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A capoeira e a qualidade física força: apontamentos iniciais

Capoeira and the physical quality force: initial notes

La capoeira y la cualidad física fuerza: notas iniciales

 

Mestrando do Programa de Mestrado em Ciência da Motricidade Humana,
Universidade Castelo Branco – LABESPORTE

Sócio-Diretor, Coordenador Técnico e Professor da Academia da Usina
Rio de Janeiro, RJ.

Ricardo Martins Porto Lussac

ricardolussac@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          A Força sempre foi, continua sendo e será um dos fatores determinantes em relações na natureza. Seja no aspecto físico ou nas relações humanas, pode ser encontrada de diversas formas e representada de diversas maneiras. Fator importante e constante em conflitos nas sociedades, grupos e entre pessoas, estabeleceu em diversos momentos os rumos da história e das relações entre os Homens, sendo uma das principais valências das atividades físicas utilitárias e outras demais práticas corporais ao longo dos tempos. Este artigo investigou a Força como qualidade física humana e as características desta qualidade física na prática da capoeira e suas possíveis possibilidades de emprego no treinamento desta prática. Foram abordados os conceitos, definições, os fatores determinantes, os tipos de Força, seus aspectos e as suas respectivas capacidades. Foram constatadas a importância e as amplas possibilidades de treinamento e utilização da qualidade física Força na prática da capoeira, assim como uma escassez de produções científicas sobre o assunto e a necessidade do estreitamento do meio acadêmico com os mestres de capoeira no intuito de gerar futuros estudos.

          Unitermos: Capoeira. Força. Qualidade física. Treinamento esportivo.

 

Abstract

          Strength (Power, Force) is, has been, and always will be one of the most contusive factors (determinant factors) within natural relations. Whether exposed on physical aspect or human relations, it can exhibit innumerous shapes and it could be represented by uncountable medias. Constant and imperative factor surrounding all social conflicts, it has defined history routes and human associations, and for that matter it shall be considered a physical utilitary activities and other corporal practices throughout time. This article researched the strength as a human physical quality and its applications to the capoeira practice and instruction. Concepts, definitions, determinant factors, different force category, its aspects and respective capability have all been analyzed and discussed here. The physical quality strength has been evidenced as an imperative instrument and its large relevance on capoeira training has been supported. The scarcity of scientifically documents adjacent to the topic and the crucial necessity to straight the gap between the academy and the capoeira masters in order to produce potential studies have furthermore been sustained on this article.

          Keywords: Capoeira. Strength. Physical quality. Sport training.

 

Resumen

          La fuerza siempre fue y sigue siendo uno de los factores determinantes en las relaciones en la naturaleza. Ya sea en el aspecto físico o en las relaciones humanas, puede ser encontrada de formas diversas y ser representada de maneras diversas. El factor importante y constante en los conflictos en las sociedades, grupos y entre las personas, estableció en distintos momentos los rumbos de la historia y de las relaciones entre los hombres, siendo una de las valencias principales de las actividades físicas utilitarias y otras prácticas a través de los tiempos. Este artículo investigó la fuerza como cualidad física humana y las características de esta cualidad física en la práctica de la capoeira y sus posibles formas de aplicación en el entrenamiento de esta práctica. Fueron abordados los conceptos, las definiciones, los factores determinantes, los tipos de fuerza, sus aspectos y sus respectivas capacidades. Fueron evidenciadas la importancia y las posibilidades amplias de entrenamiento y uso de la cualidad física en la práctica de la capoeira, así como la escasez de producciones científicas en el tema y la necesidad de un acercamiento del medio académico con los maestros de la capoeira con la intención de generar estudios en el futuro.

