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Treinabilidade do membro inferior não-dominante 

em atletas infantis de futebol

 

*Acadêmico do curso de Educação Física da Universidade de Caxias do Sul

**Professor do Curso de Educação Física da Universidade de Caxias do Sul

Professor da Faculdade Cenecista de Osório

(Brasil)

Ricardo Cobalchini*

Eduardo Ramos Da Silva**

edurramos@gmail.com

 

 

 

Resumo

          Embora seja incontestável a importância da utilização eficaz do membro não-dominante no futebol atual, muitos atletas profissionais possuem grande dificuldade em executar os fundamentos do jogo com tal segmento. Diante desta realidade, o objetivo do presente estudo foi analisar o efeito do treinamento específico destas habilidades básicas em membro não dominante sobre o desempenho de precisão em passe e chute de crianças jogadoras futebol. Participaram do presente estudo vinte e quatro meninos com idades entre doze e treze anos nascidos em 1993 atletas de uma equipe de futebol do sul do Brasil. Os sujeitos foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos denominados Grupo Treinamento e Grupo Controle (GT e GC respectivamente), sendo que ao GT foi aplicado previamente à rotina diária de treinamento, um trabalho específico de habilidade com membro não dominante com duração de trinta minutos e por oito semanas. Ambos os grupos foram avaliados anteriormente e posteriormente ao início dos treinos específicos quanto à precisão de passe e chute. As análises estatísticas foram efetuadas com os softwares SPSS v. 15.0 e R-package v. 2.3.1 e adotado um nível de significância de 5%. Para verificar diferença de efeito do treinamento utilizou-se o teste de Wilcoxon, e para testar a diferença inicial entre os valores dos grupos, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. O grupo que recebeu o treinamento apresentou diferença significativa nos fundamentos analisados (passe: p = 0,011; chute: p = 0,01), enquanto o grupo controle não apresentou diferença significativa em relação ao tempo decorrido Passe: (passe: p = 0,763; chute: p = 0,366). Os resultados sugerem que o período de oito semanas de treinamento específico parece ser suficiente para promover modificações significativas na precisão do segmento inferior não dominante nos fundamentos de passe e chute.

          Unitermos: Futebol. Dominância lateral. Transferência de aprendizagem. Aprendizado motor.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 125 - Octubre de 2008

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Introdução

    De acordo com Leonhardt (2003: p.141) "a força do futebol como fenômeno desportivo se consolidou mais precisamente no século XX. Ao longo dos anos se transformou num agente de entusiasmo desportivo popular sem paralelo. Semanalmente, milhões de espectadores comparecem aos estádios de dezenas de países, em todos os continentes para ver jogos em que se disputam campeonatos nacionais e internacionais, taças, torneios ou simples amistosos".

    O futebol evoluiu muito nos últimos anos estando as equipes, em conseqüência disso, mais preparadas fisicamente e capazes de imprimir uma marcação cada vez mais eficiente. Segundo Drubscky (2003: p.113) "As inovações no conjunto de regras e a própria imposição física, técnica e tática transformaram um jogo que tinha amplos espaços no campo em outro de muitos choques, esperteza e detalhes. Tomando-se cada vez mais importante ao atleta ter boa qualidade técnica para que consiga agir com eficiência nas frações de segundos que dispõe".

    Diante desta realidade, é imprescindível ao atleta dominar a técnica e saber jogar com as ambas as pernas, pois desta maneira não precisará perder frações de segundos preciosas para enquadrar seu corpo em situações onde a bola caiu em seu membro não-dominante. Entretanto, grande parte dos jogadores têm preferência para execução dos gestos técnicos por um lado do corpo, isto chama-se dominância lateral (TEIXEIRA e PAROLI, 2000). Para Negrine (1986: p. 30) "A dominância lateral refere-se ao predomínio de um lado sob o outro.”

    Uma vez que o controle corporal pelo córtex cerebral é predominantemente cruzado, o lado corporal contrário ao hemisfério cerebral dominante tem maior potencial de controle do que o lado corporal não-dominante (TEIXEIRA e PAROLI, 2000). De acordo com Negrine (1986) "a dominância lateral refere-se ao espaço interno do indivíduo, capacitando-o a utilizar um lado do corpo com maior desembaraço que outro, seja em atividades que requeiram força ou agilidade".

