Corpo e Movimento online: novos caminhos para o processo de ensino e aprendizagem |
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Profissional de Educação Física (UCB/RJ) Pós-graduado em Educação Física e Psicomotricidade (UCB/RJ) Mestre em Educação e Cultura Contemporânea (UNESA/RJ) Universidade Estácio de Sá/RJ |
Leandro Jorge Duclos (Brasil) |
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Resumo É possível ministrar a disciplina Corpo e Movimento (CM), tradicionalmente vinculada à interação presencial dos corpos na modalidade online? Esta questão mobilizou a realização deste estudo, que tem como objetivo investigar a transposição de conteúdos e a mediação da aprendizagem em CM no online. O referencial teórico contempla: a) Conceitos de cibercultura e seus princípios (interatividade, inteligência coletiva, simulação e redes); b) Contribuições de Teixeira: experimentalismo, articulação teoria-prática e escola-laboratório; e de Freire: ação da transformação, apreensão dos signos e ato pedagógico; e c) os PCN (1). O locus é a disciplina CM em uma IES que contou com a abordagem qualitativa com foco na observação participante. O instrumento foi um questionário aberto trabalhado segundo a análise de conteúdo (2). Constatou-se que é possível a transposição de CM forjado no ensino presencial para o ambiente online, desde que norteada pelos princípios da cibercultura e pelas contribuições de Teixeira e Freire para educação. Palavras-chave: Corpo e Movimento. Cibercultura. Educação democrática. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008 |
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1. Introdução
Há pelo menos três gerações de EAD. Na primeira, a escrita à mão e a impressão tipográfica circularam via correio. Na segunda geração, o rádio e a televisão possibilitaram que a voz e a imagem chegassem em localidades remotas. A terceira é a atual geração, definida pela presença do computador conectado à internet, que tornou possível agregar textos, imagens, sons, vídeos e gráficos, acessados de qualquer ponto conectado, comunicando-se de forma síncrona e assíncrona. A atual geração de EAD tem o plus comunicacional das tecnologias digitais online, valioso em educação porque permite diálogo e colaboração entre professor e alunos.
As duas gerações anteriores estão baseadas na transmissão de informações que separa tecnicamente o docente do discente. Comparadas à geração atual, verifica-se uma mudança no conceito de comunicação: da prevalência da transmissão para a disposição da dialógica. O computador online pode permitir bidirecionalidade, compartilhamento, trabalho em grupo e co-criação através dos chats, das conferências em áudio e vídeo, dos fóruns, dos e-mails, das listas de discussão e dos portfolios. A garantia do diálogo e da colaboração faz da educação online uma modalidade de ensino e aprendizagem diferenciada porque é capaz de contemplar colaboração, a educação democrática e participação como referências em docência e aprendizagem.
Este texto é fruto de pesquisa realizada no Mestrado em Educação do PPGE da UNESA. A pesquisa investigou como é feita a “transposição didática” de conteúdos e situações de aprendizagem da disciplina Corpo e Movimento, oferecida na modalidade presencial para a modalidade online, em um curso de Pedagogia a distância de uma instituição de ensino superior do Estado do Rio de Janeiro.
A disciplina CM tem oficialmente como ementa abordar os
aspectos históricos antropológicos e culturais do corpo e movimento nos processos de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem; conhecimento das bases psicomotoras; o movimento no tempo e espaço; o direito de movimentar-se; manifestações e expressões corporais; o movimento como recurso de prazer, competição, educação e saúde; corpo, movimento e a interdisciplinaridade no projeto pedagógico da escola.
Como contemplar esta ementa na modalidade online? Esta pergunta norteou a pesquisa, que buscou a responder tal indagação tendo em vista que o avanço da EAD na era do computador online é promissor e que o estudo da modalidade online merece maior investimento dos pesquisadores em educação.
Embora a educação a distância já tenha uma longa estrada, é com o advento da internet que ela se expande no Ensino Superior e ganha maior popularidade junto a professores e alunos, ainda que com muitas resistências, pois faltam muitos esclarecimentos no campo conceitual e no campo operativo.
Nunes (1993) afirma que para muitos a EAD está restrita a textos isolados, estudantes passivos, informação de mão única, emissão restrita ao docente, enfim uma educação tradicional de massa que subutiliza os suportes tecnológicos digitais. Nesta mesma linha de raciocínio, Araújo e Hora (1998) consideram que a EAD carrega, mesmo na atualidade, o peso de políticas mal geridas oriundas do tecnicismo na educação que mantém o ensino não presencial marginalizado em relação ao ensino presencial.
