efdeportes.com

Do conhecimento histórico das Ginásticas e sua relevância

na formação e atuação profissional em Educação Física

 

* Professora efetiva da Secretaria Estadual de Educação

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade

Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Formação Profissional

no Campo da Educação Física (NEPEF) – UNESP/Rio Claro

**Docente da UNESP/Bauru

Orientadora no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade

Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Física,

Formação Profissional e Campo de Trabalho (NEPEF) – UNESP/Rio Claro

Ms. Juliana Frâncica Figueiredo*

jufrancica@hotmail.com

Dra. Dagmar Hunger**

dag@fc.unesp. br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          As Ginásticas, em sua extensa contextualização histórica, fizeram parte da fundamentação da área hoje conhecida como Educação Física. Aprofundar os conhecimentos históricos provenientes das Ginásticas são de suma importância para a formação profissional, bem como os professores de Educação Física nas escolas devem apresentar os fatos históricos das Ginásticas aos educandos. Esse estudo apresenta uma revisão de literatura que pretende primar pelo conhecimento histórico das Ginásticas, pois é a partir da preservação deste conhecimento que serão legitimados novos caminhos na evolução das Ginásticas.

          Unitermos: Ginásticas. História. Conhecimento histórico.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008

1 / 1

Introdução

    Falar de história sempre implica em significativa responsabilidade e, sobretudo, cautela frente às novas tendências historiográficas e novos elementos que vêem sendo abordandos historicamente. A história apresentou extremas transformações no último século, modificando o que se observa como sendo seu conhecimento histórico. Diante destas transformações, também as Ginásticas apresentaram nuances diferenciadas no decorrer de seu processo evolutivo. Com isso, este estudo pretendeu realizar uma revisão de literatura apresentando a importância do conhecimento histórico para o desenvolvimento das Ginásticas dentro e fora do contexto acadêmico.

    Assim, partir-se-á dos conceitos gerais de história que serviram de base para a fundamentação deste texto. O olhar histórico que o norteou foi um olhar contemporâneo de se fazer história. Esta forma surgiu nos anos 20 e tem como seus principais idealizadores, Bloch e Febvre, que segundo Vainfas (1997):

    ... Combatiam uma história que, pretendendo-se científica, tomava como critério de cientificidade a verdade dos fatos, à qual se poderia chegar mediante a análise de documentos verdadeiros e autênticos (ficando os ‘mentirosos’ e ‘falsos’ à margem da pesquisa histórica) (...) Combatiam, enfim, uma história que se furtava ao diálogo com as demais ciências humanas, a antropologia, a psicologia, a lingüística, a geografia, a economia e, sobretudo, a sociologia, rainha das disciplinas humanísticas na França desde a obra de Durkheim (p. 130).

    A história, que atravessa o século XX perfazendo grupos contrários às diferentes formas de compreensão, interpretação e aplicação da mesma é visualizada por Chartier (1994) como uma disciplina que:

    se afastou de uma simples cartografia das particularidades ou de um simples inventário, jamais concluído, aliás, de casos ou fatos singulares. A história pôde assim retomar a ambição que havia fundado no início deste século a ciência social, especialmente na sua versão sociológica e durkheimiana: identificar estruturas e regularidades, e portanto, formular relações gerais (p. 98).

    Segundo o autor, nas últimas duas décadas a história modificou-se completamente quanto à maneira de tratar seu(s) objeto(s) de estudo(s), se baseando agora em “modelos interacionistas e etnometodológicos”. Chartier (1994) ainda alega que não são mais “as estruturas e os mecanismos que regulam, fora de qualquer controle subjetivo, as relações sociais, e sim as racionalidades e as estratégias acionadas pelas comunidades, as parentelas, as famílias, os indivíduos” (p. 98).

    Conforme explicitado acima, a fundamentação conceitual referente à ‘nova’ história permite pensar a maneira como a história das Ginásticas vem sendo estudada e disseminada em meio acadêmico e fora dele. O valor desse conhecimento histórico é demasiado importante na medida em que, partindo destes conhecimentos é que se projetaram as mudanças e melhorias na área das Ginásticas. Foi também a partir das transformações das Ginásticas no século passado que se configurou a Educação Física no mundo.