          Palabras clave: Capoeira. Fuerza. Cualidad física. Entrenamiento esportivo.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 125 - Octubre de 2008

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Introdução

    A Força sempre foi, continua sendo e será um dos fatores determinantes em relações na natureza. Seja no aspecto físico dos grandes sistemas espaciais do universo, nos aspectos de composição geológica e cosmológica dos planetas ao microcosmo da nanotecnologia, nas relações entre animais de todos os ecossistemas e nas relações humanas. Nas relações humanas o homem sempre aperfeiçoou e utilizou a força. A Força pode ser encontrada de diversas formas, implícitas e explícitas, e ser representada de diversas maneiras: força política, econômica, militar, biológica, entre outras. A Força é um fator importante e constante em conflitos entre povos, sociedades, grupos e entre pessoas, tanto em seu emprego direto como, simplesmente, em sua ameaça de possibilidade de emprego. Podemos dizer que conflitos entre grupos e pessoas foram os primeiros conflitos entre humanos. Nestes conflitos a força corporal foi fator preponderante durante toda a história da humanidade, estabelecendo os rumos da história e das relações entre os homens. É esta Força que nos interessa neste estudo, a Força como qualidade física humana e as possíveis possibilidades do emprego do treinamento desta qualidade física na prática da capoeira.

Agenor Moreira Sampaio, mais conhecido como Sinhozinho, ao centro, e alunos. Ano: 1940 (Paulo Azeredo é o último à esquerda). Sinhozinho, que sempre enfatizou o treinamento de força, foi um grande treinador e formador de campeões na capoeira e em outros esportes no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX. A capoeira de Sinhozinho, também conhecida como Capoeira Utilitária, era uma capoeira voltada para a eficácia como luta, inspirada na violenta capoeira carioca e não era acompanhada por instrumentos musicais. Fonte do documento: http://rohermanny.tripod.com/

Metodologia do estudo

    A pesquisa foi realizada através de uma revisão de literatura e análise de conteúdo, procedimento adotado, sendo uma pesquisa do tipo descritiva, qualitativa e de característica indireta, utilizando o método bibliográfico, onde vários autores compuseram o pressuposto teórico na pesquisa (MATTOS, 2004). Porém, este estudo está permeado pela experiência empírica de seu autor, um Mestre de Capoeira com formação acadêmica em Educação Física, Psicomotricidade e Ciência da Motricidade Humana.

A capoeira e a qualidade física força

    Inicialmente iremos abordar um pouco de Física propondo uma rápida lembrança de conhecimentos aprendidos no ensino médio da educação escolar brasileira. Esta breve e superficial “revisão”, que irá nos ajudar a compreender melhor e ampliar a visão sobre alguns fatores sobre a Força, acreditando funcionar como um prefácio do texto principal, é uma das possíveis propostas, colocando em pauta a prática interdisciplinar, quando na educação física escolar ou em uma escolinha de capoeira: o professor poderia trabalhar conceitos da física e da força através da prática da capoeira. Não discutiremos aqui a prática desta interdisciplinaridade em si, mas fica então, a sugestão de futuros estudos sob esta perspectiva. Iniciaremos a citada revisão pelos Princípios da Dinâmica, também chamados de Leis de Newton:

