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Reflexões sobre as mudanças no contexto histórico 

da dança do século XX e a dança na atualidade

 

*Professora Mestre em Educação Física – UDESC.

**Professor Doutor em Educação Física – UFSC.

(Brasil)

Fernanda Guidarini Monte*

Juarez Nascimento**

fernandamonte@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          Este artigo foi realizado a partir da adaptação de um dos capítulos da dissertação de mestrado intitulada “O processo de formação dos professores de dança de Florianópolis”, desenvolvida por meio de pesquisa descritiva com análise quantitativa e qualitativa dos dados. Esta, além de descrever o fenômeno do processo de formação dos professores de dança de Florianópolis procurou aprofundar as redes relacionais tecidas de maneira complexa inerentes a toda formação. As entrevistas realizadas, com 24 professores de dança das modalidades Ballet Clássico e Dança Contemporânea, proporcionaram uma análise a cerca das mudanças no contexto histórico da dança em Florianópolis. Nos relatos foi possível observar as diferenças existentes na dança em Florianópolis a partir da década de 90, relacionadas à visão de educação dos pais, a importância do Ballet Clássico enquanto “dança-mãe” e o valor social da dança representado por meio da mídia. Considerando o panorama contextualizado historicamente, conclui-se que existem mudanças significativas na forma de perceber a dança, de conceituá-la e de apresentá-la e que essas são bastante evidentes. As reflexões realizadas ressaltam aspectos positivos e negativos do que se foi e do momento atual.

          Unitermos: Dança. Contexto histórico. Mudanças.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 127 - Diciembre de 2008

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    Este artigo foi realizado a partir da adaptação de um dos capítulos da dissertação de mestrado intitulada “O processo de formação dos professores de dança de Florianópolis”, desenvolvida por meio de pesquisa descritiva com análise quantitativa e qualitativa dos dados. Esta, além de descrever o fenômeno do processo de formação dos professores de dança de Florianópolis procurou aprofundar as redes relacionais tecidas de maneira complexa inerentes a toda formação. As entrevistas realizadas, com 24 professores de dança das modalidades Ballet Clássico e Dança Contemporânea, proporcionaram uma análise a cerca das mudanças no contexto histórico da dança em Florianópolis.

    A idéia e os valores da dança foram se modificando com o tempo e com a história. Nos relatos foi possível observar as diferenças existentes na dança em Florianópolis a partir da década de 90.

    Em relação às idéias, constatou-se a compreensão do Ballet Clássico como dança-mãe, considerada base para qualquer outro tipo de dança, era consenso entre os profissionais da dança até o final século XX. No momento atual, percebeu-se que esta idéia vem sendo modificada. Há um movimento cultural que entende que a dança contemporânea deva estar desvinculada da prática do Ballet Clássico, portanto que não há a necessidade da prática deste estilo para que se possa desempenhar de forma excelente uma obra de Dança Contemporânea. Por outro lado, há ainda alguns professores que ainda acreditam que o Ballet é fundamental na construção de um corpo que dança, seja ele qual for o estilo de dança.

    A dedicação e as atitudes relacionadas à dança sofreram modificações. Até o início da década de 90, a dedicação à prática da dança era absoluta e as atitudes eram extremamente impulsionadas pelo querer tornar-se um bailarino profissional, assim, estavam intimamente ligadas à prática exaustiva de aulas e ensaios.

    Nesse período, muitos pais não se preocupavam tanto com o futuro dos filhos, porque tinham o entendimento e convicção que se eles estudassem e fizessem uma faculdade teriam possibilidades elevadas de assumir postos no mercado de trabalho. Atualmente esta afirmação não pode ser mais considerada uma verdade.

    Os pais tinham a preocupação focada em educar seus filhos por meio de escola tradicional e de práticas artísticas, refinando a linguagem cultural e moral. Nas famílias de diversos dos professores entrevistados, observou-se que os irmãos desses estavam envolvidos também com algum tipo de arte (artistas plásticos, fotógrafos, poetas, estilistas, músicos).

    No passado o que mais importava era o gosto pela atividade e não o que esta atividade poderia lhe proporcionar futuramente em termos financeiros. Atualmente a prática da dança tornou-se mais uma atividade dentre tantas outras oportunidades, cursos de inglês e informática. Esta característica que a dança tem na cidade de Florianópolis, principalmente quando oferecida nos colégios como mais uma opção de Educação Física ou de atividade extra-escolar, costuma frustrar os professores que se dedicam e encaram a dança como formação e profissão.

    Além de ser considerada apenas uma “dancinha” (só mais uma atividade), a dança sofre atualmente com a concepção de educação adotada freqüentemente pelos pais. Uma educação onde a disciplina é vista com maus olhos, onde exigir uma conduta ou comportamento parece retroceder no tempo. O mínimo de organização é visto como algo danoso e castrador da liberdade dos filhos.

