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A linguagem corporal no processo educativo estético do idoso

 

Mestre em Educação (UPF)

Especialista em Atividade Física e Qualidade de Vida (UPF)

Docente do curso de Educação Física da ULBRA - Campus Carazinho

Patricia Carlesso Marcelino Siqueira

patriciasiqueira@wavetec.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O objetivo do estudo foi investigar a significação da linguagem corporal no processo educativo estético de idosos com idades entre 60 e 75 anos participantes da oficina Educação Estética e Linguagem Corporal da Universidade Luterana do Brasil, Campus Carazinho, a qual faz parte da ULBRATI, bem como suas possíveis transformações no desenvolvimento pessoal e educacional, a partir de vivências de expressão corporal, utilizando-se como estratégias textuais o gesto e o som. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica, o que possibilitou compreender os significados atribuídos pelos participantes às suas experiências e vivências no campo da educação estética, bem como a cultura estabelecida na referida oficina. As informações coletadas durante a realização das vivências e registradas em diário de campo, somadas às obtidas em entrevistas pela pesquisadora, permitem apontar as significações das vivências. De acordo com os relatos dos entrevistados e suas vivências da oficina, três essências emergiram no estudo: o corpo e sua linguagem, paradigmas corporais impostos a partir de uma e educação formal/ informal de caráter repressor , melhora das relações pessoais e inter-pessoais. Com base nessas essências, o estudo conclui que o trabalho vivenciado envolvendo a linguagem corporal com os idosos contribuiu significativamente para o auto-conhecimento e para uma educação do sensível, pressupondo o saber de si mesmo, através de possibilidades que podem ser compartilhadas em múltiplos espaços e contextos.

          Unitermos: Educação. Corporeidade. Idoso.

 

Abstract

          This study is about the following question, "What is the meaning of the corporal expression in the Aesthetic Educative Practice for the old people who attend, weekly, the Aesthetic Educational and Corporal Language Workshop?" Starting from this question, the objective is to investigate the corporal language meaning in the aesthetic educational process of old persons, whose ages vary between 60 and 75. They participate in a workshop sponsored by the Universidade Luterana do Brasil, Campus Carazinho, which is one of the activities of ULBRATI (Third Age Activities of ULBRA), as well as their possible changes in the educational and personal development that began from the livings of the corporal expression, taking as textual strategies the gestures and the sound. There are more goals, as the ones related to the search of the Aesthetic Educational basis; to describe and to observe the day-by-day of the workshop members and analyse it, trying to understand the way this living interfers in the interpersonal relations and the quality of life. This is a qualified research, with an etnographic approach that makes possible to understand the participants' given meanings to their experiences in the Aesthetic Education, as well as the foundations of the culture in the studied area. The information were collected along the workshops and written down  on a diary. After the end of this moments works, the six participants who were the most present in the workshops were selected for an interview. The information were collected based on the phenomenological method created by Giorgi (1985) and Comiotto (1992). They propose the following steps: a) the meaning as a whole; b) the units of the meaning; c) the changes of the meaningful units in the psy choeducational language; d) the synthesis of the meaning structures; e) the phenomenological dimensions. According to the intervieweds' reports and their workshop livings, three important points are showed: the body and its language; corporal paradigms and aesthetic education, and the personal and interpersonal relations. Based on these points, it is possible to notice that the work which was experimented by the corporal language with the old people had contributed a lot for their self-knowledge and for their sensitive education, getting the self knowledge through the possibilities that can be shared in the multiple spaces and contexts.

          Keywords: Education. Embodiment. Old person.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 123 - Agosto de 2008

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Introdução

    O presente estudo foi motivado pela experiência da expressão corporal, do gesto e do som e vinculou-se à idéia de (re)construir novas percepções e abordagens acerca da linguagem corporal e da educação estética junto a um grupo de convivência de idosos. É também fruto de minha prática como educadora, preocupada não somente com a transmissão de conteúdos e atividades físicas, mas, fundamentalmente, com o ser humano e sua interação com as relações interpessoais.

    Ao longo da história da humanidade, o ser humano vem representando seus sentimentos, preocupações e desejos por meio de linguagens, manifestações e expressões corporais. A linguagem do movimento e o movimento da linguagem interagem numa profunda relação, dando lugar a novas significações. Não é esse apenas um jogo de palavras, pois o sentido de um está diretamente implicado no do outro.

    Foi por essas razões que, inserida no contexto educacional, busquei novos caminhos, que complementassem o trabalho em educação por meio do movimento. Entendo que um trabalho no qual o gesto o som são o ponto fundamental do processo educativo estético, para abrir horizontes simbólicos e ampliar possibilidades de comunicação dos sujeitos. Assim, ao conhecerem e compreenderem o contexto a sua volta, eles podem se reconhecer como parte dele, trazendo o poder criador das experiências, que traduzem suas próprias expressões e levam-nos à perspectiva relacional de diálogo e de troca.

    A inclusão do idoso por meio de seu corpo com o mundo exterior é imprescindível para a destituição das representações pejorativas como por exemplo: “os velhos são feios, chatos, desagradáveis, ranzinzas, inúteis...”que se perpetuam de uma maneira muito preconceituosa pela sociedade e pelos meios de comunicação. O corpo é a dimensão fundamental do ser humano porque materializa a sua existência, dilacerando-o no tempo e no espaço e inserindo-se no quadro da vida cotidiana. O corpo é a única possibilidade que temos de nos experimentar como seres humanos, tecendo nossa própria existência num emaranhado de relações. Nesse sentido, a noção de corporeidade coloca-se como mais abrangente para definir a unidade mente-corpo que os termos “consciência de corpo” ou “consciência corporal”, tendo em vista, inclusive, a discussão científica e filosófica contemporânea, ainda sem respostas conclusivas, sobre a natureza da consciência, seus limites e abrangência.

    A educação estética contemporânea vem propondo esse novo enfoque do conhecimento sensível trazido pela fenomenologia, na qual o fenômeno estético é valorizado pelos efeitos que produz no humano e se consideram reações físicas e psíquicas como uma totalidade. A linguagem corporal é o reflexo externo do estado emocional do ser humano; portanto, cada gesto ou movimento pode ser uma valiosa fonte de informações sobre a emoção e o tipo de cultura que a pessoa possui num determinado momento.

    O segredo da leitura corporal, segundo Haas e Garcia (2001), está na capacidade de captar o estado emocional de uma pessoa observando seus gestos e atitudes. Nesse sentido, a dança, como forma de comunicação, relaciona-se a alguns aspectos, como a comunicação do ser humano consigo mesmo (nível individual), com os outros (nível interpessoal), com seu ambiente (nível de seu habitual), ser humano para com a sociedade (em nível grupal, regional e universal) e com o divino (nível religioso). A cultura de movimento pode se desenvolver no espaço e no tempo, codificando as mensagens que são projetadas exteriormente e internamente, transmitindo emoções, anseios e expectativas vivenciadas nesse momento.

    Por meio da linguagem corporal podemos expressar e descobrir algo novo, percebendo as formas significativas de expressão do ser humano:

    Levar a conhecer é educar e este processo de aprendizagem, que compreende a dialética entre o sentir e o simbolizar, é que fundamenta a Educação. Ao conhecer o mundo, o ser humano aprende pela emoção e pela percepção: A partir das significações por ele atribuídas, encontra um sentido para a sua existência no mundo, de maneira harmônica entre o sentir, o pensar e o fazer (DUARTE JÚNIOR, 2006,p.24).

    Este estudo foi desenvolvido durante a oficina de Educação Estética e Linguagem Corporal, da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Atividades para a Terceira Idade (ULBRATI), Campus ULBRA, Carazinho (RS), totalizando oito encontros, envolvendo aproximadamente 15 idosos, com idades entre 60 e 75 anos. Todos os encontros aconteceram nas dependências do Campus ULBRA, Carazinho (RS), com duração de 120min, totalizando 16 horas/aula.

    A problemática e questões de estudo propostas foram: Qual o significado da expressão corporal na prática educativa estética para os idosos participantes da oficina de Educação Estética e Linguagem Corporal? Quais as sensações e expressões que se faziam ocultas e que passaram a aflorar durante as vivências da oficina? Qual a contribuição da educação estética para a construção de uma significação corporal e a qualidade de vida dos participantes do estudo?

    Os objetivos propostos foram: investigar a significação da linguagem corporal no processo educativo estético de idosos com idades entre 60 e 75 anos que participam da oficina de Educação Estética e Linguagem Corporal da ULBRATI; conhecer os fundamentos da educação estética; descrever e compreender de que maneira essas vivências sensíveis interferirem nas relações interpessoais dos participantes e na cultura de movimento estabelecida por ela.

    Inicialmente, mantive um contato com a coordenação da ULBRATI para verificar a possibilidade de ministrar a oficina, da Universidade Luterana do Brasil, a qual demonstrou interesse pelo projeto e autorizou sua realização. A seguir, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa para a emissão do parecer autorizando sua execução.

    Posteriormente, realizei um contato com os idosos da ULBRA Atividades para a Terceira Idade (ULBRATI), informando-os sobre todos os procedimentos que seriam desenvolvidos quanto da sua participação na oficina: objetivos gerais e específicos, preenchimento do termo de consentimento livre e esclarecido, metodologia, conteúdos abordados e os critérios para a realização das entrevistas ao final da pesquisa.

