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O educador físico na equipe interdisciplinar
no cuidado às pessoas idosas

 

*Doutor em Ciências da Religião, professor no Programa de Pós-Graduação (Mestrado)

em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB).

**Mestranda em Gerontologia pela Universidade Católica de Brasília (UCB)

Especialista em Unidade de Terapia Intensiva pelo CEEN/UNIFESP

Enfermeira do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Instituto do Coração DF

***Mestranda em Gerontologia pela Universidade Católica de Brasília (UCB)

Especialista em Ciências da Reabilitação pelo Centro Sarah de Formação e Pesquisa

Enfermeira do Programa de Ortopedia e Reabilitação da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Sarah Brasília.

Vicente Paulo Alves*

vicente@ucb.br

Luciana Borges da Silveira Santana**

lubss@hotmail.com

Cláudia Versiani Cintra Pereira***

versianicintra@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Discute-se aqui o papel fundamental do educador físico na equipe interdisciplinar no cuidado às pessoas idosas, exemplificado em três pesquisas relacionando a Educação Física com a Nutrição, com a Psicologia e a Psiquiatria. As ciências da saúde estão cada vez mais buscando esse tipo de integração em prol da qualidade de vida do idoso, propiciando condições para o desenvolvimento de uma longevidade saudável.

          Unitermos: Educação Física. Interdisciplinaridade. Cuidado às pessoas idosas.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 123 - Agosto de 2008

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Introdução

    A expectativa acerca da longevidade é um fato real, vivenciado mundialmente e observado nos censos demográficos que demonstram um número crescente de idosos. Conforme estimativa da ONU (Organização das Nações Unidas) para o ano de 2050, a quantidade de idosos crescerá 22%, alcançando um total de 2 bilhões de pessoas com idade avançada, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Portanto, devido a esse aumento populacional, surge a necessidade de criarmos condições adequadas para a promoção de uma velhice saudável, proporcionando melhores condições para um envelhecimento com qualidade.

    A necessidade de possuirmos profissionais, nas áreas de saúde e ciências sociais, capacitados para o cuidado com a pessoa idosa, advém desse aumento crescente de idosos em nosso país, conforme relata o IBGE, e a dependência cada vez maior dessa população em desenvolver suas atividades de vida diária. Cada vez mais, precisaremos de melhores condições que propiciem um envelhecimento digno e saudável para a população idosa. Aqui o objetivo não é somente uma longa vida, e sim, essa longevidade com qualidade.

    Segundo Veras (1994), o aumento da expectativa de vida altera o perfil de morbidade da população. A tendência é que em curto prazo, a formação de uma população idosa, uma vez atingida por doenças crônico-degenerativas, sofra como conseqüência, a perda de independência e venha a ser dependente dos outros.

    No Brasil, a família constitui o primeiro recurso para dar atendimento e acolher seus membros idosos, sobretudo os que demandam cuidados prolongados decorrentes de processos mórbidos incapacitantes. O cuidado a idosos em família sofre influência de diversos fatores como a história de vida de seus membros, a cultura de origem, o contexto histórico e cultural, a disponibilidade de recursos pessoais e sociais de apoio. Deve-se levar em conta ainda as relações familiares, as heterogeneidades do momento e da situação do cuidar, tipo e grau de necessidade do cuidado, arranjos familiares existentes e qualidade de suas relações (Pavarini et al., 2005).

    O objetivo deste trabalho é propiciar reflexão e melhor compreensão da realidade dinâmica e complexa, que se estabelece acerca das relações da Educação Física, como disciplina da área das ciências da saúde, com a interdisciplinaridade no cuidado às pessoas idosas, uma vez que há uma necessidade crescente de maiores cuidados, observando a assistência dos diferentes graus de dependência funcional e/ou cognitiva.

    Pode-se destacar que essa pesquisa envolve o atendimento nas diversas áreas do conhecimento científico, com importante destaque para as áreas de reabilitação como Educação Física, Enfermagem, Nutrição, Fisioterapia, Psicologia, dentre tantas outras.