    Em Dinâmica, forças causam variações na velocidade de um corpo, isto é aceleração. “Forças são interações entre corpos, causando variações no seu estado de movimento ou uma deformação” (BONJORNO, 1988, p. 92). O Princípio da Inércia ou 1ª Lei de Newton: Se a força resultante sobre um ponto material é nula, este permanece em repouso ou em movimento retilíneo e uniforme. Princípio Fundamental da Dinâmica ou 2ª Lei de Newton: A resultante das forças aplicada a um ponto material é igual ao produto de sua massa pela aceleração adquirida (ibidem, 1998, p. 95). Peso de um Corpo: Peso é a força de atração gravitacional que a Terra exerce num corpo (ibidem, 1988, p. 98). Deformação elástica – Lei de Hooke: A intensidade da força deformadora é proporcional à deformação (ibidem, 1988, p. 99). O Quilograma-Força (Kgf): 1 Kgf é o peso de um corpo de massa 1 Kg num local onde a gravidade é normal (g= 9,8 m/s²) (ibidem, 1988, p. 100). O Princípio da Ação e Reação ou 3ª Lei de Newton: A toda ação corresponde uma reação, com a mesma intensidade, mesma direção e sentidos contrários (ibidem, 1988, p. 102). “Define-se como potência média o quociente do trabalho desenvolvido por uma força e o tempo gasto em realizá-lo” (ibidem, 1988, p. 136). Teorema da Energia Cinética: O trabalho realizado pela força resultante que atua em um corpo é igual à variação da energia cinética desse corpo (ibidem, 1988, p. 143). Conservação da Energia: A energia não se cria nem se destrói, só se transforma de um tipo em outro, em quantidades iguais (ibidem, 1988, p. 150). Teorema do Impulso: Para o mesmo intervalo de tempo, o impulso da força resultante é igual à variação da quantidade de movimento (ibidem, 1988, p. 157). Princípio da Transmissibilidade das Forças: O efeito de uma força sobre um corpo não se altera quando deslocamos seu ponto de aplicação ao longo de sua linha de ação (ibidem, 1988, p. 171). Centro de Gravidade: Centro de gravidade de um corpo é o ponto de aplicação da força de peso (ibidem, 1988, p. 173). Primeiro Princípio da Termodinâmica: A variação da energia interna de um sistema é igual à diferença entre o calor e o trabalho trocados pelo sistema com o meio exterior (ibidem, 1988, p. 255).

Á frente levantando peso ainda na adolescência está Tom Jobim, que viria a ser um dos maiores compositores e representantes da música brasileira. Observam: Carlos Madeira, Paulo Amaral, Rudolf Hermanny, Haroldo C. Silva, Flávio Vitamina e Bube Assinger. Todos alunos de Sinhozinho (Ipanema, Rio de Janeiro, 1945). Fonte do documento: http://rohermanny.tripod.com/

    Estes são alguns dos conceitos da Física que podem, e em alguns casos até devem, fazer parte de trabalhos com perspectivas interdisciplinares. Com certeza, emergiram idéias em alguns dos leitores, e esta foi a intenção: proporcionar sementes para novas idéias quando se trabalha com a força em treinamento e práticas corporais orientadas.

    Após este breve “prefácio” e revisão sobre alguns dos conceitos da Física que envolvem a Força, e que por certo é uma área fecunda para maiores estudos correlacionais com o treinamento, abordarei a qualidade física Força sob o enfoque do treinamento esportivo.

    Weineck (1989) nos diz o seguinte, quando se tenta definir Força quando abordada como uma qualidade física pelo treinamento esportivo:

    “Formular com precisão uma definição de “força”, que compreenda ao mesmo tempo seus aspectos físicos e psíquicos, ao contrário da definição dos físicos, apresenta consideráveis dificuldades, pois as modalidades da força, do trabalho muscular, da contração muscular, etc... são extremamente complexas e dependem de uma multiplicidade de fatores.” ( p. 97).

    A Força é uma terça parte da tríade das necessidades básicas de aptidão física do homem, composta pela Força, Resistência Aeróbica e Flexibilidade (GOMES da COSTA, 1996). Segundo Tubino, força é: “a qualidade física que permite um músculo ou um grupo de músculos produzir uma tensão, e vencer uma resistência na ação de empurrar, tracionar ou elevar.” (TUBINO, 1984, p. 180). Outras definições de Força: “Força é definida como “a capacidade de exercer tensão contra uma resistência”” (PECKERING apud GOMES da COSTA, 1996, p. 57); “Força muscular pode ser definida como a força ou a tensão que um músculo ou, mais corretamente, um grupo muscular consegue exercer contra uma resistência, em um esforço máximo.” (FOX, BOWES, FOSS apud GOMES da COSTA, 1996, p. 57). E ainda:

    “Numa conceituação mais abrangente, podemos dizer que força representa a capacidade do indivíduo impor tensão contra uma resistência e que depende principalmente de fatores mecânicos, fisiológicos e psicológicos” (BITTENCOURT apud GOMES da COSTA, 1996, p. 57).