    Atualmente diversos estudos de desenvolvimento motor defendem a idéia que a lateralidade não é determinada apenas por componentes genéticos, mas também em função do ambiente e do ensino de qualidade. (GALLAHUE e OZMUN, 2001). Negrine (1986: p.29) afirma que "...a lateralidade é, por um lado uma bagagem inata e, por outro, uma dominância espacial adquirida".

    A aprendizagem é um processo que envolve tempo e prática. Segundo Magill (2000: p. 165) "A meta do aprendiz na primeira etapa é captar a idéia de movimento. No segundo estágio, a meta é a fixação e diversificação para habilidades fechadas e abertas. O terceiro modelo é o de desenvolvimento da coordenação". O autor ainda afirma que as sessões de prática muito longas e pouco freqüentes não levam a uma aprendizagem ideal, geralmente, as pessoas aprendem melhor em sessões mais numerosas e mais curtas.

    Não existe idade certa para o aprendizado de tarefas com o membro não dominante, porém, alguns fatores vão contribuir para o êxito ou não desse aprendizado, como por exemplo, experiência motora já vivida. Experiências anteriores com o membro dominante podem influenciar diretamente na aprendizagem da mesma tarefa com o membro não dominante, esse processo chama-se transferência bilateral. Isso ocorre porque existe semelhança entre os componentes da habilidade. Quando o aprendiz inicia a prática da habilidade motora com o membro não-dominante, que já tenha sido bem desenvolvida pelo membro dominante ele é beneficiado por já ter uma idéia do movimento, conseguindo organizar de maneira mais eficiente os padrões de movimento para produzir a ação (MAGILL, 2000; SCHIMIDT e WRISBER, 2001; GETCHELL, 2003).

    Observa-se assim a possibilidade de melhora da técnica e a coordenação dos movimentos do membro não dominante através do treinamento. Por outro lado, alguns estudos defendem a idéia que os ganho são pequenos e pouco significativos. A partir desta discussão, o objetivo do presente estudo foi investigar a treinabilidade da precisão do membro inferior não dominante em crianças de 13 anos participantes de futebol.

Metodologia

    A amostra foi constituída de 27 meninos, com idades entre 12 e 13 anos nascidos em 1993, atletas de futebol da categoria de base de um clube do Rio Grande do Sul. A equipe possuía uma rotina de treinamento de 4 vezes por semana com sessões durando duas horas (das 16 às 18 horas). Os sujeitos foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos: grupo treinamento (GT; n=12) que realizou um trabalho específico com duração de 30 minutos previamente ao treinamento geral da equipe; os demais sujeitos foram alocados no grupo controle (GC; n=15) que realizaram somente o treinamento regular. O período de intervenção foi de 8 semanas. Previamente à intervenção específica e imediatamente após, os atletas foram avaliados quanto à precisão do passe e do chute do membro inferior não dominante.

    Para testar a precisão de passe e chute nos sujeitos, foi utilizado o teste proposto por Mor e Christian (1979). Segundo TritschIer (2003) a bateria Mor e Christian (1979) apresenta um coeficiente de fidedignidade para o teste e re-teste de 0,961 para o Passe, no Chute sua fidedignidade é de 0,984.

    Para a avaliação de precisão no passe, foi construído um “alvo” de 91x46cm utilizando-se 2 cones e uma corda. Três outros cones são posicionados a 14m do centro do alvo, sendo um perpendicular e os outros 2 formando um ângulo de 450 a direita e a esquerda do cone perpendicular (figura 1).

Figura 1. Disposição dos cones para realização do teste de precisão de passe.

    O objetivo do teste é passar a bola entre os cones que formam o alvo a partir das três posições de passe. São dadas três tentativas consecutivas para cada posição sendo permitidas duas tentativas de prática em cada uma delas. Concede-se pontuação ao passe (1) toda vez que a bola passar entre os cones podendo o escore máximo atingir 9 pontos.

    Já a precisão de chute foi mensurada utilizando-se uma goleira regulamentar de futebol dividida em áreas de resultado (laterais) por duas cordas presas na trave superior e no solo, a 1,22 metros de cada trave lateral. Além disso, cada área de resultado lateral foi dividida em 2 sub-áreas: superior e inferior. O avaliado deve realizar os chutes a partir de uma marca colocada a 14,5 metros perpendicular ao centro do gol (figura 2). O objetivo do teste é acertar o maior número de chutes em cada quadrante lateral (superior e inferior) sendo dado para isto, 4 tentativas consecutivas em cada quadrante. O avaliado poderá realizar 4 tentativas previamente ao teste como forma de treinamento. Será concedido um ponto para cada chute que atinja o quadrante determinado (pontuação máxima: 16).