    Após a realização da oficina, selecionei seis idosos, utilizando como critério os que haviam participado com mais assiduidade da oficina, para serem entrevistados fenomenologicamente, o que me permitiu apontar as significações das referidas vivências. As informações coletadas foram compreendidas segundo o método fenomenológico proposto por Giorgi (1985):

O Sentido do todo

    Esta etapa se caracteriza pela leitura das entrevistas concedidas para a compreensão de sua linguagem até alcançar a compreensão do todo.

As unidades de significado

    Consiste na redução fenomenológica. As unidades emergirão da análise e da percepção das releituras e são numeradas em ordem crescente conforme o número de cada entrevista.

Transformação das unidades significativas em linguagem psicoeducativa

    Captar as mensagens, estas são interpretadas e se expressa o fenômeno explicitado pelos sujeitos por meio da linguagem psicoeducativa.

Síntese das estruturas de significado

    Nesta etapa procuramos intuir as essências expressas pelas falas, considerando-as como a criação de algo novo, as quais fusionam as percepções dos entrevistados e do pesquisador, dando ao texto um conteúdo diferente, identificando os aspectos realmente significativos, segundo uma visão totalizadora.

Dimensões fenomenológicas proposta por Comiotto (1992)

    Esta etapa visa encontrar as dimensões mais significativas do fenômeno, que vão aflorando ao longo do trabalho e que compõem as essências .

O idoso e o fenômeno do corpo em movimento

Novos sentidos, novos sabores,

Novas formas de se perceber inteiro

Afloramos nossas essências

Despertados pelo movimento corporal

    As essências fenomenológicas no estudo permitiram-nos visualizar as dimensões apontadas nas experiências dos idosos participantes da oficina sobre a cultura estabelecida, expressas nas falas durante as entrevistas.

    Neste passo, procuramos intuir as essências expressas pelas falas, considerando-as como a criação de algo novo, às quais se fusionam as percepções dos entrevistados e o olhar da pesquisadora, dando ao texto um conteúdo diferente, identificando os aspectos realmente significativos, dentro de uma visão totalizadora. Não é a fragmentação, mas a intuição do fenômeno que norteia o processo para capturar a essência do todo, tendo como alicerce principal a significação das vivências para os educandos. Assim, foi necessário uma síntese entre subjetividade e mundo. Essas dimensões foram originando as essências e formaram três grupos, conforme descrito na seqüência.

O corpo e sua linguagem

    Esta essência emergiu das considerações dos educandos que participaram da oficina. As vivências proporcionadas pela expressão corporal foram reconhecidas pelos educandos como momentos de aprendizado sobre si mesmos e para com os outros.

    A oficina de Educação Estética e Linguagem Corporal ofereceu aos participantes atividades e vivências de expressão corporal, com a improvisação e criação de movimentos e utilizando como estratégias textuais o gesto e som; proporcionou-lhes experiências sensibilizadoras, as quais os instigaram ao processo do pensar, gerando muitas vezes conflitos internos que afloraram em seus comentários, ao demonstrarem o desejo de continuarem uma na descoberta diária sobre si mesmos e seu corpo. Assim, surgem novas possibilidades para o desenvolvimento sensível, da sexualidade e da corporeidade.

    Além de todos os saberes que abarcam o processo educativo, estabeleceram-se trocas que favoreceram várias descobertas a partir das percepções, promovendo a viabilização de novos saberes e conhecimentos decorrentes do processo de envelhecer. A possibilidade de vivenciar experiências sensíveis e criadoras com verdadeiro interesse acontece, segundo Almeida,

    quando aos alunos é dado o direito de simplesmente experimentar, tatear, sentir o prazer de apenas explorar os materiais ou divagar entre idéias incipientes, sem o peso do compromisso de apresentar “para nota” um produto final da atividade quando os alunos realizam atividades capazes de despertar sentidos plenos para eles, e isso ocorre quando se identificam com a proposta de trabalho e se reconhecem como autores, quando constatam que podem criar algo novo por meio de sua ação. (2004, p. 19).

    Durante a entrevista Esmeralda comentou sobre as vivências da oficina: “Adorei dançar, criar os gestos, se movimentar. São coisas bem simples que a gente nunca tinha feito” .

    O gesto, o som e o movimento podem conduzir o idoso a novas experiências educacionais e cinestésicas. Para Duarte Júnior (2006), levar a conhecer é educar, e esse processo de aprendizagem que compreende a complementaridade entre o sentir e o simbolizar é o que fundamenta a educação.

    Para Quartzo Rosa, a experiência da oficina contribuiu para o seu desenvolvimento corporal e educacional. A entrevistada declarou que fora ótimo participar da oficina porque as pessoas da sua idade têm uma percepção diferente do que se pode dispor hoje e a oficina ajudou a melhorar isso.

    Ao conhecer, a pessoa aprende pela emoção e pela percepção, atribuindo significações que lhe são singulares, procurando um sentido para a sua existência no mundo, enquanto também se sente, se percebe. As vivências da oficina contribuíram para que as significações corporais e a cultura do movimento desses idosos aflorassem .

    A ludicidade cria imagens que constroem que criam uma fantástica reserva de emoções e razões que se abre para o mundo. A aprendizagem do brincar permanece para sempre em nossa mente, como fiéis companheiros que nos convidam a encarar os aspectos de ordem e desordem do mundo de modo a reorganizá-los; a perceber a realidade de forma menos determinista; a descrer da objetividade absoluta; a usufruir a criatividade e a sabedoria como aspectos interdependentes do humano. (BAGGIO; VIEIRA, 2004, p. 8).

    Temos uma necessidade interna de nos descobrirmos de vivenciar coisas novas. Nesse sentido, a cultura do movimento possibilita-nos diariamente novas descobertas de um saber sobre si-mesmo através do movimento, contribuindo para o nosso bem-estar e qualidade de vida, bem como para a melhora de nossas relações pessoais e interpessoais.

    Para Baggio e Vieira (2004, p. 8), um jogo, uma dança ou uma modalidade esportiva proporcionam conviver com a complexidade das relações, das disputas e da solidariedade, dos aspectos individuais e possibilitam o aprendizado da participação em equipe e as práticas de convivência.

Significação da linguagem corporal

    Pelo corpo pode-se atingir uma percepção global do ser humano. Pela linguagem corporal o ser humano ganha um meio extraordinário de comunicação e diálogo. Quando estamos inseridos num determinado grupo social, sentimo-nos acolhidos, valorizados, cuidados. O corpo, segundo Gonçalves (1994), constitui, tanto interior como exteriormente, o primeiro e mais importante ponto de referência e de relação; revela uma personalidade, uma cultura, uma educação e, por decorrência, um contexto social.

    A linguagem sustenta as práticas sociais que atravessam o cotidiano, gerando sentidos, produzindo significados:

    Expor os sentidos é lançar mão de inúmeras linguagens. Quando nos expressamos realizamos muitas ações com o corpo (linguagem corporal): a linguagem oral, argumentando, perguntando, justificando, acusando, produzindo um jogo de muitas linguagens. A linguagem é produtora de sentido, de significado. Ela cria o mundo. A linguagem corporal funciona como lócus de produção dos sentidos partilhados na cultura. A linguagem assegura formas específicas de autoridade, inserindo-as no circuito da cultura corporal. (SHWENGBER apud GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2006, p. 268-269).

    O corpo em movimento apresenta-se como uma necessidade à vida moderna dada a sua dinâmica total. Segundo Nanni (2003), constitui-se não só em meio de atender às necessidades vitais do homem como, também, às necessidades sociais, às referências individuais (percepção dos estados de tensão e relaxamento), da auto-imagem (pela consciência corporal), do autoconceito (na busca de sua identidade do “eu” existencial) e destas em relação à sociedade e dos diferentes tipos de comportamento e de estilos de vida, ou, ainda, nas inter e intra-relações pessoais que advêm da sociedade onde o homem se insere (noção de tempo e espaço em relação ao ambiente).

    Gennari (1997) exalta o gesto e o som como estratégias textuais que nos permitem roubar o mundo dos símbolos e revelar diretamente seus significados durante a experimentação dos significantes. E para Medrado (1996), a construção de uma nova identidade está alicerçada no desenvolvimento de uma vida social fora de casa, com amigos, instituições e com a família, o que contribui para a revisão da auto-imagem e da imagem corporal.

    Safira comentou: “Depois das aulas da oficina estou me sentindo mais solta, mais leve, presto mais a atenção no que o corpo sente.”

    De acordo com Ormezzano e Peliser (2006, p. 238), a inserção de idosas em espaços sociais carregados de atividades significativas move-as a pensar e a querer que essas atividades significativas tenham continuidade, porque as conduzem a encontros com novos e antigos contatos. Então, nada mais justo e digno que favorecer as idosas em sua integração sociocultural, de forma que melhorem a sua qualidade de vida, façam garantir seus direitos e assumam seu papéis de cidadãs.

    É maravilhoso ver como cada um difere na sua maneira de valorizar a linguagem corporal e desenvolve ritmos pessoais, tentando não só usar a memória auditiva, mas reconhecendo que o ritmo que desenvolvemos é uma busca diferente. Sobre isso Jade declarou:

    Eu não me sentia bem com o meu corpo, nem ligava pra ele, me achava feia, feiosa, não me sentia viva. Agora estou aprendendo com as aulas como me expressar e escutar o que o corpo da gente quer dizer, estou aprendendo a me gostar, a me sentir feliz todos os dias.