    Continuando, conforme Gomes da Costa (1996):

    “Farinatti / Monteiro (1992, 53/54) alertam para o fato de que “não se pode simplesmente transpor o conceito mecânico de força para o âmbito das tarefas motoras”. Citam que “muitas vezes a força aplicada não dependerá apenas da aceleração, mas também de fatores como o grau de estiramento inicial da musculatura (Hollman, Hettinger, 1983), ou da sincronização neuro-muscular (Komi e col. 1978; Coyle e col., 1981)”. Destacam os exemplos de definição de força propostos por Zatsiorski (1968) – “Habilidade de superar uma resistência externa, ou suportá-la, por esforço muscular” – e Atha (1982) – “Habilidade de desenvolver força contra uma resistência em uma contração de duração restrita” -, ressaltando que ambos revelam a força enquanto uma habilidade; implicitamente, isto representa que “a capacidade de produzirmos tensão muscular controlada escapa à esfera puramente químico-fisiológica, estando também ligada a aspectos coordenativos e treináveis motoricamente. Acreditamos ser isso de especial interesse ao profissional que lida com a força combinada a movimentos específicos – caso claro do professor de Academia”.” (p. 57).

    Hoje está mais que comprovada, através de pesquisas e resultados, a grande importância da força nos esportes e atividades físicas de um modo geral. De acordo com Campos apoiado em Barbanti, podemos defini-la dentro do conceito americano, “como sendo a capacidade de exercer tensão muscular contra uma resistência, envolvendo fatores mecânicos e fisiológicos, os quais determinam a força em algum movimento particular” (BARBANTI apud CAMPOS, 1998, p. 100). Quanto a Força, Marcelo Gomes da Costa apontou seus Fatores Determinantes, são eles:

a)     Área de secção transversa do músculo: esta que, por sua vez, é influenciada pelas seguintes características:

  1. Diâmetro da fibra muscular: das secções transversais das diversas unidades motoras (GOMES da COSTA, 1996);

  2. Volume muscular: resulta do produto do diâmetro multiplicado pelo comprimento do músculo (ibidem, 1996);

  3. Estrutura do músculo: secção transversal fisiológica, que é determinada automaticamente e não pode ser influenciada pelo treinamento (ibidem, 1996), “ordenação paralela das fibras, emplumamento simples ou duplo (Weineck 1986, 50)” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 58);

  4. Tipo de fibra muscular: quanto maior a quota de fibras FT (Fast Twitch Fibers, ou fibras de contração rápida – C.R.), melhor o músculo pode ser treinado em força e maior é sua força máxima (GOMES da COSTA, 1996).

b)     Fosfatos ricos em energia (ATP, CP): a força depende diretamente deste, visto que, o espaço de tempo do desenvolvimento do trabalho de força máxima dura poucos segundos, uma carga máxima executada até o esgotamento leva rapidamente a uma superacidez intracelular, aumento do lactato, e, com isto, há uma queda do desempenho, a nível submáximo (ibidem, 1996).

c)     Fatores biomecânicos: como a Eficiência Mecânica do Gesto Treinado, o Comprimento da Fibra Muscular, seu Ponto de Inserção e seu Ângulo de Tração, influenciam no aproveitamento da força muscular. A força, como também o seu desenvolvimento, não está relacionada de forma linear com a evolução dos ângulos articulares nos movimentos, e sim, em função, principalmente, das relações de alavanca, em constante mudança, e pelo fato, de que nos diferentes ângulos são acionados diferentes partes do músculo ou mesmo diferentes músculos (ibidem, 1996). Acredito ser este fator o que merece maior atenção das pesquisas acadêmicas, a fim de proporcionarem resultados e novidades aplicáveis à prática da capoeira.

