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A percepção das relações entre o ser humano 

e o mundo sobre o olhar da experiência

 

Mestre em Educação

Universidade Federal de São Carlos

(Brasil)

Cae Rodrigues

cae_jah@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          O presente texto propõe um olhar sobre as relações entre o ser-humano e o mundo, conceito essencial para se pensar a Educação Física contemporânea, sobre o olhar da experiência. Analisando o conceito de experiência em diferentes épocas, pretende-se, principalmente pela revisão do texto “Notas sobre a experiência e o saber de experiência”, de Larrosa Bondía, compreender o papel da experiência nas relações entre o ser humano e o mundo na contemporaneidade.

          Unitermos: Experiência. Relação ser-humano e mundo.

 

Abstract

          The present text proposes a glance on the relations between mankind and the world, essential concept to think contemporary Physical Education, through the eyes of “experience”. Analyzing the concept of experience in different contexts, we pretend, especially through the revision of Larrosa Bondía’s work “Notas sobre a experiência e o saber de experiência”, to understand the role of experience in the relations between mankind and the world in present days.

          Keywords: Experience. Relations between mankind and the world.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 127 - Diciembre de 2008

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    A experiência. Conceito discutido já pelos grandes pensadores gregos, e que, desde então, passou por diversas interpretações. Platão dizia que "the higher level of awareness is knowledge, because there reason, rather than sense experience, is involved. Reason, properly used, results in intellectual insights are the abiding universals, the eternal forms or substances that constitute the real world" (Microsoft Encarta, 1993). Mas será que é possível o surgimento da sabedoria ou da razão sem a experiência perceptiva? Ou será que é exatamente a experiência a ponte entre o desconhecido e o mundo real a qual se refere Platão?

    Alguns séculos adiante em nossa história como zôon lógon échon (definição de "Homem" por Aristóteles, traduzida por Larrosa Bondía (2002, p. 21) como "vivente dotado de palavras"), John Locke afirmou que "nenhum conhecimento humano pode ir além de sua experiência". Nesse sentido, o homem então só existe a partir de suas experiências, pelo menos aquele "Homem" definido por Aristóteles, uma vez que a palavra pode ser conceituada como um conhecimento humano. E a experiência, será que pode existir sem o homem?

    Para Larrosa Bondía (2002, p. 21), "a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca". Desta maneira, a experiência está diretamente relacionada com o homem, aliás, só se realiza pelo homem. "A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece" (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 21). Merleau-Ponty (1996, p. 165) completa dizendo que "(...) a experiência não é descoberta mas inventada, ela nunca é dada como o fato, é sempre uma interpretação provável". Mas qual será a relação entre a experiência e a razão da qual falava Platão? Para Larrosa Bondía (2002, p. 27), "a experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite apropriar-nos de nossa própria vida". Neste sentido, não podemos criar uma dicotomia entre esses conceitos, pois um depende do outro, e só existem a partir do momento que caminham juntos.

    E as palavras? Qual será o papel das palavras que, segundo Aristóteles, nos diferenciam de outras espécies? Chuang-Tsu (citado por Alves, 1993) se perguntava: "onde encontrarei um homem que se esqueceu das palavras? É com ele que eu gostaria de conversar". Mas Chuag-Tsu teria grandes dificuldades de encontrar tal homem, uma vez que

    as palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente 'raciocinar' ou 'calcular' ou 'argumentar', como nos tem ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. E isto, o sentido ou o sem-sentido, é algo que tem a ver com as palavras. E, portanto, também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo em que vivemos. E o modo como agimos em relação a tudo isso (Larrosa Bondía, 2002, p. 21).

    As palavras são então indissociáveis de nosso pensamento. Só pensamos a partir das palavras e, nesse sentido, o conceito de Aristóteles para o "Homem" adquire um sentido mais amplo: somos "viventes dotados de palavras", ou seja, viventes pensantes, que atribuem sentido ao que é, ao que lhe acontece e, desta maneira, se põe, ou melhor, se "ex-põe" diante do mundo (Larrosa Bondía, 2002, p. 25).

    Agora que já discutimos o conceito de experiência, podemos analisar como esta se dá nos dias atuais. Max Weber (citado por Alves, 1993) definiu os tempos modernos afirmando que "o destino dos tempos de hoje é marcado pela racionalização e, principalmente, pelo desencantamento do mundo". A pergunta então é: como fica a experiência nesses tempos de racionalização e desencantamento? Larrosa Bondía (2002, p. 21) ressalta que "(...) nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara". Então surge uma segunda pergunta: quais são os motivos para que isso ocorra? O que faz com que a experiência seja cada vez mais rara na era da comunicação e da globalização, quando temos tantas fontes de informação (televisão, revistas, jornais, Internet, rádio, etc.) disponíveis, de uma forma ou de outra, à grande maioria da população? Larrosa Bondía (2002, p. 21) destaca quatro possíveis causas para isso, começando pela própria informação:

    Em primeiro lugar pelo excesso de informação. A informação não é experiência...a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência (...) Em segundo lugar, a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião (...) a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça (...) Em terceiro lugar, a experiência é cada vez mais rara, por falta de tempo (...) A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio (...) Em quarto lugar, a experiência é cada vez mais rara por excesso de trabalho.

    O autor completa esse pensamento concluindo que

    nós somos sujeitos ultra-informados, transbordantes de opiniões e superestimulados, mas também sujeitos cheios de vontade e hiperativos. E por isso, porque sempre estamos querendo o que não é, porque estamos sempre em atividade, porque estamos sempre mobilizados, não podemos parar. E, por não podermos parar, nada nos acontece (2002, p. 21).

