina. As questões levantadas para a análise deste estudo, tiveram o acompanhamento da disciplina de Estágios Supervisionados II, no ano letivo de 2007. O principal objetivo deste estudo foi investigar nos discursos dos professores atuantes e de acadêmicos de EF, quais as situações que os levaram a negligenciar propostas com dança nos planos de ação e prática de ensino. Para tanto valemos da oportunidade de acompanhar 23 acadêmicos, na realização das atividades de estágio, em 15 escolas da cidade de Ponta Grossa, sendo três escolas da Rede Particular de Ensino, sete escolas da Rede Municipal de Ensino e cinco escolas da Rede Estadual de Ensino. A atuação dos acadêmicos nas escolas se deu nas séries iniciais e finais do ensino fundamental (3º à 8º série), totalizando uma carga horária de 60 h/a de observação das aulas dos professores e 60 h/a de prática de ensino experenciada. Neste processo, que totalizou 120 h/a de acompanhamento dos alunos no PFP, pudemos reconhecer a ausência de conteúdos de dança nas práticas de ensino tanto dos professores de EF como na dos acadêmicos. Abranger a dança neste estudo é mais que uma indicação legal, busca-se defender a inclusão e permanência da dança das aulas de EF na escola, evidenciando que a sua efetiva prática favorece adequado processo de auto conhecimento corporal, educação do senso rítmico, expressão não verbal, desenvolvimento humano e formação integral do educando.

          Unitermos: Educação Física escolar. Dança. Formação de professores.

 

          A temática deste trabalho foi apresentada na forma de comunicação pelas autoras, com outro formato e título, no VIII Congresso Nacional de Educação (EDUCERE) - III Congresso Ibero-Americano sobre violências nas escolas (CIAVE), Edição Internacional 2008, na cidade de Curitiba/PR/Brasil, na PUCPR (novembro, 2008).

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 128 - Enero de 2009

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Introdução

    No processo de globalização em que vivemos percebemos que cada vez menos os pais têm tempo de cumprir seu papel de educador, designando, muitas vezes, para a escola grande parte do processo de formação dos filhos. Encontramos respaldo a esta reflexão nas palavras de Paulo Freire (1996) “formar é muito mais que treinar o educando no desempenho de destrezas”, sejam estas intelectuais ou físicas. Quando se trata de destrezas físicas, percebemos que no cotidiano escolar a Educação Física ainda vive a sombra de seu passado, associando a educação do físico à saúde corporal. “Nesse processo influenciam não apenas os militares, mas também os médicos que baseados em uma visão higienista lançaram mão da educação (grifo nosso), para definir um padrão de físico ideal (...)” (CASTELLNI, 1991).

    E assim a história da Educação Física traça suas premissas dentro e fora do contexto escolar; ora com características militares “estudante cansado e enquadrado nas regras do esporte não tem disposição para entrar na política” (CUNHA & DE GÓES, 1985); ora com características esportivistas (década de 70 e 80) visando o aperfeiçoamento do gesto técnico e até com atitudes eugênicas.

    Porém o que mais temos percebido é a supremacia do esporte perante os outros conteúdos componente da cultura corporal, ou seja, sobre a ginástica, o jogo, a dança a mímica e as lutas. (SOARES et. al, 1992 p. 216).

    Podemos dizer que estas situações ainda persistam nas aulas de Educação Física, como nos aponta muito bem as palavras do autor abaixo:

    Nos cursos superiores, os discentes receberam os ensinamentos fragmentados, numa visão da pedagogia positivista [...]. As licenciaturas não garantiam a visão do homem que se movimenta intencionalmente em situação de jogo, de esporte, de dança, de ginástica ou de lazer, nem garantiam o status de disciplina acadêmica para a ‘atividade’ Educação Física. (MOREIRA, 1992, p. 203).

    Esta é uma reflexão pertinente, pois a atuação dos profissionais da área demonstra indicadores que ainda hoje a Educação Física segue, muitas vezes, linhas mecanicistas tendo como principal objetivo educar as partes e não o todo, fragmentando os conhecimentos do ser que sente e pensa (FREIRE, 1991). Dessa forma a crise e a legitimidade dentro dessa “disciplina escolar obrigatória” (artigo 26, parágrafo 3º da LDB) ainda tangenciam os espaços nas escolas brasileiras com uma supervalorização dos aspectos competitivos, de culto ao corpo e de modismos.

