Atividades lúdicas no contexto da dança | |||
*Especialista em Treinamento e Condicionamento Físico em Academias **Graduada em Educação Física ***Livre Docente e Coordenadora do LEL - Laboratório de Estudos do Lazer Membros Pesquisadores do LEL – Laboratório de Estudo do Lazer IB/DEF/UNESP – Campus de Rio Claro (Brasil) |
Priscila Raquel Tedesco da Costa Trevisan* Flávia Andréa Urvaneja de Moraes** Dra. Gisele Maria Schwartz*** |
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Resumo Este estudo, de natureza qualitativa, teve por objetivo investigar o significado das atividades lúdicas e expressivas no contexto da dança clássica, por acreditar que dentro do contexto rígido e técnico desta modalidade de dança, momentos lúdicos são de extrema importância e qualidade, vindo a contribuir com o aperfeiçoamento para além da técnica e performance. Por ser a dança uma das mais antigas formas de arte, onde se expressam emoções por meio de gestos e movimentos significativos, diversas culturas e sazonalidades, os movimentos corporais possibilitam às pessoas se comunicarem, aprenderem, sentirem o mundo e se fazerem percebidas. Dentro deste aspecto, ressalta-se a importância de se perceber a dança como um meio de linguagem e expressão. Entretanto, alguns estilos de dança parecem envolver menos os aspectos lúdicos e expressivos no contexto de sua formação, merecendo a atenção deste estudo, no sentido de investigar como se processam essas relações, no contexto de aulas de ballet clássico. Os dados foram coletados por meio de observação participante como instrumento e a amostra intencional, foi composta por nove sujeitos do sexo feminino, praticantes da modalidade de dança clássica, com faixa etária entre quinze e vinte e dois anos, com vivências de mais de oito anos nesta prática, pertencentes ao curso técnico do Conservatório Municipal de Música “Cacilda Becker” de Pirassununga estado de São Paulo. Os resultados evidenciam que a dança pode ser capaz de desenvolver aspectos sociais, cognitivos e motores, associados à sensações de prazer, incluindo momentos de descontração, espontaneidade e criatividade, quando associada aos aspectos lúdicos, expressivos e à cultura popular. Unitermos: Dança. Atividades lúdicas. Expressividade. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 127 - Diciembre de 2008 |
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Introdução
A dança e o lúdico
O nascimento da dança nas sociedades primitivas vem de uma manifestação coletiva, construída no âmbito da cultura popular, a qual, ao longo da história, foi absorvendo novos sentidos e significados. Desde a época em que ocupava os salões das cortes, observa-se um processo gradativo de separação das classes mais pobres às mais abastadas.
A dança era concebida como uma forma de divertimento da aristocracia, em que, muitas vezes alguns elementos visavam à afirmação do poder do grupo dominante e seu prestígio em detrimento das classes menos abastadas. Porém, isto não afastou a população em geral da prática de dançar e até hoje se observa uma constante inter-relação compreendida em um processo de circularidade cultural.
A partir de passos, movimentos e gestos, foram sendo criadas diversas danças populares, de acordo com o ambiente no qual eram geradas, tendo como base as situações político-econômicas de cada realidade sociocultural.
A dança se move de acordo com o tempo e espaço, desde os tempos imemoriais e, ao longo da história, vem sofrendo modificações, especialmente quando incluída nos diversos contextos sociais, como no escolar ou no âmbito do lazer.
Segundo Sarto e Marcellino (2006), a dança é uma das manifestações humanas que mais engloba componentes lúdicos da cultura e, a não ser para o dançarino profissional, a prática de dançar fundamenta-se essencialmente no lazer.
Matvéiev (1986) ressaltou que o prazer e a espontaneidade são elementos importantes no que tange ao desenvolvimento da parte técnica, porém, torna-se importante que todos os recursos didático e pedagógicos sejam explorados, inclusive com a inserção do elemento lúdico, o qual, pode ser um excelente coadjuvante no processo motivacional, pelas qualidades inerentes à sua característica.
