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Pesquisando a capoeira sob a perspectiva
da Ciência da Motricidade Humana

Investigating capoeira under the perspective of Human Motricity Science

Indagando la capoeira bajo perspectiva de la Ciencia de la Motricidad Humana

 

*Presidente da Federation Internacionale D’Education Physique (FIEP)

Professor do Programa de Mestrado em Ciência da Motricidade Humana

Universidade Castelo Branco – LABESPORTE. Professor Pesquisador da UNISUAM.

**Mestrando do Programa de Mestrado em Ciência da Motricidade Humana

Universidade Castelo Branco – LABESPORTE. Sócio-Diretor, Coordenador Técnico e Professor da Academia da Usina - Rio de Janeiro, RJ.

Dr. Manoel José Gomes Tubino*

manoeltubino@terra.com.br

Ricardo Martins Porto Lussac**

ricardolussac@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          A capoeira vem sendo pesquisada por diversas áreas do conhecimento. Paralelamente, nos últimos anos o número de pesquisas e publicações elevou-se sensivelmente. Uma das áreas da ciência que vem debruçando alguns estudos sobre a capoeira é a Ciência da Motricidade Humana. Este artigo teve como objetivo inserir o estudo da capoeira sob a perspectiva desta Ciência.

Sob um novo paradigma epistemológico e como uma ciência de caráter interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar, a Ciência da Motricidade Humana vem somar esforços acadêmicos a partir de novos olhares e perspectivas em problemáticas encaradas através de um suporte epistemológico próprio. Umas das áreas mais beneficiadas por este novo olhar da ciência é a dos esportes, das práticas corporais e das atividades físicas.

          Unitermos: Ciência. Motricidade Humana. Educação Física. Capoeira.

 

Abstract

          Capoeira has been investigated by several areas of knowledge. Moreover, in the latest years, the number of researches and publications increased significantly. One of the science areas that is dedicating some studies on capoeira is Human Motricity Science. The aim of this article is to insert the study of capoeira under the perspective of this science. Under a new epistemological paradigm and as a science of interdisciplinary, multidisciplinary and transdisciplinary characters, Human Motricity Science add academic efforts from fresh glances and perspectives at problems faced by a proper epistemological support. Some of the areas most benefited by this fresh glance are those of sports, of corporal practices and of physical activities.

          Keywords: Science. Human Motricity. Physical Education. Capoeira.

 

Resumen

          La capoeira viene siendo investigada desde diversas áreas del conocimiento. Paralelamente, en estos últimos años el número de investigaciones y publicaciones se amplió levantado llamativamente. Una de las áreas de la ciencia que viene tratando algunos estudios sobre la capoeira es la Ciencia de la Motricidad Humana Este artículo tiene como objetivo incluir el estudio de la capoeira bajo perspectiva de esta ciencia.

Bajo un nuevo paradigma epistemológico y como ciencia de carácter interdisciplinar, multidisciplinar y transdisciplinar, la Ciencia de la Motricidad Humana viene a sumar esfuerzos académicos con nuevas miradas y perspectivas realizadas frente a problemático encaradas con un enfoque epistemológico propio. Unas de las áreas más beneficiadas por esta nueva para mirada de la ciencia es la de los deportes, las prácticas corporales y de las actividades físicas.

          Palabras clave: Ciencia. Motricidad humana. Educación Física. Capoeira.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 124 - Setiembre de 2008

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Introdução

    A capoeira vem sendo pesquisada por diversas áreas do conhecimento. Paralelamente, nos últimos anos o número de pesquisas e publicações elevou-se sensivelmente. Uma das áreas da ciência que vem debruçando alguns estudos sobre a capoeira é a Ciência da Motricidade Humana, CMH.

    Sob um novo paradigma epistemológico e como uma ciência de caráter interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar, a Ciência da Motricidade Humana começa a contribuir com o conhecimento acadêmico sobre a arte-luta brasileira, colocando novos olhares sobre esta prática. Mas para o mundo acadêmico a Ciência da Motricidade Humana ainda é vista sob certa suspeita epistemológica. Isto se deve à divergência de discursos, principalmente, na área da Educação Física e também, em grande parte, por um desconhecimento de outras áreas acadêmicas. Cabe então, quase sempre, uma introdução epistemologia e metodológica, inclusive, por certas vezes até filosófica, em pesquisas realizadas sob a perspectiva da Ciência da Motricidade Humana, na intenção de introduzir outras áreas acadêmicas no âmbito da CMH.