    Antigamente a educação escolar auxiliava, talvez de forma muito rigorosa e exagerada, na disciplina e conduta dos alunos. Por haver uma compreensão de que a maneira como estava sendo imposta e cobrada esta disciplina, que não atendia aos interesses para a formação de cidadãos, muitos colégios juntamente com professores e estudiosos da área da educação propuseram novas metodologias para trabalhar o ensino. Neste momento, os estudiosos destacaram os procedimentos que faziam parte daquele processo educacional antigo (fazer filas, formar colunas, visão dos alunos como apenas receptor de conhecimentos). Esses procedimentos, apesar de já estarem desconectados atualmente da idéia ultrapassada de educação repressora, ainda sofre certo preconceito, mesmo quando aliados a uma prática educativa mais inovadora e crítica. Na dança o entendimento e aprendizagem da formação de figuras cênicas coreográficas perpassa pelo saber fazer uma fila, uma roda, uma diagonal, sendo que este preconceito e falta de prática dificulta a orientação espacial e corporal das crianças em cena.

    Sobre a questão da disciplina na escola e modelos pedagógicos adotados, Strazzacappa (2001) esclarece que no modelo escolar-militar da primeira metade do século vinte, constavam as filas por ordem de tamanho para que os alunos se dirigissem às salas de aula e o levantarem-se quando o diretor ou supervisor escolar entrava na sala. Segundo esta autora, muitas escolas aboliram as filas e os demais símbolos de “respeito” aos diretores e professores.

    Ainda em relação às atitudes, antigamente fazer aulas com outros professores de dança, que não o seu mestre inicial, poderia ser encarado como uma afronta. Era motivo de rompimento de relacionamentos com o grupo e com o professor. Atualmente isso passou a ser encarado como algo positivo. Os professores permitem e até incentivam a prática de aulas com outros professores.

    Sobre os valores, há uma questão que atualmente está mudando que é a do preconceito com o artista bailarino. Antigamente as pessoas que faziam dança eram tidas como pessoas que tinham tempo de sobra, que não faziam nada da vida, que não precisavam estudar, consideradas pessoas desnecessárias à sociedade, com exceção do Ballet Clássico que era para a elite e assim era mais valorizado. Neste sentido, observa-se que a dança no Brasil vem se profissionalizando. Há pessoas que conseguem viver bem com os salários de bailarinos e de professores de dança. E isto é socialmente visto, o que gera certo respeito à profissão. Os aspectos que contribuem para este diferente olhar sobre as pessoas e a dança estão diretamente relacionados à profissionalização da área, que tem buscado atingir os critérios para que seja considerada socialmente uma profissão reconhecida e respeitada como tal.

    A mídia também teve sua participação efetiva quanto à escolha em fazer aulas de dança nos anos anteriores à década de 90. A veiculação de filmes e programas de televisão onde os “mocinhos” e as “estrelas” dançavam e a dança era o motivo principal, fizeram com que muitos professores se estimulassem a praticar dança. Neste sentido, artistas como Michel Jackson e John Travolta foram citados nas entrevistas.

    Atualmente a mídia está voltada mais para a estética corporal, focalizando os diversos tipos de ginástica e de atividades físicas existentes para a prática. Poucos programas voltados à dança estão sendo veiculados na rede de televisão aberta, a qual a maioria da população tem acesso. Este fato aliado à diminuição de eventos em dança e ao aumento do preço dos ingressos dos grupos que se apresentam em Florianópolis, tem resultado em carência de público, falta de alunos e fechamento de escolas de formação. Os métodos de ensino e estilos de dança também foram modificados conforme contextualização histórica.

    No Ballet Clássico as linhas de trabalho são definidas conforme a escola, que pode ser a russa, a americana, a francesa, a cubana e a italiana. Estas linhas das escolas de Ballet foram trazidas para o Brasil através de bailarinos ou por filiais de escolas como a do Ballet Bolshoi (instituída em Joinville). Os conhecimentos para as aulas de Ballet, durante muito tempo, foram aqueles que os professores tinham vivenciado enquanto bailarinos, com as limitações da capacidade de assimilação e reprodução de cada um. Conforme relato de um professor entrevistado, até o aparecimento do vídeo-tape todos os ensinamentos de dança eram passados por meio da memória dos profissionais. Isto gerou grandes contribuições de pessoas que vislumbraram caminhos novos e soluções interessantes, mas também muitas distorções, pois este código muitas vezes se submeteu as interpretações pessoais.

    Os bailarinos destes primeiros mestres, que se tornaram professores, repassaram os conhecimentos da forma que eles assimilaram para outros bailarinos e assim sucessivamente. Neste processo muito se criou e muito se perdeu. Aspectos da origem do ensinar e executar destas linhas foram se perdendo no tempo. As linhas foram sendo estudadas paralelamente e os professores se formaram e lecionam mesclando as escolas e técnicas. Em Florianópolis, os professores de Ballet Clássico apresentam diferentes entendimentos sobre cada linha e misturam-nas na busca de uma melhor formação para os bailarinos, tornando extremamente difícil a conceituação das aulas como sendo de apenas uma linha pura e original.

