A educação física e o esporte na escola pública no ensino fundamental: análise do cotidiano do professor e possibilidades para a formação inicial e continuada |
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Docente do Curso de Graduação de Educação Física e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR) Doutora em Ciência da Atividade Física e do Esporte (UNILEON/ES) Mestre em Educação (UNIMEP/SP). Professora pesquisadora Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Física Escolar e Formação de Professores (GEPEFE). |
Silvia Christina Madrid Finck (Brasil) |
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Resumo Este artigo trata do estudo cujo objeto é o cotidiano pedagógico do professor de Educação Física na Escola Pública. O objetivo geral da investigação é analisar e discutir algumas das interfaces do cotidiano escolar, com relação ao contexto que envolve o professor de Educação Física e seus alunos no espaço da Escola Pública. A metodologia utilizada é a pesquisa de campo, a abordagem do estudo é qualitativa, de cunho do tipo etnográfica, descritiva, confrontada com a experiência vivida da pesquisadora. Na análise, discussão e conclusões dos resultados deste estudo aponta-se para a necessidade de reflexão, análise e transformação da prática pedagógica da Educação Física e do Esporte que hoje é percebida, bem como se perspectiva algumas possibilidade teóricas metodológicas para a abordagem da Educação Física e do Esporte na Escola e no processo de formação do professor inicial e continuada. Palavras chave: Esporte. Escola. Ensino. Este trabalho foi aprovado e apresentado como parte de um painel no XIV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE 2008), na cidade de Porto Alegre/RS/Brasil, na UFRGS. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008 |
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1. Introdução
Este artigo refere-se à pesquisa que foi desenvolvida, na busca do entendimento aprofundado da realidade da Educação Física e do Esporte, na Escola Pública Estadual, partindo da análise do cotidiano do professor realizado nesse contexto, no ensino fundamental, no terceiro e quarto ciclo (5ª a 8ª série), na cidade de Ponta Grossa/PR.
A opção por este objeto se deu em função de preocupações voltadas tanto para as questões pedagógicas da Educação Física e do Esporte, no contexto escolar, como para a formação do profissional que irá atuar em diversos campos de trabalho, entre eles a Escola. O objetivo geral da investigação é analisar e discutir algumas das interfaces do cotidiano escolar, com relação ao contexto que envolve o professor de Educação Física e seus alunos, no espaço da Escola Pública, no ensino fundamental, no terceiro e quarto ciclo.
O trabalho de pesquisa foi desenvolvido de forma integrada, onde foram considerados os “diferentes olhares” sobre esse cotidiano, entre eles: dos acadêmicos do terceiro (3º) ano, do Curso de Licenciatura em Educação Física, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), dos professores de Educação Física que atuam nas Escolas; dos alunos do ensino fundamental, do terceiro e quarto ciclo; dos professores da disciplina de Metodologia e Prática de Ensino de Educação Física (MPEEF) da UEPG, responsáveis pela orientação e supervisão do Estágio Supervisionado; e o da própria pesquisadora, que enquanto educadora, contribui descrevendo parte desse cotidiano, pois participa ativamente desse contexto atuando na Universidade, e também como professora da Escola onde atuou por mais de vinte e sete anos.
Considera-se no contexto analisado o que o professor de Educação Física realiza em termos pedagógicos, o aluno de hoje seus interesses e expectativas em relação às aulas de Educação Física e ao Esporte, no espaço da Escola, bem como os aspectos relacionados à formação do profissional da área de Educação Física. São consideradas também as atividades que os acadêmicos realizam na Escola, através do Estágio Supervisionado, onde primeiramente observam as aulas do professor, e num segundo momento atuam através das docências nas mesmas turmas, participando e intervindo, dessa forma, no cotidiano escolar. (BORGES, 1998; CARVALHO, 1988; CUNHA, 1992; PICONEZ, 1994).
Depois do entendimento das conclusões a que se chegou, são apontadas algumas perspectivas que poderão ser utilizadas como novas hipóteses, para o desenvolvimento de outros estudos relacionados às questões que envolvem a Educação Física e o Esporte no contexto escolar e de formação de professores.
