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Prática de ensino sob forma de estágio supervisionado em
Educação Física: fatos e histórias. Relato de experiência

 

Graduada em Educação Física

(Brasil)

Ana Paula Schú de Souza

anapaulaschu@pop.com.br

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste foi fazer um breve relato sobre a minha Prática de Ensino sob forma de Estágio Supervisionado, com o intuito de colaborar para a educação física em dois contextos distintos : Universidade e Escola.

          Preocupada em fazer desta experiência um momento de reflexão, que possa vir a colaborar na estruturação de futuros estágios, dividi meu relato em dois momentos: Fatos e Histórias. Os Fatos são informações de como o estágio se desenvolveu, os dados da escola e alguns referencias teóricos utilizados. As Histórias, as quais realmente ocorreram, eu quis retratá-las por fazerem parte do universo infantil. Concluímos que o estágio é o momento para colocarmos em prática o que aprendemos, é também um momento intrínseco de reconhecimento do nosso perfil profissional e de nossas opções relacionadas à educação física. Houve vários momentos de questionamento em relação à teoria e a prática, devido a isto, como sugestão, gostaria de ressaltar a importância de uma maior abordagem da realidade da educação física escolar pública, durante a Graduação, para que os futuros profissionais saibam lidar, de forma mais eficiente, com todas as problemáticas que envolvem a mesma.

          Unitermos: Educação Física escolar. Estágio supervisionado. Educação Física.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 124 - Setiembre de 2008

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Introdução

    Devido à prática de ensino sob forma de estágio supervisionado ser um momento de extrema importância para o acadêmico de educação física e, para os docentes envolvidos diretamente com esta disciplina, é que fiz questão de compartilhar minha experiência com a comunidade científica.

    Vejo que as experiências na educação física escolar, a planificação de seus dados e as estratégias utilizadas pelos professores, são bem pouco divulgadas e publicadas, fazendo com que muita informação seja desperdiçada, por estar sendo utilizada individualmente, e não discutida pelo coletivo.

    Preocupada em fazer desta experiência um momento de reflexão, que possa vir a colaborar na estruturação de futuros estágios, dividi meu relato em dois momentos: Fatos e Histórias. Os Fatos são informações de como o estágio desenvolveu-se de um modo geral, além de alguns dados da escola e da citação de alguns dos referencias teóricos utilizados. As Histórias, as quais realmente ocorreram, eu quis retratá-las por fazerem parte do universo infantil, e este acredito ser a base significativa para o desenvolvimento cognitivo das crianças.

Fatos

Local e carga horária

    A Prática de Ensino sob forma de Estágio Supervisionado foi realizada no período de três meses, as aulas foram ministradas no turno da manhã perfazendo um total de 8 horas/aula semanais, além das atividades em alguns sábados que tinham como carga horária 4 horas/aula, em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental. A escola era formada por um total de 304 alunos, sendo que 253 no ensino fundamental e 50 na educação infantil, estes números dividem-se em 152 alunos por turno (manhã e tarde).

Desenvolvimento do estágio

    O estágio desenvolveu–se dentro dos objetivos gerais da escola que era proporcionar a formação básica do indivíduo em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social; oportunizar a formação crítica para o exercício da cidadania e favorecer a integração família – escola –comunidade. Para a educação física a proposta pedagógica da escola, no âmbito geral, era propiciar ao aluno reconhecer-se como um todo num desenvolvimento corporal e mental harmônico, desenvolver a imaginação criadora e aprimorar a sociabilidade. Nas atividades propostas durante o estágio buscou-se sempre desenvolver e alcançar os objetivos acima citados, porém acrescentou-se, devido à necessidade observada, a questão da melhoria da socialização entre os gêneros e o combate à violência. O estágio dividiu-se em três momentos: reuniões pedagógicas com as professoras de educação física, observação ativa das aulas e a aulas.

    As aulas foram espaços interativos onde as atividades e brincadeiras permitiram que as crianças tivessem liberdade para criar, inventar, errar e reaprender, visto que, a faixa etária dos alunos é caracterizada por entusiasmo e precipitação, porém, pouca capacidade de concentração devido à grande necessidade quantitativa de movimento.

    A escola dispunha de uma quadra de cimento, com demarcações para voleibol, basquete e futsal. Os materiais disponíveis eram bolas de futebol, futsal , vôlei, handebol, basquete; rede de vôlei; joguinhos variados como: dominó, dama,etc; cordas e bambolês. Havia também uma pequena área coberta, com piso de cimento, onde era possível desenvolver algumas atividades, como por exemplo: as rodas cantadas. Ao lado da área coberta, havia algumas demarcações feitas no piso de cimento que eram utilizadas para atividades, principalmente com as turmas de Pré - escola e 1ª série.

    Doei para a escola parte do material utilizado em algumas aulas, como: bolitas, três marias, cones ( garrafas pet com papéis coloridos por dentro), obstáculos ( caixas de leite e de café encapadas com papéis coloridos), jornais e folhas de papel parcialmente usadas.

