A vivência simbólica na psicomotricidade relacional em meio aquático: um estudo de caso |
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*Licenciada em Educação Física e Mestranda do PPG Ambiente e Desenvolvimento - UNIVATES **Docente do PPG Ambiente e Desenvolvimento – UNIVATES (Brasil) |
Taís Prinz Cordeiro* Atos Prinz Falkenbach** |
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Resumo Pensando a aprendizagem da natação para crianças de 3 a 5 anos, uma prática surge neste contexto. Trata-se da psicomotricidade relacional em meio aquático que busca, por intermédio do jogo, da otimização e da ampliação do mundo simbólico infantil, as inter-relações, afetividade, linguagem e disponibilidade corporal. Alicerçando-se na psicomotricidade relacional em meio aquático, buscou-se fazer reflexões sobre esta prática no meio aquático. O objetivo do presente estudo foi refletir e experimentar procedimentos pedagógicos em aulas de natação para crianças de 3 a 5 anos através da psicomotricidade relacional. A metodologia do estudo é de perspectiva qualitativa, estudo de caso, uma vez que foi analisada e discutida a prática educativa de uma criança em um grupo. A investigação contemplou observações seletivas na postura de participante-observadora, filmagens e material fotográfico. A partir da coleta de informações foram selecionadas as categorias de análise. Os resultados demonstram a relevância de um programa de psicomotricidade relacional no meio aquático para crianças desta faixa etária, cabendo ao professor não só oportunizar às crianças conhecerem suas limitações e potencialidades, como também, servir de corpo de ajuda para ampliar aprendizagens. Unitermos: Psicomotricidade relacional. Natação. Processo ensino-aprendizagem. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008 |
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1. Introdução
A imagem pública da natação é formada pelo que vemos e lemos nas telas de televisão e nos meios de comunicação. Esses são eventos principalmente esportivos nos quais os critérios para o sucesso na água se baseiam na eficiência dos movimentos. A ciência esportiva revolucionou o modo como as pessoas aprendem a nadar e a eficiência dos movimentos natatórios aumentou em saltos e surtos. Dessa forma, os livros didáticos tendem a enfatizar métodos para aprender mais rapidamente a nadar.
A natação infantil segue o mesmo paradigma. Enfatiza na maior parte das vezes, apenas as variáveis psicomotoras: equilíbrio, lateralidade, coordenação motora ampla, esquema corporal, para que a criança consiga realizar a técnica dos movimentos natatórios. Conforme Negrine (1998) essa prática centra objetivos na chamada “concepção psicomotriz das faltas”, ou seja, no que a criança não consegue fazer.
Os estudos de Catteau e Garoff (1990) ressaltam que a técnica é a experiência individual, despersonalizada, uma maneira de fazer separada das razões de fazer, construída do externo para o interno, o ato despojado de seus motivos, ou seja, um conjunto de processos para uma determinada prática.
Para Shaw e D’Angour (1996) nadar não diz respeito apenas a mover-se na água. Diz respeito a estar na água e com a água. Tem muito mais a haver com a qualidade da experiência, ao invés de uma técnica.
Na linha dos autores citados pode-se destacar que o brincar é vivência natural da vida de uma criança. É brincando que a criança constrói seu conhecimento, pois é por meio da sua ludicidade que ela começa a dar sentido e significado às coisas. É brincando que ela exterioriza de forma espontânea e autêntica os seus fantasmas corporais e a sua criatividade em potencial. E isso só acontece quando é dada a oportunidade da criança manifestar suas fantasias, propiciando-lhe sentir-se livre o suficiente para brincar, criar e recriar seus personagens (Leontiev, 2000).
Geralmente, os livros didáticos de natação preconizam uma conduta diretiva, negando muitas vezes que as atividades e brincadeiras partam da busca inicial e exploratória da criança em meio aquático. Surge então uma questão: Porque não deixar a criança e a água se encontrarem, ao invés de somente prescrever exercícios?