2. Metodologia
A metodologia utilizada é a pesquisa de campo, a abordagem do estudo é qualitativa, de cunho do tipo etnográfica, descritiva, confrontada com a experiência vivida da pesquisadora. (ANDRÉ, 1995; LÜDKE; ANDRÉ, 1986; MARCONI; LAKATOS, 2003; NEGRINE, 2003; PÁDUA, 1999; TRIVINOS; NETO, V. 1999).
A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Ponta Grossa (PG), no Estado do Paraná (PR), em sete (07) Escolas Públicas Estaduais (A, B, C, D, E, F, G) no ensino fundamental, no terceiro e quarto ciclo, durante o período que compreende os anos letivos de 2001, 2002 e 2003. A pesquisa foi realizada de forma integrada, onde foram considerados os “diferentes olhares” sobre o cotidiano analisado, participaram da pesquisa os seguintes grupos: noventa (90) acadêmicos dos terceiros anos, do Curso de Licenciatura em Educação Física, da UEPG, que tem a vivência do cotidiano através da realização do Estágio Supervisionado realizado nas Escolas; vinte (20) professores de Educação Física que atuam na Escola, considerando suas experiências, realidades e necessidades; três mil duzentos e vinte e dois (3222) alunos do terceiro e quarto ciclo das Escolas envolvidas na pesquisa; e seis (06) professores da disciplina do MPEEF, do referido Curso e Instituição, responsáveis pela formação profissional, e que, também, enquanto pesquisadores são elementos articuladores entre a Universidade e a Escola.
Na coleta dos dados foram utilizados como instrumentos uma ficha específica para o registro das observações das aulas nas Escolas, a entrevista semi-estruturada, o questionário, o diário de pesquisa, o relatório e a análise de documentos. A ficha de observação foi elaborada pela pesquisadora, bem como as questões dos questionários e da entrevista, os demais instrumentos (diário de pesquisa, relatório, análise de documentos) foram selecionados para serem utilizados a fim de complementar a coleta de dados, com o objetivo de torná-la a mais completa possível. As questões norteadoras da pesquisa, consideradas e tratadas, foram organizadas tendo em vista as reais necessidades de maiores informações para sua realização. A ficha de observação foi organizada, pela pesquisadora, em forma de tabela onde constam listados em forma de tópicos os aspectos que se referem: à organização da turma, ao espaço e material da Escola para as aulas de Educação Física; a metodologia utilizada pelo professor; as relações estabelecidas nas aulas entre professor e aluno e aluno-aluno.
A coleta de dados teve início com as observações sistemáticas, nas Escolas, das aulas de Educação Física, no terceiro e quarto ciclo, realizadas pelos acadêmicos, através do Estágio Supervisionado, com uma carga horária semanal de seis (06) horas aula, os dados foram coletados e registrados na ficha de observação. Para o enriquecimento da coleta de dados a pesquisadora realizou com cada um dos vinte (20) professores de Educação Física das Escolas, uma entrevista, semi-estruturada, a questão foi única e aberta, a fim de permitir que o professor falasse de forma mais livre sobre seu cotidiano na Escola. Foram aplicados também, pelos acadêmicos e pela pesquisadora, dois (02) tipos diferentes de questionários, um para os professores de Educação Física e outro para os alunos do terceiro e quarto ciclo, um terceiro questionário foi aplicado pela pesquisadora para os professores de MPEEF.
Foram considerados também os dados coletados e registrados nos demais instrumentos: aqueles reunidos pelos acadêmicos que constam no diário de pesquisa e no relatório final de Estágio; aqueles coletados pelos professores de MPEEF que foram registrados na forma de relatório, e são referentes, principalmente, às aulas ministradas pelos acadêmicos; e os dados coletados pela pesquisadora, referentes às aulas ministradas pelos acadêmicos os quais foram registrados no diário de pesquisa; bem como àqueles obtidos através da análise dos documentos utilizados pelos professores de Educação Física nas Escolas como o referencial teórico, o planejamento e os diários de classe das séries. A análise dos dados foi realizada pela pesquisadora, que considerou também as discussões realizadas nas aulas semanais de MPEEF, na UEPG.