    Nessa linha de pensamento, é possível perceber que o conhecimento histórico influencia diretamente o presente, sendo assim também um estudo contemporâneo, permitindo aqui apoiar-se em Bloch (1965) que indicava que a história não tem prioritariamente como objeto de estudo tão somente o passado, mas também o uso que se faz deste no presente. O autor assim escreve que não se deve “definir a história como simples ciência do passado, mas como o resultado de um vai e vem constante do historiador do presente ao passado e do passado ao presente” (p. 13). E ampliando a afirmação do autor, “a história tal como a pesquisamos pode ser extremamente rica como produtora de novos temas, de novos objetos e de novas interpretações” (POLLAK, 1992, p. 210).

    Marrou (1969) apoiando a não-linearidade e fixação da história em fatos estáticos coloca que:

    O conhecimento histórico, aspecto particular do conhecimento do homem, é essencialmente movediço e sempre provisório. Nossas idéias a respeito do homem, do mundo e da vida não cessam de transformar-se: não há assunto histórico que não seja necessário retomar periodicamente para reenquadrá-lo numa perspectiva exata, por haver-se modificado, entrementes, a visão de conjunto (p. 3)

    A evolução histórica das Ginásticas se encaixa com plenitude nos escritos do autor, pois as próprias formas que elas apresentaram com o passar dos anos foram provisórias, modificando-se de acordo com as novas necessidades dos homens de vivenciar o corpo em termos de práticas corporais. E, com isso há a necessidade latente de retomar o ‘assunto histórico’ Ginásticas sempre que possível para ‘reenquadrá-lo’ numa perspectiva atual.

    Schaff (1991), aprofundando-se na temática do conhecimento histórico, entende que no processo deste há uma “interação específica do sujeito que conhece e do objeto do conhecimento, tendo como resultado os produtos mentais a que chamamos o conhecimento” (p. 73). Para o autor, o conhecimento é:

    um processo infinito, mas um processo acumulando as verdades parciais que a humanidade estabelece nas diversas fases do seu desenvolvimento histórico: alargando, limitando, superando estas verdades parciais, o conhecimento baseia-se sempre nelas e toma-as como ponto de partida para um novo desenvolvimento (p. 97)

    Esse ‘conhecimento histórico’ tratado aqui, envolvendo as Ginásticas não será nada mais que redações sobre o passado se não for discutido, questionado e reescrito. Para tanto, o valor dado à história de fatos e acontecimentos sejam muito antigos, ou mais contemporâneos deve ser continuamente reconhecido.

    Na ampliação de pesquisas na área da Educação Física, é possível observar que de certa forma as Ginásticas são e, talvez continuem sendo expostas em estudos diversos uma vez que perfazem a evolução da Educação Física mundial. Contudo trata-se de uma descrição histórica e muito pouco de uma contextualização e discussão que busque no conhecimento histórico o que foi e o que vem a ser as Ginásticas. E, Mello (1996), aponta a necessidade de melhorias na história que se ensina nos cursos de graduação.

    Com base no autor, o valor do conhecimento histórico que as Ginásticas geram deve ser instituído nos cursos de graduação como fator de referência para a melhoria das manifestações corporais historicamente construídas que, assim vão gerando outras vertentes acompanhando as novas necessidades sociais.

    Observando a maneira pela qual a história se aplica a todas as ciências, para as diversas áreas do saber, dentro de diferentes campos de estudo, a preservação de seu conhecimento é de suma importância. Destarte, é preciso que se faça a reconstrução dos conhecimentos históricos da humanidade para resguardar os fatos que refletem no presente e assim também o farão no futuro, não sendo menos importante para o campo da Educação Física, especificamente na área da Ginástica.

Breve contexto histórico das Ginásticas

    Ao analisar as Ginásticas no tempo, notou-se que seu passado foi se modificando de acordo com as necessidades de cada momento histórico, e de cada nação. Segundo Fiorin (2002) “a Ginástica, sendo entendida como sinônimo de atividades físicas em geral vai ganhando roupagens diferentes de acordo com as épocas, culturas e interesses distintos” (p. 17 – grifo da autora). Cabe colocar que, como a história num contexto geral, também a história das Ginásticas passou por uma mutação, com explicações às suas mudanças (LE GOFF, 1992).

    As Ginásticas – com interpretação própria do termo – surgem na Antiguidade, em que estudiosos gregos criaram o termo Gymnus: nu (tratando-se da prática de atividades com o corpo desnudo). Na época foram também criadas as primeiras sistematizações de atividades físicas, o que para Publio (2002) ressalta a importância da antiguidade grega no aspecto histórico-evolutivo das Ginásticas.