Considerando-se que o processo de psicomotricidade relacional estimula a criança a compreender o mundo dos símbolos de forma mais clara e evoluída e acreditando-se nesse grande potencial simbólico e envolvente do meio aquático, experimentou-se trabalhar com a psicomotricidade relacional em meio aquático. O objetivo da prática foi dar prioridade à relação humana, à exploração corporal, à comunicação e à vivência lúdica da criança com e na água, com o outro, com os objetos, consigo mesma e com o contexto que a rodeia (Falkenbach, 2002). A partir dessas motivações iniciais é possível apresentar o problema do estudo que é: Como pensar e proceder a intervenção educacional nas aulas de natação para crianças de 3 a 5 anos através da psicomotricidade relacional?
Ao tentar contribuir para essa discussão, apresentam-se neste artigo os resultados de uma pesquisa realizada, a qual teve como objetivo refletir e experimentar procedimentos pedagógicos em aulas de natação para crianças de 3 a 5 anos através da psicomotricidade relacional.
2. Metodología
A metodologia utilizada baseia-se em um paradigma qualitativo na modalidade de estudo de caso. A escolha dos participantes do estudo ocorreu de forma intencional, pois de acordo com Gómez, Flores e Jiménez (1996) na pesquisa qualitativa os participantes não são selecionados ao acaso.
Para a escolha da criança protagonista do estudo levou-se em consideração a participação efetiva nas aulas de natação, uma vez que só poderia se realizar um estudo com uma criança que realmente participasse de todas as aulas. A criança escolhida como protagonista do estudo foi uma menina de três anos e 8 meses de idade. A turma é constituída por cinco crianças (três meninos e duas meninas). As meninas com idades de 3 e 4 anos, já os meninos: a) dois meninos com a idade de 4 anos e; b) um menino com 5 anos de idade. Este grupo realiza aulas de natação em conjunto há 8 meses. Todas as crianças apresentam boas relações com colegas e professora. A piscina em que o estudo foi realizado possui 0.8m de profundidade e dimensões de 5m x 2m aquecida com temperatura entre 31° e 33° nos dias mais frios
Para fundamentar a proposta da psicomotricidade relacional deste estudo, buscou-se apoio na proposta pedagógica para a prática psicomotriz educativa de Negrine (1998) que considera o jogo de inestimável valor no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança.
As aulas baseadas na psicomotricidade relacional foram realizadas por um período de 2 meses em uma escola de natação da cidade de Lajeado. As aulas ocorreram com uma freqüência de duas vezes por semana, do horário das 10 horas às 10 horas e 45 minutos, sendo cada uma com a duração de 45 minutos.
A estrutura das aulas se organiza em três momentos distintos: o ritual de entrada, a aula propriamente dita e o ritual de saída. Os rituais foram realizados no início e no final da aula e tinham a duração de aproximadamente 5 minutos cada.
O ritual de entrada é o momento em que as crianças são reunidas em círculo dentro d’água. Neste momento são estabelecidos os contratos para a aula como: jogar sem fazer mal a ninguém, entender que todos têm o direito de utilizar os materiais, interromper o que estiver fazendo quando a professora anunciar que a aula acabou e ajudar a recolher os materiais no final da aula. No rito de entrada também é oportunizado às crianças, um momento de comunicação das atividades que pretendiam realizar durante a aula.
O ritual de saída, também em forma de círculo é o momento oportunizado às crianças para verbalização sobre os seus jogos, exercícios e produções realizadas durante a aula.
A aula propriamente dita é o momento no qual a criança pode brincar e fazer exercícios com e na água, com o outro e com os objetos. O papel de professora era o de atender à demanda da criança, além de suscitar idéias, desafiar e provocar situações lúdicas, servindo de corpo de ajuda quando necessário. Para a realização das aulas, vários materiais são disponibilizados para contribuir na manifestação e provocação de atividades das crianças, bem como possibilitar que se exteriorizassem brincando de diversas formas.
Para a coleta de informações necessária à realização do estudo utilizou-se das observações seletivas com pautas de observação. A pesquisadora desempenhou o papel de participante-observadora, uma vez que participou dos acontecimentos na posição de professora do grupo de crianças. Os registros foram feitos depois de cada sessão, pois o ambiente não permite anotações durante a prática. Para facilitar esse processo a pesquisadora fez uso da gravação de filmagens e de material fotográfico, que serviram como material de suporte para analisar e interpretar determinadas situações, além de facilitar as descrições das observações.