Numa tentativa de definição dos significados do lúdico, Feijó (1992) acredita que o lúdico é como uma necessidade básica da personalidade do ser humano, além de fazer parte das atividades essenciais da dinâmica.
Campos (1986), discorre que o elemento lúdico pode ser uma ligação no sentido de facilitar a aprendizagem, relacionando a utilização desse elemento lúdico como um agente motivacional de qualquer tipo de aula.
Para Camargo (1998), a diversão e o lúdico podem acontecer em qualquer momento do cotidiano dos indivíduos, seja nas horas de trabalho ou nos momentos de atividades apenas corriqueiras. Portanto, a atividade permeada por elementos lúdicos pode causar liberdade de ação, proporcionar prazer, ser uma fonte de aprendizado, comunicação, criatividade, entre outros, sem necessariamente ter um compromisso com a realidade.
Marcellino (1990) vê uma possibilidade de passagem de níveis menos elaborados, para os mais complexos, com a utilização de aspectos lúdicos e reconhece, nestes elementos, um meio propiciador do espírito crítico, seja na prática ou na observação. Porém, este mesmo autor ainda busca compreender os significados efetivos deste fenômeno, visto o seu caráter abrangente, resultando em uma grande abertura de discussões acerca de seu significado e de sua caracterização, que acaba por se associar a uma infinidade de manifestações culturais construídas ao longo de gerações.
A importância das atividades lúdicas tem sido reconhecida por muitos na esfera educacional, como instrumento para o desenvolvimento em níveis físico, emocional, social e intelectual, inserindo, neste conceito, o sentimento, a emoção e a imaginação do indivíduo.
Segundo Almeida (1998), a educação lúdica na formação global do indivíduo, pode vir a favorecer relações reflexivas, criadoras, inteligentes e socializadoras, tornando o ato de educar em um compromisso consciente, permeado pelo prazer e pela satisfação individual.
Para Santos e Kocian (2006), o lúdico é educativo e apresenta valores específicos para todas as fases da vida humana, sendo que, na idade infantil e na adolescência, a finalidade é essencialmente pedagógica.
Freire e Schwartz (2006) ressaltam que o elemento lúdico associado a aspectos afetivos contribui para a aquisição de habilidades específicas, privilegiando não só a construção do conhecimento motor e técnico, mas uma dimensão mais afetiva, criativa e humana. Além disso, o lúdico é capaz de ampliar a gama de possibilidades pedagógicas, ao criar uma diversidade de ações motoras básicas motivadas pela satisfação das expectativas e pelo respeito às limitações e potencialidades. (FREIRE; SCHWARTZ, 2005)
Por ser a dança uma das mais antigas formas de arte, onde se expressam emoções por meio de gestos e movimentos significativos, os movimentos corporais possibilitam às pessoas se comunicarem, aprenderem, sentirem o mundo e se fazerem percebidas, transcendendo, assim, o poder das palavras.
À dança pode-se associar também um caráter inclusivo, ao trazer uma bagagem que possibilita uma forma de inserir o individuo na sociedade, criando possibilidades de transformá-lo em pessoa e a pessoa em cidadão, expressando a intensidade dos seus sentimentos e emoções. Assim, a dança é capaz de desenvolver no indivíduo aspectos sociais, cognitivos e motores, associados à sensações de prazer, o que justifica o interesse, neste estudo, em relação à importância de se associar as linguagens artísticas, estética e, especificamente, as lúdicas.
Neste segmento, constata-se que cada grupo possui um intuito ao ato de dançar e este pode apresentar diferentes significados para quem o executa, como, a busca pela qualidade de vida, pela expressão de sentimentos, a auto-superação, a necessidade de satisfação, o que revigora a tese de que a inserção de atividades lúdicas no contexto da dança pode favorecer o aprimoramento desses aspectos, quando vivenciados, tanto no âmbito formal da educação, em cursos de formação, quanto no âmbito do lazer. Este último, por sua vez, assume diversos aspectos sazonais e dinâmicos, decorrentes de diferentes épocas e situações (CAPARROZ, 2008).