    Bracht (2003) em seu estudo sobre a legitimidade da Educação Física, argumenta as várias faces que poderiam justificar o espaço (ou a falta dele) e a presença da disciplina no currículo escolar. Mas afinal, Educação Física para quê? Tentando responder a esta pergunta, muitas vezes nos deparamos com argumentações; talvez sem muita reflexão; que tentam justificar de muitas maneiras o espaço que a Educação Física ocupa dentro da escola. Esta é uma indagação que todos os profissionais da área poderiam neste momento tentar responder, repensando suas ações pedagógicas e idealizando-as em “transformar – ações” pedagógicas para as aulas de Educação Física escolar.

    Ao refletirmos sobre a legitimidade que deveria justificar a presença da Educação Física na escola, iniciamos o questionamento sobre a especificidade da dança nas aulas de Educação Física (objeto deste estudo).

Desenvolvimento

A dança no processo de formação de professores

    A dança faz parte da história humana, é uma das formas mais antigas de expressão nas mais diferentes culturas e tem acompanhado a evolução do homem desde os primórdios, passando de ritual para manifestação da elite social, e segue em constante evolução de acordo com os movimentos sociais.

    Segundo Nanni (1995) a dança passou a existir e teve seu desenvolvimento à medida que o homem sentiu a necessidade de se comunicar; porém, nos dias atuais não pode ser percebida apenas como resultado de um processo histórico das civilizações; com suas particularidades religiosas, seus costumes, comportamentos e lazer; mas também como a imagem da capacidade de expressão humana e cultural dos povos.

    Mesmo com todas as riquezas culturais herdadas com o passar dos anos, a dança não se limita a repetir formas tradicionais e acadêmicas, com o que de certa forma se estagnaria, ela se transforma de acordo com as idéias estéticas de cada tempo e lugar, incorporando as inovações técnicas, rítmicas, visuais, expressivas e estéticas, com linguagens e possibilidades expressivas semelhantes.

    A dança está presente como eixo norteador da disciplina Educação Física desde 1997, como um dos conteúdos da cultura corporal, como nos aponta os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), embora neste documento a denominação utilizada seja “Atividades Rítmicas e Expressivas”. Como conteúdo a ser desenvolvido na escola a dança é sugerida em duas áreas de atuação “Educação Física e Artes”, ainda está presente nos conteúdos do livro didático da Secretaria de Educação do Estado do Paraná e como disciplina acadêmica em muitos cursos de Ensino Superior em Educação Física.

    Na atualidade são muitos os nomes que mascaram o trabalho da dança na escola. Marques (1997) questiona sobre que nome deveria se dar à dança na escola: Expressão Corporal? Dança Educativa? Educação pelo/do/no movimento? Na área da Educação Física a nomenclatura mais utilizada é “Atividades Rítmicas e Expressivas”, acreditamos que hoje esta terminologia é utilizada para distinguir dos conteúdos abordados na disciplina de Artes. Atividades Rítmicas dança escolar, atividades expressivas, são algumas possibilidades de nomenclatura que estão sendo utilizadas hoje na escola e academias visando talvez minimizar impactos sociais àqueles que ainda consideram a dança como prática somente para o feminino, ou até mesmo para conquistar mais adeptos para a prática.

    Não entraremos no mérito das nomenclaturas, porém vale esclarecer que entendemos que Atividades Rítmicas e Expressivas, são conteúdos que estão inseridos diretamente no trabalho de dança, pois, ela é rítmica e expressiva com gestos virtuais oriundos de sentimentos imaginados, sendo o movimento humano o seu elemento mais importante; visto isso, esclarecemos que para este estudo estaremos evidenciando a nomenclatura “dança” como proposta da Educação Física.