Na pesquisa alguns aspectos foram privilegiados em determinados âmbitos, sendo consideradas as seguintes categorias: Âmbito Escolar (AE); Âmbito do ensino e aprendizagem (AEA); Âmbito das Relações pessoais (ARP); e Âmbito Profissional (AP). As referidas categorias foram delineadas pela pesquisadora durante a coleta dos dados, sendo assim denominadas por retratar proximidade entre os mesmos, sua organização se apresenta de acordo com a especificidade de cada uma delas. Os dados são apresentados, pela pesquisadora, segundo o “olhar” de cada grupo participante da pesquisa, onde se faz a descrição e análise de acordo com as categorias estabelecidas.
3. Resultados e discussão
3.1. O olhar dos acadêmicos
Os dados são apresentados de acordo com os registros elaborados pelos acadêmicos nas aulas que observaram. Percebe-se que o espaço físico e a quantidade de material, muitas vezes, chamam mais a atenção dos acadêmicos que as questões pedagógicas e metodológicas.
Os acadêmicos qualificaram o acervo bibliográfico encontrado nas bibliotecas das Escolas, como reduzido, precário e desatualizado. Poucas Escolas tinham computadores e com uso bastante limitado, apenas duas escolas (E, F) tinham acesso a Internet. Com referência ao planejamento de Educação Física nove (09) professores apresentou cópia aos acadêmicos e teceram comentários evidenciando seus principais aspectos, os demais (11) não o fizeram justificando de várias maneiras.
Os diários de classe dos professores retrataram, em parte, a maneira como efetivam o trabalho pedagógico: oito (08) professores demonstraram serem muito organizados; seis (06) professores registravam o essencial; e seis (06) professores aparecem como extremamente desorganizados. O conteúdo predominante abordado nas aulas em seis (06) Escolas foi o Esporte, prevalecendo às modalidades coletivas do basquetebol, futebol, handebol e voleibol. A exceção foi a Escola A, onde uma (01) das professoras trabalhou com Atividades Rítmicas no primeiro semestre, de cada ano letivo, e no segundo desenvolveu as mesmas modalidades esportivas coletivas priorizadas pelos demais professores. Também foram desenvolvidas em quatro (04) Escolas, em menores proporções, as modalidades de Xadrez e Tênis de Mesa. Na Escola F todos os alunos do terceiro e quarto ciclo tinham também uma (01) aula semanal de Xadrez na forma de projeto.
Os acadêmicos identificaram nas aulas a abordagem dos seguintes conhecimentos: nove (09) professores trabalharam os fundamentos, as técnicas e táticas básicas, as regras e o jogo (habilidades-valores); e onze (11) professores abordaram também outros conhecimentos relacionados ao Esporte (aspectos históricos, manutenção e melhoria da saúde, práticas diferenciadas do Esporte e jogos recreativos).
Os professores desenvolveram os conteúdos da seguinte forma: todos evidenciaram o aspecto dos procedimentos em detrimento de outros (realização dos movimentos); oito (08) professores demonstraram ter uma constante preocupação com o aspecto das atitudes; os aspectos conceituais foram trabalhados mais nas aulas teóricas, ou solicitado como trabalho de pesquisa que os alunos deveriam realizar como atividade avaliativa.
Os acadêmicos tiveram dificuldades para identificar nas aulas as metodologias utilizadas pelos professores, perceberam uma mescla das mesmas, e usaram a denominação de metodologia não identificada (NI), para o registro da maioria das aulas ministradas pelos vinte (20) professores. Alguns acadêmicos identificaram a metodologia utilizada por onze (11) professores como sendo a dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS, 1998).
A maioria dos acadêmicos também destacou que dezesseis (16) professores deixavam os alunos escolherem o que queriam fazer, no mínimo em uma aula por semana, seriam as “aulas livres”, sendo identificadas e registradas por eles como atividades livres (AL). Nenhum acadêmico identificou nas aulas as metodologias: Sistêmica (S), Crítico-Superadora (CS) e Crítico-Emancipatória (CE). (BETTI, 1991; KUNZ, 1994; SOARES, 1992). Todas as aulas ministradas foram consideradas, pelos acadêmicos, como sendo fechadas, pois perceberam que tanto as atividades como as decisões eram estipuladas antecipadamente pelo professor.