A análise das informações ocorreu durante o processo de estudo juntamente com a sua coleta. A partir dos objetivos traçados foram elaboradas as categorias de análise. Segundo Minayo (1994), isso significa agrupar elementos, idéias e expressões em torno de um conceito com características comuns, ou que se relacionam entre si.
3. Descrição, análise e interpretação das informações
Da compreensão das informações obtidas através destes instrumentos que ocorreram em conjunto com a prática e também relacionando com os objetivos do presente estudo, originou-se a organização das seguintes categorias, em torno do tema principal da vivência simbólica:
Vivência simbólica: alavanca para novas aprendizagens;
Os jogos simbólicos;
Professora: corpo de ajuda e parceira simbólica;
Vivência simbólica: estratégia relacional.
Cabe salientar, que todas as categorias analisadas referem-se ao desenvolvimento das aulas e à trajetória lúdica da criança protagonista do estudo. Para preservar o sigilo de todas as crianças participantes do estudo, para a análise e interpretação elas foram nomeadas da seguinte forma: Ana (criança protagonista do estudo – 3 anos), Camila (4 anos), João (4 anos), Vítor (4 anos) e Leonardo (5 anos).
3.1. Vivência simbólica: alavanca para novas aprendizagens
Conforme Negrine (1998), considerar a situação imaginária como característica principal é fazer a leitura da trajetória da criança ao brincar, que por sua vez pode ser representada por apenas um papel ou vários, alternando assim o jogo e sua representação.
Neste sentido o professor deve estar preparado para estabelecer as regras do jogo para fazer esta leitura. Com isso, fez-se necessário observar seletivamente. Desta forma, observando somente uma criança e com a escolha de pautas, muitas situações simbólicas não passaram despercebidas.
Winnicott (1982) salienta a importância das vivências simbólicas para o desenvolvimento das crianças:
As experiências do mundo infantil centram-se principalmente na brincadeira e na fantasia e são as principais responsáveis pelo desenvolvimento da personalidade das crianças. Estas podem ser próprias ou servir da intervenção do adulto (p.163).
Vygotsky (1989) escreve que no brincar a criança está sempre acima de seu comportamento diário. Assim, nas brincadeiras simbólicas as crianças manifestam certas habilidades que não seriam esperadas para sua idade. Nesse sentido, a aprendizagem cria a zona de desenvolvimento proximal, ou seja, a aprendizagem desperta vários processos internos de desenvolvimento.
Situações imaginárias permearam as aulas e as atividades da criança protagonista do estudo (Ana), enriquecendo sua trajetória lúdica. Essas situações fizeram com Ana vivenciasse diferentes papéis e em conseqüência, sentindo-se capaz de experimentar e realizar muitas coisas de diversas maneiras.
Seguem os exemplos:
10h33min. Todas as crianças estão colocadas em pé na borda da piscina. O momento que se segue, denominamos como a “hora do pulo”. Todas as crianças poderão saltar na piscina da forma que quiserem. Ana não quer saltar sem meu auxílio, segurando fortemente minhas mãos até cair na água (Aula nº1, obs. nº1, em 04/07/06).
10h35min. Ana volta para a borda da piscina para realizar o pulo e fica observando seus colegas. Vítor pula na piscina gritando: “Pulo de Power Rangers”. Nisto a colega Camila também pula gritando: “Pulo de Hello Kitty”. Ana se coloca bem na beira da piscina e pula sozinha para a água gritando: “Pulo de Meninas Super Poderosas”. (Aula nº1, obs. nº1, em 04/07/06).
Ao ser convidada para saltar sozinha da borda da piscina para dentro d’água, não o fez, mas saltava quando representava algum papel na sua trajetória de jogo. Segundo Negrine (1998) falar do jogo e da trajetória durante sua realização é considerar a situação imaginária como sua característica principal. À medida que ela muda, muda a representação, e com ela as emoções, num processo muito dinâmico. Pode-se perceber o papel do simbolismo como uma alavanca para aprendizagem de Ana.
