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Aprendizagem docente no contexto acadêmico:
a formação inicial e suas contribuições para a
iniciação profissional dos professores de Educação Física

 

Licenciada em Educação Física pela

Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC/SMO

Especialista em Educação Física Escolar pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/CE/UFSM

Andréia Paula Basei

andreiabasei@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Objetivamos como o presente estudo, compreender quais as representações que os professores de Educação Física na fase de iniciação profissional possuem sobre o seu curso de formação inicial, enquanto um espaço formativo para o exercício profissional e para a aprendizagem de seu ofício ao se depararem com situações concretas da prática pedagógica e os desafios impostos pelo cotidiano escolar. A relevância deste estudo se dá por entendermos que a iniciação profissional é um período importante na trajetória profissional do professor, que não pode ser vista como um período onde vai somente aplicar o que aprendeu, mas como um período onde as aprendizagens possam ser ainda mais intensas, através do desenvolvimento e incorporação dos saberes da experiência. Assim, trata-se de um período muito importante para a consolidação da profissão escolhida e para a consolidação da identidade profissional do docente, de um período para aprender na prática e colocar em prática todas as vivências e representações elaboradas sobre a docência durante a formação inicial, encontrar o elo entre o eu profissional idealizado e o eu profissional representado no cotidiano da atuação profissional.

          Unitermos: Educação Física. Formação de professores. Aprendizagem docente.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 124 - Setiembre de 2008

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Introdução

    Aprender a ser professor é um processo que vai muito além dos conhecimentos ditos técnicos e específicos com os quais entramos em contato na universidade, estando relacionado, também, com uma diversidade de outros conhecimentos que só se aprende quando nos inserimos em uma cultura profissional através da entrada em um ambiente de trabalho e através da interação com nossos pares. Embora reconhecemos essa especificidade do processo de aprender a ser professor, consideramos que os professores devem, sim, possuir uma boa base teórica que lhes permita desconstruir e reconstruir suas representações, recombinar seus saberes a todo instante, refletindo sobre as ações que desenvolve e vendo-se também como protagonista de seu processo de formação e (trans)formação.

    A aprendizagem profissional da docência está relacionada com nossas experiências e como as organizamos. Parafraseando Zabalza (2004, p. 222), “o sentido da aprendizagem não está na simples acumulação de informações, por mais especializada que ela seja, mas no desenvolvimento da capacidade para organizar essa informação e tirar proveito dela”.

    É considerável, então, que em nosso processo de formação, um tipo de aprendizagem organizado e estruturado, nos constituímos enquanto sujeitos partindo de inúmeras referências, tais como nossa história familiar, nossa trajetória pessoal, escolar, acadêmica, nossas vivências em ambientes de trabalho, enfim, através da inserção na cultura que compõem o nosso mundo sistêmico que se entrecruzam com nossas vivências e experiências que vão constituir nosso mundo de vida e nossa identidade, expressa através de nossas representações e atuações.

    Diante disso, é que nos surge a necessidade por pesquisar quais as representações que os professores de Educação Física na fase de iniciação profissional possuem sobre o seu curso de formação inicial, enquanto um espaço formativo para o exercício profissional e para a aprendizagem de seu ofício ao se depararem com situações concretas da prática pedagógica e os desafios impostos pelo cotidiano escolar.

    Nossa compreensão sobre o estágio de iniciação do professor, está embasada em Marcelo Garcia (1999, p.114), onde afirma que este estágio define-se em geral como os primeiros anos de trabalho, quando o professor se socializa no sistema. É um período em que o professor principiante se esforça por aceitar os estudantes, os colegas e supervisores, e tenta alcançar um certo nível de segurança no modo como lida com os problemas e questões do dia-a-dia.

    E ainda, de acordo com Borko (1986 apud MARCELO GARCIA, 1999, p. 113) a iniciação ao ensino é o período de tempo que abarca os primeiros anos, nos quais os professores fazem a transição de estudantes para professores. É um período de tensões e aprendizagens intensivas em contextos geralmente desconhecidos, e durante o qual os professores principiantes devem adquirir conhecimento profissional além de conseguirem manter um equilíbrio pessoal.