    Tanto o teste quanto o re-teste foram feitos no mesmo horário e local, não tendo sido observado vento capaz de interferir no desempenho do teste. Os sujeitos observaram um período de 24 horas de repouso previamente aos testes.

Figura 2. Divisão da goleira para realização do teste de precisão de Chute.

    O treinamento específico teve duração de trinta minutos com quatro seções semanais durante um período de intervenção de oito semanas. Foram utilizados exercícios que envolveram o gesto técnico do passe e do chute, exercícios de desenvolvimento do equilíbrio visando diminuir a instabilidade do membro dominante e por fim pequenos jogos, onde era permitido apenas o uso do membro não dominante.

    Para testar a aderência ao modelo normal, suposição básica aos testes paramétricos, utilizou-se o teste de Anderson-Darling. As duas variáveis, passe e chute, foram significativos ao nível de 1%, ou seja, é rejeitada a hipótese nula de normalidade dos dados. Assim, a análise foi efetuada a partir de testes não-paramétricos: Para verificar diferença de efeito do treinamento utilizou-se o teste de Wilcoxon e para verificar a diferença de variação das variáveis no domínio do tempo, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. As análises estatísticas foram realizadas nos softwares SPSS v.13.0 e R-package v. 2.3.1.

Resultados

    A tabela 1 apresenta a descrição dos valores agrupados do GT e GC nas habilidades Passe e Chute.

Tabela 1. Descrição da amostra quanto aos valores de Chute e Passe pré-treinamento.

 

n

Mínimo

Maximo

Média e DP

Passe

26

0

7

2,75±1,751

Chute

26

1

6

3,46±1,444

    O teste de Mann-Whitney nos mostra que não há indícios de diferenças iniciais entre os grupos no início do estudo, o que era de se esperar tendo em vista as características da amostra no início do trabalho. A variável passe apresentou um p=0,929 enquanto que a variável Chute apresentou um p=0,764, isto é, não significativos o que não rejeita a hipótese nula de igualdade entre os grupos.

    Os quadros 1 (GT) e 2 (GC) apresentam os valores das variáveis Passe e Chute nos momentos pré e pós-treinamento.

Quadro 1. Desempenho do GT nas condições pré e pós-treinamento.

Atleta

Passe

Chute

Teste

Re-teste

Teste

Re-teste

1

1

4

3

4

3

4

4

1

6

4

2

4

3

6

7

3

6

3

5

11

2

7

3

4

12

1

2

3

7

14

2

3

3

4

16

5

5

3

3

17

4

4

5

5

18

2

6

6

9

20

5

5

5

4

23

1

6

4

6

Quadro 2. Desempenho do GC nas condições pré e pós-treinamento.

Atleta

Passe

Chute

Teste

Re-teste

Teste

Re-teste

2

2

4

4

3

5

2

1

6

4

6

1

1

6

6

8

4

3

5

6

9

0

2

2

3

19

1

5

3

3

21

5

4

3

3

22

3

3

2

3

24

2

3

4

4

25

5

4

2

3

26

7

4

3

4

27

2

2

1

2

    A figura 3 apresenta a comparação das variáveis passe e chute no domínio do tempo. Tal comparação indica um efeito significativo e positivo do treinamento de habilidade com o segmento não-dominante (p=0,011 e p=0,010 respectivamente).

Figura 3. Comparação da diferença entre os momentos pré e pós-treinamento no GT.

    O grupo controle não apresentou diferença significativa nas no Passe e no Chute quando comparados os valores obtidos no teste e re-teste destas variáveis (p=0,763 e p=0,366 respectivamente). Esse resultado era esperado tendo em vista que o grupo controle não recebeu treinamento para as habilidades testadas (figura 4).

Figura 4. Comparação da diferença entre os momentos pré e pós-treinamento no GC.