O lazer, se faz abrangente, repleto de significados e significâncias. Este tema abre um leque de assuntos recorrentes ao nosso tempo total, tempo de trabalho, necessidades básicas vitais, obrigações sociais, tempo livre, atividades recreativas e, também as lúdicas.
As atividades físicas, esportivas e de lazer são potencializadoras de experiências capazes de oportunizar o encontro do ser humano consigo e com seu próximo de forma sensível, espontânea e lúdica, o que é de inegável importância para os indivíduos que têm como objetivo fugir de suas rotinas diárias ou se livrarem do estresse que o seu cotidiano de trabalho proporciona (GASPARI; SCHWARTZ, 2007)
Se um dos conteúdos culturais do lazer é o físico-esportivo, as atividades em academias (e também a dança) podem ser tomadas como veículos de difusão de novos olhares sobre as peculiaridades deste conteúdo (MARCELLINO, 2002).
Sob o aspecto do conteúdo artístico do lazer, a dança está amplamente inserida, posto que busca expressar um desejo, uma necessidade e representando um dos meios de expressão mais acessíveis às diversas classes sociais e às diferentes cidades. Para quem a vivencia, é um dos grandes prazeres que se pode desfrutar, principalmente para aquele que atinge sensações de alegria, poder, euforia e, principalmente, quando se atinge a superação dos limites do movimento, o que pode ser exemplificado pela atividade proposta neste estudo.
Com o objetivo de se atingir padrões estéticos de movimento, graciosidade e leveza, o ballet clássico envolve um trabalho árduo para o desenvolvimento técnico, requerendo diversas habilidades e capacidades físicas. Assim, Lawson (1984), ressaltou que com uma rigorosa disciplina, os movimentos podem perder em espontaneidade em favor da técnica e salienta a necessidade de se reconhecer o bailarino como um ser humano, antes de tudo.
O referido autor reconhece a importância da técnica como uma possibilidade de favorecer a liberdade dos movimentos corporais, porém, o bailarino deve comunicar sua técnica com sensibilidade, satisfação e prazer, necessitando, para tanto, estar envolvido de corpo inteiro na dança, o que pressupõe envolver suas emoções e o espírito lúdico.
Estes aspectos são, justamente, o que justificam a inserção de atividades lúdicas nesse contexto, uma vez que, estes elementos, por primarem pela criatividade, espontaneidade e menos rigidez, podem abrir espaço para a manifestação pessoal mais autêntica, promovendo, inclusive, ressonâncias significativas em todos os contextos.
De acordo com Nanni (1995), a dança pode se tornar um meio de extravasar as tensões emocionais, assim como uma fonte de lazer.
Sendo assim, este estudo se propôs a investigar o significado da inserção de atividades lúdicas no contexto formal de um curso de dança clássica, procurando ampliar as reflexões sobre o universo pesquisado.
Metodologia
Este estudo, de natureza qualitativa, foi baseado em uma pesquisa exploratória acerca das possibilidades de inserção das atividades expressivas e lúdicas na dança clássica, investigando seus significados e ressonâncias. Para tanto, foram propostas seis aulas, com 30 minutos, durante vinte dias, adaptando-se uma das manifestações culturais relativas a esta época do ano – a quadrilha junina, em que se possibilitou, elementos coreográficos, motores executados de forma expressiva e lúdica, adequando-se à alusão das adaptações feitas no texto, em que, para se garantir a especificidade temática, alguns termos foram diretamente associados aos termos do ballet clássico, conforme se apresenta no vídeo que acompanha a pesquisa.
