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O desafio de ser professor no estágio curricular
supervisionado durante a formação inicial em Educação Física

 

*Licenciada em Educação Física pela UFSM

Especializada em Educação Física Escolar e Gestão Educacional pela UFSM

Mestranda em Educação pela UFSM

Integrante do GEPEF/UFSM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física)

**Doutor em Educação e Ciência do Movimento Humano pela UFSM

Coordenador do GEPEF/UFSM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física)

Franciele Roos da Silva Ilha*

fran.ef@pop.com.br

Hugo Norberto Krug**

hnkrug@bol.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Dentre as diversas disciplinas cursadas pelos acadêmicos de Educação Física da Universidade Federal de Santa Maria encontra-se o Estágio Curricular Supervisionado a ser realizado no sétimo semestre da Graduação. Diante disso, este estudo teve o objetivo de relatar minha experiência docente no contexto da Educação Física escolar em uma escola estadual de Santa Maria (RS). O estágio foi realizado no primeiro semestre de 2006 com alunos de segunda série dos anos iniciais.

          Unitermos: Ser professor. Estágio Curricular Supervisionado. Formação inicial, Educação Física.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 123 - Agosto de 2008

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Contextualização do tema

    Os Cursos de Formação de Professores tem a função de proporcionar aos acadêmicos, disciplinas, conhecimentos, estágios, experiências, que possibilitem uma base teórico-prática para atuarem no contexto escolar. Diante disso, o currículo representa uma peça chave desse emaranhado de especificidades que compõem a formação inicial.

    O futuro professor necessita compreender a complexa realidade que encontrará ao se inserir no âmbito escolar. O Curso de Educação Física - Licenciatura Plena da Universidade Federal de Santa Maria1 apresenta particularidades que acompanham a área de atuação da Educação Física. Apesar de ser um curso que visa formar de uma maneira geral professores, não dá foco a docência na escola, pois os acadêmicos formados podem atuar também em outras áreas e estabelecimentos, como academias, clubes, com treinamento desportivo e alto rendimento. Por isso o curso forma professores generalistas, ou seja, profissionais que sabem quase nada de quase tudo.

    Nesse sentido, dentre as diversas disciplinas cursadas pelos acadêmicos de Educação Física da UFSM encontra-se o Estágio Curricular Supervisionado a ser realizado no sétimo semestre da Graduação. Este inclui as reuniões pedagógicas com o professor orientador da disciplina, as reuniões com o professor de Educação Física da escola, as aulas ministradas pelos acadêmicos e as atividades extras desenvolvidas na escola. Assim, estudo teve o objetivo de relatar minha experiência docente no contexto da Educação Física escolar em uma escola estadual de Santa Maria (RS). O estágio foi realizado no primeiro semestre de 2006 com alunos de segunda série dos anos iniciais.

A prática docente e as orientações de estágio

    Num primeiro momento foram realizados vários encontros com o professor/supervisor/orientador da disciplina, a fim de esclarecer os aspectos importantes sobre a metodologia a ser trabalhada na escola. A abordagem escolhida foi a cognitivista, com ênfase na Educação Psicomotora. Esta que, segundo Le Bouch (1982) representa uma ciência que estuda a conduta motora como expressão do amadurecimento e desenvolvimento da totalidade psico-física do homem, e tem como um dos objetivos principais fazer com que o indivíduo descubra seu próprio corpo em relação com seu mundo interno e externo, e sua capacidade de movimento. Certamente a ausência de professores de Educação Física nas séries inicias, limita a oportunidade dos alunos de desfrutar os benefícios que as aulas poderão lhes proporcionar. Significa provavelmente retardar algumas etapas do desenvolvimento das mesmas, o que dificultará a execução de movimentos mais complexos que poderão ser exigidos em futuras atividades, além dos demais aspectos que a disciplina engloba como: o desenvolvimento cognitivo, físico e psicossocial.

    Em seguida, estudamos o Projeto Político Pedagógico da escola que o Coletivo de Autores (1992) define como uma intenção, uma ação deliberada e estratégica. Caracteriza-se por político porque expressa uma intervenção em determinada direção e pedagógico porque realiza uma reflexão sobre a ação dos homens na realidade. O conhecimento do Plano de Curso das séries iniciais também fez parte das atividades realizadas, sendo de suma importância, já que, orienta o professor em toda a caminhada pedagógica em busca da aprendizagem dos alunos (CANFIELD, 1996).