3.2. Os jogos simbólicos
A trajetória lúdica de Ana demonstrou boa evolução no desenvolvimento das aulas. Ana manifestou uma trajetória lúdica dinâmica e criativa, tanto em suas experimentações corporais como nas vivências simbólicas. A descrição da observação ilustra:
10h19min. João e Leonardo seguram na barra da borda da piscina e ficam em decúbito dorsal batendo os pés. Realizavam um diálogo sobre o tamanho das ondas que produziam. Ana se coloca em cima do colchonete e batendo os pés, vai em direção às ondas. Com muito esforço tenta se colocar em pé no colchonete. Grita para mim: “Olha profe eu sou uma surfista” (Aula nº7, obs. nº7, em 25/07/06).
O fato de estar atenta e receptiva às manifestações externas ajudou em permitir a sua aproximação dos colegas do grupo, brincar na companhia dinâmica dos colegas, fazendo investimentos e explorações pessoais, sempre com o incentivo à linguagem de cooperação e do brincar em conjunto.
Outros jogos simbólicos freqüentes foram:
Pescadora e peixe: alternância de papéis. Alguns momentos exerceu o papel de pescadora, segurando o ponta de um espaguete para que seus colegas pegassem, outros momentos era o peixe, nas situações que seus colegas se dispunham no papel de pescador.
Bichinhos do mar: exerceu o papel de golfinho, peixe, estrela-do-mar, baleia, sendo que sempre animais considerados por ela, “bons”. Brincou de fugir dos animais malvados, desempenhados por alguns de seus colegas, como o tubarão, jacaré, polvo, siri.
Casinha e posto de gasolina: montou com os colchonetes, a casa em um dos cantos da piscina e o posto de gasolina em outro. Transitou pela piscina apoiada em um espaguete que representou o carro. No posto de gasolina abastece o carro com um regador, molhando a própria cabeça. Quando brincou em conjunto com seus colegas preferiu desempenhar o papel de “frentista”, molhando a cabeça de seus colegas quando eles abastecem os carros no posto.
Pulo de bichinhos: nos momentos da realização dos pulos, exerceu o papel de algum animal como gato, macaco, girafa, elefante, passarinho e os imitou.
Caçadora do Lobo Mau: segurando um bambolê, tentou pegar os colegas.
Submarino: mergulha no fundo da piscina pegando os materiais imersos.
3.3. Professora: corpo de ajuda e parceira simbólica
Adotar uma postura disponível para a comunicação com as crianças e participar junto com elas nas brincadeiras, permitiu às últimas, investirem sobre a professora. A postura adotada para receber as crianças nas brincadeiras foi de joelhos na altura das crianças, o que permite maior comunicação com elas. Aucouturier (1986) descrevea que “só podemos atingir a criança de forma autêntica e profunda, através de sua própria linguagem” (p.61).
Ana sentiu-se à vontade com essa modificação, uma vez que utilizou a professora como corpo de ajuda para suas realizações, assim como também uma parceira simbólica, como demonstra essa observação:
10h10min. Ana, segura o meu pé, se mantém no fundo da piscina até conseguir pegar uma argola azul que estava imersa perto de mim. Volta à superfície e a coloca em minha cabeça, dizendo que sou a rainha dos tubarões. Pega um espaguete e o coloca ao redor de mim dizendo: “Eu sou a rainha das baleias e prendi você!”. Vítor observa por um tempo e depois vem até mim, pega minhas duas mãos e as coloca ao redor da barra da borda da piscina falando: “Agora sim você não pode mais fugir!”. Mergulho saindo por baixo do espaguete, e as outras crianças que estavam observando, começam a mergulhar rapidamente fugindo do “tubarão”. Ana e Vítor mergulham me perseguindo e segurando um espaguete. Ana grita: “Vem aqui seu tubarão malvado!” (Aula nº11, obs. nº11, em 08/08/06).
Através da disponibilidade que a professora demonstra, Ana sentiu-se confiante, capaz de arriscar-se em suas produções durante as aulas, como segue:
10h23min. Camila e João flutuam em decúbito ventral de braços abertos, dizendo serem aviões. Mergulho girando pela piscina, alternando posições em decúbito ventral e dorsal. Digo que meu avião estragou e está caindo. Ana segura em meu pescoço e entrelaça suas pernas em minha cintura, girando pela piscina junto comigo (Aula nº13, obs. nº13, em 15/08/06).