    Os fatos apontam para uma diretriz favorável no que diz respeito a um espaço que é previsto para a dança dentro do processo de formação e das aulas de Educação Física na escola. Porém será que ela realmente é vista como conteúdo importante nas escolas e nos Cursos de Licenciatura em Educação Física? De que maneira o acadêmico é preparado para atuar com os conteúdos de dança na escola? De que maneira o acadêmico vem utilizando seus ensinamentos acerca do assunto proposto em suas práticas de ensino? Será que a escola está realmente aberta para conteúdos rítmicos e expressivos nas aulas de Educação Física? Estas foram as questões levantadas para análises deste estudo, com o acompanhamento da disciplina de Estágios Supervisionados II, no ano letivo de 2007, no curso de Licenciatura em Educação Física, numa instituição particular de Ensino da cidade de Ponta Grossa.

O desenvolvimento da disciplina de estágio supervisionado: possibilidades de reflexão e intervenção

    A disciplina possibilitou um amplo espaço de reflexão e intervenção da Prática de ensino, pois o Estágio não foi realizado em apenas uma escola, os acadêmicos tiveram a possibilidade de escolher as escolas para atuação, fato que ampliou o universo da pesquisa. Foram acompanhados 23 acadêmicos em 15 escolas diferentes da cidade de Ponta Grossa e região, sendo três escolas da Rede particular de Ensino, sete escolas da Rede Pública Municipal e cinco Escolas da Rede Estadual de Ensino. O Estágio foi realizado pelos acadêmicos nas séries iniciais e finais do ensino fundamental (3º à 8º série), totalizando uma carga horária de 60 h/a de observações das aulas dos professores efetivos das escolas e 60 h/a de Prática de ensino experenciada pelos acadêmicos. Neste processo, foram totalizadas 120 h/a de acompanhamento dos acadêmicos nesse processo, assim pudemos também constatar a ausência de conteúdos de dança nas práticas de ensino.

    Nas observações realizadas pelos acadêmicos, foi constatado que em 60 h/a nenhum professor das 15 escolas participantes, trabalhou com os conteúdos de dança durante esse período. Quando questionados sobre seu plano de ação e falta destes conteúdos nas aulas de Educação Física, 10 dos professores entrevistados relataram que este conteúdo é abordado por eles normalmente no mês de maio com os ensaios para a festa junina da escola. E 05 professores relataram que não costumam trabalhar com os conteúdos de dança na escola por falta de conhecimento e experiência.

    Observamos na fala de 10 professores o reducionismo da área ao se trabalhar a dança na escola somente como ensaios de festa junina, sabemos que a dança é muito mais do que ‘festinhas’! Tais apontamentos são importantes para refletirmos que o descaso dos professores de Educação Física para com a dança reflete evidentemente na aceitação dos alunos para com estes conteúdos. Ora, como os alunos irão gostar de algo que nunca vivenciaram? Ou como gostar de algo que sempre se repete como ensaios de quadrilha?

    Nas inúmeras possibilidades existentes que se relacionam com o corpo e com o movimento humano, a escola hoje é um lugar privilegiado para as multi-ações pedagógicas, que busca o desenvolvimento do potencial criativo e imaginativo dos alunos. Sendo assim, a dança (presente somente nas datas comemorativas e festinhas) pode e deve ser conteúdo programático com finalidade específica na formação e no desenvolvimento geral do educando.

    A escola hoje é sem dúvida um lugar privilegiado para aprender dança com qualidade, profundidade, compromisso, amplitude e responsabilidade, para que isto aconteça e, enquanto ela existir a dança não poderá mais continuar sendo sinônimo de “festinhas de fim de ano” (MARQUES, 1997).

    No que diz respeito à fala de 05 professores atuantes, os mesmos dizem não ter conhecimento e experiência com a dança, percebemos, de certa forma, o descaso em relação ao processo de formação continuada, pois acreditamos que o professor deve estar sempre em busca de novos conhecimentos, novos desafios para que sua atuação não se torne estanque e descontextualizada. Como é possível o professor simplesmente negligenciar determinados conhecimentos aos seus alunos por falta de conhecimento, experiência ou afinidade com a área?

    Diante dessa realidade, percebemos a necessidade de nós educadores estarmos inseridos no processo pedagógico escolar; que em sua totalidade não deve apenas ensinar a ler e a escrever; tenhamos, portanto, um olhar atento aos procedimentos inovadores que permeiam a prática escolar. O profissional que educa não pode mais limitar-se somente a sua área atuação, a escola e os alunos clamam por profissionais visionários que estejam inseridos não apenas no contexto escolar, mas que estejam integrados e interessados no mundo que os cerca; um mundo múltiplo e relacional buscando assim formar um sersocial atento às questões sociais, a pluralidade cultural, a diversidade, as diferenças, a natureza, as tecnologias, a educação e as relações humanas.