    E por fim, fomos orientados na elaboração dos Planos de Aula, que para sua construção utilizaram-se estratégias para despertar o interesse e o gosto dos alunos pelas aulas de Educação Física, concordando com Canfield et al. (1995) que destaca ainda que o professor ao motivar seus alunos através do despertar de seus interesses torna o conteúdo trabalhado significativo, elabora objetivos adequados e, quem sabe, conta com a participação destes.

    Piletti (1995) contribui nessa discussão e destaca os motivos que embasam a importância do planejamento, como por exemplo: evita a rotina e o improviso, contribui para o alcance dos objetivos visados, promove a eficiência do ensino, garante maior segurança na gestão da classe e ainda economiza tempo e energia. No entanto, é possível perceber através de breves indagações, até mesmo informais que muitos professores não planejam suas aulas, conseqüentemente, não possuem objetivos, e em função disso, sua atividade docente representa uma tarefa alienada e descontextualizada. Sem metas a serem atingidas, não conseguem seguir uma continuidade de conteúdos, comprometendo a aprendizagem seqüencial e natural dos seus alunos. Por esses e outros fatores é que Canfield (1996) vê o planejamento como porta essencial de todo o trabalho pedagógico consciente.

    A partir do embasamento teórico sobre esses aspectos que permeiam a prática escolar, fomos conhecer a realidade da escola Fizemos uma visita com o professor, observamos as instalações e os materiais disponíveis para as aulas de Educação Física. Conhecemos a professora da classe, a professora de Educação Física e os alunos. Também realizamos algumas observações das aulas da professora de Educação Física, com o intuito de conhecer a realidade específica deste contexto. Esta atitude vai ao encontro das idéias de Vaz et al. (2002) que diz que não é possível uma atuação pedagogicamente responsável sem que se tenha um conhecimento mais amplo no universo escolar e isso vale também para a Educação Física.

    Dessa forma, antes de iniciar a aula, conversei com os alunos sobre alguns acordos que deveríamos fazer antes de começar as atividades, com o intuito de prevenir possíveis problemas, como por exemplo, saber a hora certa de falar, de ir ao banheiro ou tomar água, entre outros. Essa atitude é fundamentada em Gauthier et al. (1998) quando explicitam que no início do ano, é importante que os alunos estejam conscientes do que se espera deles em termos de comportamento. Da mesma forma, as regras e os procedimentos também devem ser explicitados e praticados sistematicamente.

    Tendo em vista que as primeiras aulas tinham o objetivo de conhecimento da turma com o intuito de analisar o desenvolvimento dos alunos em todos os aspectos: psicossocial, motor, físico, realizamos atividades que eles mais se identificavam, escolhidas pela maioria do grupo, bem como a idéia da proposta metodológica escolhida. Desenvolvemos atividades lúdicas, que envolvessem todo o grupo, sempre com meninos e meninas brincando juntos e proporcionando aos alunos a oportunidade de construírem a aula, propondo atividades, adaptando-as, dentre outros incentivos que promovessem a autonomia dos alunos. Hildebrandt (1986) fundamenta essa postura ao dizer que é fundamental que o professor prepare as situações de ensino de tal forma que estimulem o aluno a agir, assim eles terão à possibilidade de resolver seus problemas e questionamentos (HILDEBRANDT, 1986).

    Concordando com Kunz (2001) quando coloca que o aluno enquanto sujeito do processo de ensino deve ser capacitado para sua participação no convívio social, tendo a capacidade de conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e significados na vida cotidiana, ocorrendo através de uma reflexão crítica. Ressalta ainda que, a emancipação deve ser tarefa fundamental da Educação, através de um processo de esclarecimento racional que se estabelece num processo comunicativo. As interações de alunos-alunos e alunos-professor não podem acontecer sem a participação da linguagem, pois o diálogo deve estar sempre presente, sendo através deste que os alunos são instigados a participar do processo de ensino-aprendizagem. O professor deve, portanto, instigar e desafiar os alunos na busca de respostas a partir da vivência destes. Através da ação comunicativa o aluno se tornará crítico, ele realizará perguntas e tentará formular as respostas, diferente do que geralmente acontece, em que os professores formulam as perguntas e dão as respostas.