d)     A capacidade coordenativa do músculo: diz respeito ao Número de Unidades Motoras Ativadas, “quanto maior for o número de unidades motoras colocadas em funcionamento maior será a força gerada” (RODRIGUES / CARNAVAL apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59); assim como da Freqüência e da Sincronização dos Impulsos Nervosos, que ativam estas unidades motoras, como também da qualidade física, Descontração Diferencial e, a Perfeita Técnica Específica da Modalidade Esportiva, “como expressão de uma coordenação ótima, corresponde às regularidades biomecânicas – influencia, portanto, de forma decisiva, o grau de desenvolvimento de força potencial possível” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59). Por ser a coordenação uma das principais, se não a principal qualidade física necessária para a prática da capoeira, este fator pode ser considerado um dos mais influentes na qualidade física força atuante na prática da capoeira.

e)     Fatores emocionais: o Estado de Espírito em que se apresenta o indivíduo tem relação direta com o resultado da força muscular. A Emoção repercute no sistema nervoso e endócrino; pode aumentar a descarga nervosa e também a liberação de adrenalina, aumentando assim a força muscular. Segundo experiências já feitas, comprovou-se que a Motivação pode levar uma pessoa à manifestação de força superior à habitual (GOMES da COSTA, 1996). Já de acordo com o Dr. Theodoro Hettiger, todos nós temos uma “força muscular reserva”, que só se manifesta em situações especiais, tais como: grande motivação, alterações mentais, perigo, loucura, etc. (RODRIGUES / CARNAVAL apud GOMES da COSTA, 1996, p. 59). Este é um fator determinante em qualquer atividade física, modalidade esportiva e em outras tantas práticas e exercícios do homem. Além das análises comuns - da pessoa, do ambiente, entre outros - já amplamente difundidas, o que se deve analisar são os fatores específicos da modalidade que interferem no estado emocional. Mais estudos devem ser realizados neste âmbito abordando a prática da capoeira.

f)     Sexo e Idade: são fatores determinantes para a delimitação dos níveis de força. Com relação ao Sexo, “devido à menor massa muscular e à menor secção transversal do músculo da mulher, sua força equivale em média a cerca de 70% da do homem” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 60). No homem o tecido muscular é mais desenvolvido, hipertrofiado, devido à Testosterona. O rendimento e treinabilidade entre meninos e meninas é praticamente igual até a puberdade, fato este que após esta fase é modificado, devido à ação dos hormônios, dando maior vantagem aos homens, quanto a este aspecto. Outros fatores são a maior quantidade de tecido adiposo entre as fibras musculares, menor contratilidade, maior fadigabilidade, menor tônus e sistema ligamentar e articular mais débeis. Quanto à Idade, em qualquer etapa da vida pode-se conseguir tanto o aumento de força como o volume muscular, porém, há períodos em que maiores valores podem ser alcançados. Ainda há outros fatores, como o sedentarismo, que podem determinar estes aspectos (GOMES da COSTA, 1996). Os estudos sobre estes fatores têm avançado bastante, mas ainda são escassos os estudos aplicados à pratica da capoeira.

g)     O alongamento prévio do músculo e a flexibilidade (amplitude articular): São fatores consideráveis para a otimização dos trabalhos de força (ibidem, 1996). Muitos capoeiristas não exercitam o alongamento prévio. Inclusive, há um discurso corrente em parte do mundo da capoeira que o capoeirista deve estar pronto para jogar a qualquer momento, mesmo “frio”, sem aquecimento. Talvez, com o esclarecimento e a divulgação do conhecimento no seio desta comunidade, possa-se eliminar alguns mitos referentes à prática, principalmente, o de que a hipertrofia limita substancialmente a capacidade de flexibilidade.

h)     Velocidade de movimento x Força máxima empregada: tanto maior será a velocidade empregada para o movimento quanto menor for o seu potencial de força máxima, inversamente proporcionais (ibidem, 1996).