    Marrou (1969) coloca as Ginásticas na Antiguidade grega como “o elemento, senão preponderante, pelo menos característico da formação do jovem grego” sendo um “dos traços dominantes da vida grega” (p. 185).

    Neste período existiam diferentes formas de aplicação das Ginásticas. Em Atenas tinha-se o ideal do culto ao corpo, sendo a prática de exercícios físicos valorizada como educação corporal (SOUZA, 1997). Enquanto os espartanos e romanos praticavam exercícios físicos para a preparação de soldados para guerrear.

    Com o Iluminismo filósofos e pedagogos relegaram grande importância à prática das Ginásticas – como um bem para a formação integral do homem, seguidos dos médicos que acreditavam na atividade física como benefício à saúde auxiliando na ascensão das Ginásticas pelo Ocidente.

    Em meados do século XVIII, surgem os Métodos Ginásticos que eram formulados “com princípios da cultura da Grécia antiga, que enaltecia a saúde, a força e a beleza” (Bregolato, 2002, p. 75). A autora discorre que dentre os Métodos idealizados no século XVIII, o Alemão, o Sueco e o Francês, foram os que obtiveram maior penetração mundial.

    Os Métodos Ginásticos tiveram desenvolvimentos simultâneos, favorecendo a troca de informações entre os mesmos. A ascensão destes Métodos se difundiu por toda a Europa, dotada de um sentimento nacionalista como forma de causar melhorias físicas aos jovens que enfrentariam as guerras da época, bem como melhorias étnico-raciais à nação (MENEGHETTI, 2003).

    As prerrogativas políticas militares dos Métodos Ginásticos permaneceram no século XX, acompanhando o desenvolvimento da Educação Física pelo mundo. Ayoub (2003) destaca “que durante todo o séc. XIX e início do séc. XX, a ginástica (que compreendia exercícios militares, jogos, dança, esgrima, equitação e canto) era o conteúdo de ensino da Educação Física escolar” (p. 107).

    É inegável, portanto, a contribuição das Ginásticas para o desenvolvimento histórico da Educação Física escolar. Foi utilizando a nomenclatura Ginástica que as atividades relacionadas ao corpo e ao movimento penetraram em âmbito educacional compondo os currículos obrigatórios. Assim, pensar nas Ginásticas leva à necessidade de refletir a respeito de quem as ministrava e de que maneira acontecia a formação destas pessoas.

A formação do educador ginástico: da antiguidade à modernidade

    Já na Antiguidade nota-se a existência do ‘educador de Ginástica’ ou ‘educador físico’, o ‘paidotribé’, que era além de um monitor de Ginásticas, tratava-se de um educador

    (...) que à sua competência desportiva, devia reunir profundo conhecimento das leis da higiene e de tudo o que a ciência médica grega elaborara quanto a observações e prescrições relativas ao desenvolvimento do corpo, aos efeitos dos diversos exercícios, aos regimes convenientes aos diversos temperamentos. (MARROU, 1969, p. 196).

    Segundo o autor, não era apenas pelo exemplo e pela prática que se ensinavam as Ginásticas nesse período, ou seja, aqueles que ensinavam Ginásticas deveriam ter uma abrangente sabedoria filosófica sobre corpo e mente.

    Na Idade Contemporânea, com a ascensão dos Métodos Ginásticos e sua inserção na escola houve a necessidade de se criar escolas que formassem esses educadores. Surgem então, por todo o continente europeu, escolas e institutos voltados à formação de professores de Ginástica.

    O dinamarquês Franz Netchegal, que influenciou as Ginásticas em seus aspectos educativos, “em 1808 inaugura um instituto civil de Ginástica para a formação de professores” (OLIVEIRA, 1985, p. 7). Em 1852, na França, Amoros – idealizador do método Francês – funda “a Escola Normal de Ginástica de Joinville-le-Pont, próxima de Paris, onde oferecia cursos de Ginástica para oficiais” (BREGOLATO, 2002, p. 89)

    A formação do educador contemporâneo era tão ampliada quanto à dos paidotribés gregos, dado a gama de práticas que as Ginásticas compreendiam desde a antiguidade. Para elucidar a questão do educador ginástico contemporâneo, Soares (2000), adota as obras dos franceses Amoros e Demeny – biólogo que realizou estudos sobre a formação do educador ginástico.