    Este artigo teve como objetivo inserir o estudo da capoeira sob a perspectiva da Ciência da Motricidade Humana. Este trabalho foi realizado através de uma revisão de literatura e análise de conteúdo. Como pressuposto teórico neste artigo, utilizamos autores aportados na CMH e anotações em aulas no PROCIMH da UCB/RJ. Este artigo faz parte da dissertação de mestrado de Ricardo Lussac, orientada pelo Prof. Dr. Manoel Tubino, à ser defendida no PROCIMH da Universidade Castelo Branco.

Pesquisando a capoeira sob a perspectiva da CMH

    As Ciências são os conjuntos de conhecimentos sistematizados (CUNHA, 1994) relativos à uma ou mais problemáticas e ligadas diretamente à um respectivo determinado objeto de estudo. No caso da Ciência da Motricidade Humana o seu objeto formal de estudo é o ente do Ser do Homem, por onde o cientista, o pesquisador, o sujeito cognoscente, é o responsável por gerar o conhecimento e é quem tem que formatar o seu estudo, de forma lógica, a partir de um problema. É através da justificação lógica, racional, que a essência do método geral de investigação filosófica estará presente, propiciando uma ausência de contradições e, conseqüentemente, uma verdade lógica, autêntica. Cabe aqui colocar que o princípio da verdade científica é o da Causalidade, pois todo problema precede uma causa e gera uma conseqüência. Já o objeto prático de estudo da CMH são os movimentos e as condutas motoras do objeto formal de estudo. O objeto formal de estudo é o objeto cognoscível, ou seja, é aquilo que é pensado pelo sujeito cognoscente, sob uma perspectiva ôntica, do objeto do conhecimento, e “a partir da complexidade cultural de uma vida existencial inserida em um contexto de circunstância, de facticidade e de corporeidade” (BERESFORD, 2008), de um ser humano em permanente estado de necessidades advindas de suas carências, privações ou vacuidades (ibidem, 2008).

    Quando o pesquisador, ou seja, o sujeito cognoscente, através de sua intencionalidade operante de sua consciência, transforma o ente do Ser do Homem em objeto formal de estudo (fato e fenômeno) de sua pesquisa, deve levar e conta os aspectos caracterizadores deste ente, que são:

  • Identidade + ente = entidade (sexo, idade, entre outros)

  • Estar presente no tempo e no espaço (de modo sensorial e empírico)

  • Carência principal (relevância social)

  • Abertura, possibilidade, aspiração ou “sonho”, para o ser e para o tempo (passado presente e futuro). Esta é uma característica somente do ente do Ser do Homem, não sendo agregada a nenhum outro Ser.

    Portanto, quando se pesquisa a capoeira sob a perspectiva da Ciência da Motricidade Humana, se pesquisa um ou mais entes do Ser do Homem, que encarnam a capoeira, e não a capoeira em si. Pode-se até aliar perspectivas de outras áreas no estudo, a fim de subsidiar a pesquisa com fundamentações teóricas de suporte na construção das características do objeto de estudo. Pesquisar a capoeira sob a perspectiva da CMH é, sobretudo, pesquisar o capoeirista ou o praticante de capoeira, que é o seu objeto formal de estudo, e ter como objeto prático de estudo desta pesquisa os comportamentos e as condutas motoras deste capoeirista ou praticante de capoeira com todas as suas características de ente, com toda a sua contextualidade sócio-cultural e de vida existencial. Dentro desta linha, o conceito de cultura motora colocado por Manoel Sérgio nos concede um subsídio para tal: “Cultura motora: ...conjunto de comportamentos representativos de uma determinada sociedade ou grupo natural... implica uma aquisição de saber e ao mesmo tempo resulta dele...” (CUNHA, 1994, 155).

    Cabe neste momento colocar alguns conceitos fundamentais e pertinentes ao constructo epistemológico da Ciência da Motricidade Humana: o de Comportamento motor: “O Homem movendo-se no tempo e no espaço e assim interpretado imediatamente e percebido do exterior.” (ibidem, 1994, p. 154), e o de Conduta Motora que representam o Objeto Prático de Estudo da CMH:

    “Conduta Motora: O comportamento motor enquanto portador de significação, de intencionalidade, de consciência clara e expressa e onde há vida, vivência e convivência. A conduta motora realiza-se através de uma concreta dialética entre o interpessoal e o intrapessoal e manifesta um dinamismo integrador e totalizante.” (ibidem, 1994, p. 154 e 155).