i)     Tipo de Força desenvolvida no treinamento: A grandeza da força máxima dinâmica que pode ser alcançada dependerá diretamente do tipo de força desenvolvida no treinamento (ibidem, 1996). Portanto, o treinamento consciente, ou seja, realizado de modo crítico e correto, é necessário para otimizar o rendimento da qualidade física força na prática da capoeira, de acordo com as características, necessidades e anseios do capoeirista e do tipo de treinamento de capoeira aplicado.

j)     Grau de fadiga muscular: dependendo do tipo de força desenvolvida, pode ser fator de interferência tanto positivo quanto negativo. Sintetizando, positivo, pois protege o músculo, não deixando ele se romper e, negativo quanto ao rendimento (ibidem, 1996).

k)     Estado de treinamento: uma musculatura ativa tem mais potencial do que uma inativa, como também, são fatores importantes que devemos levar em consideração segundo Bittencourt “temperaturas ambiente e corporal, em graus extremos, ambas prejudicam a performance” (BITTENCOURT apud GOMES da COSTA, 1996, p. 65). Muitas vezes o capoeirista ultrapassa os seus limites de estado de treinamento devido a necessidade de um melhor rendimento em uma roda ou evento de capoeira.

l)     Hora do dia: este fator depende da individualidade da pessoa, seus hábitos diários. O “progresso desta curva do ritmo diário é a resultante do desempenho de todas as funções corporais” (WEINECK apud GOMES da COSTA, 1996, p. 65). O capoeirista deve ter e trabalhar a sua consciência corporal para estar em sintonia com as influências deste fator.

m)     Formas de apresentação da força: apresenta-se de duas formas: Estática e Dinâmica, que se divide em Dinâmica Concêntrica e Dinâmica Excêntrica. A Concêntrica subdivide-se em: Força Pura ou Força Máxima, Força Dinâmica, Força Explosiva ou Força Rápida ou Potência ou Força de Velocidade e, Resistência da Força ou Força Resistente ou Endurance de Força ou Resistência Muscular Localizada (R.M.L.). Já a Força Estática, pode ser trabalhada metodologicamente de duas maneiras: Força Estática Máxima e Resistência da Força Estática (GOMES da COSTA, 1996, p. 73). Na capoeira encontramos várias situações diferentes onde todas estas formas de apresentação são encontradas. Um estudo pormenorizado sobre esta temática seria interessante.

    Já de acordo com Tubino (1984), a força está dividida em três tipos: Força Dinâmica, Força Estática e, Força Explosiva.

    Força Dinâmica: segundo Dantas, chamam-se utilizações da força dinâmica aquelas em que havendo movimento, a intensidade da resistência a ser vencida e não a velocidade de execução é o fator determinante. A força dinâmica manifestar-se-á de duas maneiras: Força Absoluta, valor máximo de força realizada num determinado momento, que não corresponde à força máxima e; Força Relativa: quociente entre a força absoluta e o peso corporal de uma pessoa (DANTAS, 1995). Na capoeira a força dinâmica pode ser trabalhada amplamente em várias situações, pois, a velocidade pode ser controlada na prática da capoeira, e pelo enorme repertório de movimentos e possibilidades de criação de movimentos na capoeira.

O aluno de Sinhozinho, Carlos Alberto Pettezzoni - de branco em demonstração em New Orleans USA, em 1948 - foi o primeiro brasileiro a levar a capoeira para universidades estrangeiras e realizar apresentações e ensinar a capoeira fora do Brasil. Fonte do documento: http://rohermanny.tripod.com/

    Força Estática: acontece sem que se produza movimento (ibidem, 1995). Encontramos na capoeira algumas posições e ou parada de movimentos que requerem esta qualidade. Na aplicação de alguns golpes o desenvolvimento da força estática pode ajudar muito para um melhor efeito na execução destes. Talvez, a força estática seja o tipo de força mais fácil de se estudar na prática da capoeira, podendo então, ser o caminho inicial dos estudos neste sentido. Contudo devemos ter uma preocupação com o aumento da pressão arterial durante este tipo de exercício, que não deve ser ministrado a pessoas cujo este aumento possa ser prejudicial.