O instrumento para a coleta de dados da pesquisa foi a observação participante e a amostra intencional dos sujeitos da pesquisa foi composta por um grupo de nove estudantes do sexo feminino, com faixa etária entre quinze e vinte e dois anos, alunas do curso técnico de dança do Conservatório Municipal de Música “Cacilda Becker” de Pirassununga, São Paulo, com experiência de mais de oito anos nesta prática. O vídeo foi realizado durante uma apresentação em uma festa junina, de uma escola de educação infantil, CEI Castelinho, na cidade de Pirassununga, para o qual as próprias estudantes, com auxílio de uma professora, compuseram a coreografia, executando-a no decorrer da festa, tendo como proposta uma sátira sobre a quadrilha junina, utilizando-se aspectos formais do ballet clássico, como passos e seus nomes adaptados.
A pesquisa baseou-se na intenção de explorar um momento de descontração com base em uma oportunidade sazonal, neste caso, as festas juninas, para se buscar, nesta forma de expressão popular, um meio de reconhecer as possibilidades expressivas que permeiam a prática de dançar.
Os dados foram analisados descritivamente, a partir de indicadores da observação participante e com base na prática gravada em vídeo, em que se pode constatar uma vivência de descontração fazendo alusões à prática em sala de aula ou do dia-a-dia de um bailarino, aproximando a cultura formal que envolve esse tipo de dança ao contexto do que é conhecido como expressão popular da quadrilha junina, com seus elementos lingüísticos próprios e com o exagero nas manifestações motoras, o que deu o sentido lúdico à atividade.
Pode-se perceber um envolvimento bastante intenso das participantes durante a proposta, em que todas contribuíram para a efetivação das adaptações que se fizeram necessárias, para que os passos da dança, bem como os termos técnicos, fossem adequados às características desta manifestação cultural.
Ficou evidente, que o elemento lúdico, aliado à manifestação popular junina favoreceram a expressão da criatividade, tendo em vista que as alunas extrapolaram o rigor acadêmico dos passos do ballet clássico e penetraram em um mundo imaginário e de forte apelo criativo. Além disto, a união das alunas em torno da tarefa desafio proposta favoreceu aspectos referentes ao entrosamento e possibilitou trabalhar com qualidade os elementos qualitativos dos relacionamentos interpessoais, com vistas à cooperação. As emoções foram expressas de modo bastante espontâneo, em que o riso, aliado às formas mímicas puderam permanecer ao longo de todo o trabalho.
Conclusão
Diante deste contexto ao expressar suas emoções, explorar movimentos corporais por meio da diversidade rítmica e espacial contida nesta manifestação cultural utilizada no estudo, os padrões da dança clássica foram ludicamente transformados e adaptados, evidenciando uma superação da cópia de movimentos, ou imitação e incentivando aspectos expressivos pessoais, com um sentido próprio de dançar, por meio da criação pessoal, em momentos de descontração, baseados no reconhecimento e na aceitação do próprio corpo, associados à criatividade e à imaginação. Desta forma, criou-se a possibilidade de se ultrapassar os limites puramente técnicos, envolvendo aspectos da personalidade, da espontaneidade, de sentimentos e emoções, aproveitando as características de integração dos participantes. Este tipo de realização oportunizou a vivência de atividades lúdicas, com momentos expressivos de prazer, descontração e satisfação. Com base nos resultados do estudo, torna-se importante que novas investidas sejam feitas neste sentido, para se aprimorar aspectos pouco explorados no contexto da dança clássica, oferecendo, aos participantes, oportunidade de passarem por circunstâncias que integrem, de forma adequada, a compreensão, a expressividade e a socialização do grupo, no sentido de contribuir para o aprimoramento do desempenho geral dos praticantes, para além dos ditames puramente técnicos, envolvendo o ser que dança antes da própria modalidade esportiva.
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CAPARROZ, P.C. Repercussões Emocionais das Atividades Físicas em Academias para Praticantes. Tese de Mestrado –UNESP – Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo. 2008.
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GASPARI, J. C.; SCHWARTZ, G. M. Vivências em arte circense: motivos de aderência e expectativas. Motriz, Rio Claro, v.13 n.3 p.158-164, jul./set. 2007
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digital · Año 13 · N° 127 | Buenos Aires,
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