    Deste modo, a relevância deste estudo se dá pelo fato de que a iniciação profissional é um período importante na trajetória profissional do professor, que não pode ser vista como um período onde vai somente aplicar o que aprendeu, mas como um período onde as aprendizagens possam ser ainda mais intensas, através do desenvolvimento e incorporação dos saberes da experiência. Assim, a entrada no mundo do trabalho é um período muito importante para a consolidação da profissão escolhida e para a consolidação da identidade profissional do docente, é um período de aprender na prática e colocar em prática todas as vivências e representações elaboradas sobre a docência durante a formação inicial, encontrar o elo entre o eu profissional idealizado e o eu profissional representado no cotidiano da atuação profissional.

    Para isso, é fundamental considerarmos que todo o processo de aprendizagem e, portanto, também a aprendizagem profissional da docência, como nos afirma Claxton (2005) exige a capacidade de reflexão, ou seja, a autoconsciência para sabermos os nossos objetivos e os recursos necessários para alcançá-los, bem como nossas potencialidades e limitações. Para que esse processo de reflexão se concretize, uma das implicações é que os professores tenham como ponto de partida um “olhar retrospectivo sobre suas próprias ações”, onde através da análise e interpretação dessas ações constrói o seu conhecimento (SCHON, 2000).

Os caminhos percorridos

    Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa com enfoque fenomenológico, onde o significado que os sujeitos dão ao fenômeno em estudo dependem essencialmente dos pressupostos culturais próprios do meio em que se inserem, privilegiando a consciência dos sujeitos sobre suas experiências, sua vida e seus projetos (TRIVIÑOS, 1987). Os participantes do estudo foram três professores de Educação Física, intencionalmente selecionados por se tratarem de professores em fase de iniciação profissional e demonstrarem interesse e disponibilidade para participar do estudo. O instrumento utilizado para a coleta das informações foi um questionário com perguntas abertas e fechadas que posteriormente foram analisadas através da análise de conteúdo.

    A análise de conteúdo, conforme Bardin (apud TRIVIÑOS, 1987), é conveniente para o estudo das motivações, atitudes, crenças, valores e tendências e, é definido como:

    [...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando.por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos as condições de produção/recepção das mensagens.

    Para isso, seguimos as etapas assinalados pelo autor em nosso estudo, sendo elas: a pré-analise, composta pela organização do material, ou seja, as respostas dos sujeitos ao questionário; a descrição analítica orientada pelo referencial teórico que adotamos para a classificação e categorização das respostas dos professores, com seus encontros e desencontros e; a interpretação referencial com nossas reflexões e conclusões a partir dos dados empíricos coletados e do referencial teórico adotado.

Quem são os professores

    Antes de começarmos a expor as representações dos professores com relação á sua formação inicial e as contribuições desta para a iniciação na carreira docente, consideramos relevante caracterizar quem foram os professores que participaram deste estudo. Para isso, e no intuito de preservar a identidade desses profissionais, eles serão identificados como P1, P2, P3.

    O professor P1 é do sexo feminino, possui 24 anos de idade, realizou curso de Licenciatura em Educação Física em uma universidade do setor privado, no estado Santa Catarina, tendo obtido o título de licenciado no ano de 2005. Esse professor, em seguida de sua formação inicial realizou o curso de especialização em Educação Física Escolar, também em uma instituição privada. Atualmente, o professor P1 atua em uma escola da rede pública de ensino, com uma carga horária de 40 horas/aula na educação básica, nos níveis de educação infantil e séries inicias do ensino fundamental.

    O professor P2 é do sexo masculino, possui 27 anos de idade, realizou curso de Licenciatura em Educação Física em uma universidade do setor privado, no estado Santa Catarina, tendo obtido o título de licenciado no ano de 2005. Esse professor ainda não possui curso de especialização, mas, afirma que pretende “[...] fazer na área da Educação, porque é uma área que eu gosto e foi o que eu escolhi para trabalhar”. Atualmente, o professor P2 atua em uma escola da rede pública de ensino, com uma carga horária de 40 horas/aula nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio. Este professor atua também em trabalhos de coordenação de escolinhas de esporte do setor municipal.

    O professor P3 é do sexo masculino, possui 25 anos de idade, realizou curso de Licenciatura em Educação Física em uma universidade do setor público, no estado do Rio Grande do Sul, tendo obtido o título de licenciado no ano de 2005. O professor P3 possui especialização em Atividade Física, Desempenho Motor e Saúde, também por essa universidade pública. Atualmente, ele atua em uma escola da rede pública municipal de ensino, com carga horária de 25 horas/aula na educação infantil, e nas séries iniciais e finais do ensino fundamental.