    Gadotti (1998) enfatiza que é necessário reafirmar seu papel como um projeto social dentro das instituições, não apenas voltada a uma minoria elitizada e privilegiada sobre diversos aspectos, refletindo numa atmosfera onde paixão e prazer sejam partes do despertar de uma educação física envolvida também com o processo, mas antes, com o ser humano. O autor enfatiza o compromisso da escola com as perspectivas de mudanças sociais.

    A cultura de movimento requer uma nova redimensão sobre si mesmo e sobre o contexto no qual nos inserimos, como percebeu Cirino:

    Aqui eu acho que todos se sentem bem nas aulas, queremos conhecer melhor o nosso corpo. Eu acho que não é possível ficar vivo e não estar de bem com o seu próprio corpo e com as pessoas que convivemos.

    O fator apontado por Citrino contribui significativamente para a expansão e o fortalecimento de redes de suporte social, o que evidencia a capacidade dos idosos de fazerem melhor uso das instituições e grupos de convivência que são organizados socialmente para atender a essa demanda e produzir novas ações significativas. Assim, o idoso pode ter uma melhor qualidade de vida, bem como novas possibilidades de se expressar e vivenciar seu corpo.

Expressar e vivenciar o próprio corpo

    O movimento é comunicação, e comunicar uma mensagem é utilizar uma linguagem, a linguagem corporal. O movimento é o instrumento dessa linguagem. Para enviar essa mensagem, não se requer nenhuma condição, nem idade, nem sexo... Todos os indivíduos aceitarão, com atenção e interesse, o gesto da comunicação corporal.

    Dançando eu sou eu mesma, esqueço do mundo, me sinto linda, leve e solta. Os gestos que fazemos me trazem liberdade, eu pareço que vou voar... (Esmeralda).

    Jade complementou que, quando o seu marido era vivo, não saía, só cuidava dos filhos. Contudo, agora estava se “sentindo um passarinho fora da gaiola, estou aprendendo a mexer o corpo, dançar se soltar e conviver com as outras pessoas”.

    O sentir o próprio corpo enquanto se dança é uma experiência única, individual. Cada pessoa vai sempre associar a linguagem corporal a suas experiências anteriores próprias, suas lembranças, sua cultura. Por isso, proporcionar o sentir por meio da dança é possibilitada uma educação do sensível. A dança aguça a criatividade do ser humano, a sensação de liberdade de expressar por meio do movimento, como também vislumbra o incentivo ao sentir, indispensável para a construção de um conhecimento significativo.

    Quando o movimento criativo nasce da verdade que cada indivíduo cultiva dentro de si, eis que a plasticidade e a beleza aparecem com toda a força e transcendem a realidade que vivemos imersos, apesar de nossos problemas e apesar de nossos limites. (CAMPO apud FUX, 2005, p. 12).

    A cultura de movimento constitui-se como saber elaborado por meio das sensações e das percepções de si mesmo e do mundo vivido, potencializado na corporeidade, com o propósito de favorecer vivências afetivas, intuitivas e criativas para que o corpo se amplie como uma totalidade.

    Nos seres humanos, a energia sexual, caracterizada como um fenômeno intracorporal, manifesta-se ora na individualidade, ora no ritmo envolvente que, de forma mais ou menos intensa, comandada a intimidade entre dois corpos. Mais tarde, as experiências sociais e o aperfeiçoamento afetivo-cognitivo vão qualificando a vivência da sexualidade também como um fenômeno intercorpóreo que se amplia e se aprofunda na vivência das relações interpessoais. (BENINCÁ; SILVA, 2007,
p. 47).

    Jade complementou: “Aprendi a viver com o meu corpo, a se soltar. Agora não tenho vergonha de mim, mesmo enquanto estou dançando, antes eu tinha vergonha até de caminhar na rua...”.

    Segundo Russo (2005), entendemos por imagem corporal a forma como o indivíduo se percebe e se sente em relação ao seu próprio corpo. Essa imagem remete, de algum modo, ao sentido das imagens corporais que circulam na comunidade e se constroem a partir de diversos relacionamentos que ali se estabelecem:

    A gente aprendeu com as danças, os gestos, que temos que ser autênticos, nos desprender dos nossos preconceitos, sentir e aceitar o corpo que temos, ter um contato afetivo, se tocar mais, ser mais carinhoso com os outros. Isso torna a convivência melhor. (Citrino).

    Portanto, em todo grupo existe uma imagem social do corpo, que é, portanto, um símbolo que provoca sentimentos de identificação ou rejeição dos sujeitos em relação a determinadas imagens. Assim, a dança é a libertação do corpo e de seus movimentos; ela retrata todas as experiências vitais da sociedade e dos seres humanos, levando-os à consciência de um ser-no-mundo; leva-o à capacidade criativa, elaborada a partir dos movimentos, objetivando a descoberta do elemento novo, estético e condutor da essência do que se deseja expressar.

    Morin (1997) observa que a realidade é feita de laços e interações e que não temos a capacidade de ter o conhecimento para perceber o complexus - aquilo que é tecido junto. Dançar é movimentar-se pelo espaço, é sentir o corpo livre, é comunicar-se consigo mesmo, é desfrutar, liberar-se. Convidar o corpo para dançar é se animar a quebrar preconceitos, medos e vergonhas. Safira comentou: “Fui me soltando, adorei a oficina, a gente dançou, cantou, gritou, berrou, se podia soltar o corpo e brincar. Foi ótimo!!! O que é que eu vou fazer nas férias?!”

    A dança, segundo Garcia e Hass (2002), é uma das manifestações que expressam os sentimentos mais profundos, tanto abstratos quanto concretos, um meio de expressão capaz de projetar no todo e no espaço as mais diversas potencialidades criativas do ser humano. Citrino complementou sobre as vivências percebidas no decorrer da oficina:

    Eu acho que nós melhoramos bastante, não sabemos dançar bem, mas só que a gente antes pensava como os outros estavam vendo isso, mas de repente a gente tem a sensação de que não deve valorizar isso e se dá conta que se deve ser livre e fazer o que está fazendo no momento e não se importar de repente, o que os outros vêm, o que dizem. Se a gente sabe se divertir, isso é o que é o mais importante.

    A oficina de educação estética e linguagem corporal contribuiu, sobremaneira, para a compreensão e significação de viver em harmonia com seu corpo e para (re)descobrir a sua corporeidade:

    Fui compreendendo que eu tenho que mudar, que tem que se gostar. As danças, eu adorei!!! Porque a gente se movimentou muito, fez gestos, se libertou, quando agora eu vou nas domingueiras , não me sinto dura pra dançar, mas quando a gente vai dançar com outra pessoa que não acompanha a gente e que não se solta, a gente pensa: tomara que essa música termine logo, que é pra mim achar outra pessoa que dance mais solta.Aprendi que tenho que ser feliz do meu jeito, com as pelanquinha e tudo(risos). (Jade).

    Acredita-se que, com a realização da oficina, várias significações permearam o processo que norteou a linguagem corporal e o processo educativo estético dos idosos, mas, em especial, a questão da aceitação corporal, a qual dimensionou um novo olhar sobre a vida e sobre si mesmo.

Corpo-objeto

    Esta essência explicitou-se pela forma como os idosos participantes declararam que percebiam o seu corpo durante as entrevistas, resultado de uma soma de narrativas e preconceitos estereotipados que foram introjetados interna e externamente ao longo de sua educação formal/informal, os quais reduzem o corpo a um mero objeto de consumo e mercado.

    Segundo Gaiarsa (1986), o corpo é exibido em cartazes, filmes e novelas; é a indústria do “olhe para mim”, que gerou um aumento no número de empresas, como as de cosméticos, academias de ginástica, roupas para mostrar o corpo, permitindo sua exibição, desde que vinculado à idéia de consumo, utilitarismo e eficiência. Complementa Russo que

    A indústria corporal através dos meios de comunicação encarrega-se de criar desejos e reforçar imagens, padronizando corpos. Corpos que se vêm fora de medidas, sentem-se cobrados e insatisfeitos. O reforço dado pela mídia em mostrar corpos atraentes faz com que parte de nossa sociedade se lance na busca de uma aparência física idealizada. (2005, p. 81).

    O corpo, na educação, tornou-se estilizado, com uma linguagem modelada e normatizada, sendo enfocado segundo uma visão paternalista, pela qual se permite um tempo para a primazia do verbal, da escrita e da gestualidade socializada. No entanto, emudecem-se os ritmos naturais, calando as mínimas manifestações e neutralizando o acesso às infinitas possibilidades.

    Haverá que se perceber de que maneira essa produção industrial de idéias intangíveis ajuda na deseducação sensível, afastando os indivíduos do contato crítico com a verdade das ruas e de si mesmos. É de se notar, pois, que o próprio corpo humano vem sendo hoje um objeto de intervenção de um mercado que visa a produzir padrões idealizados de saúde e beleza, a fim de que se consumam produtos e mercadorias, os quais, pretensamente, consistiriam no caminho para se atingir esse “corpo perfeito” incessantemente propalado. (DUARTE JÚNIOR, 2006, p. 19).

    Esse tipo de narrativa é muito comum na sociedade atual, onde os meios de comunicação de massa veiculam a idéia de um corpo magro, bonito, jovem, sarado, menosprezando os demais, visto que esse tipo de cultura corporal é meramente comercial, para que se possam vender produtos, serviços e intervenções cirúrgicas, jamais pensando no bem-estar total da pessoas. Como assina Russo (2005, p. 84), tais padrões de beleza se modificam em cada um. Assim, “durante longo tempo, mulher bonita tinha formas arredondadas, sendo fonte de inspiração para muitos pintores renascentistas.Um choque muito grande para os padrões do final do século XX e início do século XXI.”