    No que diz respeito à atuação dos acadêmicos na Prática de ensino, o que pudemos observar na escola é que, apesar da dança ter feito parte do processo de formação destes acadêmicos no Curso de Licenciatura, foi conferida uma vantagem aos outros conteúdos da Educação Física na Prática de ensino. Quando os acadêmicos foram questionados sobre a escolha de conteúdos, as respostas obtidas quase sempre indicam a afinidade com os conteúdos esportivos para serem trabalhados nos estágios, acreditando fielmente que esta situação facilitaria sua atuação na prática. Quando levantada à questão sobre a possibilidade de inserir a dança nos seus planos de aula, no Estágio, as respostas assim se apresentaram: não tenho tanta experiência na área; é difícil trabalhar o conteúdo com os meninos; a escola não oferece espaço físico apropriado e não possui aparelho de som; não sei dançar como vou dar aula!

    Dentre os 23 acadêmicos tivemos apenas uma estagiária que em seu Projeto de Estágio, inseriu a dança para ser desenvolvida com os alunos das séries iniciais do ensino fundamental (3º e 4º série).

    Ao refletirmos sobre as respostas dos acadêmicos, os argumentos apontam para as questões estruturais do conhecimento, que ainda evidenciam na dança as situações de desempenho, questões que vem de encontro aos preconceitos sociais, onde a dança ainda é vista para o feminino; e as situações de espaço físico escolar, que na visão dos acadêmicos deveria ter um espaço mais apropriado.

    Estes dados foram muito interessantes, pois em relação à estrutura de conhecimento, verificamos que por mais que os acadêmicos tenham tido aulas de dança na faculdade, com carga horária igual às disciplinas de vôlei, basquete, futebol e outras, e com conteúdos totalmente focados para o trabalho com a dança no contexto escolar, estes privilegiaram em sua atuação de Estágio as modalidades esportivas e os jogos cooperativos. Tal fato ocorre pela interpretação errônea de que para se ensinar dança na escola, o profissional tem que ser um bom dançarino, e não um bom professor.

    Devemos sempre lembrar que as aulas de Educação Física escolar oferecem espaços de possibilidades de diversas aprendizagens motoras o qual o aluno tem direito. Recorrer aos conteúdos importantes da cultura corporal é uma obrigação do professor de Educação Física; na atuação docente não é idôneo negligenciar ao aluno as possibilidades de conhecimento meramente por questões pessoais. Estas são questões que precisam ser bem discutidas nos cursos de formação, pois a não apropriação e aplicação dos conteúdos de dança na escola tem impossibilitado as crianças de terem acesso a este conhecimento.

    Ao pensarmos em dança, seria importante e ideal se todas as escolas possuíssem uma sala ampla, com espelhos, aparelho de som, piso apropriado, do mesmo modo que ao pensarmos nos esportes, imaginaríamos ginásios bem estruturados, quadras poli - esportivas bem demarcadas e cobertas, equipamentos apropriados, entre outros. Porém não foi essa a realidade encontrada na maioria das escolas onde os acadêmicos realizaram seus estágios; e apesar das estruturas precárias, o esporte, com algumas limitações, foi o conteúdo mais trabalhado pelos acadêmicos nas aulas de prática de ensino, e quando existia uma variante esta era a recreação e os jogos cooperativos. Nos relatos de experiência sobre os estágios, os argumentos dos acadêmicos eram de que as próprias crianças pedem o esporte, e para que a aula de Educação Física se caracterizasse era preciso ter atividades com bola.

    Nossa reflexão se estende a estes aspectos de estrutura física, discutindo que mesmo que a escola não possua espaço apropriado “o joguinho” (termo utilizado pelas crianças na escola e transcrito nos relatórios de estágio) nas aulas de Educação Física é realizado da mesma forma.