    No decorrer das aulas enfrentei algumas dificuldades, mas neste escrito vou destacar a mais freqüente, a indisciplina dos alunos. Fundamentada em Rego (1996) entendemos que existe uma falta de clareza e consenso a respeito do significado do termo indisciplina, sendo que a maior parte das análises parece expressar as marcas de um discurso fortemente impregnado pelos dogmas e mitos do senso comum. Destaca que os conceitos de indisciplina estão longe de serem consensuais, não só pela complexidade, mas também pela multiplicidade de interpretações que o tema encerra. Ressalta ainda, que o conceito de indisciplina, como toda criação cultural, não é estático, uniforme, nem tampouco universal. Ele se relaciona com o conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e numa mesma sociedade. Também no plano individual a palavra indisciplina pode ter diferentes sentidos que dependerão das vivências de cada sujeito e do contexto em que forem aplicadas.

    Ferreira (1996, p. 595) define o termo e declara que a indisciplina “é todo procedimento ou ato dito contrário à disciplina que leva à desordem, à desobediência, à rebelião“. Jesus (2001) nos ajuda nesse momento, no que diz respeito à gestão da indisciplina dos alunos, relatando que são necessárias medidas ao nível sócio-político, ao nível da escola e ao nível da relação pedagógica do professor. Dessa forma, é necessário que o professor busque auxílio no âmbito geral da escola, se este for o caso.

    A fim de resolver estes problemas e também seguir um estudo e acompanhamento da prática pedagógica, realizamos reuniões semanais com o professor/supervisor/orientador da disciplina de estágio com metodologias variadas, como por exemplo, leituras sobre tais dificuldades, explanação do andamento das aulas, enfim, troca de experiências essenciais para prosseguirmos nosso trabalho. Este acompanhamento demonstra claramente a abordagem formativa, como sendo o ensino reflexivo. VIEIRA (1993, p. 28) nos diz que a supervisão "no contexto da formação de professores reflexivos, é uma atuação de monitoração sistemática da prática pedagógica, sobretudo através de procedimentos de reflexão e experimentação".

    Entretanto, apesar do meu empenho, das trocas de experiências com meus colegas, das estratégias utilizadas com a orientação do professor/supervisor/orientador e também da professora de Educação Física da escola foi bastante complicado lidar com a indisciplina, pois esta pode ter causas diversas tais como: reflexo da pobreza e da violência presente na sociedade de um modo geral, especialmente nos meios de comunicação; traços da personalidade; educação recebida na família; entre outros.

    Mas, felizmente com o passar do tempo, a afinidade, o conhecimento das peculiaridades da turma e as características de cada aluno tornaram as aulas cada vez mais produtivas e o domínio da turma, que era a principal conseqüência negativa da indiciplina, melhorou bastante. Além disso, sabe-se que num primeiro contato com a docência, as dificuldades parecem não apresentarem solução, isto gera uma certa insegurança. Este processo de transição de alunos/acadêmicos para professores é bastante problemático, nessa direção, Carreiro da Costa (1994, p. 28) amplia essa visão ao dizer:

    Com isso, percebemos a necessidade de cada vez mais movimentar o processo de aprendizagem docente na escola, tornando-a uma experiência interativa, prospectiva e, principalmente, um espaço temporal possível para discutir e refletir a respeito das práticas pedagógicas educativas da formação docente.

    Silva; Krug (2002) dialogam a esse respeito e colocam que não só os acadêmicos e os professores iniciantes, mas também os professores experientes sentem dificuldades em diversas situações que a indisciplina escolar comporta. Também não podemos esquecer que os alunos têm em sua maioria nove anos, e nessa faixa etária as crianças geralmente são muito ativas, principalmente quando estão num espaço físico amplo e sem maiores barreiras arquitetônicas.