    Citrino abordou em sua fala uma nova forma de pensar seu corpo:

    Minha barriga é grande, eu sei, mas a mulher não reclama! Tem gente que não se aceita, vive de regime pra ficar magro, nem come o que tem vontade... Eu acho que tem que se sentir bem, se a saúde está boa, pra que sofrer? O corpo tem que ser nosso aliado.

    Na cultura ocidental atual, o conceito de beleza, está associado a juventude, como se o belo fosse necessariamente igual a ser jovem. Talvez por isso nossa era viva batendo recordes em cirurgias de rejuvenescimentos e no consumo de medicamentos para emagrecer. O corpo atual, impregnado de valores de beleza ou de juventude, continua a ser marcado pelos signos tatuados num corpo que se transforma em objeto de consumo e cuidados em decorrência dos novos estilos da vida moderna, do estresse e das doenças.

    Se a imagem dominante valorizada socialmente for de uma pessoa magra, emagrecer será o ideal de todos; logo, aqueles que não conseguem chegar ao padrão desejado sofrem muito (RUSSO, 2005, p. 83). Esse processo tem um impacto negativo sobre a auto-imagem, principalmente das mulheres, que se sentem obrigadas a terem um corpo magro, atrativo, em forma e jovem. Como cita Becker Júnior. (2000), essa imagem corporal negativa pode determinar o aparecimento da baixa auto-estima e depressão, ou seja, sofrimento. Safira exclamou: “Quando eu tô gorda, eu não me sinto bem, parece que todo mundo tá me olhando e dizendo: ‘que gorda!’ Nem me olho no espelho, não me aceito de jeito nenhum...”.

    Discorrendo sobre a ditadura do corpo perfeito, alerta Russo:

    Nossos corpos são vitimados por políticas de saberes/poderes que nos identificam, classificam, recalcam, estigmatizam, enfim, formam e deformam as imagens que temos de nós mesmos e dos outros.desta forma, o ser humano vive o seu corpo não à sua maneira e vontade. Experimenta a todo momento uma aprovação social de sua conduta.O corpo tem que aprender a comportar-se conforme regras e técnicas estabelecidas pela sociedade e a beleza corporal também é definida por modelos estéticos padronizados comercialmente. (2005, p. 83).

    Benincá e Silva (2007, p. 154) registram que certamente, as mulheres ficam mais expostas do que os homens às exigências estéticas e aos padrões de beleza impingidos pela sociedade. Então, se os sinais corporais do envelhecimento forem supervalorizados, o constrangimento e a vergonha podem destruir a sensualidade feminina e, paulatinamente, o interesse pelo sexo com o companheiro.

    De acordo com Feijó (2005,p.103), cada personalidade é uma entidade única:

    Por mais que se focalize a unicidade de cada pessoa, a tendência da sociedade é a de encarar todo mundo como semelhante, senão idêntico. As instituições sociais preocupam-se com o processo de nivelar os indivíduos. E, muitas vezes, a sociedade chega até a punir aqueles que não escondem suas diferenças. A moda impinge o mesmo estilo de vestimenta e não se sensibiliza com o fato de que certos modelos e cores não se ajustem igualmente aos gordos ou aos mais altos. Os meios de comunicação descobriram como beneficiar-se dos preconceitos sociais das similitudes, insistindo em dedicar suas manchetes aos eventos das pessoas que fogem à norma, ao tradicional, ao habitual. É a instituição educacional, porém, a que mais formal e sistematicamente se ocupa do nivelamento social, ensinado currículos que priorizam a reprodução dos modelos tradicionais e adotando técnicas de avaliação das quais os educandos diferentes e criativos não são premiados .

    Essas narrativas baseiam-se em padrões impostos socialmente e que incorporam ao desejo de conquista de um corpo construído pelo imaginário, geralmente difícil de se obter. O valor próprio é um importante componente da personalidade. Pessoas com boa auto-estima tendem a ser alegres, ao passo que as com pouca auto-estima têm tendência a serem deprimidas, como declarou Safira: “Se eu engordo um pouco, já fico deprimida. Quando eu casei pesava 47 kg. Se eu sinto que eu engordo de uma semana pra outra, já entro em desespero”.

    Essa realidade remete ao eterno imperativo da condição humana: a atenção redobrada na contenção dos comportamentos e normas impostos pela sociedade e pelos meios de comunicação. Velho, feio e gordo são ainda características tidas como patológicas e anormais pela sociedade, em detrimento dos seus constituintes naturais mais primitivos.

Corpo em movimento: liberdade e soltura

    As vivências da oficina possibilitaram um novo despertar, ver o mundo segundo uma nova ótica, esquecendo os medos, a solidão, os sofrimentos; cedendo lugar à alegria; libertando o corpo das amarras que aprisionam o corpo, de uma educação imposta por narrativas e preconceitos estereotipados. Percebemos, assim, que é possível conhecer pelo movimento uma nova cultura, caracterizada pela liberdade e pela totalidade, possibilitando-nos ser livres, fazer novos amigos, amar-nos a nós mesmos.

    Quartzo Rosa comentou que na época em que era jovem a mulher não usava calças compridas e a saia era medida logo abaixo do joelho; até mesmo na escola costumava-se fazer as meninas e moças ajoelharem-se para medir a altura das suas saias. Segundo ela, isso ia inibindo a pessoa, pois só se faziam gestos e movimentos condicionados, sem liberdade. Agora, disse ela, “estamos descobrindo que o corpo pode ser livre, que pode se movimentar. Os meus movimentos foram se liberando depois disso.”

    Jade nos conta que, de início, aderiu à proposta de participar da oficina apenas para experimentar, pois estava se sentindo presa, deprimida, porém as atividades a ajudaram muito:

    Estou me sentindo bem. Apesar da idade, a gente tem que ver nossas limitações temos que nos adaptar aos nossos limites. Eu me sinto bem quando estou dançando, a gente se solta, me sinto melhor, estou mais inspirada... Antes eu me cuidava pra ver o que os outros iam pensar: “Não faça isso, faça aquilo.” Agora comecei a entender que eu sou dona de mim, estou de bem comigo mesma e com o corpo que eu tenho. Já sofri muito com isso, sou livre. Agora vou ser feliz e mandar no meu nariz.

    Uma educação imposta de maneira autoritária deixa marcas nas pessoas, aprisionando-as, por não poderem expressar o que sentem nem o que pensam, muito menos vivenciar o próprio corpo livremente.

    Esmeralda quer ser livre como um passarinho, quer se libertar dos paradigmas, das narrativas e das amarras que a aprisionaram em sua juventude; quer voar, se libertar, se soltar. Ela disse na entrevista:

    Você viu que eu me soltei?? Eu adorei!!!, Eu voei!!!! Se eu fosse maior, eu voava no meio de todo o mundo, de todos os colegas!!!! Gosto de ficar livre, dentro de uma sala dançando. Não gosto de dançar apertado, tem que ser longe, um pra lá e outro pra cá.

    É preciso aprimorar o “encontro de gente com gente”, como propõe Novaski (apud MORAIS, 1988), e fazer da aula uma verdadeira excursão, com toda a ambigüidade do termo. É esse o grande desafio pedagógico na educação, para que o aprender possa ser considerado uma troca de vivências; sem o apreço à liberdade e sem a valorização do indivíduo, a educação é uma opressão, que gera conflitos internos e externos.

    É necessário que surja, como essencial, uma forma de amizade a distância, uma vez que a excessiva proximidade e intimidade geram uma desconexão do eu com o outro (e vice-versa). Assim, o corpo produz a condição de possibilidade de sua inscrição no mundo. É nessa atitude distanciada do corpo que se promove uma dança cheia de luzes e cores e se percebem a alteridade e a singularidade do outro. Como refere Béjart (2001, p. 8). “a dança é uma das raras atividades humanas em que o ser humano se encontra totalmente engajado: corpo, espírito e coração”.

    Para Ortega (2000, p. 84), amar e vivenciar o corpo constitui forma de ser com o outro que não visa à fusão, à excessiva intimidade e à sua incorporação autropofágica, mas que respeita sua singularidade, a pluralidade, como condição de possibilidade de um mundo compartilhado e livre. Vivenciar o próprio corpo é dar à vida um significado diferente, pois todos nós somos únicos, singulares. Agora, o ser humano necessita aprender a valorizar seu corpo como totalidade.

Valorização do corpo como totalidade

    A auto-estima pode ser vista como uma conseqüência, um produto de atitudes geradas internamente, porque não se pode manipular de forma direta a própria auto-estima nem a do outro, especialmente no que se refere às questões corporais. Jade nos relatou:

    Às vezes eu não me sentia valorizada, me sentia inútil. Agora, com os exercícios, eu aprendi muita coisa, que não precisa ter vergonha da gente mesmo. A gente pode ser feliz com o que nós temos. Eu não sinto vergonha agora, eu tô me soltando. Às vezes vou nas domingueiras e me divirto muito, danço do meu jeito e tudo bem.... com as pelanquinha e tudo!!!(risos).