    Na Dança Moderna original havia uma linhagem formada a partir de um conjunto de princípios estéticos e filosóficos de um grande criador tanto de espetáculos quanto de corpos. A Dança Moderna se estruturou a partir de grandes mestres de dança variando de Mary Wigman a Cunningham, passando por Graham, Humphrey, entre outros. Os professores de Florianópolis, que lecionam Dança Moderna, não se conceituam como professores de moderno e sim de contemporâneo. Isto porque suas aulas compreendem uma mistura de técnicas modernas, contando muitas vezes com o incremento da improvisação.

    Antigamente o bailarino se construía basicamente nestes dois estilos (Ballet Clássico e Dança Moderna), de maneira coerente, através de uma prática e uma visão de corpo e mundo. O bailarino poderia encontrar nestas técnicas uma constelação de referenciais simbólicos na qual o seu corpo era portador. Entretanto muitos questionamentos sobre a rigidez destas técnicas e linhas de trabalho começaram a surgir gradativamente. Como exemplo tem-se o relato de Sampaio (1996) que decorre sobre o aprisionar da dança em determinado estilo ou época. Para ele a dança deve ser viva, atuante e não somente um a representação do que foi no passado.

    Esse momento de descontentamento, que iniciou a partir dos anos 80 de acordo com Louppe (2000), foi chamado de processo de perda de linhagem. Esta perda de linhagem resultou na criação de corpos ecléticos ou corpo híbrido.

    Segundo David (1993), o corpo hibrido é aquele oriundo de informações diversas, acolhendo em si mesmo elementos díspares, até contraditórios, sem que lhe sejam dadas as ferramentas necessárias para que este possa fazer uma leitura da sua própria diversidade.

    O corpo hibrido marcou profundamente a dança por demonstrar a perda do ideal anterior onde existia a coerência entre o ensino, a constituição do corpo e a produção da obra de arte. A partir desta mudança, as informações mais diversas na formação dos bailarinos contemporâneos tiveram destaque. De acordo com Louppe (2000) a pulverização desta diversidade produziu, de forma inesperada, obras pontuais, completamente diferenciadas das suas referências.

    O bailarino contemporâneo não procura se formar por meio de uma técnica para se construir, mas, conforme Louppe (2000), se contenta em saquear aqui e ali alguns elementos operacionais que se integram a estética da atualidade. O corpo é dito eclético pela possibilidade de escolher e passear por opções diferentes.

    A Dança Contemporânea vem modificando o conceito do que é dança e quebrando limites entre as artes. A essência dela constitui-se numa atitude, não mais apenas na expressão. Atitude advinda de muita pesquisa, através de laboratórios e de possibilidades de expressar essa visão de mundo, com todos os seus aspectos filosóficos, por bailarinos modificados. Bailarinos com diversos tipos de formação e inclusive até sem formação exclusiva em dança. Bailarinos com diferentes biótipos, não apenas os magros, os fortes e os ágeis. A parte cênica dos espetáculos de Dança Contemporânea apresenta uma infinidade de possibilidades: espetáculos sem música, sem luz, com pouca variedade de movimentos, com ou sem acessórios, com utilização de multimídia.

    A Dança Contemporânea tem permitido a influência de outras formas de movimento que não a dança. Estão presentes as artes marciais, o Yoga e alguns estilos esportivos. Descobre-se que dispondo de um maior repertório de informações (de movimentos e conhecimento) pode-se realizar uma dança com mais argumentos e disposição para demonstrar sua atitude perante a atualidade. A partir desta diversidade de informações, constroem-se novas formas de linguagem e técnicas. Técnicas estas definidas como sendo um método ou os detalhes de procedimentos essenciais para a competência na execução de qualquer arte (Cavalcante, 2000).

    Considerando o panorama contextualizado historicamente, conclui-se que existem mudanças significativas na forma de perceber a dança, de conceituá-la e de apresentá-la e que essas são bastante evidentes. O pensar sobre as modificações no entendimento da dança e na maneira de propagá-la na sociedade fez-se a partir dos relatos dos profissionais de Florianópolis. As reflexões realizadas ressaltam aspectos positivos e negativos do que se foi e do momento atual.

Referências bibliográficas

  • Cavalcante, S. (2000). George Balanchine: a dança como ofício. Lições de dança 2. UniverCidade: Rio de Janeiro.

  • David, D. (1993). Lê Córps eclétiques In: Louppe, L. (2000). Corpos Híbridos. Lições de dança 2. UniverCidade: Rio de Janeiro.

  • Louppe, L. (2000). Corpos Híbridos. Lições de dança 2. UniverCidade: Rio de Janeiro.

  • Sampaio, F. (1996). Ballet essencial. Rio de Janeiro: Sprint.

  • Strazzacappa, M. (2001). A educação e a fábrica de corpos: a dança na escola. Cadernos CEDES 53: dança educação. UNICAMP: CEDES

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