    Atualmente há muitos recursos e possibilidades de estudo e interpretação das condutas e comportamentos motores dos capoeiristas, mas pesquisar este objeto prático de estudo de capoeiristas do século XIX pode ser muito mais difícil, visto se ter poucas fontes, e ainda assim, mesmo as existentes limitam o pesquisador quanto às suas possibilidades de interpretação. Há de se considerar, no caso da capoeira, de diferenciar temporalmente e sócio-geograficamente os capoeiristas pesquisados, pois há uma grande diferenciação nos contextos culturais e existenciais dos capoeiristas ao longo da história e em diferentes lugares do Brasil. Deste modo, a prática corporal da capoeira deve ser analisada dentro da perspectiva da Ciência da Motricidade Humana através da sua condição de corporeidade.

    A percepção exclusivamente fenomênica de corpo foi substituída, na filosofia contemporânea e mais especificamente no pensamento existencial transubjetivo, por uma percepção de Corporeidade ou de Motricidade Humana. Nessas condições Corporeidade e Motricidade podem, de alguma maneira, ter o mesmo significado. Embora, também possam ter um aspecto sutil que diferenciem tais termos ou expressões (BERESFORD, 2008). O conceito atual de corporeidade, que por muitas vezes é confundido com outros conceitos pertinentes à CMH é:

    “Corporeidade: Condição de presença, participação e significação do homem no Mundo. A motricidade emerge da corporeidade como sinal de quem está-no-mundo-para-alguma-coisa, isto é, com sinal de um projecto. Toda a conduta motora inaugura um sentido através do corpo.” (CUNHA, 1994, p. 155).

    Entendemos que partindo destes conceitos, devemos estudar as condutas e comportamentos motores, e a corporeidade dos capoeiristas como portadores de significado e de intencionalidade, sob a premissa de sua presença e condição de existência e vida no mundo. Emendando à definição de corporeidade, colocamos o conceito de motricidade proposto no glossário de Manuel Sérgio, um dos maiores nomes da comunidade científica da Ciência da Motricidade Humana:

    “Motricidade: Processo adaptativo, evolutivo e criativo de um ser práxico – ser homem – ser carente, carente dos outros, do mundo e da transcendência. Intencionalidade operante, segundo Maurice Merleau-Ponty. O físico, o biológico e o antropossociológico estão nela, como a dialética numa totalidade. Como ser carente, o homem é um ser práxico e onde, por isso, a motricidade se afirma na intencionalidade electiva. Mas motricidade humana e, conseqüentemente, cultura, acima do mais – cultura não ancilosada em erudição inerte, mas cultivada porque praticada./ A motricidade não se confunde com a motilidade. Esta não excresce a faculdade de execução de movimentos que resultam da contracção de músculos lisos ou estriados. A motricidade está antes da motilidade, porque tem a ver com os aspectos psicológico, organizativo, subjetivo do movimento. A motricidade é o virtual e a motiliddae, o actual, de todo o movimento. Afinal, a motilidade é a expressão da motricidade.” (ibidem, 1994, p. 156).

    Sendo a motricidade um processo adaptativo, cabe em qualquer análise de comportamento e de conduta motora a ciência de que estes não são estáticos, e sim, estão inseridos em uma dinâmica cultural, em uma eterna adaptação ao meio e aos fatos. Neste sentido toda a análise deve ser singular e também deve-se ter o cuidado em análises comparadas, quando nestas é verificada uma analogia linear, que deve ser evitada. Se todo indivíduo e todo o fato são únicos, estes devem ser tratados também de modo exclusivo.

    Podemos dizer de forma simplificada que a Ciência da Motricidade Humana é “uma interpretação científica ou epistemológica acerca do valor do movimento de um ente do Ser do Homem nas perspectivas: cultural, humanizada e de vida existencial” (BERESFORD, 2008). Mas o que seria este “valor” do movimento? Qual seria o conceito de valor?