A formação inicial como um espaço formativo para a atuação profissional

    A formação inicial é um espaço de formação realizado por instituições e um grupo de professores especializados, através de um currículo que abarca os conhecimentos básicos necessários para o exercício de determinada profissão. Sendo assim, o objetivo fundamental de programas de formação, de acordo com Marcelo García (1999) é ensinar a competência de classe ou conhecimento de ofício, no qual o futuro professor adquire conhecimentos pedagógicos e de disciplinas acadêmicas e realiza práticas de ensino.

    Considerando as experiências que os professores de nosso estudo tiveram durante sua formação inicial, eles nos falam das representações que possuem de sua formação acadêmica mencionando alguns aspectos positivos e negativos que influenciaram na sua formação e, conseqüentemente, na atuação profissional.

    Começaremos apontando os aspectos considerados já estabelecendo algumas analogias entre positivos e negativos. O professor P1 coloca como ponto positivo que alguns “professores que tinham um grau maior de estudo, ou seja, um maior conhecimento”. Ele aponta também como positivo “os professores que trabalhavam na sua área de especialização”. O professor P2 também aponta como aspecto positivo o fato de que os professores possuíam “um nível de formação muito bom”, e também que a “relação do professor com os acadêmicos era boa”. Para o professor P3, os pontos positivos também estão relacionados aos professores serem “acessíveis aos alunos” e estarem sempre “prontos para ajudar”. Ao mesmo tempo em que mencionam essas características como positivas, verificamos que não podem ser generalizadas a todos os professores, pois, como aspecto negativo os professores afirmam que um dos problemas foi o fato de que existiam trabalhando na área “professores sem titulação especifica” (P1), e também alguns em que a “falta de compromisso” (P1) era evidente. Já o professor P2 afirma que “alguns tinham dificuldade de expressar e repassar seus conhecimentos aos acadêmicos”.

    Com relação a este aspecto o professor P3 menciona um fator que assola as instituições públicas de ensino prejudicando a formação dos alunos, como a “falta de professores em algumas disciplinas, professores que estavam em seguidas greves” e como também mencionam os outros professores existia os que “não cumpriam com os horários das aulas”.

    Nas colocações dos professores percebemos que os mesmos possuem a consciência de que o professor universitário deve ser um especialista em determinada área do conhecimento, dominando para isso todas as teorias e práticas de sua área, e tendo competências para desenvolvê-las com os futuros professores. Não desconsideramos esse aspecto, pois os saberes técnicos, próprios do saber-fazer são importantes para exercer a atividade docente, contudo, o que enfatizamos é que não podemos reduzir o saber dos professores a essa questão, e tampouco, reforçar a fragmentação do conhecimento em áreas específicas, tomando os professores universitários como “[...] executores de tarefas pré-determinadas, [...] como livre-atiradores, cada qual confinado à área que lhe foi reservada como se feudo à parte” (MARQUES, 2006, p. 196).

    Nesse sentido, ressaltamos a importância de que o curso se construa coletivamente, com certa congruência das ações desenvolvidas pelos professores, uma vez que, compartilhamos do entendimento de Marques (2006, p. 192) ao afirmar que muito além da fragmentação, “[...] o ensino universitário exige a percepção da universalidade do saber, não apenas na congregação de muitos saberes, sobretudo na correlação deles, postos na perspectiva globalizante em que cada um se deve construir”, e para que isso se concretize, conforme o autor, “ao indispensável domínio técnico-científico de sua área de atuação, requer-se alie o docente formação pedagógico-didática adequada às práticas educativas a que se dedica e ao trabalho coletivo que elas pressupõem”.

    Um segundo aspecto que apresenta contradições na análise dos professores trata-se da organização curricular, pois conforme aponta o professor P2 “as disciplinas foram bem elaboradas, os conteúdo foram bem planejados e desenvolvidos e na carga horária com tempo apropriado para a execução dos conteúdos da disciplina”. Já para o professor P1 “algumas disciplinas poderiam ter uma carga horária maior”, e corroborando com a fala do professor P1, o professor P2 menciona especificamente a necessidade de se ter mais um semestre a disciplina de anatomia, pois, dada sua importância deveria ser mais aprofundada.