    Força Explosiva: também conhecido como Potência, este parâmetro é função da velocidade de execução do movimento e da força desenvolvida pelo músculo considerado, sua fórmula seria: Força Explosiva = Força Dinâmica x Velocidade (ibidem, 1995). Muito utilizada na capoeira e em saltos diversos, é muito necessária nos contra-ataques onde é requisitada para alguns tipos de mudança de posições e movimentos e ainda sair rapidamente de uma posição de defesa e ou esquiva, como a cocorinha, a negativa, etc. Também é extremamente utilizada na aplicação de inúmeros golpes traumatizantes. Podemos dizer que, em termos de luta, esta foi a qualidade mais utilizada pelo aspecto bélico-corporal da capoeira.

    Weineck fez algumas considerações sobre a respiração no treinamento de força: Nos exercícios de força que permitem um grande número de repetições, a respiração não deveria ser retida. No treinamento dinâmico, tomemos aqui como exemplo o desenvolvimento em decúbito dorsal, é preciso expirar no momento em que a carga entra em contato com o peito e inspirar por ocasião do levantamento até a extensão vertical. No treinamento isométrico, é recomendado o arquejamento. No treinamento por cargas elevadas, muitas vezes não se pode evitar um breve bloqueio temporário, pois ele permite obter a fixação torácica necessária para o levantamento vertical (WEINECK, 1989). Sabemos que dependendo do movimento realizado, o capoeirista pode realizar uma inspiração ou uma expiração ou mesmo bloquear a respiração. Sendo verificada então, a importância da respiração na prática da capoeira e na execução de certos movimentos específicos da desta modalidade, estudos neste sentido mostram-se interessantes, e comportariam mais algumas linhas em um outro trabalho sobre a esta questão.

    Como a qualidade física força pode ser amplamente estudada e abordada perante a capoeira, só o fizemos de forma superficial, na intenção de ampliar um pouco as noções sobre esta qualidade física e sua relação com a prática da capoeira, possibilitando através de subsídios iniciais um primeiro ensaio sobre o tema.

    Mas para finalizar, citaremos Campos, que teceu alguns comentários sobre a qualidade física força e a capoeira:

    “Na Capoeira, o emprego da força rápida (potência) é bastante utilizado nos golpes de ataque e contra-ataque, saltos e esquivas. A resistência de força tem um emprego puramente anaeróbico e a força máxima praticamente não existe, uma vez que não é necessária.

    Para escolares, o importante é o emprego da força geral, para atuar no desenvolvimento integral e multilateral, utilizando-se o peso do próprio corpo, as atividades naturais e as bolas de medicinebol.

    Pode-se adquirir força através da prática sistemática da Capoeira, devido aos inúmeros saltos e saltitos, e também em decorrência da movimentação entre o jogo do chão e o jogo alto, onde o praticante trabalha a força, saindo do plano baixo para o alto, em movimentos rápidos e potentes” (CAMPOS, 1998, p. 100).

    Apesar de Campos acreditar que a força máxima não é empregada, ela pode ser utilizada em casos específicos de luta e combate corporal, mas não só por isso ela deveria ser treinada, mas também, por ser a força máxima um fator importante em todos os esportes em geral. O treinamento de força deve enfatizar também alguns pontos que já comentamos anteriormente, quando nos referimos aos fatores determinantes, a começar pela capacidade de força: sua relação com o sistema nervoso central - SNC - está relacionada com as capacidades de coordenação intra e intermuscular através da freqüência de impulsos, sincronização e respectivas mobilizações e crescimento de força e suas adaptações no SNC. Outros fatores constantes em manifestações de força são os periféricos, com suas correlações existentes entre as proporções de fibras de concentração lentas e rápidas e seus substratos energéticos, que por sua vez está relacionada com suas capacidades funcionais e energéticas, que são responsáveis pelo apoio aos efeitos mecânicos dos músculos e também de fatores hormonais, e na própria sustentação energética e respectiva síntese de estruturas plásticas e musculares. A capacidade de força sob a perspectiva da resistência e o sistema energético é outro fator importante em treinamento, pois, através do trabalho de força de resistência aprimora-se outra capacidade de força, onde a concentração de lactato e a observação do surgimento da fadiga são tópicos à serem acompanhados e avaliados e o aumento da área transversa do músculo enfatizada. Observamos então, a necessidade não só do domínio do conhecimento dos diferentes fatores intrínsecos quando abordamos a força, mas, principalmente, da ciência da inter-relação entre estes fatores para um treinamento eficaz e inteligente.