    Amoros, segundo a autora, acreditava que para se ensinar Ginásticas, era de grande importância ter “formação no campo da Filosofia” e refletir sobre a “educação dos sentidos” realizando um “refinamento do espírito”, em que os “saberes sensíveis” (p. 55) seriam o alicerce da formação. A partir destes, é que se poderia passar aos “saberes científicos” como, “Anatomia, Fisiologia, Mecânica” (p. 55). O educador de Ginásticas ainda deveria comportar conhecimentos sobre “tecnologia”, apreendendo “cálculo e geometria” para a “construção, reforma e criação de máquinas e instrumentos para as aulas” (p. 55). Toda esta gama de conhecimentos serviria para o educador desenvolver nos alunos as faculdades físicas e morais.

    Já para Demeny, segundo a autora, “quem ensinava Ginástica deveria reunir os conhecimentos do sábio, bem como aqueles do prático para, então, adaptá-los ao conhecimento do homem” (p. 56). Demeny denominava o educador ginástico de ‘engenheiro biologista’, o que reforça muito a valorização tecno-científica e biologicista da época. “E a Ginástica compunha este mosaico de certezas, onde apenas as ações úteis e passíveis de comprovações experimentais tinham lugar” (p. 56).

    Deste modo, é possível observar que as Ginásticas passam de uma atividade meramente prática, para uma atividade que requer formação técnica, teórica e intelectual em que, aquele que as ministrava deveria ter o mínimo de conhecimento para ensiná-las. No Brasil a maneira como se dá o desenvolvimento da formação de profissionais capacitados para o trabalho com as Ginásticas não é muito diferente do que acontece no restante do mundo. E assim como na maioria dos países, também no Brasil, são as Ginásticas que vão figurar o que na seqüência é denominado Educação Física, como será relatado a seguir.

A formação para o trabalho com as Ginásticas no Brasil

    A necessidade de se formar professores que trabalhassem com atividade física, educação corporal surge com a Reforma Couto Ferraz, em 1851, e, três anos depois, com sua regulamentação através da Lei nº. 630, que confere a obrigatoriedade das Ginásticas nas escolas (DARIDO, 2003; PIRES, 2006).

    Marinho (1943) relata que, as iniciativas de formação de professores para ministrarem Ginásticas que avançaram no Brasil, como a criação da Escola de Educação Física da Força Policial em 1909, restringiram-se à capacitação militar.

    Melo (1996), aponta que em 1922, é fundado o Centro Militar de Educação Física no Rio de Janeiro, que daria origem futuramente à Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx). A EsEFEx foi criada com a intenção de formar instrutores, monitores, mestre d’arma, monitores de esgrima e médicos especializados para o exército. Seus cursos eram oferecidos para militares e, eventualmente, civis podiam realizar o curso de monitor.

    Muitas propostas quanto à criação de cursos surtiram durante as décadas de 20 e 30, no entanto Pires (2006) afirma que:

    (...) o primeiro programa sistematizado de Educação Física no Brasil, foi o curso da Escola de Educação Física do Estado de São Paulo, criado em 1931, mas que só começou a funcionar em 1934. Este curso tinha como propósito a formação de dois profissionais distintos, quais sejam: Instrutor de Ginástica e o Professor de Educação Física. (p. 182).

    O autor descreve que os saberes do instrutor de ginástica deveriam abranger “o estudo da vida humana em seu aspecto celular, anatômico, funcional, mecânico, preventivo, estudo dos exercícios físicos da infância a idade madura, estudos dos exercícios motores, lúdicos e agonísticos” (p. 182).

    Em 1939, com a realização de revisão na proposta de formação profissional do curso citado, passam agora a ser cinco formações quais sejam: instrutores de ginástica (professores primários), instrutor de ginástica, professor de Educação Física, médico especializado em Educação Física, técnico em massagem, técnico desportista. (PIRES, 2006)

    É notório que as Ginásticas perfazem a formação dos profissionais e dos cursos superiores, sendo inegável sua contribuição ao desenvolvimento do que hoje se concebe como Educação Física seja na escola, seja na universidade.

    No âmbito da educação básica, antes mesmo que houvesse profissionais proferindo o ensino das Ginásticas, estas passam a fazer parte dos conteúdos a serem desenvolvidos na escola. Dessa maneira, por meio das mais diversas indicações, alegadas por diferentes objetivos, as Ginásticas passam para o espaço da educação formal, sendo incluídas agora nos currículos educacionais.

