A prática pedagógica dos professores de Educação Física e a influencia do esporte: da formação à atuação profissional |
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*Licenciada em Educação Física pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/CE/UFSM. **Acadêmica do curso de Licenciatura em Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos Universidade Federal de Santa Maria/UFSM ***Licenciado em Educação Física/CEFD/UFSM Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/CE/UFSM. ****Licenciada em Educação Física/CEFD/UFSM Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/CE/UFSM. |
Andréia Paula Basei* Juliana da Silveira** Marcio Salles da Silva*** Vanderléia Maschio**** (Brasil) |
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Resumo
Compreendendo o esporte como conteúdo central, tanto das aulas de
Educação Física na escola quanto na universidade, objetivamos com este
estudo, analisar a forma como o conteúdo esporte influencia na prática
pedagógica dos professores de Educação Física durante a sua
trajetória docente e como ele vem sendo trabalhado nas diferentes fases
da carreira dos professores. Para isso, realizamos uma pesquisa com
abordagem qualitativa, de enfoque fenomenológico com três professores
de Educação Física atuantes na rede municipal de ensino de Santa Maria
(RS). Apontamos para a necessidade de se repensar a forma como o esporte
é tratado enquanto conteúdo da Educação Física Escolar e enquanto
conteúdo acadêmico especialmente na formação de professores, pois
estes, em grande parte das vezes, ao iniciarem sua profissão irão
transmitir/desenvolver as suas práticas pedagógicas baseadas nas
vivências de sua formação profissional. Para isso, é necessário
estimular uma formação crítica e reflexiva com relação aos
conhecimentos construídos historicamente de acordo com a
intencionalidade pedagógica do professor e do projeto formativo do qual
faz parte.
Unitermos: Educação Física.
Formação de professores. Prática pedagógica. Esportes. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 123 - Agosto de 2008 |
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Introdução
A Educação Física escolar, especialmente no final dos anos 70, começou a viver um novo momento histórico, social e cultural, pautada pelos estudos realizados na área da educação, impulsionados pelo novo modelo político e organizacional, e que serviram de base para o surgimento de novas concepções de ensino, vindo a romper com a idéia de paradigma até então predominantemente orientado pela aptidão física, técnica e mecanicista, para se compor em uma área que trata da cultura do movimento humano.
No entanto, mesmo a partir desse movimento verificamos que o esporte, entendido como conteúdo da cultura do movimento humano, tem se constituído a base de ensino da área da Educação Física, seja em âmbito escolar ou universitário, ele é tido, na maioria das vezes, como referência principal – ou única – na formação dos sujeitos. Essa influência pode ser percebida ao considerarmos que o esporte é o conteúdo hegemônico nas práticas pedagógicas desenvolvidas tanto na escola como na universidade. Isso de acordo com Kunz (1994) pode trazer algumas conseqüências negativas às práticas educativas, uma vez que, quando elementos da cultura de movimento chegam a escola isentos de trato pedagógico, isto é, são reproduzidos nas aulas de Educação Física com todos os seus sentidos e normas socialmente elaboradas, temos então a representação da ideologia da classe dominante presente na escola, impedindo uma reflexão do movimento como um diálogo entre homem e mundo.
Por outro lado, influenciando na formação profissional dos professores de Educação Física, conforme Kunz (2004), contribuem na caracterização desta, tendo como objetivo básico de continuar a formação das ações padronizadas do mundo esportivo, onde existe uma carência de orientações pedagógicas e sócio-educacionais que não conseguem transcender a si mesmo, ou seja, os conhecimentos técnicos são limitados a uma aplicação imediata. Isso, para o autor, fez com que o professor de Educação Física não se acostumasse a consultar uma literatura mais séria a respeito de sua profissão como educador.
Contudo, quando tratados criticamente, a concepção dos esportes como conteúdo da Educação Física, conforme nos aponta Adorno (1971 apud KUNZ, 1996), pode levar-nos a uma dupla interpretação:
O esporte é um fenômeno social que pode ter duplo sentido, de um lado, pelo fair play, pelo companheirismo, pelo respeito aos mais fracos, etc. ele pode fomentar a anti-barbarie e o anti-sadismo social, mas por outro lado, através de muitas de suas formas e processos de desenvolvimento, ele poderá promover a agressão, a brutalidade e o sadismo, e isto tudo, muitas vezes, numa dose maior em pessoas que nem se dedicam a ele de forma prática, como todas as suas exigências e disciplinamentos, mas como meros espectadores.