    A auto-estima é considerada por Becker Júnior (2000) um construto multidimensional, ou seja, a pessoa pode ter diferentes avaliações ou percepções de si mesma em vários aspectos de sua vida. Complementa Morais (1988) que “desencadear conflitos pelo convite e não pela invasão, seduzindo pela aproximação afetiva, posto que, com seu corpo, com as suas emoções, com o seu pensamento, o homem descobre seus valores e afirma sua capacidade de transcendência”

    A auto-estima consiste numa competência em vários domínios que se diferenciam na medida em que o sujeito aumenta de idade, ou seja, considerar a auto-estima com o multidimensional significa compreendê-la como parte de um conjunto de várias subclasses de perfis, cada uma capaz de avaliar a autopercepção do sujeito num determinado domínio. A auto-estima seria uma dessas subclasses.

    A questão do corpo é retomada por Merleau-Ponty (2006) em sua obra Fenomenologia da percepção, onde o corpo é relacionado à perspectiva de consciência. O filósofo apresenta uma visão de corpo diferente da tradição cartesiana: nem coisa, nem idéia; o corpo está associado à motricidade, à percepção, à sexualidade, à linguagem, à experiência vivida, à poesia, ao sensível e ao invisível, apresentando-se como um fenômeno complexo. O corpo não se traduz na perspectiva de objeto e fragmento do mundo regido pelas leis de movimento da mecânica clássica, que é submetido às leis e estruturas matemáticas exatas e invariáveis.

    A expressão “sou meu corpo” de Merleau-Ponty sintetiza o encontro entre o sujeito e o corpo. O ser humano define-se pelo corpo, significando que a subjetividade coincide com os processos corporais. Na perspectiva fenomenológica, a dimensão essencial só apresenta sentido se unida à dimensão existencial ao mundo vivido. Essência e existência apresentam-se como dimensões de um mesmo fenômeno, o ser humano. Merleau-Ponty admite a perspectiva de corpo-objeto, mas reforça a perspectiva do sujeito, enfatizando a possibilidade de criação de sentidos a partir da experiência vivida. Como declarou Jade: “Aprendi a ser feliz com o meu corpo.”

    Na experiência vivenciada pelo corpo em movimento, a linguagem corporal cede um espaço que se abre e se fecha de uma vez: o fechamento para nos tornar tangíveis, como uma defesa, e a abertura, como um transbordamento num instante para a eternidade. Nosso corpo é um ponto de partida para o imaginário, para a criatividade, para criar laços entre mim-os outros-o mundo.

Paradigmas corporais e educação estética

    Esta essência foi encontrada ao observarmos as manifestações corporais dos participantes e também pelas suas falas na oficina, na vergonha de dançar no início das vivências, no preconceito de se tocar, nos desabafos, nas narrativas sobre o “o que os outros podiam pensar se as vissem”, no medo de se soltar, de manifestar o corpo. Na educação física, embora classificada na área das ciências da saúde pelos órgãos de fomento à pesquisa, a questão do corpo relacionada à compreensão do ser humano numa perspectiva filosófica, sócio-histórica, vem ganhando espaço, se considerado que quase que exclusivamente era reservada às temáticas do rendimento e da saúde do ser humano.

    Ametista relatou que, antes, era mais fechada, nervosa, não era muito comunicativa; disse que qualquer coisa para ela era motivo de ofensa. Esse tipo de paradigma muitas vezes é rompido quando o idoso se percebe num outro contexto social. Jade desabafa:

    Ah, a minha vida, eu fui criada, naquele tempo antigo só trabalhando e cuidando da casa. Acho que eu nunca não saí, só criei os filho, a gente sempre trabalhando. Que o meu marido assim, ele não era ruim, mas ele era enérgico, tinha que sê tudo como ele queria, não podia nem fala. Se eu falava uma coisa, era ele que sabia, não era eu que tava falando, era ele. Eu sinto que passou uma vida, agora depois que fiquei viúva, que já faz tudo esse tempo, eu já falei, melhorei depois que comecei a participar do grupos de terceira idade.

    A maneira de lidar com a viuvez está diretamente relacionada a vários fatores: às perdas inerentes ao processo de envelhecimento, ao potencial de mudança do indivíduo, à flexibilidade e resistência para lidar com os desafios e às exigências que constituem a sua capacidade de reserva e autopreservação. (STAUDINGER; MARSISKE; BALTES, 1995). Muitas vezes percebemos que há uma certa relutância do idoso em estado de viuvez em retomar as rédeas de sua vida, em conviver com outras pessoas, em expressar seu corpo e, especialmente, em enfrentar adequadamente a situação de viuvez.

    Benincá, Costella e Vivian (2006) citam que os fatores circunstanciais que contribuem para o enfrentamento adequado da situação de viuvez estão relacionados, sobretudo à possibilidade de preservar as relações familiares e as redes de apoio social, que, igualmente, garantem a estabilidade financeira e o conforto emocional. A perda de um companheiro pode gerar transtornos depressivos, a não-aceitação da realidade, falta de auto-estima, tendência ao isolamento social e perda da vontade de viver, podendo muitas vezes, se o quadro não for revertido positivamente, desencadear uma série de doenças psicossomáticas, depressões profundas e, inclusive, a morte.

    Seguem os autores (2006, p. 151-152) dizendo que a morte do companheiro tem sempre uma representação emocional de vazio; é quase como se um pedaço de si deixasse de existir concretamente para permanecer na memória. Além disso, um casamento de muitos anos desenvolve um sistema de papéis, tarefas e costumes que se desfazem com a morte do companheiro, passando a exigir da viúva uma reconfiguração da vida em termos afetivos e sociais.

Padrões corporais impostos pela sociedade

    Acuados entre as múltiplas exigências adaptativas que as inegáveis alterações do envelhecimento comportam, os indivíduos enfrentam dificuldades para preservar a identidade pessoal e a integridade de alguns papéis e funções e, segundo Benincá e Silva (2007, p. 149), sobretudo aqueles relativos ao corpo e seus imperativos sexuais, que a sociedade atentamente vigia e sansiona.

    Muitas culturas reduzem a estimulação tátil graças aos efeitos do puritanismo, a tradição cristã, para as quais os prazeres corporais táteis estão vinculados ao pecado. Os tabus à tatilidade podem ser usados para assegurar uma dessexualização do indivíduo, podendo gerar uma ansiedade de separação, solidão, frustração e sensação de frieza. Em algumas culturas consideradas de não-contato, os animais geralmente atuam como um veículo socialmente aceitável para tocar e podem satisfazer às necessidades das pessoas. (PANELLI; DE MARCO, 2006, p. 82).

    Safira nos contou que, quando engordou, sentiu um preconceito consigo mesma e não aceitou seu corpo; só depois que emagreceu se sentiu bem e ficou satisfeita, mas ainda tem medo de engordar:

    Estou preocupada de novo, já estou com 69 quilos, não quero passar disso, não quero ficar gorda. Eu sempre fui bem magra. Quando casei tinha 47 quilos. Já teve gente que me disse que eu estava gorda. Isso me deixa reprimida e daí eu não me gosto.

    Muitas pessoas, das mais variadas idades, sentem-se complexadas por não terem um padrão de beleza segundo os moldes de um determinado contexto social e, por serem diferentes, sentem-se inferiorizadas e vivem buscando atingir uma meta e padrões de beleza que muitas vezes são impossíveis. Então, recorrem a drogas medicamentosas, silicones, cirurgias e, nessa busca desenfreada, perdem muitas vezes a saúde ou a vida.

    De acordo com Attias-Donfut (2004), em face da obsessão pela juventude e pela aparência na cultura ocidental e dada a fragilidade do corpo na velhice, a cultura de massa, que é também uma cultura de consumo, normalmente opõe estas duas idades extremas: a juventude e a velhice. Assim, esta última é apresentada como um problema da medicina; com o pretexto de curar a velhice, a cultura de massa produz tanto a invisibilidade quanto a hipervisibilidade do corpo das velhas mulheres.

    Às vezes me olho e me sinto complexada por estar envelhecendo muito rápido e ser gordinha e baixinha.Me casei novamente há pouco... Às vezes eu me gosto, não dou bola pra isso.o Citrino gosta de mim assim mesmo , senão ele não tinha nem casado (Quartzo Rosa).

    A dicotomia entre beleza e as, digamos, “destruições” do tempo evoca, por analogia, a dicotomia entre a saúde e a doença associadas à velhice, cotidianamente reafirmadas pela mídia e pela publicidade (principalmente aquelas de produtos de beleza antienvelhecimento) e que provocam, conseqüentemente, uma certa angústia nas pessoas.

    No supermercado da moda e da beleza, onde a imagem de si corresponde á aparência que se escolheu (ou pelo menos que temos a ilusão de escolher livremente) e que tende a se confundir com o eu, as mulheres depois de terem sido elogiadas e cortejadas na adolescência à maturidade, iniciam insensível e infalivelmente o aprendizado do declínio. Os movimentos da moda contribuem para isso, fazendo das mulheres , à medida que envelhecem, personagens démodés como as roupas velhas que guardamos silenciosamente no armário ou que damos, na melhor das hipóteses, aos pobres do terceiro e quarto mundos. Assim o ciclo da moda dita às mulheres o seu ciclo de vida e o ciclo de seu domínio. (ATTIAS-DONFUT, 2004, p. 94).

    Ametista comentou sobre os paradigmas de beleza corporal vivenciados hoje: “As pessoas acham que pra ser bonita tem que ser magra e alta. Garanto que tem gente baixinha e gordinha que é muito mais bonita por dentro”.