As “aulas livres” foram consideradas como sendo abertas, pois, segundo eles, os alunos decidiam o que iriam fazer. Com relação à metodologia utilizada pelos professores, nas “aulas livres”, os acadêmicos identificaram que cinco (05) professores as desenvolviam numa concepção de ensino aberto (EA), (HILDEBRANDT; LAGING, 1986) e onze (11) professores não utilizavam nenhum encaminhamento metodológico específico, sendo as mesmas denominadas de aulas com metodologia não identificada (NI). Nas Escolas A, D quatro (04) professores não permitiam as aulas livres, isto é, eram eles que ministravam todas as aulas e dirigiam todas as atividades.
Os aspectos predominantes referentes à presença da competição e do lúdico nas aulas, apareceram no relato dos acadêmicos da seguinte forma: a competição foi predominante nas aulas para onze (11) professores e existiu em algumas atividades para nove (09) professores; os acadêmicos identificaram a predominância dos aspectos lúdicos em algumas aulas de cinco (05) professores de acordo com os seguintes procedimentos: adaptações nos jogos, a permuta das equipes, e a motivação dos alunos. Os outros quinze (15) professores adotaram apenas procedimentos relacionados com as adaptações nos jogos em algumas aulas.
Os acadêmicos registraram o interesse e a participação dos alunos e destacaram que: no terceiro ciclo (10 a 14 anos) foi alta, e no quarto ciclo (13 a 16 anos), apenas uma pequena minoria, especificamente do sexo feminino, não fez todas as aulas, alegando, principalmente, indisposição e o fato de não gostarem de algumas atividades, mesmo assim a participação foi considerada como sendo alta.
A relação entre professor e aluno foi observada como sendo: excelente e democrático, para onze (11) professores; bom e democrático para cinco (05) professores; razoável e autoritário para três (03) professores; péssimo e autoritário para um (01) professor. A maioria dos acadêmicos observou que a relação entre os alunos, nas aulas, foi excelente ou boa, afirmaram que existiram alguns conflitos, mas foram passageiros, geralmente devido a alguma discordância que ocorria quando jogavam. Por outro lado, destacaram que o vocabulário utilizado pelos alunos, entre eles, às vezes era pejorativo e ofensivo, embora afirmassem que eram amigos.
A formação dos grupos nas aulas foi variada, os alunos gostam muito de ficar juntos, conversarem, dar risadas, e jogar. Quando o professor trabalhava o jogo como conteúdo da aula, a maioria queria estar nas mesmas equipes dos amigos, escolhiam os companheiros para jogar utilizando o critério da amizade depois é que contava o fato de saber jogar bem. Esse comportamento prevaleceu no terceiro ciclo, mas também ocorreu entre os alunos do quarto ciclo.
A formação profissional dos professores é diferente com relação ao tempo que concluíram a Graduação, bem como com relação à obtenção do título em nível da Pós-Graduação. (BORGES, 1998; CARVALHO, 1988; CUNHA, 1992; PICONEZ, 1994).
3.2. O olhar dos professores das escolas
Quando a pesquisa foi realizada todos os professores trabalhavam nas Escolas há mais de cinco (05) anos, a maioria (18) era efetiva, e a minoria (02) contratada, e a carga de trabalho (hora/aula) semanal de cada um se apresentou de forma diferenciada.
Alguns aspectos referentes às instalações e aos materiais existentes nas Escolas, foram destacados pelos professores como deficitários (falta de espaço, má conservação das quadras e pátios, ocorrência de depredações, 60% afirmaram que o material é insuficiente). As concepções do termo Educação Física apresentou significados diferentes para os professores, mas ao mesmo tempo próximos, estando relacionados a termos específicos como: corpo, saúde, movimento, esporte, jogo, motricidade, disciplina, corpo e mente, atividades físico-esportivas, atividades de ócio, qualidade de vida, conhecimentos sobre o corpo.