O esporte então, configura-se como uma prática de origem sócio-cultural, que trás inscrito códigos, sentidos e significados que devem ser analisados criticamente, quando se fala do valor pedagógico e do sentido desse conteúdo estar presente no currículo escolar e de formação profissional. A Educação Física precisa ser entendida como um campo de conhecimento das práticas corporais e que se sustenta por ser uma prática de intervenção social (BRACHT, 1999), tendo seus conteúdos embasados na cultura do movimento humano, colaborando no processo de formação de sujeitos críticos, criativos e emancipados.
Dentro desse contexto, e percebendo o esporte como conteúdo central, tanto das aulas de Educação Física na escola como na universidade, objetivamos com este estudo, analisar a forma como o conteúdo esporte influencia na prática pedagógica dos professores de Educação Física durante a sua trajetória docente e como ele vem sendo trabalhado nas diferentes fases da carreira dos professores.
Este estudo nasce da necessidade de se repensar a forma como o esporte é tratado enquanto conteúdo da Educação Física Escolar e enquanto conteúdo acadêmico especialmente na formação de professores, pois estes, em grande parte das vezes, ao iniciarem sua profissão irão transmitir/desenvolver os conhecimentos vivenciados durante a sua formação. Assim, se esta, não estiver fundamentada por um processo reflexivo e crítico, consciente da realidade e das formas de representação da cultura de movimento presentes em âmbito social, influenciadas pela ideologia do sistema vigente, as práticas educativas desenvolvidas não farão nada mais do que reproduzir o existente. E, mesmo o professor se desenvolvendo profissionalmente, ampliando suas concepções e conhecimentos durante sua trajetória docente, as marcas dessa formação podem estar presentes, mesmo que implicitamente nas ações desenvolvidas.
Metodologia
Esta investigação foi desenvolvida segundo o enfoque fenomenológico sob a forma de um estudo de caso com abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa segundo Negrine (2004, p. 61) “se centra na descrição, análise e interpretação das informações recolhidas durante o processo investigatório, procurando entendê-las de forma contextualizada.” Dessa forma a pesquisa qualitativa não se preocupa em generalizar e quantificar os achados, porque trabalha com os significados, as crenças, os valores e atitudes dos sujeitos.
Na realização deste estudo contamos com a participação de três professores de Educação Física da Rede Municipal de ensino da cidade de Santa Maria (RS), que atuam no ensino fundamental a aproximadamente quinze anos e demonstraram interesse e disponibilidade em participar das entrevistas. Para preservar as identidades dos professores, estes receberam nomes fictícios (P1, P2 e P3). Para a coleta das informações foi utilizada a entrevista semi-estruturada, que permite obter informações importantes ao estudo e por outro lado oferece maior flexibilidade à entrevista, permitindo que o pesquisador realize explorações não estabelecidas previamente, o que oferece a oportunidade ao entrevistado de dissertar sobre o tema e aprofundar pontos que considera relevantes. A entrevista foi gravada, transcrita e posteriormente as informações levantadas foram interpretadas através da análise de conteúdo sistematizada por Bardin (1977).
Os critérios da utilização do esporte
Os conteúdos de ensino da Educação Física devem ser considerados como “[...] os meios pelos quais o aluno deve analisar e abordar a realidade de forma que, com isso, possa ser construída uma rede de significados em torno do que se aprende na escola e do que se vive” (DARIDO; RANGEL, 2005). Partindo desse entendimento, o conteúdo esportes apresenta-se como uma possibilidade bastante interessante de desenvolver as capacidades e competências dos alunos, desde que o ensino esteja embasado por uma concepção crítica sobre esse conteúdo e sobre a Educação Física na escola.
Sob o entendimento dos professores entrevistados, os critérios para utilização dos esportes como conteúdo central das aulas de Educação Física, seguem diferentes perspectivas.