    Pode-se observar que não havia nenhum processo de avaliação na e da educação física na escola, a meu ver esta era considerada, na prática, uma recreação baseada na importância do lúdico para o desenvolvimento infantil.

Séries e conteúdos abordados

    As aulas foram ministradas para as turmas de 1ª a 4ª séries e de pré –escola. Os conteúdos abordados durante o estágio foram: psicomotricidade, jogos cooperativos, jogos pré – desportivos, atividades lúdicas – recreativas, além do tema transversal meio-ambiente, em especial a reciclagem do lixo, através do uso dos materiais alternativos que foi trabalhado com as 4ª séries.

Alguns dos referenciais teóricos utilizados

    Alicerçada nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que foram meus primeiros referenciais, observei que a educação física no ensino fundamental tem como objetivos gerais, dentre outros, que o aluno: participe de atividades corporais estabelecendo relações equilibradas e construtivas com os outros; adote atitudes de respeito mútuo e solidariedade repudiando qualquer espécie de violência; conheça a pluralidade de manifestações de cultura corporal do Brasil; adote hábitos saudáveis de higiene, alimentação e atividades corporais reconhecendo-se integrante do ambiente; solucione problemas de ordem corporal em diferentes contextos interferindo no espaço de forma autônoma, porém não devem ser esquecidos os temas transversais, que também deverão ser abordados pela disciplina, como: ética, saúde, meio - ambiente, orientação sexual e pluralidade cultural. Acredito que quando se fala em pluralidade cultural o centro desse tema transversal é a relação do corpo com o contexto sócio - cultural, portanto, com a cultura corporal do indivíduo.

    Das produções dessa cultura corporal historicamente presentes utilizei-me do que em comum há entre as mesmas, a representação corporal. Para Bracht a educação física é uma prática pedagógica cujo objeto , enquanto saber científico, é a cultura corporal do movimento, o movimento humano, e está relacionada com a função ou papel social a ela atribuído, o que define o tipo de conhecimento buscado para a sua fundamentação.

    “ ... o movimentar-se é entendido como uma forma de comunicação com o mundo que é constituinte e construtora de cultura, mas também possibilitada por ela. É uma linguagem, com especificidade, é claro, mas que enquanto cultura habita o mundo simbólico. A naturalização do objeto da EF por outro lado, seja alocando-se no plano biológico ou do psicológico, retira dele o caráter histórico e com isso sua marca social. Ora, o que qualifica o movimento enquanto humano é o sentido/significado do mover-se. Sentido/significado mediado simbolicamente e que o colocam no plano da cultura. No entanto, trabalhar na EF com o movimentar-se na perspectiva de cultura corporal de movimento, não basta para colocá-la no âmbito de uma concepção progressista de educação... é preciso portanto, articular um conceito de cultura que se coadune com os pressupostos sócio - filosóficos da educação crítica.” (BRACHT, Trilhas e partilhas: educação física na cultura escolar e nas práticas sociais, p. 13-24)

    Segundo Forquin (1993) apud Bracht a cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última. Para Cullen (1995) apud Bracht o grande desafio educativo da EF é como culturalizar sem desnaturalizar o corpo, oportunizar o corpo a ser um “ produtor de cultura” e não apenas “sofrer cultura”.

    Tratando-se da educação pré – escolar , segundo Borges (1998) esta visa a criação de condições para satisfazer as necessidades básicas da criança, oferecendo-lhe um clima de bem-estar físico, afetivo – social e intelectual, mediante a proposição de atividades lúdicas, que promovam a curiosidade e a espontaneidade, estimulando novas descobertas e o estabelecimento de novas relações, a partir do que já se conhece.

    A psicomotricidade é um conteúdo explorado pela educação física que busca o desenvolvimento da criança, com o ato de aprender, com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores, ou seja, busca garantir a formação integral do aluno. Segundo Negrine (2002) a psicomotricidade de cunho educativo deve estar destinada a crianças em idade pré – escolar, de preferência a partir do primeiro ano de vida, e constitui-se numa ação pedagógica que objetiva fazer avanços nos processos de comunicação, expressão corporal e de vivência simbólica, ou seja, explorar o movimento humano na mais ampla dimensão.

    Para Brotto (1995) os jogos cooperativos é uma nova perspectiva para a educação física na escola pautada na valorização da cooperação. O autor entende que há um condicionamento, um treinamento na escola, família, mídia, para fazer acreditar que as pessoas não têm escolhas e tem que aceitar competição como opção natural, e sugere o uso dos jogos cooperativos como uma força transformadora, pois são divertidos para todos e todos têm um sentimento de vitória, criando alto nível de aceitação mútua, enquanto nos jogos competitivos são divertidos apenas para alguns, a maioria têm sentimentos de derrota e são excluídos por falta de habilidades.