Na formulação dos objetivos elaborados pelos professores, como sendo os principais, para a Educação Física Escolar foram utilizados verbos como: adquirir, conhecer, organizar, apontar, evidenciar, procurar, reconhecer, modificar, organizar, executar, participar, abordar, refletir. No relato das entrevistas foram identificados outros objetivos priorizados pelos professores, que evidenciam alguns aspectos didáticos metodológicos das aulas, são eles: os educativos (aprendizagem, valores, aprender a conviver com os outros); os relacionados à saúde como a manutenção e melhoria (aptidão física, condicionamento físico); os recreativos (prazer, diversão, jogo); os preventivos (desenvolvimento de hábitos saudáveis de vida); os competitivos (superar obstáculos e a si mesmo, aprender obedecer às regras e relacionar-se, saber ganhar e perder, desenvolver o espírito competitivo de forma saudável).
Com relação à elaboração do planejamento os professores evidenciaram que trocam idéias com os colegas, mas cada qual faz e segue seu planejamento. Os aspectos relacionados aos grupos dos alunos, percebidos por todos os professores, como a participação nas aulas e às preferências ao tipo de aula, as respostas foram: a) Afirmaram que quanto menor a idade dos alunos maior o nível de participação; b) Evidenciaram que a participação dos alunos reduz, significativamente e especificamente entre as meninas, no quarto ciclo, na 8ª série; c) Afirmaram que a preferência dos alunos, do terceiro e quarto ciclos, com relação ao conteúdo é o Esporte, variando apenas a modalidade esportiva.
Os conteúdos mais trabalhados nas aulas de Educação Física pelos professores são: no terceiro ciclo (5ª e 6ª séries): as atividades lúdicas, os jogos, e o Esporte (é mais desenvolvido); no quarto ciclo (7ª e 8ª séries): o Esporte. Quanto ao aspecto relação professor e aluno, 55% dos docentes disseram ser bom, 43% afirmaram que poderia ser melhor e 2% diz que é péssimo. Com relação à preferência pela profissão 80% respondeu que foi devido à ligação com o Esporte, 12% queriam ser professores e optaram pela Educação Física, pensando que seria mais agradável e fácil o exercício da docência, e 8% tentaram o ingresso em outros Cursos, sem êxito optaram por serem professores de Educação Física.
Os professores também manifestaram o que pensam a respeito de sua profissão através dos seguintes aspectos evidenciados: remuneração salarial baixa; insuficiente valorização da sociedade pelo trabalho do professor; insuficiente valorização da disciplina na Escola; falta de condições na Escola para o desenvolvimento do trabalho; falta de comunicação adequada com a direção e a equipe pedagógica da Escola.
3.3. O olhar dos alunos do terceiro e quarto ciclo
Devido ao grande número de alunos participantes, três mil duzentos e vinte e dois alunos (3222), e conseqüentemente de respostas, objetivando uma melhor apresentação dos dados obtidos, foram estabelecidos cinco (05) termos/motivos (KOBAL, 1996), como categorias, para agrupar as respostas dos alunos, conforme as semelhanças entre as mesmas, são elas: convívio social, aprender, saúde-corpo, prazer-desprazer, jogo-esporte.
As respostas foram organizadas de acordo com a relação predominante com cada uma das categorias, e foram identificadas pela palavra indicativa apresentada, independentemente da valoração do aluno com relação a sua resposta. As respostas que não se encaixaram em nenhuma das categorias aparecem no item outras respostas. O “olhar dos alunos”, de forma resumida, assim se apresenta: gostam muito das aulas de Educação Física; gostam de estar com os amigos; sentem muito prazer nas aulas Educação Física; gostam de realizar atividades agradáveis, de se movimentarem, sair da rotina de sala de aula; gostam e preferem aprender sobre Esportes; a maioria gosta e prefere jogar nas aulas; relacionam o conhecimento das aulas com aspectos do movimento, da saúde e da aparência física (beleza); não gostam de discussões, brigas, rejeição e críticas (colegas) (BETTI, 1992).
3.4. O olhar dos professores de MPEEF
Em relação à participação do professor da Escola no Estágio, os professores de MPEEF destacam que a maioria fornece as informações básicas, cumprem com o trabalho burocrático e ficam alheios ao processo, e que uma minoria participa realmente, orientando e acompanhando todo o Estágio.