Discussão

    Vários estudos têm demonstrado ampla vantagem do membro dominante sob o membro dominante no futebol. Teixeira et al.(2006), realizaram uma análise qualitativa do chute com o dorso do pé com o membro dominante e não-dominante, e perceberam melhores resultados com a perna de dominância, onde o movimento que foi realizado se assemelhou com a técnica descrita na literatura. Neste estudo, quando o movimento foi efetuado com a perna não-dominante aconteceram alterações nos padrões considerados ideais para o gesto técnico. Os resultados sugerem uma maior atenção ao membro não-dominante, visto que a prática diária predominantemente direciona sua atenção ao desenvolvimento da habilidade do lado dominante.

    Barfield et al. (2002) investigando a velocidade do chute com o dorso do pé em seis mulheres e dois homens encontraram velocidades diferentes entre os membros dominante (25,3±1,51 m.s-¹ e 21,5±2,44 m.s-¹ para as mulheres) e não dominante (23,6±1,5 m.s-¹ para os homens e 18,9±2,05 m.s-¹ para as mulheres).

    Dörge et al. (2002) também examinaram a velocidade da bola no chute de força máxima com o dorso do pé, tendo sido analisados sete jogadores que chutaram com força máxima tentando acertar um alvo. Os autores encontraram valores de 18,6 m.s-¹ para o membro dominante e 17,0 m.s-¹ para o não dominante e ainda fizeram uma análise biomecânica do movimento. A conclusão do estudo indicou que a vantagem do membro dominante se deva a um melhor movimento e uma transferência maior da velocidade do pé até a bola. Mclean e Tumilty (1993) observaram a velocidade da bola, distância do pé de suporte à bola e velocidade do pé no contato com a bola em dois tipos chutes no futebol. Os resultados indicaram melhores desempenhos do membro dominante e foram atribuídas as diferenças cinemáticas do movimento.

    De acordo com Barbieri (2005: p.1) "o membro de suporte, também conhecido como membro de apoio, tem elevada importância para o desempenho do Chute, pois tem a função de oferecer equilíbrio (postura) e ajudar na trajetória da bola".

    Barbieri et al. (2005) concluíram em seu estudo que as diferenças entre o membro de suporte dominante e o não dominante estão na coxa e que o membro dominante tem melhor desempenho que o membro não dominante. Valeta (1998) citado por Barbieri (2005) analisou através de filmagens o posicionamento do pé de suporte em relação à bola durante o chute realizado com o dorso do pé antes e após um período de treinamento específico. Os resultados apontaram que após o treinamento houve uma melhora bastante significativa na performance dos chutes, concluindo que o posicionamento do pé de suporte em relação à bola é um dos fatores que influenciam diretamente na performance do chute executado com o dorso do pé. Isso ocorre geralmente porque, no futebol o membro dominante se especializa na realização da tarefa motora, enquanto o membro não dominante é responsável por gerar equilíbrio. Quando o fundamento é realizado com o membro não dominante, o praticante se depara com certa falta de competência em gerar equilíbrio, conseqüentemente uma maior instabilidade.

    No presente estudo, no grupo que recebeu o treinamento específico, os resultados dos fundamentos do Passe e do Chute apresentaram na média uma melhora estatisticamente significativa, o que indica que o treinamento gerou uma adaptação nos atletas promovendo um ganho na precisão de seu membro não-dominante. O mesmo ganho não foi observado no grupo controle provavelmente pela ausência de treinamento específico. Os resultados do presente estudo sugerem ainda que um período de oito semanas de treinamento específico pode ser suficiente para promover modificações significantes na precisão do membro inferior não-dominante nos fundamentos de Passe e Chute.

Conclusão

    Através destes dados conclui-se que o membro não-dominante, muitas vezes apenas especializado no suporte, ou seja, em fornecer equilíbrio para a ação motora com o membro dominante, pode ter desempenho similar ao membro dominante se devidamente estimulado. Para isso recomenda-se atenção diferenciada com sessões de treinamento específico, a fim de ampliar os gestos técnicos necessários a boa prática do futebol. Esta melhora aprimorará o desempenho durante a elaboração e finalização de jogadas que vise o gol adversário, o que atende aos pressupostos de sucesso necessários do jogo segundo dados do estudo de Haaland e Hoff (2003). Pode-se inferir a partir dos resultados observados que a herança genética não é determinante ao desempenho motor do membro não-dominante e que uma maior atenção ao seu treinamento específico pode melhorar a performance de suas habilidades motoras fundamentais.

Referências

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