Não podemos ignorar tais advertências, entretanto é preciso distinguir EAD de educação online. Trata-se de duas modalidades de ensino não presencial. A primeira, classicamente conhecida, tem sido veiculada através da chamada mídia de massa (impresso, rádio e tv). A segunda emerge no contexto da rede mundial de computadores (web) e diferencia-se da primeira por não estar mais submetida aos meios de massa, cuja característica principal é o modelo tradicional (“um-todos”), baseado na separação emissão e recepção (professor-aluno). A educação online pode romper com este modelo, uma vez que a web define-se a partir da dinâmica “todos-todos”, isto é, a emissão e a recepção encontram-se no mesmo ambiente “virtual” e não mais separados pelo suporte técnico.
A partir desta distinção podemos vislumbrar na modalidade online possibilidades pedagógicas como dialógica, interação e participação colaborativa entre professores e alunos e entre alunos e alunos. A EAD, mesmo que realizada com rigor acadêmico, não contempla tais possibilidades pedagógicas uma vez que os meios de massa são unidirecionais.
Assim sendo, as advertências supracitadas procedem na modalidade online. Mesmo adotando computador e internet, uma IES pode permanecer atrelada a metodologias unidirecionais, em que prevalecem o impresso, o vídeo e o texto desprovido de conectividade. O discente recebe um cronograma de atividades a serem cumpridas e não lhe é favorecida a interlocução com o professor e com seus colegas de turma. Este modelo de educação pode gerar evasões e desmotivações provocadas pela sensação de isolamento. Alvo fácil para os críticos, esta realidade amplamente disseminada faz perder de vista o diferencial trazido pelas potencialidades pedagógicas possíveis na modalidade online.
A referida pesquisa, ao enfocar a disciplina CM na modalidade online, se propôs a investigar os procedimentos empregados e desenvolvidos pela docência na perspectiva das interfaces oferecidas pelo ambiente virtual de aprendizagem da IES pesquisada. Atenta ao método pedagógico específico e sensível à formação do professor para docência via internet, esta pesquisa procurou observar as práticas, as atuações e as articulações de saberes que compõem o processo de docência e aprendizagem online.
Como contemplar vivências corporais na dinâmica das interfaces? Falar em Corpo e Movimento nas séries iniciais significa situar como eixo central a cultura corporal do movimento. É certo que as interfaces online proporcionam participação e colaboração, mas podemos dizer que elas contemplam a cultura corporal do movimento? A pesquisa focou esta indagação primordial.
A oferta online da disciplina CM carece de estudos das possibilidades qualitativas para sua docência. Pode-se vislumbrar tais possibilidades a partir de princípios da cibercultura como interatividade, inteligência coletiva/comunidade virtual, simulação e rede. No próximo segmento descreveremos o campo da pesquisa e por último, passaremos aos resultados e conclusões da investigação.
2. Metodologia e descrição do campo
Nesta sessão descrevemos a estrutura da pesquisa, abordando a opção metodológica utilizada, a descrição do campo, os instrumentos utilizados para a coleta de dados e os integrantes do campo da pesquisa.
Para tornar possível a realização da pesquisa, tomou-se como metodologia a abordagem qualitativa (DENZIN e LINCOLN, 1994) orientada pela observação participante (FREITAS, 2003). De acordo com Denzin e Lincoln (1994, p. 2) a abordagem qualitativa se define como:
multimetodológica em seu foco, envolvendo uma aproximação interpretativa e natural ao assunto da pesquisa. Isso significa que os pesquisadores qualitativos estudam as coisas em seus ambientes naturais, tentando entender ou interpretar os fenômenos em termos dos significados que as pessoas dão aos mesmos. A pesquisa qualitativa envolve a coleta e estudo de uma variedade de materiais empíricos – estudo de caso, experiência pessoal, introspecção, história de vida, entrevista, textos visuais, interacionais, históricos e observacionais – que descrevem rotina e momentos problemáticos e significados na vida dos indivíduos.
A partir da variedade de materiais que envolvem a pesquisa qualitativa, julgamos ser mais adequada ao nosso estudo a observação participante, que segundo Freitas (2003) requer mais do pesquisador do que a simples descrição dos fatos. Ela supõe disposição para o diálogo reflexivo e formativos para pesquisadores e sujeitos pesquisados que interagem no mesmo campo. A pesquisa envolveu a tutoria e vinte (20) discentes da disciplina a fim de construir colaborativamente encaminhamentos específicos da observação participante.