    Conseqüentemente, nota-se a necessidade de especialistas na área do cuidado com o idoso, não só visando o tratamento, mas a profilaxia, com intuito de promover melhores condições para o desenvolver de uma longevidade saudável, propiciando uma vida digna e de qualidade para a pessoa idosa.

O cuidado às pessoas idosas

    O cuidado acompanha nossa trajetória de vida, a partir do momento em que nascemos até o momento de nossa morte. O cuidado encontra-se na essência do ser humano, motivando e permeando tudo o que realiza e pode ser visualizado em sua vida, desde o nascimento até a morte, fazendo parte do processo que o mantém vivo (Boff, 1999). Segundo Lavinsky e Vieira (2004), acredita-se ser esse o motivo que faz emergirem inúmeros sentimentos nos indivíduos envolvidos nesse tipo de relação.

    A palavra “cuidado” deriva do latim cogitare, que significa imaginar, pensar, refletir, ter cuidado consigo mesmo e com sua saúde e sua aparência. Referem-se à atenção, proteção, preocupação, cautela, zelo, responsabilidade, atitude e sentimento que podem levar a uma relação entre as pessoas, isto é, a práticas e ações sociais comandadas por representações simbólicas acerca da solidariedade (Torres et al., 2004).

    Cuidar de uma pessoa idosa vai além da técnica, do procedimento, da intervenção, pois se caracteriza por uma relação de ajuda, no sentido de dar qualidade ao outro ser, respeitando-o, compreendendo-o, tocando-o de forma mais afetiva. Conforme ressalta Gandolpho e Ferrari (2006), a inclusão do outro não como objeto, mas como parceiro no desenvolvimento do cuidado.

A interdisciplinaridade nas ciências da saúde com referência à Educação Física

    A interdisciplinaridade não é uma perspectiva inteiramente nova diante da construção do conhecimento. Contudo, a partir do século XIX, com o avanço da ciência como expressão máxima da racionalidade humana, há também um processo crescente de disciplinarização e um conseqüentemente recuo desta proposta interdisciplinar (Gomes e Deslandes, 1994).

    O Positivismo se tornou hegemônico enquanto paradigma do saber no mundo moderno e as disciplinas começaram a se afirmar de forma isolada. Em decorrência disso, surgiu uma excessiva especialização que resultou numa fragmentação do saber (Gomes e Deslandes, 1994). Assim, a interdisciplinaridade, enquanto uma proposição do conceber e fazer ciência somente ressurge no século XX, já nos fins da década de 50, quando se coloca mais claramente em discussão a necessidade de uma proposta epistemológica de caráter interdisciplinar.

    A interdisciplinaridade é considerada uma inter-relação e uma interação das disciplinas, a fim de atingir um objetivo comum. Nesse caso, ocorre uma unificação conceitual dos métodos e estruturas em que as potencialidades das disciplinas são exploradas e ampliadas. Estabelece-se uma interdependência entre as disciplinas na busca de um diálogo com outras formas de conhecimento e com outras metodologias, com o objetivo de construir um novo conhecimento. É vista como “atitude de superação de toda e qualquer visão fragmentada e/ou dicotômica que ainda mantemos de nós mesmos, do mundo e da realidade” (VILELA E MENDES, 2003, p.528). Meirelles (1999) complementa essas idéias afirmando que a interdisciplinaridade se apresenta como resposta à diversidade, à complexidade e à dinâmica do mundo atual.

    Nessa perspectiva interdisciplinar, a Gerontologia como ciência é multidimensional, porque aborda o processo de envelhecimento humano em todos os seus aspectos: físico, biológico, psíquico, emocional, social, cultural, ambiental, político, econômico, entre outros (Pavarini et al., 2005).

    No campo da Gerontologia destacamos algumas pesquisas que demonstram a interdisciplinaridade nas ciências da saúde e se relacionam de uma forma muito dinâmica.