Considerações finais

    Trabalhar com a Educação é uma tarefa difícil, porém compensadora, alguns problemas e dificuldades que nossa sociedade enfrenta nos dias de hoje, poderiam ser amenizados com a melhoria da Educação brasileira. Entretanto, encontramos nas escolas públicas crianças trazendo uma bagagem cultural muito arcaica, onde não se relaciona o aprendizado escolar como um conhecimento prazeroso, e sim como uma atividade estressante e obrigatória. Saber onde está e qual é o problema não é o suficiente, como componente da classe dos profissionais da Educação, tenho a consciência de que as ações começam por nós.

    Através da realização do Estágio Curricular Supervisionado pude observar as dificuldades do ensino público, com a precariedade dos materiais, à falta de incentivo e recursos financeiros para os profissionais terem melhores condições de trabalho. Também foi possível refletir sobre a importância de desenvolver práticas educativas no contexto escolar, já que esta disciplina constituiu-se na única prática escolar e sendo ainda, realizada apenas no sétimo semestre. Ainda que, no decorrer desta percebemos a falta de embasamento teórico-prático trabalhado na Formação Inicial, principalmente no que se refere à articulação das demais disciplinas com a realidade da Educação Física escolar. Mas também, evidencia-se o descaso dos acadêmicos, e me incluo nesse quadro, com certas disciplinas essenciais para se trabalhar frente ao aluno.

    Mesmo assim, este estágio foi muito importante, principalmente, pelo acompanhamento constante, tanto por parte do professor/supervisor como pela professora de Educação Física da escola, os quais sempre nos mostraram e enfatizaram aspectos fundamentais para termos um maior êxito em nossas aulas.

    Portanto, ao perceber esta disciplina como uma “simulação” do trabalho pedagógico a ser desenvolvido após o término do curso é essencial repensar esse processo para além de reformas curriculares, mas sim, como uma transformação ampla das práticas docentes e das concepções de gestão no âmbito das universidades.

Nota

  1. É importante destacar que houve uma reforma curricular em 2005 que promoveu a criação de dois cursos de Formação Inicial em Educação Física na UFSM, tais como: Licenciatura em Educação Física (para atuar somente em instituições educativas) e Bacharelado em Educação Física (para atuar nas outras áreas), extinguindo assim a antiga formação generalista.

Referências

  • CANFIELD, M. de S. Planejamento das aulas de Educação Física: é necessário? In: CANFIELD, M. de S. (Org.). Isto é Educação Física! Santa Maria: JtC Editor, 1996, p.21-32.

  • ______. et al. Os alunos gostam das aulas de Educação Física? In: PEREIRA, F.M. (Org). Educação Física: textos do XV Simpósio Nacional Ginástica. Pelotas: Editora Universitária/UFPEL, 1995, p.75-86.

  • COLETIVO DE AUTORES, Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • COSTA, C. F. Formação de professores: objetivos, conteúdos e estratégias. Revista UEM. V. 5, N. 1, P. 26-39. 1994.

  • FERREIRA, A.B.H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

  • GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da Pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Unijuí, 1998.

  • HILDEBRANDT, R & LAGING, R.. Concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1986.

  • JESUS, S.N. de . Como prevenir e resolver o stress dos professores e a indisciplina dos alunos? Cadernos do CRIAP. Porto (Portugal): ASA Editores, 2001.

  • KUNZ, E. Educação Física: ensino & mudanças. 2.e. Ijuí: Unijuí, 2001.

  • LE BOUCH, J. O desenvolvimento psicomotor do nascimento aos seis anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.

  • REGO, T.C. A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana. In: Aquino, J.R.G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, p. 83-101, 1996.

  • SILVA, M.S. da; KRUG, H.N. A indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física nas séries iniciais do ensino fundamental: o caso dos futuros professores de Educação Física da UFSM em situação de estágio curricular. In: II Congresso Mercosul de Cultura Corporal e Qualidade de Vida. Anais..., Ijuí, 2002. p.57.

  • VAZ, A. F. et al. Educação do corpo e formação de professores: reflexões sobre a Prática de Ensino de Educação Física. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2002.

  • VIEIRA, F. Supervisão: uma prática reflexiva de formação de professores. Rio Tinto (Portugal): Edições ASA, 1993.

  • PILETTI, C. Didática Geral. 19. ed. São Paulo: Ática, 1995.

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revista digital · Año 13 · N° 123 | Buenos Aires, Agosto de 2008  
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