As contribuições permitidas na dinâmica online possibilitaram observar como foi feito o tratamento de conteúdos como vivências corporais (danças, lutas, esportes) e valores (cooperação, respeito às diferenças, socialização) no ambiente online através do tira-dúvidas via e-mail, da construção de relatórios sobre as aulas, do registro da freqüência dos alunos no Diário de Classe online, da construção das avaliações, da correção das provas pontuais. Foram aplicados questionários abertos junto à tutoria e junto aos discentes.
O período de coleta de dados envolveu visitas à instituição, pesquisa bibliográfica, acessos ao ambiente virtual de aprendizagem, diário de campo e questionários abertos aplicados à tutoria e aos discentes. Os temas abordados nos questionários dirigidos aos discentes foram:
participação na disciplina,
mediação online da tutoria,
utilização do ambiente virtual de aprendizagem,
possibilidades estratégicas para a docência qualitativa na disciplina,
a validade da aprendizagem online de CM para sua posterior docência no ensino presencial.
O questionário dirigido à tutoria da disciplina abordou os seguintes aspectos:
os limites e possibilidades para a docência da disciplina CM na modalidade online,
como estimular a participação dos discentes,
como avalia a autoria dos discentes no processo de aprendizagem,
como lida com eventuais resistências dos discentes à modalidade online,
a utilização das interfaces como possibilidades de enriquecer e construir o aprendizado,
como lida com as sugestões e/ou contribuições dos discentes,
e como implementa a qualidade na disciplina CM na modalidade online.
Os dados coletados no campo e a sua relação com os objetivos da pesquisa, evidenciaram as possibilidades e os limites para docência e aprendizagem da disciplina CM na modalidade online, conforme podemos ver em seguida.
3. Resultados
Ao observarmos a dinâmica da disciplina CM, compreendemos a forma como os conteúdos, as atividades e as interações ocorriam no ambiente online. Verificamos também os procedimentos de mediação da tutoria e a atuação dos discentes. Como resultados dessas observações, constatamos que é possível a transposição da disciplina Corpo e Movimento para o ambiente online, desde de que se respeite a presença dos princípios da cibercultura, do pensamento pedagógico de Teixeira e Freire e dos parâmetros definidos pelos PCN com olhar crítico em relação aos seus conteúdos. Na forma que está disponível na IES pesquisada a transposição apresenta fragilidades no processo, tais como:
os conteúdos de aprendizagem da disciplina CM são disponibilizados no ambiente virtual em linguagem fechada e sem conectividade;
a mediação online a cargo da tutoria limitou-se a administrar o feedback dos alunos nas avaliações pontuais e tirar dúvidas no processo de aprendizagem;
o ambiente virtual de aprendizagem dispõe de interfaces fórum e chat, mas não foram utilizados pela mediação.
A pesquisa constatou fragilidades no material didático e na mediação uma vez que não contemplaram a interatividade, a inteligência coletiva e as redes hipertextuais. Os conteúdos de aprendizagem não se apresentam como obra aberta à intervenção e à navegação hipertextual dos discentes. A tutoria desconsiderou as potencialidades das interfaces colaborativas do ambiente virtual de aprendizagem (fórum e chat), restringindo-se apenas a disponibilizar os conteúdos, a tirar dúvidas e a corrigir as avaliações, comprometendo assim a participação, a socialização, a colaboração e o compartilhamento. Como tal não contemplou fundamentos da cibercultura, tampouco os aspectos centrais do pensamento pedagógico de Teixeira e Freire, bem como os referenciais propostos pelos PCN.
O princípio cibercultural da simulação não foi abordado no semestre. Com potencial de aproximar ou reproduzir ações da realidade no virtual, este princípio é de vital importância para qualidade da disciplina CM no que se refere à motricidade humana.
4. Conclusão
Essas fragilidades comprometem a transposição da disciplina CM para o ambiente online, o que revela a necessidade de reestruturação da mediação e dos conteúdos de aprendizagem a fim de garantir a qualidade necessária em educação.
Nesse sentido, é preciso enfatizar a necessidade da formação específica e continuada dos docentes, tutores e gestores em sintonia com os princípios da cibercultura, com o pensamento pedagógico de Teixeira e Freire e outros teóricos importantes e ainda com os parâmetros propostos pelos PCN para a disciplina CM.
Enfatizamos, diante do quadro, a necessidade de investimento em qualidade na modalidade online, não somente para enfrentar as resistências enormes a ela, mas também para garantir a viabilidade da docência e aprendizagem de uma disciplina tão visceralmente vinculada à modalidade presencial.
Referências
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