A relação de confiança, de segurança e afetividade entre professora e aluna, no decorrer das aulas, conseqüentemente se aprofundou. Para Lobo (2002):
O contato corporal do professor com a criança deve marcar a atitude pedagógica. Para tanto é necessário que ele esteja sempre dentro da água durante a sessão e com o corpo disponível, para tocar e ser tocado. (...) Os contatos corporais entre professor e a criança é uma forma de estreitar vínculos e essa aproximação favorece a exteriorização da criança e fortalece as relações interpessoais (p. 219).
Falkenbach (1999) afirma que essa situação:
(...) é importante para as relações de segurança que devem ser instauradas entre o professor e a criança, para que possa existir uma disponibilidade de ajuda em sentido de evolução, ao mesmo tempo que se tem clareza das dificuldades que deverão necessariamente se atenuar e desaparecer para que se consiga a confiança relacional (p. 70).
Falkenbach (2005) também salienta que o professor durante as aulas deve oportunizar a criança vivenciar espontaneamente manifestações e interações como o estímulo, mantendo posição de escuta, de ajuda, de compreensão, e toque, o qual é elemento fundamental no que se refere à segurança e à afetividade, sentimentos importantes que vêm qualificar o desenvolvimento da criança.
Segundo Marchand (1985) afetividade é, indiscutivelmente, a mola propulsora da educação, pois a primeira relação que se estabelece, entre professor e aluno, é a afetiva. Sem afetividade não se estabelece uma interação entre quem ensina e quem aprende. Desta forma, uma relação segura, de ajuda, de compreensão e afetiva foram fundamentais para alavancar novas aprendizagens de Ana.
3.4. Vivência simbólica: estratégia relacional
As primeiras aulas foram caracterizadas por uma forma de brincar individual de Ana. Segundo Negrine (1994) por jogos individuais são compreendidos aqueles em que a criança joga sozinha, com o próprio corpo ou com um determinado objeto ou brinquedo, sem tomar parte em outro jogo que se desenvolve.
Pelo fato de que as aulas anteriores ao início do estudo foram diretivas, o aspecto relacional com os colegas, apresentou-se deficiente. Através das aulas diretivas, Ana não sentiu necessidade de interagir com seus colegas, já que a maior parte das atividades relaciona-se com seu próprio desempenho na água.
Desta forma, provocar relações de Ana com seus colegas em sua trajetória lúdica, participando em atividades e criando com o restante do grupo, foi um dos primeiros objetivos estabelecidos, nestas primeiras aulas.
As atividades simbólicas incentivadas e orientadas durante as aulas propiciaram a relação com os colegas. Nesse sentido, as vivências simbólicas criativas, passaram a ser modelo para as brincadeiras das outras crianças que a acompanhavam nas aulas. Para Negrine (1994), o jogo como atividade simbólica da criança permite que uns façam parte do jogo de outros.
Observou-se que crianças que apresentam certa necessidade de jogar sozinhas para viver determinados papéis no jogo, ao representar atraem as outras crianças que aderem a seu jogo (p.76).
Por exemplo:
10h21min. Atiro a água para cima com as mãos. Ana corre pela piscina dizendo estar fugindo da tempestade. Chega a uma das bordas da piscina, pega um colchonete e o coloca sobre sua cabeça. Continuo a atirar a água. Ana me chama e diz estar protegida por um guarda-chuva. João mergulha até Ana e se coloca junto em baixo do “guarda-chuva”. Os dois se deslocam pela piscina com o “guarda-chuva”, fugindo da “tempestade”. Camila observa os dois e pega outro colchonete da borda da piscina, o coloca sobre a cabeça e começa a correr. Leonardo vai até Ana e diz: “Vamos juntar todos e fazer um guarda-chuva gigante?” Ana sorrindo vai com seu colchonete até Camila e todos ajudam a montar o guarda-chuva gigante (Aula nº7, obs. nº7, em 25/07/06).