    Será que para propor ações pedagógicas com dança não haveria possibilidade de se conseguir uma sala de aula? Pensamos que para se trabalhar com a dança em uma sala de aula padrão é preciso que o professor esteja disposto e também tenha uma concepção diferenciada da dança. Algumas ações podem ser utilizadas pelo professor, desde afastar cadeiras, para adequar minimamente o espaço, como ações pedagógicas relacionadas à elaboração do planejamento de seqüências coreográficas apropriadas a faixa etária, pesquisar músicas, entre outras.

    Acreditamos que talvez o que seja o ponto de maior ‘desgaste’ ao professor seria explicar, encorajar e argumentar com os alunos sobre a importância do aprendizado de outros tipos de atividades físicas na escola, que o ‘joguinho’ é divertido e importante, mas que o espaço escolar deve estar aberto a novas possibilidades de aprendizado motor.

    Nos argumentos utilizados pelos acadêmicos para a não inclusão dos conteúdos de dança em seus planos de aula, está também a questão dos preconceitos que existe por parte dos meninos para com o trabalho de dança nas aulas de Educação Física. A questão de gênero é uma discussão muito importante de ser realizada nos bancos escolares, devendo ser enfatizada também nas aulas de Educação Física.

    Será que em pleno século XXI é aceitável a discriminação de atividades físicas e modalidades esportivas por parte dos educandos? Concordamos com a autora quando menciona esta discussão assegurando que:

    A educação física, tradicionalmente, encontrou ( e isso ocorre ainda hoje) uma separação de práticas/vivências entre os sexos opostos, que se estabeleceu baseada no preconceito da desigualdade, e mais do que tudo, no da inferioridade feminina. Isto quer dizer que, quando uma diferença entre os sexos justifica a (não) participação/ vivências de um outro sexo em vivências de movimento que lhes proporcionam descoberta de potencial, estabelece-se, como sempre foi reivindicado pelos professores, ou por preconceito, ou por incapacidade de lidar com as diferenças de sexo e/ou de gênero. (SARAIVA, 1998, p. 27).

    Precisamos estar atentos a estas questões no ambiente escolar, pois são temas emergentes na sociedade contemporânea. Divisão de turmas e de conteúdos da Educação Física para meninos e meninas não é um fato aceitável nos dias de hoje, pois quais são as vantagens destas divisões se em todo o processo escolar e social restante da vida dos educandos, meninas e meninos, estarão juntos? A Educação Física deve educar não só o físico e para o gesto técnico, mas também para a formação do cidadão que entende e respeita a diversidade social, que respeita as escolhas sejam de modalidades esportivas ou de relações humanas. Porém, para a educação de valores, também é preciso que o professor esteja se despindo dos seus preconceitos sociais é preciso, portanto, atitude. E por que esta atitude não inicia com o trabalho de dança nas aulas de Educação Física escolar para turmas mistas? Futebol para os meninos e dança para as meninas faz parte de ações docentes ultrapassadas e descontextualizadas da realidade social.

Considerações finais

    Seja a dança praticada como arte, na forma lúdica ou recreacionista, ela é um fator social presente desde as mais antigas civilizações, é também uma forma de linguagem corporal, que podemos utilizar no contexto escolar como uma forte aliada no processo de formação e desenvolvimento dos escolares. Ou a dança deve permanecer na informalidade das ruas, trios elétricos, programas de auditórios? (MARQUES, 1997). Bérjat apud Garaudy (1980), evidencia que para a criança “é tão importante dançar quanto falar, contar ou aprender geografia. É fundamental para a criança que nasce dançando, não desaprender essa linguagem pela influência de uma educação repressiva e frustrante (...)” Percebemos que a criança tem espontaneidade inata para movimentar-se e realizar movimentos rítmicos a partir de uma música, estes movimentos podem não ser coordenados, mas a criança dança e se expressa através de seu corpo, cabe a escola levá-la a adquirir consciência dos movimentos, preservando a desenvoltura e espontaneidade sem reprimi-la, para que assim desenvolva todo seu potencial corporal e criativo.