Segundo o professor P1, a seleção do conteúdo esporte, no início de sua docência se dava de acordo com “o material que tem de disponível na escola”, no decorrer da sua docência, começa levar em consideração a preferência dos alunos, ele afirma que “trabalhava com ginástica depois de anos percebi que não era muito do agrado do aluno que eles preferiam mais atividades com bolas”, e atualmente aponta como fator principal novamente “o material que tem disponível na escola”.
As condições para trabalhar com os esportes mencionados pelo professor P2, inicialmente foi pela “formação na faculdade [...]” que enfatizava os conteúdos esportivos, e com o decorrer de sua prática essa característica não se altera significativamente, uma vez que, como ele afirma “só acrescentei alguns [esportes] pelos jogos e campeonatos a secretaria de Educação começou a dar cursos e dar material”. E atualmente os critérios seguem “o interesse dos alunos, o material disponível e o projeto político-pedagógico da escola”, comenta ainda que nos esportes trabalhados são feitas “alterações pelo interesse deles [alunos] e pela mídia”.
Para o professor P3, a seleção dos esportes foi influenciada pela falta de condições materiais e de espaço físico para desenvolver as aulas, afirmando que no começo de sua docência passou por um período de adaptação, em que trabalhou somente dois esportes devido às condições climáticas. Com o decorrer de sua trajetória “por causa da participação em torneios então eles [esportes] continuam dentro, como um dos conteúdos”, ao justificar sobre seus critérios adotados. E atualmente, trabalha com uma proposta diferenciada onde teve ajuda de um “colega [aluno de Pós-Graduação em Ciência do Movimento Humano]” e que com base em uma “conversa argumentada nós resolvemos então investir em alguns esportes”.
Nas falas dos professores percebemos que os principais motivos apontados para a utilização do esporte estão relacionados às condições materiais da escola e ao interesse dos alunos, bem como com suas vivências durante a formação inicial.
Assim, acreditamos que cabe aos professores, em início de carreira, transcender os conteúdos hegemônicos da Educação Física para além dos apresentados no curso de formação de professores, principalmente, quando esta área de conhecimentos específica trata da cultura do sujeito que se movimenta. Para tanto, a seleção do conteúdo esporte para as aulas de Educação Física, segundo Kunz (1994), como conteúdo hegemônico impede o desenvolvimento de objetivos mais amplos para a Educação Física, tais como o sentido expressivo, criativo e comunicativo.
Os esportes trabalhados
No momento em que se elabora um plano de trabalho, traçam-se os objetivos específicos da disciplina, os quais devem estar de acordo com os objetivos que a escola quer alcançar na formação de seus alunos, a metodologia de ensino e os conteúdos a serem desenvolvidos naquele espaço de tempo determinado. No caso dos conteúdos escolares o(s) professor(es) devem explorar sim o que o aluno já conhece, mas não pode somente permanecer nessa possibilidade (rica embora restrita), de práticas corporais, nem mesmo distanciá-las de maneira que o aluno não entenda qual o significado do que se está aprendendo. O que o aluno sabe, deve ser reconhecido como ponto de partida, para que, a partir dela se amplie as experiências e o conhecimento sobre a cultura corporal de movimento, bem como, proporcionar ao aluno uma compreensão contextualizada, estimulando-o a desenvolver um olhar crítico para esses elementos.
A escolha dos conteúdos da Educação Física escolar, neste estudo especificamente sobre os esportes que vem sendo trabalhados ao longo da trajetória docente, verificamos que os professores P1 e P2 mencionam o futebol e o voleibol como os esportes mais trabalhados no início da docência. Além desses esportes o professor P2 aponta “o atletismo como uma opção pela falta de material apesar do espaço ser restrito”. O professor P3 relata que os esportes mais utilizados eram “o futebol e o handebol e só tinha um terreno grande para trabalhar o futebol então sempre negociava com os alunos vamos fazer o futebol se a gente trabalhar o handebol também”.