Assim, o jogo de Ana que começou individual advindo de uma necessidade sua de representação de um determinado papel, logo ganhou adeptos, transformando-o em um jogo grupal. Percebe-se que o jogo simbólico foi o que possibilitou um convívio lúdico com seus iguais, acelerando o processo de socialização de Ana.
4. Conclusão
Através das observações realizadas, e com a reflexão e experimentação de procedimentos pedagógicos baseados na psicomotricidade relacional durante as aulas de natação para crianças de 3 a 5 anos, foi possível analisar e interpretar a ação pedagógica e suas repercussões no comportamento da criança protagonista do estudo.
Com relação à vivência simbólica da criança protagonista do estudo durante as aulas, evidenciou-se que demonstrou significativas situações simbólicas em suas atividades. As vivências simbólicas incentivadas durante as aulas e naturalmente proporcionadas pelo meio aquático foram propulsoras de novas aprendizagens. Ao representar papéis e ao utilizar modelos de outras crianças, a criança protagonista do estudo, sentiu-se capaz de vivenciar situações diversas.
A liberdade de expressão adquirida através das aulas de natação baseadas na psicomotricidade relacional e o meio aquático foi o que permitiu essa grande gama de vivências simbólicas. Portanto, a capacidade simbólica deve ser dimensionada em função das possibilidades que se oferece para potencializar a ampliação do mundo simbólico infantil.
A utilização de diversos materiais durante as aulas permitiu ampliar a capacidade criativa e imitativa da criança, favorecendo novas aprendizagens. Os materiais tiveram a função de ampliar o número de atividades a serem realizadas, uma vez que enriquecem as experiências.
No que se refere à relação da criança com as demais crianças, constatou-se que no início da prática ela demonstrou uma trajetória lúdica individual. Pode-se pereceber que os papéis simbólicos representados pelos colegas serviram de modelo para a trajetória lúdica da criança. As suas representações também serviram de exemplo ao grupo. Ao representar papéis de forma dinâmica e criativa, outras crianças aproximaram-se e vieram participar com ela.
Como a psicomotricidade relacional está fundamentalmente voltada para a criança em idade pré-escolar e serve-se do ato de brincar, cria condições favoráveis ao domínio do corpo no meio aquático, além de impulsionar processos de maturação e aprendizagem. O meio aquático também proporciona condições de liberação e reflexão para a exploração. Ao longo do estudo observou-se a criança vivenciar diversas posições e deslocamentos que vieram a ampliar sua experiência na água.
Finalmente é essencial salientar a relevância de um programa de psicomotricidade relacional no meio aquático, onde o professor não só dá oportunidade para as crianças conhecerem suas limitações e potencialidades, como também, servir de corpo de ajuda para ampliar suas aprendizagens, permitindo uma fluidez de gestos e o emergir de uma vivência simbólica.
Referências
AUCOUTURIER, B. A prática psicomotora: reeducação e terapia. Porto Alegre: Artmed, 1986.
CATTEAU, R. GAROFF G. O ensino da natação. 3. ed. São Paulo: Manole, 1990.
FALKENBACH, A. A relação professor/criança em atividades lúdicas: a formação pessoal dos professores. Porto Alegre: EST, 1999.
______. Crianças com crianças na psicomotricidade relacional. Lajeado: UNIVATES, 2005.
GÓMEZ, G. R. FLORES, J. G. e JIMÉNEZ, E. G. Metodología de la investigación cualitativa. Granada: Aljibe, 1996.
LOBO, A. S. Psicomotricidade relacional no meio aquático. In: NEGRINE, A. O corpo na educação infantil. Caxias do Sul: EDUCS, 2002. p. 199-226.
MARCHAND, M. A afetividade do educador. São Paulo: Summer, 1985.
MINAYO, M. C. S. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994.
NEGRINE, A. Aprendizagem e desenvolvimento infantil: simbolismo e jogo. Porto Alegre: Prodil, 1994. v. 1.
______. Aprendizagem e desenvolvimento infantil. Psicomotricidade: alternativas pedagógicas. Porto Alegre: Edita, 1998. v. 3.
SHAW, S.; D’ANGOUR, A. A arte de nadar. São Paulo: Manole, 2001.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982.
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digital · Año 13 · N° 126 | Buenos Aires,
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