    Portanto, durante a organização, planejamento e prática do treinamento e do treinamento de força, mais especificamente, se deve ter o apoio em sólidos conhecimentos científicos, de todos os aspectos: metabólicos, fisiológicos, bioquímicos, entre outros. Um grande conhecimento sobre o treinamento esportivo e os respectivos meios e estratégias de treino são imprescindíveis para a excelência em treinamento. Deste modo, é natural constatarmos que se torna extremamente importante e imprescindível o conhecimento dos mestres de capoeira para somar esforços em pesquisas acadêmicas que envolvam esta complexa atividade física que é a capoeira.

Sinhozinho explicando uma técnica a Quim e Rudolf Hermanny (Rio de Janeiro, 1951). Fonte do documento: http://rohermanny.tripod.com/

Considerações finais

    Após iniciar este trabalho com algumas noções gerais e de física sobre a Força e adentrarmos nos fatores determinantes sobre a qualidade física Força e seus respectivos tipos, constatamos a importância e as amplas possibilidades de treinamento e utilização da qualidade física Força na prática da Capoeira, onde esta sempre foi requisitada para sua execução. Como dito, abordamos superficialmente as noções sobre esta qualidade física e sua relação com a prática da capoeira, possibilitando através de apontamentos iniciais maiores subsídios sobre o tema. Foi verificado que ainda é escassa a produção científica sobre o assunto envolvendo a capoeira. Sendo assim, recomendamos o aprofundamento de estudos sobre o tema sob diferentes perspectivas e temáticas variadas, aproveitando o conhecimento dos mestres de capoeira.

Referências bibliográficas

  • BONJORNO, Regina Azenha (et al.). Fisica, 2º grau: mecânica, eletricidade, termologia, ondulatória, óptica geométrica. São Paulo: FTD, 1988.

  • CAMPOS, Hélio. Capoeira na Escola. 1ª edição, Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 1998.

  • DANTAS, Estélio H. M. A Prática da Preparação Física. 3ª edição. Rio de Janeiro: Shape, 1995.

  • GOMES DA COSTA, Marcelo. Ginástica Localizada. Rio de Janeiro: Editora Sprint, 1996.

  • _________. O Psicomotor na Ginástica Localizada. Rio de Janeiro: Sprint Magazine – maio/junho, 1996b.

  • LUSSAC, Ricardo Martins Porto ( Mestre Teco ). Desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira e baseado na experiência e vivência de um mestre da capoeiragem graduado em educação física. Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduação “Lato Sensu”, Projeto A vez do Mestre. Rio de Janeiro: 2004.

  • MATTOS, Mauro Gomes de; ROSSETO JÚNIOR, José; BLECHER, Shelly. Teoria e prática da metodologia da pesquisa em educação física: construindo seu trabalho acadêmico: monografia, artigo científico e projeto de ação. São Paulo: Phorte, 2004.

  • TUBINO, Manoel José Gomes. Metodologia científica do treinamento desportivo. 3ª edição. São Paulo: Ibrasa, 1984.

  • WEINECK, Jürgen. Manual de Treinamento Esportivo. 2ª edição. São Paulo: Editora Manole, 1989.

  • _________, Jürgen. Biologia do Esporte. São Paulo: Editora Manole, 1991.

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