    O professor P3 também aponta como ponto positivo o fato da “carga horária das disciplinas ser satisfatória na maioria das disciplinas” e fato de ter “várias disciplinas optativas”, ou seja, os alunos tem a possibilidade de escolher disciplinas que estão mais relacionadas aos seus interesses de formação além das disciplinas básicas do currículo. Contudo, também considera que alguns “conteúdos poderiam ser mais aprofundados, e não somente o básico”.

    Embora nossa análise seja limitada, em função de que o questionário aplicado não nos possibilitou buscar mais profundamente o que os professores acreditam ser “disciplinas bem elaboradas”, “conteúdos bem planejados”, estando relacionado com a subjetividade de cada professor e as suas intencionalidades com relação a formação, o que observamos é que este aspecto, segundo os professores atingiu o objetivo desejado, ou seja, trouxe implícito ou explicito o conjunto de significados e comportamentos cuja aprendizagem se pretendia alcançar com o processo de formação (PÉREZ- GÓMEZ, 2001). Contudo, é relevante mencionarmos também a consciência de que o curso de graduação não dá conta, não consegue esgotar todos os conhecimentos, carecendo dar-se continuidade na formação, buscando suprir essas necessidades.

    Foram apontados pelos professores também outros aspectos positivos relacionados à estrutura física e material da universidade, o professor P1 menciona que “a estrutura física não deixou a desejar”. Já o professor P2 afirma que “as estruturas da faculdade foram melhorando a cada semestre. Na parte de materiais para as práticas a universidade disponibilizava de um bom acervo”. No entanto, o professor P1 afirma que existia “pouco material bibliográfico de Educação Física” e o professor P2 menciona a “falta de uma piscina própria e campo de futebol e o material do acervo precisaria ser atualizado para uma melhor orientação”. Nas colocações do professor P3 observamos também que esses aspetos aparecem como positivos, segundo ele, a “estrutura física da instituição é muito boa e os recursos materiais também são satisfatórios”.

    Essa questão não pode ser desconsiderada na formação, uma vez que, é imprescindível ter-se uma estrutura adequada para possibilitar aos alunos vivenciar diversas situações práticas, bem como, oferecer recursos para que possam buscar aprofundar seus conhecimento para além do que é repassado na sala de aula.

    Ainda com relação à formação inicial investigamos com os professores como foram abordadas e a importância das disciplinas práticas, técnico-desportivas durante o curso. Nesse sentido o professor P1 afirma que na sua visão, “[...] foi dada muita ênfase para certas disciplinas, mas sempre os professores procuraram conciliar a teoria e a prática. Também se teve um diferenciamento de esporte escolar e de rendimento”. Na apreciação do professor P2, “As aulas práticas, foram abordadas de uma forma muito legal, com uma importância para meus conhecimentos, de como proceder nas atividades do cotidiano das escolas e com um conteúdo técnico e prático a fim de dar uma boa base para a aplicação nas escolas”. Conforme o professor P3, “a maioria foi abordada de forma satisfatória, nós falávamos, discutíamos sobre as técnicas na sala de aula e logo após íamos para aula prática, para praticar a técnica da melhor forma possível”.

    Entendendo o papel da formação inicial como o de fornecer as bases para construir um conhecimento pedagógico especializado, verificamos que estão presentes nas falas dos professores as bases que compõem os conhecimentos para a docência, como nos aponta Mizukami (2004), ou seja, o conhecimento dos conteúdos das disciplinas curriculares, que implica o domínio dos conceitos fundamentais de uma determinada área do conhecimento e da história da construção de tais conceitos; o conhecimento pedagógico geral, que inclui conhecimentos sobre os processos de ensino e aprendizagem, procedimentos didáticos necessários a transformação do conteúdo a ser ensinado em conteúdo a ser aprendido e; o conhecimento curricular, que se refere ao conhecimento das disciplinas que compõem o currículo de um determinado nível de ensino.

    Pedimos também que os professores comentassem sobre a forma como foram abordadas e a importância das disciplinas teóricas, didático-pedagógicas para sua formação. Com relação a este aspecto o professor P1 comenta que “para estas disciplinas, infelizmente, não se deu muita importância, sendo muito deixado a desejar tanto da parte dos alunos como de alguns professores”. Nesse sentido, trazemos as contribuições de Günther; Molina Neto (2000) ao afirmarem que, o que tem pautado a formação acadêmica em Educação Física é um saber predominantemente instrumental de caráter funcional, que privilegia a competência técnica do docente, restringindo a prática pedagógica à seleção e aplicação de procedimentos instrumentais que possibilitam o máximo de eficiência nos resultados. Isso contribui para que o futuro professor venha a agir sem uma preocupação maior com o caráter pedagógico de sua prática.