Histórias

A boneca que por uma aula tornou-se aluna

    Em uma das aulas da Semana do Folclore, pedi aos alunos que trouxessem brinquedos considerados folclóricos, o que teve e participação mínima dos alunos, pois estes sempre esqueciam de trazer os brinquedos. Mas em uma das aulas da 1ª série uma menina trouxe sua boneca de pano dentro de uma sacola plástica e veio mostrá-la para mim:

    Olha só professora, o que eu trouxe, eu não esqueci ! – disse a menina.

    Ao abrir a sacola deparei-me com a boneca, elogiei a menina por tê-la trazido, porém disse que deveria trazê-la também na próxima aula, já que seus colegas não haviam trazido nenhum brinquedo. Ela rapidamente colocou a boneca na sacola e foi para o seu lugar.

    Fui atrás dela e lhe disse:

    Sua boneca é muito bonita, não vamos deixá-la aqui dentro, vamos colocá-la em cima da classe, encostada na cadeira, para que ela também possa assistir e participar da aula.

    A menina sorriu e com alegria olhou para a colega ao lado, de forma que pareceu extremamente surpresa.

O ajudante da aula de educação física

    Hoje sou eu ! – disse o aluno

    Não, não, a Prof disse que sou eu ! – disse a aluna

    Era sempre a maior disputa para ser o ajudante da aula. Foi um método que com efetividade resolveu os problemas de comportamento dos alunos mais agitados e indisciplinados das turmas, com a atribuição da função de ajudante da aula sentiam-se importantes e com “ poder ” sobre os demais, desta forma, de líderes negativos passaram a líderes positivos das turmas.

Quando a corda transformou-se em salto em altura

    Em meio à aula do Circuito de brincadeiras folclóricas da 3ª série a corda transformou-se em salto em altura.

    Professora dá para brincar de saltar com a corda, é assim oh ! – disse a aluna.

    Nesta ocasião, após refletir, pude constatar que basta disponibilizarmos os materiais que os alunos criam e recriam atividades que gostam, o professor deve iniciar, ministrar, incentivar e principalmente participar executando a atividades com os alunos, isto os motiva e faz com que sintam-se valorizados. Por falar em valorização da pessoa do aluno, eu sempre chamava para a aula quem não estava participando das atividades ou quem já havia parado de participar, era neste momento que aproveitava para fazer a atividade juntamente com os mesmos.

As mãos dadas

    A turma do Pré e da 1ª série resistiam muito para dar as mãos, entre meninos e meninas, havia sempre a tendência da separação do grupo meninos e do grupo meninas. Busquei falar sobre o assunto demonstrando a eles a importância e as vantagens de ter em seus grupos um colega do sexo oposto.

    Sobre a tendência da separação do grupo meninas e do grupo meninos e da prevalência do individual ao grupo, também foram encontradas nas turmas de 3ª e 4ª séries, o que não poderia ser diferente, visto que, a grande maioria dos alunos freqüenta a escola desde o pré. O modo como eram feitas as filas separadas: fila de meninos e fila de meninas, que era uma das regras de convivência da escola, a meu ver já seria o início do problema. Quanto à dificuldade de pensar no grupo ao invés do egocentrismo, acredito que seja uma questão de formação trazida do próprio lar, ou então, uma questão de sobrevivência, já que a escola passava por um período de extrema violência nas relações aluno/aluno e aluno/professor, o desrespeito era bastante evidente.

    Com as turmas do Pré e 1ª série valorizei muito nas atividades a prevalência do grupo e não dos interesses individuais, o que foi bastante complicado, pois nesta fase as crianças ainda encontram-se muito egocêntricas. Outra questão é em relação às rodas cantadas, eles somente interessavam-se por àquelas que já conheciam, além do nível de atenção destes alunos ser muito baixo.

Conclusão

    O estágio é o momento de colocarmos em prática o que aprendemos, é também um momento intrínseco de reconhecimento do nosso perfil profissional, das nossas opções relacionadas à educação física. É em suma, um grande momento de auto - conhecimento perante a futura profissão, onde colocamos também em prática nossos valores morais e éticos, nossa personalidade e nossos sentimentos.

    Houve vários momentos de questionamento em relação à teoria e a prática, já que muitas vezes o que idealizamos para as aulas, acabara em frustração, pois nem sempre os alunos estão dispostos a fazer o que propomos.

    Foi também possível observar as relações de poder existentes no ambiente escolar, que de forma muito significativa acaba influenciando no processo educacional, pois há cobranças constantes nas relações professor/aluno e professor/professor.

    Acredito que ser idealista e responsável por mostrar e viabilizar uma outra realidade às crianças que são, na sua maioria, manipuladas pela nossa sociedade, são características do professor de educação física. Mas, com certeza, foi uma experiência gratificante e bastante divertida, que vez com que eu voltasse a vivenciar o mundo infantil, que de mim estava distante.

    Como sugestão gostaria de ressaltar a importância de uma maior abordagem da realidade da educação física escolar pública, durante a graduação, para que os futuros profissionais saibam lidar , de forma mais eficiente, com todas as problemáticas que envolvem a mesma.

Referências

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