A inclusão das Ginásticas na escola e nas escolas brasileiras

    As Ginásticas com caráter pedagógico foram idealizadas a princípio pelo alemão Guths Muths em 1793, “mas suas idéias ficaram em segundo plano quando Napoleão derrotou os alemães em 1805” (BREGOLATO, 2002, p. 84). Este fato despertou um forte sentimento nacionalista enaltecendo o Método Alemão, onde seu idealizador Friedrich Ludwing Jahn, se apóia em características sócio-militares para desenvolvê-lo.

Friedrich Ludwing Jahn

    Adolph Spiess – nome importante da Ginástica alemã – “preocupa-se com a Ginástica nas escolas” (OLIVEIRA, 1985, p. 07). Spiess propõem que um período do dia seja dedicado ao exercício físico, porém, sua sistematização de Ginásticas é mecânica e funcional (MENEGHETTI, 2003), e mesmo assim é implantada nas escolas alemãs por volta de 1820.

    Foi a Dinamarca, em 1801, o primeiro país a incluir as Ginásticas nas escolas, influenciada pelas idéias de Franz Netchegal, que em 1928, consegue que o ensino das Ginásticas na escola seja obrigatório (OLIVEIRA, 1985). O Método Dinamarquês não teve a mesma força de aceitação como o Alemão, Francês e Sueco, justamente pelo seu caráter pedagógico em contraposição ao militar.

    Outro fato importante para as Ginásticas se retrata a partir do Método Francês na segunda metade do século XIX, em que Bregolato (2002) coloca:

    Após a derrota na guerra franco-prussiana de 1870-71, as autoridades atribuíram à degeneração física e moral a culpa pela derrota nacional. Com isso, leis foram criadas no sentido de tornar obrigatória a Ginástica no currículo escolar, com o fim de melhorar a condição física e moral do povo. (p. 89)

    Com isso, o Método idealizado por Amoros é implantado em todas as escolas da França, sendo sua prática obrigatória para os escolares de ambos os sexos. Seguindo a mesma orientação de diversos países, os quais passam a ter a prática de Ginásticas como atividade obrigatória em seus currículos escolares, é que o Brasil vai pensar a inclusão das Ginásticas nas escolas.

    Em meados do século XVIII, as Ginásticas foram inseridas no Brasil, visando a preparação física dos soldados da Corte e, o primeiro sistema de Ginásticas a ser implantado no país foi o alemão, na primeira metade do século XIX (Marinho, 1953). Meneghetti (2003) registra que a introdução do Método Alemão no Brasil deve-se ao grande número de imigrantes refugiados da guerra que se instalaram no país tendo como hábito essa prática. A força do referido Método é tão ampla que, por volta de 1860, é consagrado como o método oficial do exército brasileiro.

    Em 1822, se dá a consolidação das Ginásticas na escola em que Rui Barbosa

    deu seu parecer sobre o Projeto 224 — Reforma Leôncio de Carvalho, Decreto n. 7.247, de 19 de abril de 1879, da Instrução Pública —, no qual defendeu a inclusão da ginástica nas escolas e a equiparação dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. Nesse parecer, ele destacou e explicitou sua idéia sobre a importância de se ter um corpo saudável para sustentar a atividade intelectual (BRASIL, 1997, p. 19).

    Com a reforma, “houve recomendação para que a Ginástica fosse obrigatória, para ambos os sexos, e que fosse oferecida para as Escolas Normais” (DARIDO e SANCHEZ NETO, 2005, p. 2). Contudo, Betti (1991) coloca que até a década de 30, as leis propostas pela reforma, foram aderidas apenas pelas escolas da corte imperial e capital da República, e as escolas militares.

    Em 1920 passa a ganhar espaço na escola o Método Francês, bem como “vários estados da federação começam a realizar suas reformas educacionais e incluem a Educação Física, com o nome mais freqüente de Ginástica” (DARIDO e SANCHEZ NETO, 2005, p. 2). O Método Francês passa a ser obrigatório nas escolas brasileiras até por volta de 1960, quando o esporte começa a ser inserido em âmbito escolar, reforçado pelas vitórias da Seleção Brasileira de Futebol em Copas do Mundo (DARIDO e SANCHEZ NETO, 2005). Também a nomenclatura mais utilizada agora é a de Educação Física e as Ginásticas aos poucos vão deixando de ser ‘a’ Educação Física para se tornar um conteúdo ‘da’ Educação Física.