    De acordo com os estudos de Peixoto (2004), o corpo e a sexualidade são o alvo preferencial. A tecnologia, que se apresenta como uma das expressões mais claras da alta modernidade, acaba servindo como meio eficaz para a expressão do estigma da velhice em moldes nada inovadores. “Sou alto e tenho um barrigão, to perdendo os pouco dos cabelos que tenho, mas a mulher não reclama, gosta de mim assim!”. (Citrino).

    Cada idade tem sua beleza; é preciso vivenciar e usufruir cada momento de maneira única, singular, esquecendo os meios de comunicação, que nos fazem consumir, que nos deixam deprimidos, desequilibrados, em razão das narrativas e dos padrões consumistas impostos. É necessário voltar nossos olhos para as possibilidades de transcendência; nossa única obrigação é com o nosso bem-estar e com a nossa felicidade.

Educação corporal e sexual: narrativas e estigmas

    Algumas falas dos idosos referiram-se às narrativas e estigmas corporais e ao processo educativo dos entrevistados. Hoje percebemos que existem muitas narrativas incutidas na vida desses idosos, denotando o sistema educacional contemporâneo. Por isso, quando lhes foi perguntado sobre como percebiam seu corpo durante a juventude, observamos esses estigmas:

    Eu penso que é assim, pra nós, que fomos criados em uma época bastante patriarcal .Por exemplo, o meu pai não deixava a gente usar calça comprida, não podia isso, não podia aquilo, era só vestido. (Quartzo Rrosa).

    Montagu (2000) considera o vínculo com o próprio corpo a base dos vínculos com as outras pessoas. Este relacionamento corporal íntimo será a base das sensações positivas a respeito de si mesmo, e o vínculo corporal permitirá a consolidação de uma sensação de auto-estima.

    Com relação aos estigmas corporais e narrativas perpassados ao longo de sua vida, Jade contou:

    As gurias iam caminhar, eu tinha medo de ir caminhar, as perna feia, e agora eu tô caminhando e acho que tem que caminhar. Depois que eu fiquei viúva, que eu comecei a entra nessas terceira idade, aí eu comecei a melhorá bastante. Quando eu ia caminhar, assim, eu tinha medo, caminhava toda encolhida, achava que os outros tavam me achando feia, feiosa, não tava certo, e... Agora eu tô assim, oh! (se mostra) Me acho assim! (se olhou...), caminho bem, ninguém fica reparando em mim e tudo bem, né? Assim que eu vejo, tento melhorar. As dança que fazemos são uma beleza, todos os gestos que aprendemos eu gostei muito, me soltei muito, aprendi a me passar um batonzinho na boca, coisa que eu nunca tinha feito na vida.

    Num ambiente permeado de informalidade, de carinho e cuidado para com o outro, o educando sente-se à vontade, descomprometido com as obrigatoriedades cotidianas, despindo-se de preconceitos e narrativas que o envolvem, decorrentes de uma educação fragmentada, bem como de outras narrativas vinculadas ao contexto social no qual se insere ou no qual foi educado. Esmeralda expressou a respeito:

    Eu fiquei gente agora, porque eu me soltei agora. Depois que fiquei viúva, foi um pouco mais no segundo casamento, que eu tenho. Parece que eu sou outra pessoa... eu fui me soltando... Antes, fazer sexo pra mim era a coisa mais horrível, ficava envergonhada de fazer “aquilo”, não gostava, me sentia mal, não me soltava, ficava assim, bem reprimida. É uma criação da gente foi assim, porque antigamente a gente não viu nada disso ai. Eu fico muito feliz de ter uma pessoa que invente coisas novas e explique as coisas, porque eu era, assim como é que se diz...? Reprimida... trocar roupa, nem perto da minha mãe nada! Não trocava roupa não via meu corpo, meu seio, minha calcinha, nada!... E casei assim, sem vê meu corpo! Só no escuro, não tinha nada de luz ou velinha, né! Claro pra vê corpo não, que esperança! Queria ver muito mais eu era muito acanhada, eu era uma pessoa assim, reprimida.

    Esse tipo de narrativa é comum entre as mulheres mais idosas, que foram educadas com repressão, vivendo somente para cuidar do marido, das coisas do lar, sem ter tido a chance de estudar. Por isso, desenvolveram a idéia de que elas têm obrigação somente de cuidar destas questões, deixando de lado os seus sonhos, a sua auto-estima, o autoconhecimento, sua corporeidade e a própria sexualidade.

    Quartzo Rosa contou-nos que antes não conseguia brincar de bambolê e que rebolar o corpo antigamente não era bem visto. Na oficina ela conseguiu aprender a brincar e declarou que sente leveza, liberdade, expressão de movimentos, não tem inibição e desenvolveu a sensibilidade.

    O organismo constitui-se como corpo quando perpassado por experiências no mundo social permeadas pelo código cultural vigente, e são essas vivências socioculturais que vêm impregnando a emoção humana ao longo das civilizações, refletidas no modo como nos sentimos a respeito de nós mesmos, como percebemos o nosso corpo e, especialmente, como vivenciamos a nossa sexualidade.

    No tempo antigo a gente não podia usar roupas apertadas, só as roupas que o pai ou a mãe queriam. Não podia se mostrar , nem se insinuar, que apanhava, não tinha escolha... Conversar com um rapaz, então, nem pensar! Era proibido, só perto do pai e se ele mandasse a gente responder pras pessoas(Ametista).

    A imagem corporal e o desejo sexual são os principais aspectos que influenciam no comportamento do ser humano, garantindo para o homem a auto-estima e, para a mulher, a segurança afetiva ao lado de um companheiro.

    Benincá e Silva (2007, p. 145) atribuem a questão da sexualidade e da corporeidade à história de cada ser humano, por consistir num projeto a ser construído num espaço e num tempo determinado. Ametista relatou que seu companheiro é viúvo e que já teve outras companheiras. Ela relata que ele as tratava como se fossem objeto e comenta:

    Pelo que ele me conta, ele tratava elas como se fosse objeto, que usava quando queria. Não é assim, não! A mulher tem que ser companheira e não escrava que faz as vontades deles. Um relacionamento tem que ter fundamento, ser gente. Ele é muito bom, mas é diferente de mim, é grosseirão, parece bicho, sei lá..., A gente tá tentando se entender, mas tem coisas que ele não aceita...

    Nós, seres humanos, podemos ser “parecidos”, segundo Zanella (2007), de certa forma, com os animais, porém o que nos faz diferentes é que nosso instinto “animal” se transforma em liberdade quando buscamos no sexo também o amor. É por causa do caráter precioso e único de cada pessoa que o amor se mostra como uma realização humana.

    A mulher idosa, segundo Lopes (1999), da mesma forma que seu companheiro, vivencia mudanças corporais decorrentes do processo de envelhecimento e tem impactada a sua imagem corporal e psique, o que interfere no exercício da sexualidade madura. As mudanças, porém, têm um alcance bem menor do que se imagina, visto se relacionarem muito mais à prontidão e à rapidez da fase de excitação, que, quando alcançada, permanece altamente prazerosa e satisfatória.

    Nesse processo de sexualidade, o homem acaba sofrendo muito, pois está tentando mostrar para si e para o mundo que mesmo na velhice pode ser um homem potente durante o ato sexual. Quando pequeno, a libido concentra-se na boca e no ânus; quando adulto está centrada no pênis, que ele sente ameaçado de perder, e aí fica localizada até o fim da vida assim a masculinidade é definida como atividade. (MURARO; BOFF, 2002, p. 141).

    A idéia de transcender mitos e preconceitos em defesa da construção de uma prática sexual madura, intensa e peculiar, resgatando o erotismo como forma de conhecer e explorar o próprio corpo e o corpo do outro, favorece a intimidade e a conexão subjetiva entre parceiros. (BENINCÁ; SILVA, 2007).

    As convenções sociais e culturais têm o poder de normatizar a natureza dos seres humanos pelo desenvolvimento dos estereótipos de normalidade. Conforme Benincá e Silva:

    Pessoas, idéias e comportamentos que não correspondem ao esperado pela sociedade são rotulados e discriminados como anormais, portanto, devendo ser marginalizados pelo grupo que discrimina e rechaça as diferenças. Tais afirmações ganham força e significação quando o que está em jogo é a sexualidade dos indivíduos idosos.A sexualidade dos velhos especialmente do lado ocidental do mundo, é norteada por uma normatização sociocultural que tacitamente impinge que as vaginas se fechem e que os pênis pendam para sempre, relegando aos longevos a uma vida casta, desprovida de qualquer manifestação de energia sexual. (2007, p. 148).

    O entrevistado Citrino relatou sobre seu pensar atual sobre a sexualidade:

    Os dois têm que se conhecer bem e ver o que o outro também quer. Isso melhorou bastante o nosso relacionamento em todos os sentidos. Não podemos ser reprimidos, temos que ser mais abertos, porque estamos em uma outra época.

    O contato afetivo é um fator muito importante em qualquer momento da vida. Na velhice também ocorre a necessidade de se estabelecer um ambiente agradável e que propicie ao indivíduo a exteriorização de seus sentimentos. O fato de o idoso se encontrar acompanhado não lhe assegura bem-estar, podendo surgir momentos de solidão em decorrência do sentimento da falta de intimidade e desconforto interior. O idoso pode ressignificar o mundo da vida, conhecer seu próprio corpo e desenvolver melhor sua corporeidade. A educação por meio da cultura de movimento remete-nos a repensar o próprio corpo por meio dos nossos sentidos.