As aulas ministradas pela maioria dos professores são vistas pelos professores de MPEEF como sendo um trabalho sem compromisso com as questões educacionais, desorganizado e sem relação com o contexto. Por outro lado, evidenciam o trabalho desenvolvido por uma minoria de professores como sendo responsável, organizado e relacionado com o contexto. Todos os professores afirmaram que o conteúdo predominante desenvolvido nas aulas, pelos professores, é o Esporte (basquetebol, futsal, voleibol, handebol).
Uma minoria de professores desenvolve outras modalidades esportivas e conhecimentos As dificuldades identificadas que os professores das Escolas enfrentam foram: na transposição didática dos próprios conhecimentos relativos à área e em relação a outros saberes pedagógicos; alguns parecem que não sabem mais como trabalhar; os alunos fazem o que querem, sabem e gostam; quem ministra as aulas tem dificuldades com relação: a manter a disciplina dos alunos, ao tempo para organizar melhor o trabalho, ao tempo e condições financeiras para capacitar-se; faltam condições adequadas na Escola. Segundo os professores de MPEEF os acadêmicos visualizam a disciplina como algo obrigatório, poucos consideram como um momento especial da formação acadêmica, a disciplina é vista no inicio do ano como sem importância e necessidade, mas no decorrer do processo essa concepção muda para a maioria.
As principais dificuldades, enfrentadas pelos acadêmicos, destacadas pelos professores de MPEEF, foram: a falta de conhecimento teórico relativo aos conteúdos propostos pela Escola; a maioria não sabe organizar os conhecimentos que adquiriram até então na Graduação para serem desenvolvidos na Escola; alguns não se relacionam bem com os alunos; cobram a execução correta daquilo que estão ensinando; a maioria quer trabalhar nas aulas com as modalidades esportivas que tem melhor domínio e conhecimento.
4. Conclusões
4.1. Os acadêmicos
Os acadêmicos fazem a “leitura” do cotidiano pedagógico, realizado pelos professores, tendo como parâmetro principal sua formação que é predominantemente técnica. Na Graduação há predominância no desenvolvimento do Esporte, o que reflete posteriormente na realização das atividades do Estágio Supervisionado nas Escolas.
No Curso de Licenciatura em Educação Física, na UEPG, o saber técnico é priorizado em detrimento do saber pedagógico, sendo desenvolvido de forma desarticulada, o que contribui para uma visão fragmentada do acadêmico com relação a sua formação.
O Esporte continua sendo o conteúdo predominante no Currículo e o enfoque priorizado, pela maioria dos docentes, tem abordagem técnica. No Curso há uma formação mais técnica do que pedagógica, em excelentes condições em relação a espaço e material. Os acadêmicos utilizam esses parâmetros para avaliar aqueles oferecidos pelas Escolas, considerando-os como sendo fundamentais para o professor realizar seu trabalho de forma significativa.
Os conhecimentos relacionados às questões pedagógicas são tratados de forma superficial até o terceiro ano da Graduação. Os acadêmicos, apesar das críticas, reproduzem no Estágio o trabalho desenvolvido pela maioria dos professores. Os encaminhamentos metodológicos priorizados pela maioria dos acadêmicos, retratam que as atividades com enfoque lúdico no Curso de Graduação são secundárias e pouco vividas por eles, portanto parecem ter menos valor pedagógico que os exercícios técnicos.
A minoria dos acadêmicos desenvolveu aulas diferenciadas, no Estágio Supervisionado, com relação aos conhecimentos e conteúdos abordados, evidenciando indicadores de um ensino mais aberto, crítico e reflexivo.
4.2. O professor da escola
As concepções do professor mediante a importância de seu papel de educador, bem como de seu comprometimento profissional, prevalece em relação a outros aspectos para o desenvolvimento de sua prática pedagógica, muitas vezes, o discurso do professor é diferente daquilo que ele realiza em sua prática pedagógica cotidiana.
Os professores têm dificuldades para desenvolver o trabalho pedagógico em grupo, com seus pares, por outro lado, o ambiente escolar não propícia às condições necessárias aos professores, contribuindo para o isolamento pedagógico dos docentes.
A maioria dos professores tem dificuldades na organização de seu trabalho pedagógico, que são em conseqüência, principalmente, da falta de conhecimentos teóricos científicos. No desenvolvimento do planejamento os aspectos técnicos são os mais valorizados pela maioria dos professores, seguidos daqueles relacionados à competição, à saúde, à prevenção e a recreação.