Considerações finais

    A partir dessa breve revisão literária, discorrendo alguns momentos históricos referentes às Ginásticas e mostrando a importância do referido conhecimento, percebeu-se que o conteúdo relativo à evolução desta prática é altamente rico. Fica evidente que as Ginásticas encontraram caminhos para se dividir atualmente trazendo consigo todo o seu conhecimento histórico. Portanto, é importante que, indiferente do espaço em que seja abordada, mas especialmente na escola e na graduação, o seu contexto histórico seja apresentado de forma singular, para que se possam identificar caminhos inovadores de evolução.

    A relevância do conhecimento histórico das Ginásticas na formação acadêmica é particularmente essencial para e atuação do profissional de Educação Física, especialmente o professor escolar. É dentro do espaço de atuação que estes profissionais podem disseminar o referido conhecimento histórico e, aprimorá-lo de acordo com as vivências atuais das Ginásticas. Partindo de um conhecimento histórico contextualizado de forma relevante, poder-se-á contribuir de maneira mais eficaz na formação crítica e consciente do cidadão, preservando bem como disseminando o patrimônio cultural das Ginásticas.

    Acredita-se que ser um educador, seja na formação acadêmica seja na escola, é mostrar aos alunos aquilo que vai além do presente, é voltar ao passado para se construir um futuro. É apresentar o que foi e o que pode ser e, situar esses alunos dentro dessa edificação que em muito depende deles.

    A partir destas constatações, é possível citar Bloch (1965):

    É tal a força de solidariedade das épocas que os laços de inteligibilidade entre elas se tecem verdadeiramente nos dois sentidos. A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja mais útil esforçarmo-nos por compreender o passado se nada sabemos do presente (p. 42-43).

Referências

  • AYOUB, E. Ginástica Geral e Educação Física escolar. Campinas: Unicamp, 2003.

  • BLOCH, M. Introdução à história. Tradução: Maria Manuel Miguel e Rui Grácio. Lisboa: Europa-América, 1965.

  • BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental (Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais). Brasília: MEC/SEF, 1998.

  • Bregolato, R. A. Cultura corporal da cinástica. Coleção Educação Física Escolar: no princípio da totalidade e na concepção histórico-crítica, vol.2. São Paulo: ícone Editora, 2002.

  • CHARTIER, R. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Revista: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 97-113.

  • DARIDO, S. C., Educação Física na Escola, 1ª. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 2003.

  • ______. e Sanchez NETO L. S. O Contexto da Educação Física na Escola. In: DARIDO S. C. E RANGEL I. C. A (Coord). Educação física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 01-24, 2005.

  • FIORIN, C. M. A ginástica em Campinas: suas formas de expressão da década de 20 a década de 70 (Dissertação de Mestrado) Unicamp: Campinas, 2002.

  • LE GOFF, J. História e memória. 2ª ed. Campinas: Unicamp, 1992.

  • Marinho, I. P. Sistemas e métodos de educação física. São Paulo: Cia. Brasil Editora, 1943.

  • Marrou, H.I. História da educação na antiguidade, São Paulo: Editora Herder, 1969.

  • MELO, V. A. Porque devemos estudar história da educação física/esportes nos cursos de graduação? Revista Motriz, Rio Claro, v.03, n.01, Junho, 1996, p. 56-61.

  • MENEGHETTI, L. A ginástica geral e a formação universitária na FEFISA - Faculdades Integradas. (Trabalho de Conclusão de Curso). Faculdades Integradas de Santo André, 2003.

  • OLIVEIRA, V. M. Educação física humanista. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985.

  • POLLAK, M. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV/Edições Vértice, v. 5, n° 10, 1992, p. 200-212.

  • PUBLIO, N. S. Evolução histórica da ginástica olímpica. 2ª ed, São Paulo: Phorte, 2002.

  • SCHAFF, A. História e verdade. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

  • SOARES, C. L. Notas sobre a educação no corpo. Revista Educar. Curitiba: Editora da UFPR, n.16, p. 43-60, 2000.

  • SOUZA, E. P. M. Ginástica geral: uma área do conhecimento da Educação Física. Tese (doutorado). Universidade de Campinas, Campinas, 1997.

  • VAINFAS, R. História das mentalidades e história cultural. In: C. F. Cardoso; R. Vainfas, (Orgs.) Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997, p. 127-162.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 13 · N° 126 | Buenos Aires, Noviembre de 2008  
© 1997-2008 Derechos reservados