    As escolas tradicionais trabalham com um modelo de ensino-aprendizagem no qual o conhecimento é dado como a aquisição de informação, e como usamos esta informação dali em diante. Pois assim consideramos o conhecimento pelo caminhar de nossas vidas, um acumular de informações. Mas, "(...) 'há' prévio, no lugar, no solo do mundo sensível e do mundo lavrado tais como são em nossa vida, para nosso corpo, não esse corpo possível do qual é lícito sustentar que é uma máquina de informações, mas sim esse corpo atual que digo meu." (MERLEAU-PONTY, 1969, p. 28).

    Larrosa Bondía (2002, p. 22) destaca que "não deixa de ser curiosa a troca, a intercambialidade entre os termos 'informação', 'conhecimento' e 'aprendizagem'. Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação". Lemos livros e assistimos muitas aulas. Depois reproduzimos o que foi aprendido em conversas e escritas, sempre manifestando nossa própria opinião. "Desde pequenos até a universidade, ao largo de toda nossa travessia pelos aparatos educacionais, estamos submetidos a um dispositivo que funciona da seguinte maneira: primeiro é preciso informar-se e, depois, há de opinar, há que dar uma opinião obviamente própria, crítica e pessoal sobre o que quer que seja" (Larrosa Bondía, 2002, p. 23). Desta maneira, somos viventes dotados de conhecimento.

    Mas o conceito de experiência, como já vimos anteriormente, é muito mais amplo do que isso. "No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece. E esse saber da experiência tem algumas características essenciais que o opõem, ponto por ponto, ao que entendemos como conhecimento" (Larrosa Bondía, 2002, p. 27). A experiência, ao contrário da informação, não é igual para duas pessoas diferentes. Aliás, pela perspectiva da experiência, nem mesmo a informação é igual para duas pessoas, uma vez que a mesma informação terá significados diferentes para ambas, significados que dependem de toda a construção social do indivíduo.

    Neste sentido, Larrosa Bondía (2002, p. 27) destaca que

    se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo.

    Há quem passeie por um bosque e se maravilhe com o perfume das flores, com o frescor do vento, com a pureza da água; por outro lado, "há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira" (TOLSTÓI, citado por Alves, 1993).

    Em certa viagem à Serra da Canastra, na qual fui acompanhado por amigos e família, passei bastante tempo ao lado de meu pai, figura que admiro muito e que influencia, por meio de palavras e atitudes, meu próprio viver. Formado em Ecologia, ele gosta muito de observar os variados tipos de vegetações de cada local por qual passa, e eu aprendi a fazer o mesmo. Nessa viagem em particular, ele me mostrou uma árvore em especial, uma Copaíba, demonstrando demasiado apego à sua beleza. Eu nunca havia observado tal árvore, e tão pouco sabia seu nome. A Copaíba não existia para mim. Desde então, por diversos caminhos por qual passei, surgiram muitas Copaíbas. Aliás, lindas Copaíbas, que surgiram de uma experiência pessoal em uma viagem que foi um acontecimento especial para mim, para meus amigos e para minha família, e que destacou diferentes experiências em cada um de nós.

    A experiência também se manifesta como elemento indispensável para a ciência moderna. Mas como será que a ciência define a experiência? A ciência moderna é objetiva, e a experiência, pelo menos como definida no presente trabalho, é subjetiva. Aliás, a experiência não só é subjetiva como é singular,

    produz diferença, heterogeneidade e pluralidade (...) é irrepetível (...) tem sempre uma dimensão de incerteza que não pode ser reduzida (...) além disso, posto que não se pode antecipar o resultado, a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem 'pré-ver' nem 'pré-dizer (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 28)

    Enquanto que a ciência moderna, por meio da experimentação, é "genérica (...) produz acordo, consenso ou homogeneidade (...) é repetíve (...) é preditível e previsível" (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 28). Desta maneira, para a ciência moderna, "a experiência já não é o que nos acontece e o modo como lhe atribuímos ou não um sentido, mas o modo como o mundo nos mostra nossa cara legível, a série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade do que são as coisas e dominá-las" (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 28).

    Nunca os meios de transporte e de comunicações nos possibilitaram tamanha diversidade de experiência. Mas, por outro lado, nunca fomos tão bombardeados de informações, nem tão cobrados pelas nossas opiniões. Nunca fomos tão cobrados como indivíduos sociais, e nem como sujeitos coletivos. Vivemos não só na era da comunicação e da globalização, mas também vivemos o periodismo,

    a fabricação da informação e a fabricação da opinião. E quando a informação e a opinião se sacralizam, quando ocupam todo o espaço do acontecer, então o sujeito individual não é outra coisa que o suporte informado da opinião individual, e o sujeito coletivo, esse que teria de fazer a história segundo os velhos marxistas, não é outra coisa que o suporte informado da opinião pública. Quer dizer, um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da opinião, um sujeito incapaz de experiência (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 22).

    O ser humano já há algum tempo se perdeu entre os conceitos de "viver" e "sobreviver". Não temos mais tempo para viver, para fazer o que nos toca, o que realmente nos tem valor. Mas, pelo trabalho, ganhamos nosso pão, e podemos assim sobreviver. O grande problema é que a experiência precisa do viver.

    A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 24).

    Thomas Edison (citado pro Alves, 1993) observou que "para a maioria das pessoas, a experiência é como as luzes de popa de um barco, que só iluminam o caminho que ficou para trás". Pois viver é iluminar o presente, e deixar que as experiências do presente te iluminem também.

Referências bibliográficas

  • ALVES, Jefferson L. Sabedoria, São Paulo: Gaia, 1993.

  • LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. 2002.

  • MERLEAU-PONTY, Maurice. O Olho e o Espírito. Rio de Janeiro: Grifo Edições, 1969.

  • MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

  • PLATÃO. Platão. In: Microsoft Encarta. Microsoft Corporation, 1993.

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