O conteúdo mais desenvolvido nas aulas é o Esporte, e a abordagem dos conhecimentos se dá em relação aos seus fundamentos, as regras, as técnicas, as táticas, e o jogo. Como valores são desenvolvidos principalmente: a disciplina, o respeito, saber ganhar, saber perder, superação dos próprios limites, e o trabalho em grupo. Os conteúdos considerados por dezesseis (16) professores como pouco importantes são: as ginásticas, as lutas, as atividades rítmicas e expressivas, os conhecimentos sobre o corpo, e os temas transversais.
O tratamento pedagógico dos conteúdos é realizado de forma limitada, repetitiva, e pouco relacionada com o contexto. Os professores dirigem totalmente o desenvolvimento das aulas não permitindo a participação dos alunos. Os exercícios físicos e técnicos realizados durante as aulas prevaleceram em detrimento das atividades lúdicas, do jogo e da competição. Os professores valorizam mais os aspectos técnicos do Esporte no desenvolvimento das aulas, e desvalorizam as atividades lúdicas.
Os conteúdos são desenvolvidos, por quatro (04) professores, de acordo com objetivos mais amplos, onde demonstram a preocupação com uma abordagem mais significativa, procuram relacioná-los com o contexto e utilizar estratégias diversificadas. Apenas três (03) professores valorizam nas aulas, primeiro os aspectos lúdicos no desenvolvimento do Esporte e, em num segundo momento os aspectos técnicos.
As atividades desenvolvidas apresentam alto grau de ênfase na participação e no prazer dos alunos, propiciam encaminhamentos diferenciados que revelam indicadores de um ensino mais aberto, crítico e reflexivo. Faltam aos professores conhecimentos teóricos científicos para subsidiar o desenvolvimento de um trabalho pedagógico diferenciado e atualizado. Há uma valorização nas aulas, por quinze (15) professores, da participação e disciplina dos alunos.
Os professores que apresentam objetivos no desenvolvimento das “aulas livres” possibilitam aos alunos: o poder de decisão e de escolha; realizar o que mais gosta; aprender a organizar-se e ceder em nome do grupo; aprender a se relacionarem com outros colegas na Escola, aqueles que não fazem parte do grupo de amigos. Os indicadores de um ensino mais aberto, reflexivo e crítico como, por exemplo, formular questionamentos, participar das atividades junto com os alunos e delegar a liderança aos mesmos obtiveram baixa incidência nas aulas.
As intervenções, da maioria, dos professores foram mais evidenciadas com relação à correção dos movimentos executados pelos alunos, e as questões referentes ao comportamento e disciplina. Percebe-se que a atuação do professor é de fundamental importância, tanto para incentivar como para inibir, e influencia na participação dos alunos nas aulas.
A Secretaria de Educação do Estado de Paraná não oferece condições para os professores desenvolverem um trabalho sistemático com relação aos treinamentos esportivos, visando a participação dos alunos em competições escolares. A remuneração do professor, da Escola Pública, da Rede de Ensino do Estado de Paraná, é baixa e a carga do trabalho é grande, dessa forma faltam recursos financeiros e tempo para o professor investir em sua capacitação profissional. A Secretaria de Educação do Estado de Paraná investe pouco na capacitação dos professores de Educação Física.
4.3. Os alunos do terceiro e quarto ciclo
A maioria dos alunos gosta das aulas de Educação Física, o Esporte é o conteúdo preferido tanto nas aulas como nas horas livres, aspiram aprender mais sobre o jogar, pois desejam jogar melhor.
Alguns fatores influenciam na diminuição da motivação dos alunos para participarem das aulas, tais como: a falta de diversidade de exercícios e atividades, a forma como são desenvolvidas pelo professor, a falta de orientação pedagógica (não aprender a jogar) e a ausência do professor durante o processo de aprendizagem.
Os alunos, principalmente do terceiro ciclo, gostam muito e participam com entusiasmo das aulas com enfoque nas atividades lúdicas. Os alunos se referem ao corpo relacionando-o com o aspecto biológico, mas também, com a beleza, com o sentir e o perceber.