Com o decorrer de suas trajetórias profissionais, os professores foram incluindo mais modalidades esportivas em suas práticas, como aponta o professor P2, utilizou além dos acima citados “handebol [pela campanha nas olimpíadas] e atletismo - longa distância, rústica, iniciação da velocidade, [...] trabalhava saída, revezamento, salto em altura e em distância”, assim como o professor P3 afirma que também incrementou o “atletismo, [...] correr, saltar e lançar”.
Nas práticas desenvolvidas atualmente, percebemos que as modalidades hegemônicas permanecem como conteúdo principal das práticas dos professores, e como menciona o professor P2 a finalidade principal do ensino dos esportes é que “a aula seja prazerosa”, justificando que “os alunos gostam e desenvolvem habilidades dentro disso com gosto”.
Segundo Kunz (2001) pela encenação pedagógica do esporte os alunos não sejam considerados meros apresentadores de uma atividade esportiva, de um esporte já consolidado enquanto realidade socialmente construída, mas descobridores, inclusive inventores de atividades nos diferentes contextos/instâncias significativos.
A transcendência do esporte enquanto conteúdo da Educação Física se faz a partir do conhecimento vivenciado do aluno para o processo de (re)construção que deve ser desencadeado/mediado pelo professor. Que se propõem em desconstruir os estereótipos que a indústria cultural incide sobre o esporte de alto rendimento, principalmente, de cunho econômico, ao vincular o consumo exacerbado dos instrumentos utilizados nas modalidades esportivas, implícitos na sociedade.
Ao longo da trajetória docente o professor vai se formando através de conflitos, dúvidas, crises e ao mesmo tempo vai construído saberes de sua prática, os quais são provenientes de seu percurso escolar, percurso acadêmico e profissional. A formação deve se constituir uma constante busca na reflexão de seu espaço de intervenção na escola, junto aos alunos, especialmente que a Educação Física, não se reduza ao esporte vindo de fora da escola que um determinado grupo normatizou com objetivos próprios, mas que ao se apropriarem ele se torne reconhecidamente dos alunos, da escola, da comunidade. Assim, deve ser preconizada na formação dos professores que também desenvolvam um olhar crítico sobre os conteúdos de seu processo formativo, bem como que lhes possibilite resignificar suas ações e concepções através da construção de seus saberes experienciais.
Os objetivos da utilização dos esportes
De acordo com Libâneo (1994) a elaboração dos objetivos pressupõe, da parte do professor, uma avaliação crítica das referencias que utiliza, balizada pelas suas ações em face dos determinantes sócio-políticos da prática educativa. Assim, o professor precisa saber avaliar a pertinência dos objetivos e conteúdos propostos pelo sistema escolar oficial, verificando em que medida atende as exigências de democratização política e social, deve, também, saber compatibilizar os conteúdos com as necessidades, aspirações, expectativas da clientela escolar, bem como torná-los exeqüíveis às condições sócio-culturais e de aprendizagem dos alunos.
Para o professor P1, o objetivo da utilização dos esportes como conteúdo de suas práticas educativas no começo da docência era a “socialização e que eles [alunos] vão para o segundo grau [ensino médio] com os fundamentos e regras já dominadas”, no decorrer de sua docência ele afirma que é “bem tradicional e assumo. Aprendem ou por bem ou por mal, mas aprendem!”, pois se não for assim, “o aluno que não aprende, [...] vai se encostar a uma parede ou pedir um atestado médico ou vai odiar Educação Física”.
Para os professores P2 e P3, desde o começo da docência até hoje o objetivo principal é que os alunos conhecessem outros esportes, outra realidade e romper com a barreira [do aluno querer só o futebol]. Como afirma o professor P2, “o objetivo principal é a integração dos alunos e fui acrescentando aos pouquinhos outros esportes”, nesse mesmo sentido o professor P3 comenta que serve para os alunos entenderem que “existem outros esportes além daquela bola de futebol que eles tanto gostam”.
O professor P3 salienta também que na sua prática, o ensino dos esportes faz com que os alunos possam vivenciar “uma gama de possibilidades e saberem que além de existir de uma forma oficial existe essa forma adaptada”, apresentando uma visão diferenciada, como ele exemplifica, “na quarta série a proposta era a construção de jogos e fazer relações com os jogos oficiais” e comenta que nessa etapa “envolvia toda a parte básica, saltar, correr e arremessar”.