    Já o professor P2 ao manifestar-se sobre essa questão afirma que “As aulas teóricas foram bem planejadas de acordo com os conteúdos das disciplinas, e com uma bagagem de conhecimento no contexto teórico excelente”. E, segundo o professor P3 ele “considera de extrema importância as disciplinas teóricas, visto que elas nos dão suporte e conhecimento para atuar como professor”.

    A partir dessas colocações, percebemos que, embora exista uma valorização das disciplinas ditas práticas, existe um avanço com relação a compreensão dos professores sobre a necessidade de conhecer as bases teóricas de seu ofício, uma vez que, como nos diz Pimenta (2006, p. 26) “o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmo como profissionais”, essenciais ao nosso ver para uma atuação contextualizada, autônoma, crítica e reflexiva em sua profissão.

A iniciação na profissão

    Partindo das vivências que os professores tiveram de seu ofício ao entrarem no mundo do trabalho, perguntamos a eles quais foram as contribuições que o curso de formação inicial trouxe para sua atuação profissional, para a prática pedagógica no cotidiano escolar. De acordo com essa perspectiva o professor P1 afirma que “todo conhecimento que uso no meu dia-a-dia profissional adquiri na universidade, pois antes nem tinha noção de como dar uma aula, lá [na universidade] aprendi a prática e a teoria. Com o tempo fui aprendendo atividades, fui conhecendo o desenvolvimento do ser humano, adquiri conhecimento didático e metodológico”. Para o professor P2 as contribuições vão ao sentido de ter adquirido “uma base de como lidar com os alunos e como planejar as aulas do currículo e as atividades nelas incluídas”. De acordo com o professor P3, as contribuições são “o conhecimento da profissão em todos os sentidos e também o gosto por estar sempre estudando, lendo assuntos relacionados com a educação de uma forma geral”.

    Observamos nas colocações dos professores que percebem a formação inicial conforme o que nos aponta Imbernón (2000), ou seja, que ela tem o papel de fornecer as bases para construir um conhecimento pedagógico especializado, pois se constitui no início da socialização profissional e da assunção de princípios e regras práticas e, também, para a construção de um conhecimento pedagógico geral, como mencionamos anteriormente.

    Por outro lado, evidenciamos na fala dos professores ao falares de “base para”, do “conhecimento da profissão”, o que nos remete a distinção que precisa existir entre aprender a ensinar e começar a ensinar, onde Zeichner (1993 apud Mizukami; Reali, 2002, p.207), nos diz que “Aprender a ensinar é um processo que continua ao longo da carreira docente e que, não obstante a qualidade do que fizermos nos nossos programas de formação de professores, na melhor das hipóteses só poderemos preparar os professores para começar a ensinar”. É nesse sentido que colocamos que a formação inicial é um espaço de formação e, mesmo sendo uma condição necessária para o exercício docente ela não é suficiente, ela pode e deve fornecer as bases para o ensino, mas acima de tudo, a nosso ver, precisa despertar o desejo nos professores por transcender esses limites na busca pela construção de novos conhecimentos, pelo seu desenvolvimento profissional.

    Com relação às dificuldades encontradas ao iniciar suas atividades como docentes, o professor P1 afirma que “a desvalorização da disciplina e a falta de experiência” foram marcantes ao entrar em contato com a escola. A “falta de experiência” também foi mencionada pelo professor P3. Para o professor P2 as dificuldades foram relacionadas a “se ambientar ao novo lugar de trabalho, certo medo em relação às atividades planejadas e se você está correspondendo às expectativas dos alunos com relação às aulas”. Essas considerações demonstram que os professores vivem sentimentos característicos da fase de iniciação profissional que trata-se da ansiedade, do medo, da insegurança e da falta de confiança em si mesmo, uma vez que, estão entrando em um mundo ao mesmo tempo conhecido e desconhecido e não estão familiarizados com as situações específicas do cotidiano escolar (MARCELO GARCIA, 1999).