    A primeira dessas pesquisas foi realizada por Lemos et al (2007) onde a relação de interdisciplinaridade foi demonstrada mediante uma relação entre a prática de exercícios físicos e a nutrição equilibrada. Estas são duas áreas do conhecimento que estabeleceram uma interdisciplinaridade em vista da qualidade de vida do idoso. Neste estudo objetivou-se avaliar as modificações no perfil antropométrico (peso/estatura), de composição corporal, bioquímica e práticas alimentares de um grupo de mulheres idosas do Programa da Terceira Idade em Ação (PTIA) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), submetidas a um protocolo de atividades educativas alimentares associadas à prática de atividades físicas. O estudo longitudinal com tempo de intervenção de oito meses contou com 18 idosas, sendo 7 no grupo sedentário e 11 no grupo não sedentário. Os resultados apontam para alguns achados interessantes como demonstrado no Quadro 1.

Quadro 1 (Adaptado de Lemos et al., 2007)

Medidas antropométricas

Grupo não sedentário(nº 11)

Grupo sedentário(nº 7)

Antes da intervenção

Depois da Intervenção

Antes da intervenção

Depois da Intervenção

Peso (Kg)

61,43

59,04

60,06

59,52

Altura (cm)

151,66

151,66

151,66

151,66

IMC (Kg/m2)

27,38

26,37

25,55

25,32

CC

87,61

86,43

86,91

86,09

Composição Corporal por Bioimpedância

Grupo não sedentário(nº 11)

Grupo sedentário (nº 7)

Antes da intervenção

Depois da Intervenção

Antes da intervenção

Depois da Intervenção

Massa Magra (Kg)

39,06

38,14

40,22

39,91

Gordura Corporal (Kg)

22,80

20,90

19,84

19,61

% Massa magra

64,86

66,57

67,55

67,55

% Gordura Corporal

35,14

33,43

32,45

32,45

Exames Bioquímicos

Grupo não sedentário(nº 11)

Grupo sedentário (nº 7)

Antes da intervenção

Depois da Intervenção

Antes da intervenção

Depois da Intervenção

Glicemia (mg/dl)

84,14

82,14

94,45

83,00

HDL – colesterol (mg/dl)

44,14

53,00

46,55

46,76

LDL – colesterol (mg/dl)

129,89

118,25

148,88

156,51

Colesterol Total (mg/dl)

198,86

203,29

232,73

217,30

Triglicerídios (mg/dl)

175,57

112,50

197,55

152,00

Legenda: IMC: Índice de Massa Corporal; CC: circunferência da cintura. Fonte: Lemos et al. (2007, p. 39)

    Portanto, Lemos et al. (2007, p. 35) concluíram que “os protocolos de atividade física associados ao acompanhamento nutricional em mulheres idosas, mostraram-se eficaz para modificações na composição corporal e na redução do peso. Contudo, não foram suficientes para modificarem os elementos sanguíneos”.

    A segunda pesquisa, elaborada por Benedetti et al. (2003), ilustra a relação da Educação Física com a Psicologia no manejo da auto-estima e auto-imagem como demonstrado no Quadro 2. O estudo foi realizado com um grupo de idosas em Florianópolis-SC com o objetivo de verificar os efeitos da implementação de um programa de exercícios físicos sistemáticos sobre a auto-imagem e auto-estima em idosos institucionalizados. Montaram-se 2 grupos: um experimental (n=15) e outro controle (n=12). O grupo experimental foi submetido a um programa de exercício físico com duração de cinco meses, com três sessões semanais de 60 minutos. A auto-imagem e a auto-estima foram determinadas por meio da aplicação do questionário proposto por Steglich (1978).

Quadro 2

Variáveis

Grupo Experimental

Grupo Controle

Pré-teste

Pós-teste

Pré-teste

Pós-teste

Auto-Imagem

49,8

50,8

59,4

52,9

Auto-Estima

81,7

93,2

95,2

94,3

Fonte: Benedetti, et al. (2003)

    Benetti et al. (2003) concluíram que, com relação à auto-imagem e à auto-estima, pode-se afirmar que a proposta do programa de exercício físico, aplicada na instituição asilar estudada, foi positiva, e que, a atividade física além de prevenir a dependência é um estímulo para o bem estar das idosas.