Acreditamos que os objetivos das aulas de Educação Física devem ir além de apenas levar o aluno a ter contato com diferentes conteúdos, mas devem ser desenvolvidas habilidades e competências que o permitam questionar os mesmos, e questionar-se sobre o conhecimento que estão construindo, assim como sua relevância enquanto constituinte da cultura escolar. Da mesma forma, acreditamos que através dos conteúdos o professor deverá buscar desenvolver a autonomia dos alunos, a capacidade reflexiva destes, a criticidade e a criatividade permitindo-os desenvolver todas as suas potencialidades de acordo com o contexto onde vivem.
Sendo assim, a importância de ter objetivos de ensino claros é fundamental para qualquer prática, pois como nos aponta Canfield (1996) o objetivo é a essência da Educação Física. Se ele não existir, o que estaremos fazendo? Em que embasaremos nossa prática pedagógica? Como poderemos fazer o planejamento desta prática se o objetivo, que é o seu ponto central, não existe?
O planejamento dos objetivos de ensino forma a base de sustentação para a componente curricular Educação Física se reconhecer enquanto integrante do entrecruzamento de saberes do ambiente educacional.
Para Libâneo (1994) os objetivos têm pelo menos três referências para a sua formulação: (a) os valores e ideais proclamados na legislação educacional, (b) os conteúdos básicos das ciências, e (c) as necessidades e expectativas de formação cultural exigida pela população majoritária da sociedade. O autor destaca que essas três referências não podem ser tomadas isoladamente, pois estão interligadas e sujeitas a contradições.
A escola tem sentido de existência quanto conhece a comunidade onde está inserida, ou seja, quando conhece onde e em que condições habitam os seus alunos, o que fazem e que relações estabelecem no cotidiano, na busca de significar os saberes escolares em objetivos de ensino para a compreensão das relações/representações sociais na contemporaneidade.
O destaque do conteúdo esportes sobre os demais conteúdos
O que faz um conteúdo escolar sobrepor-se aos demais? Acreditamos que isso seja uma construção sócio-cultural. A história da Educação Física e o forte apelo midiático têm colaborado na sustentação do esporte como primordial, sobre outras práticas da cultura do movimento humano. Na opinião dos professores entrevistados o esporte destaca-se como conteúdo central das aulas de Educação Física por diferentes motivos. Para o professor P1 essa questão justifica-se também pela visão dos alunos, pois, a “Educação Física que não tem bola não é aula”, sua aula é subdivida em “aquecimento, fundamentos e no final o jogo, com a aplicação dos fundamentos” e acrescenta que quando os alunos passam a ter aula com o professor especializado, então “tenho que trabalhar os fundamentos, mas não trabalhar fundamentos dentro do jogo porque não se obtém resultados”.
Para o professor P2 a ênfase dos esportes como conteúdo se deu “pela minha formação na faculdade, mas era mais para o rendimento” e, além disso, corroborando com a fala do professor P1, “o aluno vem para a aula de Educação Física para jogar bola, ele gosta e quer mais, [...] o interesse é para manter o gosto deles”. No entanto, o professor P3 faz a seguinte afirmação: “quando saí da universidade tinha diversos materiais, chega numa escola com praticamente nada para trabalhar” e acrescenta que “esperava encontrar algum conteúdo programado na escola”. Então, em função da decadência de material e “sabendo que a Educação Física estava desacreditada, parti do futebol para conquistar os alunos porque disso sabia que eles gostavam”, sendo assim, o esporte ganha destaque “pela participação que eles [alunos] tiveram e gostavam de participar”.
Segundo Rech et al. (2001), os desportos coletivos são utilizados em larga escala como conteúdos didáticos pela escola para um aprimoramento, tanto das qualidades físicas, como das relações sociais entre os indivíduos. Concordamos com o autor, sobre essa possibilidade, contudo, acreditamos que os cuidados devem estar direcionados para que essa utilização não tenha como foco principal o caráter técnico e mecânico do gesto esportivo, destituindo a sua prática de sentido e significados compartilhados e criados pelo grupo de alunos e professor com uma mesma intencionalidade para sua prática, isto é, que ele adquira uma função educativa.