    “Valor é uma qualidade estrutural de natureza metafísica que corresponde a tudo aquilo que preenche positivamente um estado de carência, privação ou vacuidade, de um ente de um ser particularmente de um ente do Ser do Homem” (ibidem, 2008). Então, os critérios para se agregar valor seriam, justamente, aqueles que preencheriam o mais radicalmente possível a carência principal deste ente do Ser do Homem, que é o objeto formal de estudo, assim como a causa e a conseqüência principal da mesma (ibidem, 2008).

    “Isto, porque o Ser do homem, é o único Ser que tem a capacidade de valorar, em função de possuir, potencialmente, uma consciência, intencional, ou um estado de consciência mais aprimorado, que lhe permite, em função de suas necessidades, transformar o mundo da natureza no mundo da cultura e no mundo dos valores.” (BERESFORD, 1999).

    Então, também baseados em Mondin (1980, p. 177) podemos dizer que o Homem é um ser cultural. Observamos que para entender o mecanismo de valoração de um ente ou um grupo de entes, é necessário conhecer as necessidades destes dentro de um contexto cultural e existencial. Assim poderemos entender a significação do valor para o ente pesquisado. A atribuição de valor pode ser diferente de acordo com a época, a cultura, o extrato social, entre outros fatores mais complexos e individuais, como o psicológico, por exemplo. Portanto, entendemos que estudar um ente do Ser do Homem é uma tarefa tão complexa quanto o próprio Homem em toda a sua concepção possível.

    Contribui com a conceituação dos valores quando se diz que o valor deve ser interpretado como uma qualidade estrutural, que depende das qualidades empíricas do objeto, mas não é nenhuma das qualidades. O valor agregado ao objeto está diretamente relacionado ao estabelecimento da relação de quem está dando valor e de quem está recebendo.

    Gobry (apud BERESFORD, 2008) diz que as necessidades humanas surgem dos permanentes estados de carência e privações dos seres humanos e quanto ao contexto contingencial das circunstâncias é axiológico por ser metafísica, pertencente à realidade abstrata. Em permanente estado de necessidades significa dizer que a comunicação motora do Ser do Homem tem um significado próprio e incomum porque transforma o mundo da natureza em um mundo cultural para preencher suas carências, privações ou vacuidades, de acordo com o grau de profundidade.

    Perceber as carências, privações e vacuidades, as necessidades de diferentes origens do ente em questão em uma pesquisa é fundamental, mas torna-se um trabalho complexo, a partir da proporcionalidade de profundidade que se imprime na pesquisa.

Resultados e conclusão

    A Ciência da Motricidade Humana surge como uma ciência sob um novo paradigma, que vem somar esforços acadêmicos a partir de novos olhares e perspectivas em problemáticas encaradas sob um novo suporte epistemológico. Deste modo, umas das áreas mais beneficiadas por este novo olhar da ciência é a dos esportes, das práticas corporais e das atividades físicas, pois, têm justamente, as suas maiores características, as condutas e comportamentos motores, como o objeto prático de estudo da Ciência da Motricidade Humana. Neste sentido, não seria diferente que a capoeira inserida neste contexto seja contemplada com novas pesquisas, mesmo sobre temas já levantados, colocando assim, novas narrativas e interpretações que são adicionadas à construção do conhecimento.

Referências bibliográficas

  • BELTRÃO, Fernanda Barroso; BERESFORD, Heron; MACÁRIO, Nilza Magalhães. Produção em Ciência da Motricidade Humana. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência da Motricidade Humana da Universidade Castelo Branco. 2ª ed. Rio de Janeiro: SHAPE, 2002.

  • BERESFORD, Heron. Valor: saiba o que é. Rio de Janeiro: Shape, 1999.

  • BERSFORD, Heron. Anotações em sala de aula na disciplina Estatuto Epistemológico da Motricidade Humana. Universidade Castelo Branco - PROCIMH, Rio de Janeiro, 1º quadrimestre, 2008.

  • CUNHA, Manuel Sérgio Vieira e. Para Uma Epistemologia Da Motricidade Humana. 2ª ed. Lisboa: Compendium, 1994.

  • MONDIN, BATTISTA. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores e obras. trad. J. Renard, 6 ed., São Paulo: Paulinas, 1980.

  • TOJAL, João Batista Andreotti Gomes. Motricidade Humana: O Paradigma Emergente. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994.

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