    Da mesma forma, percebemos que os professores demonstram entender a importância dos saberes oriundos da experiência profissional, onde a aplicação simplesmente dos conhecimentos técnicos e científicos não dá conta de resolver os problemas e/ou atender os desafios e as necessidades impostas pelo cotidiano escolar, o que implica a capacidade de saber lidar com as “zonas indeterminadas da prática”, ou seja, saber o que fazer quando não existem princípios específicos no seu repertório de conhecimento profissional capazes de resolver os problemas.

    Nesse sentido, concordamos com Cavaco (1995, p. 162) ao afirmar que sempre se reconheceu o valor da apropriação dos saberes profissionais através da experiência. Aprende-se com as práticas de trabalho, interagindo com os outros, enfrentando situações, resolvendo problemas, refletindo as dificuldades e os êxitos, avaliando as formas de ver e proceder e é nesse contexto que desenvolve-se o verdadeiro eu profissional dos docentes.

    Outro fator que consideramos neste estudo, diz respeito a socialização desses professores no período de iniciação profissional, pois como nos aponta a literatura, ela não é vivida da mesma forma por todos os professores e pode constituir-se num aspecto relevante para a consolidação da identidade do profissional. Como enfatiza Marcelo Garcia (1999, p. 114) esse “é um período em que o professor principiante se esforça por aceitar os estudantes, os colegas e supervisores, e tenta alcançar certo nível de segurança no modo como lida com os problemas e as questões do dia-a-dia”.

    Nesse aspecto, o professor P1 afirma que os “colegas de outras áreas que atuavam com educação física antes de minha vinda para esta escola, me criticaram bastante, [...] os pedagogos exaltavam que eles também tinham a disciplina de educação física e que poderiam trabalhar”. Com relação à participação nas atividades escolares (reuniões pedagógicas, conselho de classe, e outras atividades promovidas pela escola) nesse período, esse professor afirma, ainda, que “sempre fui convidada a participar, portanto sempre participei, mas percebia que minha opinião não era tão importante como as dos demais” (P1).

    Com relação a essas colocações percebemos que o professor P1, enfrentou uma situação um tanto quanto complicada e que para nós esta relacionada com a legitimidade da Educação Física na escola, e com a compreensão que se tem sobre aula de Educação Física, ou seja, sobre quais os objetivos da disciplina estar incluída no currículo e da necessidade de ser ter um profissional competente com formação especifica para trabalhar.

    Essa situação foi bastante diferente para o professor P2, uma vez que, fala que “o relacionamento foi o melhor possível, fui bem recebido e com uma boa ambientação ao local de trabalho. A direção foi excelente proporcionando uma boa dinâmica de trabalho, cedendo um ótimo ambiente para realização das atividades dos professores e se colocando a disposição para ajudar no cotidiano escolar. [...] os funcionários também foram legais e atenciosos”. Nesse mesmo sentido vão as colocações do professor P3 quando afirma que “o relacionamento com todos os colegas foi ótimo”, com isso ele afirma também que sempre participou das atividades escolares e considera importante isso, uma vez que, está relacionada ao “crescimento profissional, principalmente, que deixa ciente dos assuntos da escola em geral e também a interação com os outros colegas”.

    E, por fim, questionamos os professores sobre como tem dado encaminhamento ao seu desenvolvimento profissional, ou seja, se após término da graduação, eles tem buscado dar continuidade a sua formação e de que forma. Dentro desse aspecto, o professor P1 fala que “[...] fiz minha especialização e alguns cursos que teve na região”, mas em geral considera isso “[...] muito pouco [...]”. Já o professor P2 aponta que tem essa preocupação e tem buscado “[...] fazer cursos de aperfeiçoamento, buscando novos conhecimentos para melhora na minha profissão e conseqüentemente tendo um melhor retorno financeiro”. O professor P3 também afirma que tem buscado dar continuidade a sua formação “através de estudos paralelos e também a pós-graduação [...] porque sempre devemos estar em constante aperfeiçoamento para poder orientar nossos alunos da melhor forma possível”.

    Percebemos nas colocações dos professores estarem conscientes de que necessitam investir em sua formação continuada, com a qual abre-se a possibilidade de o professor ampliar e alterar de maneira crítica as práticas que desenvolve. Dessa forma, compreendemos que é importante que os professores tenham esse entendimento e necessário que isso seja estimulado, através dos próprios cursos de formação, da escola e de outros agentes de ensino para que seja uma prática durante todo o percurso profissional docente. Contudo o que queremos enfatizar é a necessidade que os professores entendam formação também como auto-formação, ou seja, que eles não fiquem esperando pela oferta de cursos, palestras, oficinas que são promovidos eventualmente pelas instituições responsáveis, mas que assumam a formação continuada como uma prática diária em sua atuação profissional, através da sistematização, compreensão e reflexividade crítica sobre sua prática num processo permanente de construção e reconstrução de suas ações e de sua identidade docente.