Segundo Oliveira (1994) existe uma subjetividade na escolha de conteúdos por parte de quem planeja, que por sua vez, sobrepõe-se às necessidades e possibilidades dos alunos. Já Libâneo (1994) esclarece que na escolha dos conteúdos de ensino, deve-se levar em conta não só a herança cultural manifestada nos conhecimentos e habilidades, mas também a experiência da prática social vivida no presente pelos alunos, isto é, nos problemas e desafios existentes no contexto em que vivem.
Não se trata, portanto, de desconsiderar o esporte como conteúdo escolar, porém é necessário um outro olhar, que envolva tanto questões técnico/táticas do esporte, sua presença na cultura, a soberania de poucos esportes e a dificuldade de expansão e de conhecimento de outros, as relações econômicas que determinam investimentos, os valores sociais produzidos pelo esporte, etc. Sendo assim, é necessário reconhecer o esporte “como uma prática social, resultado de uma construção histórica que, dada a significância com que marca a sua presença no mundo contemporâneo, caracteriza-se como um de seus mais relevantes fenômenos socioculturais” (CASTELLANI FILHO, 1993, p.13), contudo não é o único.
Os métodos de ensino dos esportes
Os métodos de ensino tratam-se da forma como os professores irão trabalhar os diversos conteúdos a fim de atingirem os seus objetivos de ensino (LIBÂNEO, 1994). É importante ressaltar o caráter dinâmico que deve-se pensar os métodos de ensino, uma vez que, devemos levar em consideração todo o contexto histórico-cultural onde desenvolve-se o processo de ensino e aprendizagem que requer diferentes estratégias e procedimentos metodológicos diferenciados para atender as necessidades dos sujeitos.
Sendo assim, os métodos de ensino estão estreitamente relacionados com o conteúdo que se quer desenvolver, implicando uma visão do conteúdo nas suas propriedades e nas relações com outros objetos e fenômenos e sob vários ângulos, especialmente na sua implicação com a prática social (LIBÂNEO, 1994).
Para o ensino dos esportes em âmbito escolar o método desenvolve um papel muito importante, pois pode ou não possibilitar o entendimento do mesmo como uma prática social, carregada de sentidos e significados inserido em um contexto mais amplo, ou apenas servir para propagar a reprodução social.
Na prática pedagógica dos professores entrevistados os métodos de ensino dos esportes utilizados, pouco modificaram durante a sua trajetória docente. O professor P1 fala que utiliza-se do método “demonstrativo explicativo” desde o início de sua docência, “[...] primeiro faço movimento sem a bola, depois com a bola, eles [alunos] fazem individual vou corrigindo, [...] faço eles repetirem”, além de afirmar ter incluído também a “resolução de problemas” com método de ensino.
O professor P2 relata que utiliza-se “do método essencialmente demonstrativo explicativo”, porque “não tinha outra coisa [recursos], [...] ocorreu em função dos conhecimentos advindos da universidade”. No decorrer de suas práticas comenta que passou a utilizar “outros tipos de materiais, o vídeo, palestras, dependendo da situação se for mais avançado trazer alguém de fora, [...] método a gente procura mudar de várias maneiras para que eles [alunos] possam aprender melhor”.
Já o professor P3 afirma que “partia do global, os dois primeiros anos de trabalho” justificando sua escolha “talvez por inexperiência” ou mesmo por ter saído “[...] da universidade com esse método assim mais aguçado”. Durante sua atuação ele afirma que passou a trabalhar com “essa questão demonstrativa no individual e [...] procuro tentar todas as formas” para que os alunos aprendam, com uma metodologia “global, partindo dos jogos”, pois observa nos alunos “[...] a desmotivação de ter que fazer os fundamentos [...]”.
As falas dos professores confirmam o que encontramos na literatura com relação aos métodos mais utilizados na Educação Física escolar, o método da demonstração, da resolução de problemas e os métodos global e parcial (OLIVEIRA, 1998). Muitos argumentos são utilizados a favor dos diversos métodos, mas nenhum deles é efetivamente o melhor e o mais eficaz para todas as destrezas motoras e competências que os alunos devem desenvolver, sendo que a capacidade do aluno interfere no sucesso ou não de algum método.