Educação através do sensível

    Esta essência aflorou, segundo os entrevistados, como uma conseqüência das atividades realizadas na oficina. Obter uma nova perspectiva com relação ao próprio corpo, o ser-no-mundo através da cinestesia no seu cotidiano, leva-nos à reflexão sobre a questão da corporeidade por meio dos nossos cinco sentidos, tornando evidente o quanto o mundo hoje desestimula qualquer refinamento dos sentidos humanos.

    Como se a língua, o nariz, os olhos, os ouvidos e o tato tivessem sido amortecidos ou castrados. A comida caso você ainda não tenha notado, exige a “intersensibilidade” o torresmo, para ser bom, tem de fazer o barulhinho típico: prazer para o ouvido. O refrigerante para ser bom, tem de ter o pinicado das bolhas de gás: prazer para o tato. E tem de ser bonito para os olhos: há pratos servidos com flores. E tem de ter o cheiro erótico dos temperos. Tudo isso se consumando na boca. Mas, para isso, os sentidos têm de ser educados. Eles precisam aprender a “prestar atenção. (DUARTE JÚNIOR, 2006, p. 100).

    Os órgãos dos sentidos, segundo Lima e Silva (2005, p. 189), destacam a visão, a audição, o paladar, o olfato e o tato. A pele, no entanto, por ser sensível em todos os pontos do corpo, tem seu calor variável de região para região. Essa variação de temperatura é percebida quando a sensação transmitida se expressa como sendo agradável ou não.Várias atividades acontecendo ao mesmo tempo trazem-nos informações que provocam diversas sensações. Prossegue o autor:

    Para cada estímulo, temos um receptor exclusivo. Ativando todos os órgãos dos sentidos, as informações acontecem num crescente desenvolvimento das capacidades motoras. O estímulo das sensações, portanto é tão importante para a sobrevivência do ser humano quanto a sua sobrevivência fisiológica. Ativada constantemente, só pode trazer essência à vida. (LIMA e SILVA, 2005, p. 189).

    Quantas vezes, ao acordar, nos espreguiçamos e calmamente nos deslocamos até o chuveiro, onde sentimos a água quente escorrendo em nosso corpo? Será que, quando fazemos nossas refeições, elas são realmente saboreadas ou são apressadamente engolidas, porque temos de ir trabalhar logo ou precisamos lavar a louça? Quantas vezes abraçamos e afagamos diariamente as pessoas que amamos? Qual foi a última vez que programamos um dia para nós, simplesmente para não fazer nada ou para ouvir nossas músicas preferidas?

    Desatentos e deseducados, nossos sentidos vão se anestesiando, enquanto seguimos acreditando de que o único conhecimento importante é aquele de caráter abstrato produzido exclusivamente pelo nosso cérebro. Isso está acontecendo diariamente e, com a nossa pressa desenfreada, estamos perdendo os sentidos, deixando de lado nossas características humanas, robotizando-nos, não nos percebendo mais como seres-no-mundo.

    Os sentidos são distintos uns dos outros e distintos da intelecção, já que cada um deles traz consigo uma estrutura de ser que nunca é exatamente intransponível. Não podemos reconhecê-lo porque rejeitamos o formalismo da consciência e fizemos do corpo o sujeito da percepção. E podemos reconhecê-lo sem comprometer a unidade dos sentidos. Pois os sentidos se comunicam. A música não está no estado visível, mas ela o mina, o investe, o desloca. (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 304)

    Estamos promovendo a nossa própria deseducação, regredindo a níveis toscos, mecânicos e grosseiros:

    Nossas casas não expressam mais afeto e aconchego, temerosa e apressadamente nossos passos são estritamente profissionais e, na maioria das vezes, mediadas por equipamentos eletrônicos, nossa alimentação, feita às pressas de modo automático, entope-nos de alimentos insossos, contaminados e modificados industrialmente, nossas mãos já não manipulam elementos da natureza, espigões de concreto ocultam horizontes, os odores que comumente sentimos provém de canos de descarga automotivos, chaminés de fábricas e depósitos de lixo e, em meio a tudo isso, trabalhamos de maneira mecânica e desprazerosa até o estresse. (DUARTE JÚNIOR, 2006, p. 18).

    Maturana (1994) enfatiza que é justamente essa condição primitiva que viabiliza a concretização da tendência social, do viés emocional e da vocação espiritual inerentes à natureza humana, pois são as necessidades biológicas, de alimentação e o desejo sexual que estruturam a organização social. É inerente ao ser humano adaptar-se às suas necessidades e normas éticas e morais no seu contexto social, os quais justificam o controle dos impulsos naturais e primitivos de forma mais ou menos racional.

    Citrino declarou que a aula sobre a visão lhe chamara muito a atenção, fora impressionante, porque ele percebera que toda pessoa, quando tem dificuldade visual, desenvolve mais o sentido do tato. Por meio dos sentidos aprendemos a nos comunicar e ter mais diálogo conosco.

    Os sentidos comunicam-se entre si e abrem-se á estrutura da coisa.vemos a rigidez e a fragilidade do vidro e, quando ele se quebra com um som cristalino, este som é trazido pelo vidro invisível.vemos a elasticidade do aço, a maleabilidade do aço incandescente, a dureza da lâmina em uma plaina. Em suma, meu corpo não é apenas um objeto entre todos os objetos, um complexo de qualidades entre outros, ele é um objeto sensível a todos os outros, que ressoa para todos os sons, vibra para todas as cores, e que fornece às palavras sua significação primordial através da maneira pela qual ele as escolhe. (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 317).

    Quartzo Rosa complementou:

    A aula sobre o sentido da visão foi um fato muito importante em minha vida, fiquei impressionada. Quando estava vendada, percebi que não valorizamos esse sentido. Percebi que nas vivências valorizamos mais o paladar, o olfato, sentindo aquele aroma gostoso do corredor até chegar na sala, e, especialmente, também o sentido da audição, ouvindo as músicas, pois às vezes estamos ouvindo uma música, mas sem a consciência de que se está ouvindo uma música bonita.

    Duarte Júnior destaca:

Hoje, o reprimido está fora de nós, e somos anestesiados e tranqüilizados com relação ao mundo que habitamos, o que foi chamado de “entorpecimento psíquico”, que se refere não apenas a uma possível catástrofe nuclear, mas a cada detalhe da falta de alma, desde nossas xícaras de café até os sons, as luzes e o ar, o gosto da água e as roupas praticamente descartáveis que colocamos sobre nossas peles, desconfortáveis porém fáceis de manter.Ao reprimirmos nossas reações aos detalhes básicos e simples, como os tetos, ao negarmos nosso desgosto e nosso ultraje, na verdade mantemos uma inconsciência que aliena e desorienta a alma interior. (2006, p. 19).

    As ações provenientes dos três sentidos - ver, tocar e cheirar - levaram os educandos a perceberem a base da educação do sensível, possibilitando um (re)encontro com a corporeidade. Como afirma Merleau-Ponty (2006, p. 321). “o corpo próprio é ao mesmo tempo objeto constituído e constituinte em relação aos outros objetos. Em cada movimento de fixação, meu corpo ata em conjunto um presente, um passado e um futuro”.

    A dança existe no corpo, que, por sua vez, se constrói a todo instante pela trajetória humana para dar vida a um campo de linguagem. O corpo é um espaço cênico criador e transformador dessa arte.

    Ver as coisas do mundo, portanto, consiste numa experiência na medida em que elas se nos mostram presentes, postando-se frente ao nosso corpo. Já olhar uma imagem, não possui este caráter inteiriço da experiência, dado não se poder alterar , frente a ela, distâncias e perspectivas em relação ao representado; isto sem contar os nossos sentidos, que também se acham envolvidos numa verdadeira experiência, bem como as evidentes distorções do real verificadas em toda e qualquer representação imagética, seja ela obtida por que meio for (DUARTE JÚNIOR, 2006, p. 99).

    Esse olhar é plural na medida em que o corpo pinça dados, partes de sua historicidade no mundo para compor o movimento como um todo. A dança desvela-se como uma forma possível, entre tantas outras, na experiência vivida do corpo.

Possibilidades de novos aprendizados estéticos

    É preciso repensar os valores éticos e estéticos. É necessário reafirmar seu papel como um projeto social dentro das instituições, não apenas voltadas a uma minoria elitizada e privilegiada em diversos aspectos, refletindo numa atmosfera onde paixão e prazer sejam partes do despertar. A educação deve estar envolvida também com o processo, mas, antes, com o ser humano, enfatizando o compromisso da escola com as perspectivas de mudanças sociais.

    Esmeralda disse, ao iniciar a sua entrevista, num tom triste:

    Estudei até a quarta série, a mãe queria que eu fosse, eu queria estudar, a mãe aceitou que eu fosse professora, eu adorava estudar Mãe dizia: “Só tem que estudar mais pra ser uma professora”. O pai dizia: “Não!!! Se ela souber o nome dela ela vai pra casa porque eu não vou buscar ela todo dia e nem levar no colégio”. Isso me revoltou, de ter perdido a chance de estudar. Ainda bem que eu tive a oportunidade de aprender depois de velha.