Considerações finais

    As representações que os professores possuem de sua formação inicial e suas contribuições na atuação no período de iniciação profissional são de extrema importância se considerarmos que a formação é também, e acima de tudo, auto-formação, ou seja, um trabalho de reflexão sobre si mesmo, sobre suas experiências, vivências, sobre o desejado e o procurado para sua formação. Dessa forma, é importante esse olhar retrospectivo do professor sobre si mesmo, tornando conscientes suas ações e representações e, estimulando a reflexão e a crítica sobre as formas como ele vem atuando e como constituiu e constitui sua identidade docente.

    Assim, acreditamos que o processo de formação inicial deve estar fundamentado em concepções críticas e reflexivas que articulem a realidade escolar, a formação e futura atuação do acadêmico como professor. Também, é de fundamental importância que se busque estimular, os futuros docentes, a um investimento profissional contínuo tendo em vista a própria natureza da atividade docente que é dinâmica e envolve diferentes fases, contextos e imprevistos, as denominadas “zonas indeterminadas da prática” (Schon, 2000).

    Considerando a formação inicial como um espaço de preparação para começar a ensinar e entendendo que o docente deve investir no seu desenvolvimento profissional, a formação deve ser vista como um contínuo nas trajetórias de vida dos professores, onde eles desenvolvem conscientemente os sentidos e os significados de sua prática e atuação como professor, garantindo as ligações entre sua formação inicial e continuada e as experiências que vivem ao longo de sua carreira. Nesse sentido, é imprescindível o desenvolvimento da capacidade reflexiva.

    Para finalizar, gostaríamos de enfatizar que, de acordo com Taffarel et al (2007, p. 46-47), a consolidação da identidade do professor de Educação Física para o exercício profissional, durante sua formação acadêmica, requer: sólida formação teórica de base multidisciplinar e interdisciplinar na perspectiva da formação omnilateral; unidade entre teoria e prática, o que significa assumir uma postura em relação a produção do conhecimento científico que impregna a organização curricular dos cursos, tomando o trabalho como principio educativo e como práxis social; gestão democrática que permita a vivência e o trabalho com relações de poder democráticas e não autoritárias; compromisso social, estimulando análises políticas pela superação da sociedade de classes, para que seja garantido o acesso aos bens a todos que dele participam em sua produção, especificamente no campo da cultura corporal; formação continuada para permitir a relação entre formação inicial e continuada no mundo do trabalho; avaliação permanente como parte integrante das atividades curriculares.

    Portanto, a construção e a consolidação da identidade profissional estão ligados as condições de trabalho e a valorização social da profissão e, para que os cursos de formação inicial contribuam efetivamente com isso, devem fazer referencia também a aspectos relativos a como a profissão é representada socialmente e quais as condições em que atuarão os profissionais para que sua iniciação na profissão não seja marcada com uma realidade completamente diferente e desconhecida durante a sua formação.

Referências

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  • CLAXTON, G. O desafio de aprender ao longo da vida. Porto Alegre: Artmed, 2005.

  • GÜNTHER, M.C.C.; MOLINA NETO, V. A formação permanente de professores de educação física na rede municipal de ensino de Porto Alegre: um estudo etnográfico. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v.14, n.1, p.85- 97, 2000.

  • IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2000.

  • MARCELO GARCIA, C. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999.

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  • MIZUKAMI, M. G. N.; REALI, A. M. (orgs.). Formação de professores, práticas pedagógicas e escola. São Carlos: EdUFSCar, 2002.

  • PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (orgs.) Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2006.

  • SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

  • TAFFAREL, C. N. Z. et al. Uma proposição de diretriz curricular para a formação de professores de Educação Física. In: HILDEBRANDT-STRAMANN, R; TAFFAREL, C. Z. (orgs.) Currículo e Educação Física: formação de professores e prática pedagógica nas escolas. Ijuí: Unijuí, 2007.

  • TRIVINOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

  • ZABALZA, M. A. O ensino universitário: seus cenários e seus protagonistas. Porto Alegre: ARTMED, 2004.

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