    O Brasil é um país dançante, onde a maioria da sua população consegue se expressar corporalmente com facilidade nas mais diferentes festas e com os mais diferentes ritmos no território nacional, quais são os motivos que levam a escola não aproveitar tais características? E o que leva o professor de Educação Física a não desenvolver tais aptidões e desenvolturas em prol de uma educação mais completa dos seus alunos, possibilitando-lhes uma harmonia corporal? Por que a dança é negligenciada nas aulas de Educação Física e evidenciada nas festas populares e datas comemorativas mesmo no contexto escolar? Por que o professor de Educação Física não se deixa contagiar pelos batuques, batucadas e ritmos nos seus planos de ação e de aulas? Muitos ainda se perguntam: dança nas aulas de Educação Física? Para quê?

    Como já evidenciamos anteriormente, talvez estas visões fragmentadas de uma Educação Física esportivista seja reflexo da formação acadêmica ou retrato de uma sociedade ainda preconceituosa quando se trata de dança, pois:

    As atividades de dança se diferenciam daquelas normalmente propostas pela educação física, pois não caracterizam o corpo da criança como um apanhado de alavancas e articulações do tecnicismo esportivo, nem apresentam um caráter competitivo, comumente presente nos jogos desportivos. Ao contrário, o corpo expressa suas emoções e estas podem ser compartilhadas com outras crianças que participam de uma coreografia de grupo. (STRAZZACAPPA, 2001).

    Com relação ao preparo do professor de Educação Física nos bancos universitários, destacamos que o conteúdo pode ser diferente daquele que ensinaríamos para formar professores de dança ou bailarinos. Neste caso, a preocupação deveria ser ensinar a dança como parte criativa de uma ação significativa no processo de aprendizado e desenvolvimento do educando, evidenciando que o papel do professor ao proporcionar tal prática favorece a capacidade dos escolares de criar tanto corporalmente como intelectualmente, proporcionando além do auto conhecimento corporal, a educação do senso rítmico, a expressão não verbal, o desenvolvimento humano e a formação integral.

    Expressão, sentimentos, movimentos, musicalidade, ritmo, linguagem não verbal são conexões necessárias atreladas ao movimento corporal, que constituem a dança; porém, o que se percebe além da falta de preparo nos bancos universitários para atuação com conteúdos “rítmicos expressivos”, é a falta de conhecimento individual como ser - humano que sente, pensa e se expressa além do gesto técnico e linguagem verbal. Este conhecimento de comunicação corporal expressiva não é estimulado, será que o educador, da área de Educação Física, se permite fazer uso de propostas mais prazerosas, menos hostil, mas reflexivas, menos performática e mecanicista?

    Adotando como referência os relatos de professores de Educação Física atuantes na escola e de acadêmicos em processo de formação profissional que atuaram em 2007 no campo de estágio e prática de ensino, ressaltamos a urgência de mudanças no trato com o conhecimento de dança nas ações pedagógicas na área de Educação Física escolar. Reconhecemos que há muito que ser superado na formação docente, são questões que devem ser amplamente discutidas para que assim consigamos em um futuro próximo a legitimação da dança no contexto da escola e das aulas de Educação Física.

Referências

  • BRACHT, V., et alli. Pesquisa em ação: Educação física na escola. Ijuí: Unijuí, 2003.

  • BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases (LDB), artigo 26, parágrafo 3º.

  • CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: História que não se conta. Campinas: Papirus. 1991.

  • CUNHA, L & De GÓES, M. O golpe na educação. Zahar: Rio de Janeiro, 1985.

  • FREIRE, J. B. De corpo e alma: o discurso da motricidade São Paulo: Summus, 1991.

  • FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1983.

  • TANI, G. et al. Educação Física Escolar – Fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU, 1988.

  • GARAYDY, R. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

  • MARQUES, I. Dançando na escola. Revista Motriz. Rio Claro: UNESP, vol. 3, nº I, p.20- 28, 1997.

  • MOREIRA, W.W. Por uma concepção sistêmica na pedagogia do movimento. In: Educação Física & Esportes; perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992.

  • NANNI, D. Dança Educação: Pré-escola à Universidade. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.

  • KUNZ, M. C. S. et al. Improvisação & Dança. Florianópolis: UFSC, 1998.

  • SOARES, C. L. et al. A educação Física Escolar na Perspectiva do Século XXI. Educação Física & Esportes; perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992.

  • STRAZZACAPPA, M. A educação e a fábrica de corpos: a dança na escola. Caderno Cedes. Campinas, v. 21, n 53, p. 69-83, 2001.

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