No entanto, ao falarem da utilização do método demonstrativo explicativo, podemos deduzir que os professores entendem o ensino dos esportes como ele apresenta-se na sociedade, instucionalizados/normatizados, pois apresentam ao aluno formas de movimento e de execução de tarefas que limitam a capacidade criativa dos alunos, constituindo como reprodutores de conhecimento e não construtores, prática esta, possivelmente semelhante a que vivenciaram durante o seu curso de formação inicial.
A avaliação em relação ao conteúdo esportes
A avaliação constitui-se num fator relevante sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas, uma vez que, expressam as crenças, valores, atribuídos pelos professores diante das concepções que norteiam as suas práticas e da metodologia que se utilizam. Segundo Sacristán (2000), a avaliação pode ser definida como um julgamento por parte dos professores que pressupõe uma tomada de decisões, apoiada em diferentes evidências e indícios que servirão de base para suas práticas futuras.
Sendo assim, a metodologia de ensino adotada pelo professor é determinante, em grande parte, das evidências e indícios selecionados por ele como relevantes para emitir um julgamento dos alunos. Porém, ao pensarmos em como a avaliação se concretiza sempre surgem dúvidas como: o que avaliar nos alunos? Quais os critérios adotados para avaliar? De que forma essa avaliação irá ajudar no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem?
Devemos atentar para a relação entre objetivos e avaliação; avaliar se os objetivos traçados foram alcançados tanto em nível de ensino (aula) quanto em nível de escola, é claro que sempre os objetivos planejados são alcançados, na maioria das vezes, no confronto com o momento da aula é necessário modificá-los para contemplar o que é significativo acerca da aula. Normalmente nas escolas, dá-se mais importância ao par, conteúdos/metodologia, que por muitas vezes acaba por desarticular/desnortear dos objetivos que o grupo escolar estabeleceu como eixo norteador do trabalho pedagógico (FREITAS, 1995).
Reportando-nos aos professores entrevistados e as formas de avaliar seus alunos ao desenvolverem o conteúdo esporte nas aulas, verificamos que a prática da avaliação durante os diferentes momentos de sua trajetória proporciona uma aprendizagem aos professores, na medida em que, modificam ou incluem novos critérios a serem avaliados nas suas aulas.
Durante a trajetória do professor P1, percebemos que os critérios de avaliação pouco se alteraram, pois no começo de sua docência ele afirma que a avaliação estava concentrada sobre a “[...] prova prática”, e na sua docência atual realiza a “avaliação diária, através da freqüência e da participação”. A partir desses procedimentos avaliativos, acreditamos que estão sendo desconsiderados inúmeros aspectos importantes para a aprendizagem dos alunos, considerando que a avaliação inclua várias estratégias que perpassam conforme Betti; Zuliani (2002) os domínios cognitivo, afetivo ou emocional, social e motor.
No caso do professo P2, identificamos uma avaliação mais abrangente, com mais estratégias sendo incluídas no decorrer de sua carreira. No início da docência ele comenta que a avaliação das práticas de esportes pelos, segundo sua aprendizagem, “[...] deveria se pela execução do trabalho do aluno, [...] o interesse, a participação”. No decorrer de sua docência ele menciona que incluiu outros aspectos na avaliação “[...] qualitativas e quantitativas desde o exercício até a participação e o interesse [...]”, enfatizando atualmente, “uma maneira qualitativa participação responsabilidade com o vestuário, respeito com os colegas [...] e também fazer uma pratica de um exercício [...] e auto-avaliação”.
Verificamos assim que as formas de avaliação envolvem alguns critérios comentados por Betti; Zuliani (2002) como os domínios citados anteriormente e vão mais além, incluindo a qualidade dos movimentos e as habilidades motoras básicas.