Alguns fatores contribuem para que o aluno não participe das aulas: a falta de espaço e material, a falta de organização nas aulas, a divisão inadequada dos grupos de alunos em equipes, e o número elevado de alunos por turma.
Alguns aspectos referentes ao professor influenciam em um aumento ou diminuição da motivação dos alunos para participarem das aulas, tais como: o tipo de relação que estabelece com os alunos, sua participação menos ou mais ativa, os castigos que aplica aos alunos, e a forma como organiza as aulas e seus conteúdos.
4.4. Os professores de MPEEF
Os professores fazem uma leitura crítica do trabalho desenvolvido pelos professores nas Escolas, identificando suas dificuldades e limitações, mas também reconhecem que uma minoria realiza sua prática pedagógica de forma diferenciada.
Os professores percebem a fragmentação no processo de formação dos acadêmicos, através das dificuldades que apresentam no desenvolvimento do Estágio Supervisionado, bem como reconhecem que as mudanças no Curso de Licenciatura em Educação Física da UEPG são necessárias, a fim de favorecer uma formação mais sólida, onde os saberes técnicos e pedagógicos sejam desenvolvidos de forma articulada.
4.5. Algumas perspectivas
Pretende-se que as perspectivas aqui apontadas sejam utilizadas como novas hipóteses para o desenvolvimento de outros estudos, relacionados às questões que envolvem a Educação Física e o Esporte, no contexto escolar e de formação de professores.
Acredita-se ser necessário que os acadêmicos, do Curso de Licenciatura em Educação Física da UEPG, tenham um contato com o contexto escolar desde o início da Graduação, e uma maior carga horária para o desenvolvimento de atividades supervisionadas no contexto escolar. É necessário também o desenvolvimento de projetos envolvendo a Escola e a Universidade, visando à formação inicial do acadêmico, e a formação continuada do professor que atua na Escola.
A Escola por sua vez deve oferecer espaço e condições para que os professores possam dialogar com seus pares, organizar o trabalho pedagógico e refletir sobre a própria prática, sendo também um espaço de formação continuada para os educadores, o que poderá refletir numa escolarização dos alunos mais comprometida e diferenciada.
Evidencia-se também ser necessário que ações sejam construídas a fim de que possam apontar para possíveis mudanças, visando à melhoria da Educação Física efetivada na escola, no sentido de contribuir no processo de formação dos futuros professores, os acadêmicos, oportunizando-lhes o confronto da teoria estudada com a prática efetivada, possibilitando-lhes refletir e intervir de forma significativa através do Estágio que realizam.
Dessa forma serão oferecidas condições que contribuirão no processo de formação dos professores, tanto inicial (acadêmicos) como continuada (professor da Escola e da Universidade), proporcionando espaço para a reflexão e discussão de possibilidades pedagógicas para a melhoria do desenvolvimento da Educação Física na Escola, possibilitando aos educadores uma maior amplitude de seus conhecimentos, fornecendo-lhes subsídios teórico-científicos a fim de que redimensionem sua ação docente.
Referências
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BORGES, C. M. F. O professor de Educação Física e a construção do saber. Campinas: Papirus, 1998.
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CARVALHO, A. M. P. (org.). A formação do professor e a prática de ensino. São Paulo: Pioneira, 1988.
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HILDEBRANDT, R; LAGING, R. Concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986.
KOBAL, M. C. Motivação Intrínseca e Extrínseca nas aulas de Educação Física. 1996. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Estadual de Campinas- Faculdade de Educação Física, Campinas, 1996.
KUNZ, E. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. Ijuí: UNIJUI, 1994.
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MARCONI, M. A; LAKATOS, E. M. Fundamentos de Metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NEGRINE, A. “Instrumentos de coleta de informações na pesquisa qualitativa’. In: TRIVIÑOS, A. N. S; NETO, V. M. (Orgs.). A pesquisa qualitativa na educação física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: UFRS/Sulina, 1999.
PÁDUA, E. M. M. Metodologia da pesquisa: Abordagem teórico-prática. 9ª ed. , Campinas, SP: Papirus, 2003.
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SOARES, C. L. et al. Metodologia do ensino de educação física. Coletivo de Autores. São Paulo, SP: Cortez, 1992.
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