    A terceira pesquisa interdisciplinar mostra o estudo de Borges e Rauchbach (2004) numa ligação entre a Educação Física, a Psicologia e a Psiquiatria, onde percebemos a atuação do educador físico corroborando na prevenção do desenvolvimento dos sintomas depressivos na pessoa idosa, como demonstrado no Gráfico 1. Foram 125 idosos avaliados, distribuídos em quatro categorias etárias.

Gráfico 1

Fonte: Borges, S.S e Rauchbach, R. (2004)

    Neste último estudo, Borges e Rauchbach (2004, p.3) “confirmam o que diferentes autores e pesquisadores vem divulgando sobre os benefícios das atividades físicas para a saúde e qualidade de vida no envelhecimento. Considerando que o maior número de idosos com tendência à depressão, em todas as categorias etárias, fizeram parte daqueles que não participavam de atividades físicas”.

Considerações finais

    Em todas essas ciências da saúde existem estudos científicos que comprovam a eficácia da Educação Física e sua atuação corrobora para o conhecimento do processo biológico e inevitável do envelhecimento. O cenário nacional aponta para um número cada vez maior de idosos na população, uma vez que esses idosos podem apresentar múltiplas doenças crônicas e que estas doenças podem causar dependência, havendo assim novas necessidades de cuidado.

    Diferentes tipos de doenças ou de graus de fragilidade causam diferentes graus de dependência funcional e cognitiva que, em conjunto ou isoladamente, levam a dependência física ou cognitiva dos idosos, propondo uma forte carga de exigências para os familiares que respondem pelo cuidado.

    As necessidades do cuidado por vezes extrapolam as capacidades das famílias. Há, portanto, a necessidade de cuidadores formais com capacitação profissional para o cuidado ao idoso que tenha uma visão interdisciplinar.

    Observa-se a importância e a eficácia desses profissionais, incluindo o Educador Físico em sua atuação interligada e interdisciplinar, em prol da qualidade de vida do idoso, propiciando condições para o desenvolvimento de uma longevidade saudável.

    A melhoria da qualidade do cuidar no idoso exige uma qualificação desses profissionais que o realizam. Eles devem rever seus valores e preconceitos para compreender e aceitar o idoso como ele é, com uma história de vida, experiências e conhecimentos que devem ser respeitados.

Referências bibliográficas

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  • BOFF, L. Saber Cuidar: ética do humano - compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

  • Borges, S.S. e Rauchbach, R. “Tendência a estados depressivos em idosos que não têm o hábito da prática da atividade física: um estudo piloto no município de Curitiba”. Revista Digital – Buenos Aires. Ano 10 – n. 70, mar. 2004. Disponível em http://www.efdeportes.com. Acesso em março de 2008.

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  • LAVINSKY, A.E e VIEIRA T. T. “Processo de cuidar de idosos com acidente vascular encefálico: sentimentos dos familiares envolvidos”. Acta Scientiarum. Health Sciences. Maringá. V 26, n.1, 2004. pp.41-45.

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  • MEIRELES, B.H.S. e ERDMANN, A.L. “A questão das disciplinas e da interdisciplinaridade como processo educativo na área da saúde”. Revista Texto & Contexto Enfermagem. V 8, n.1, jan-abr. 1999. pp.149-65.

  • MINAYO, M.C.S. (org). Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994.

  • PAVARINI et. al. “A arte de cuidar do idoso: gerontologia como profissão?” Revista Texto & Contexto Enfermagem. V 14, n.3, jan-abr. 2005. pp.81-96.

  • TORRES et. al. “Fragilidade, dependência e cuidado: desafios ao bem-estar dos idosos e de suas famílias”. In: DIOGO, M.J.D., NERI, A.L. e CACHIONI, M. (org). Saúde e qualidade de vida na velhice. Campinas: Alínea, 2004, pp.87-106.

  • VERAS, R. P. País jovem de cabelos brancos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

  • VILELA, E.M. e MENDES, I.J.M. “Interdisciplinaridade e saúde: estudo bibliográfico”. Revista Latino-americana de Enfermagem. V 11, n.4, jul-ago. 2003. pp. 525-31.

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