No entanto, na forma de avaliação do professor P3 encontramos um critério bastante significativo que ele foi incorporando durante a sua trajetória, a reflexão. No início de sua docência este professor comenta que sua avaliação estava pautada na “[...] participação, eu consegui conquistar vários alunos que não praticavam não faziam nada outra metade da avaliação era a questão do desafio”. No decorrer de sua trajetória esse processo passou a envolver “[...] o aluno saber construir jogos, o aluno saber registrar esses jogos, o aluno saber demonstrar para o grande grupo, outro grupo de colegas, para seus professores ou pais que vem até as escolas”, salientando que atualmente “Não avalio só a parte física, só o corpo esquecendo a parte da reflexão continuo com os critérios acho que estou abrangendo bem mais que o corpo antes como eu avaliava se participaram ou não eu não tinha muitos argumentos [...]”. Identificamos a ampliação da compreensão do professor P3 durante sua trajetória, pois como afirma Haydt (1994) a avaliação é um processo contínuo e sistemático, devendo assim ser constante e planejada, ocorrendo normalmente ao longo de todo o processo ensino-aprendizagem, para reorientá-lo e aperfeiçoá-lo.
Para finalizar, consideramos que a avaliação tem sim que envolver os critérios mencionados pelos professores, mas que a reflexão constitui-se num processo significativo, na medida em que, conforme nos aponta Betti; Zuliani (2002), ela “[...] serve para problematizar a ação pedagógica, reorientar o processo de ensino e facilitar a auto-avaliação do professor”, no seu desenvolvimento profissional e na importância que tem para o aluno no sentido de situá-lo no seu progresso e as exigências institucionais e culturais.
Considerações finais
Os achados dessa investigação nos levam a refletir sobre duas questões amplamente difundidas na Educação Física Escolar. A primeira delas, diz respeito às ações dos professores, na maioria das vezes, estarem intimamente relacionadas com as perspectivas orientadoras de sua formação inicial, ou seja, de um currículo técnico-esportivo que privilegia o desenvolvimento das capacidades e habilidades esportivas centradas na execução mecânica dos movimentos. Sendo assim, concordamos com Kunz (2004) ao afirmar que esta imagem do esporte e das aulas de Educação Física é conseqüência da própria biografia esportiva dos professores, mas principalmente, pela própria formação profissional.
Contudo, há que se fazerem algumas ressalvas com relação ao desenvolvimento profissional desses professores, o que, no caso dos professores P2 e P3, os levaram a resignificar de alguma forma as práticas educativas que vem desenvolvendo ao longo de sua trajetória profissional de aproximadamente quinze anos. Com isso, percebemos que eles possuem uma visão diferenciada, em alguns aspectos, com relação as suas primeiras atuações, o que nos aponta que os mesmos possuem uma abertura ao diálogo e buscam por novas aprendizagens, tomando como necessidade primordial para o exercício da docência o seu desenvolvimento como pessoa e como profissional no intuito de superar as incertezas, a imprevisibilidade e as frustrações permeadas na profissão docente.
E, a segunda questão diz respeito a hegemonia dos conteúdos esportivos nas aulas de Educação Física, contribuindo significativamente com as deficiências apontadas por Kunz (2004) presentes na área. Sendo elas: a falta de uma orientação pedagógico-educacional; a desconsideração do mundo vivido e do mundo de movimento dos sujeitos e; a falta de planejamento prévio para a transmissão de um limitado repertório de movimentos e jogos, concentrando suas atividades na especialização para um mínimo de modalidades esportivas.
Ao realizamos críticas com relação a este conteúdo da Educação Física enfatizamos que não desconsideramos a importância desse conhecimento, construído historicamente como elemento da cultura dos sujeitos, mas sim, queremos reafirmar que, para ele ter um valor educativo e contribuir com a formação dos sujeitos emancipados, deve ser tratado pedagogicamente, como nos aponta Bracht (2000), “a negação do esporte não vai no sentido de aboli-lo ou fazê-lo desaparecer ou então, negá-lo como conteúdo das aulas de Educação Física. Ao contrário, se pretendemos modificá-lo é preciso exatamente o oposto, é preciso tratá-lo pedagogicamente”.
Referências
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digital · Año 13 · N° 123 | Buenos Aires,
Agosto de 2008 |