    A entrevistada considerou a proposta da oficina como uma forma de aprender e sentir-se valorizada, de obter um cuidado consigo mesmo:

    Ah, pra mim foi maravilhosa, porque antigamente a gente não viu nada disso aí quando era mais nova. Então, agora, que eu estou participando da oficina eu fico muito feliz em poder aprender agora o que eu não aprendi antes. Me sinto mais feliz, a gente se renova e ainda dança e se solta. (Esmeralda)

    A sensação, tal como a experiência a entrega a nós, não é mais uma matéria indiferente e um momento abstrato, mas uma de nossas superfícies de contato com o ser, uma estrutura de consciência, e, em lugar de um espaço único, condição universal de todas as qualidades, nós temos com cada uma delas uma maneira particular de ser no espaço e, de alguma maneira , de fazer espaço. Não é nem contraditório nem impossível que cada sentido constitua um pequeno mundo no interior do grande, e é necessário ao todo e se abre a este (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 299).

    Jade comentou:

    Aqueles perfumes que eu sentia pela sala quando eu entrava, os gestos que a gente fazia na dança com o corpo, dançando sozinha e de olhos fechados, dançando com um e com outro , me soltei, consegui !

    Para Gennari, “o gesto constitui o fundamento do movimento e o corpo é o fundamento do gesto” (1997, p. 104). Por meio do gesto e do som podemos desenvolver uma cultura de movimento que se complementa mediante a educação estética. Segundo Gennari,

    a comunicação gestual, a atividade mímica, a dança ou um simples ato lúdico, obtém grande parte de sua força expressiva através do gesto, do modo como se pensa, se representa e se orienta, essas estratégias possíveis permitem a viabilização do mundo dos símbolos e revelam diretamente seus significados durante a experimentação do significante, que por conseqüência também nos permitirá o acercamento à história do movimento humano, suas etapas principais, a seus eventos mais freqüentes e ás suas caracterizações menos habituais. (1997, p. 105).

    O corpo, segundo Venâncio e Costa (2005, p. 160), habita o espaço cênico não como fragmento deste, mas assumido em movimento. O corpo em movimento retoma o espaço e o tempo na sua significação original, na sua intencionalidade motora. Ser corpo em movimento é estar atado a um certo mundo simbólico .

    É necessário tomar o corpo na linguagem corporal, não apenas no sentido do elemento fundamental da dimensão humana; como veículo de comunicação e, mais ainda, de expressão, maneira de estar e de ser-no-mundo, carregado de sentimentos, afetos e buscas, muitas vezes contidas durante o processo de escolarização. Nessa concepção, o homem é um ser simbólico, mas, além disso, é portador de razão, emoção e imaginação e está inserido num mundo em sua totalidade, não em partes dissociadas.

Relações pessoais e interpessoais

    A questão da afetividade foi um dos atributos mencionados, bem como a relação entre familiares e colegas da oficina. Jade explicita:

    Trabalhei a vida inteira , trabalhava , trabalhava, não tinha tempo pra mim... Era só cuidar dos filhos e da casa. Não saía em lugar nenhum... Depois que eu fiquei viúva, vim pra oficina, tenho mais amigos, sou conhecida por todos aqui, me sinto mais feliz.

    No mundo contemporâneo, Ortega (2000) enfatiza que as relações são bastante restritas e, na maioria das vezes, simplificadas, uma vez que seria de difícil controle e grande complexidade incentivar uma maior diversidade de relações. Isso não significa que se deva reproduzir e, o que é pior, não questionar e relativizar a ação social tradicionalista nas relações de trabalho, na família, na comunidade e na religião.

    Nesse contexto, torna-se importante destacar, como aponta Monteiro (2006), a importância dos conceitos de afetividade e intimidade nas relações interpessoais, sobretudo nas relações conjugais, assim como na família, que possui espaço singular para a vivência dos afetos. Ormezzano e Pelizer complementam :

    O envelhecimento saudável significa também a valorização da autonomia e da auto-determinação. Podemos afirmar que elas desejam ser mais valorizadas para serem mais felizes e que têm o direito de usufruir dos recursos oferecidos pela sociedade. Assim, é importante que ocupem o tempo com atividades gratificantes, porque nunca é tarde para aprender, mesmo que não se obtenha o êxito imediato. (2006,
p. 244).

    A convivência e o conhecimento do corpo do outro são fundamentais na construção da linguagem corporal permeada pela dança e pelas formas de amizade. O aprendizado na oficina resulta, ao se olhar de forma ampla o processo, de um conjunto de fatores, alguns limitantes, outros facilitadores da aprendizagem. O grau de motivação e a competência intelectual adquirida incidem positivamente sobre o aprendizado, porém as amizades também possuem um espaço especial no processo de envelhecimento, por trazerem consigo importantes características, como o companheirismo, a liberdade e a simplicidade.

    Em relação às suas relações interpessoais, Quartzo Rosa destacou: “Foi importante e foi gostoso o contato e a convivência com os colegas e a professora, mas também sinto que mudou a minha convivência com a família, com relação ao afeto e ao toque.”

    Both e Siqueira (2005) complementam que oficinas criativas e atraentes podem revelar uma face dos idosos que se movimentam na direção de identidades vitalizadas pela expressividade, convidando-os a um processo continuado de educação. Aqui na oficina a gente se anima !!! Além do mais, os meus filhos me dão força, fazem eu sair, ir nas domingueiras. Quando saio agora, coloco meu batonzinho e coisa e tal. (Jade).

    Para Venâncio e Costa,

    o outro na dança traduz uma nova modalidade de amizade com base na sensibilidade, que revela uma possibilidade de constituir uma comunidade dançante, em que se reconheça a pluralidade e vivenciem relações livres e não institucionalizadas, ou seja, relações construídas independentemente de sexo, raça, classe social, crenças e estado civil. (2005).

    A reflexão sobre a cultura de movimento despertou para uma analogia com a amizade, afetividade e auto-estima, que se constrói nessa arte a partir da experiência da dúvida e da incerteza de qual movimento realizar ou apreciar, como executa-lo e com quem compartilhá-lo; também cria possibilidades de (re)descobrir a corporeidade por meio do movimento, renovando e alicerçando um novo olhar sobre si mesmo.

Um novo olhar do idoso sobre si mesmo: o autoconhecimento por meio da linguagem corporal

    Esta essência evidenciou a cultura estabelecida na oficina e no contexto no qual os idosos participantes estão inseridos. A dança é um produto da cultura da humanidade; desde o seu surgimento até a contemporaneidade, é uma linguagem corporal que está evidenciada em todos os contextos culturais.

    De acordo com Baggio e Vieira (2003, p. 16), o paradigma da velhice vai perdendo força ao mesmo tempo em que se constitui o paradigma da terceira idade, e nenhuma mudança de paradigma é desprovida de significado e funcionalidade. Está ocorrendo que os velhos passaram a ter uma idade. Até então, tínhamos a infância, a adolescência, a idade adulta, mas a velhice não era uma idade; estava mais para um fim e menos para uma idade.

Citrino argumenta:

    Me sinto bem! Acho que ainda tem muito mais lugar para muito mais pessoas participar, principalmente para as pessoas do sexo masculino. Ainda parece que existe um certo preconceito e talvez acham que pra gente isso não é necessário. Mas no fundo eu acho que isso é importante para todos, não só para as mulheres, temos que ser iguais.

    O paradigma da terceira idade insere-se no processo vital: inovação-integração-seleção-evolução (MORIN, 1989, p. 59). A velhice, para Baggio e Vieira (2003), representa a superação de uma existência sem significado; é a ruptura paradigmática advinda da evolução e que está em processo de integração. Restará o que melhor viver, o que melhor se mantiver e no futuro haverá outras inovações com relação aos grupos e novos espaços destinados aos idosos.

    Both e Siqueira (2005) referem que a pós-modernidade, contrapondo-se à modernidade como projeto de organização do universo social e natural, pode sofrer críticas, mas a idéia nela contida, de rompimento da tradição e distensão das convicções sociais, parece verdadeira. O ordenamento rígido do curso da vida, pela seqüência ritual dos tempos e das formas de neles existir, parece não mais coincidir com a realidade que se apresenta. Dessa maneira, já existe pouca estranheza quando os idosos buscam atualizar o exercício de sua aprendizagem e de sua presença social.

    Ametista percebeu que o seu corpo mudou e que as pessoas perceberam isso; ela se sente mais leve, mais solta; está gostando mais de si mesma e até está “mais gostosa”, mais mulher. A entrevistada disse que seu coração está mais feliz, sente-se alegre, tem vontade de viver e percebe que seu corpo está mais elegante e que, antes, era duro, pesado. Sente-se agora mais aliviada, e isso é muito bom. E completa: “Sinto minha mente mais aberta, aprendi a me valorizar mais, eu mudei, as pessoas mudaram , aprendi a valorizar mais o meu corpo, meus olhos...”

    Nesse sentido, refere Schwengber que a linguagem corporal é produtora de sentido, de significado ele cria o mundo. A linguagem funciona como lócus de produção dos sentidos compartilhados na cultura, assegura formas específicas de autoridade, inserindo-as no circuito da cultura (apud GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2006, p. 268).

    A linguagem corporal é uma dimensão essencial para todo o ser humano e o seu domínio de interações amplia-se por meio dela, permitindo-lhe vivenciar seu corpo de uma maneira totalizadora, não fragmentada. Nesse sentido, uma cultura de movimento que se estabelece de forma positiva pode ser um elo de interligação das pessoas com o mundo em todos os ciclos da vida. A viabilização do aprendizado de uma consciência corporal especialmente com idosos possibilita a manutenção e a promoção da saúde física e mental, promovendo um envelhecimento bem-sucedido.

    O envelhecimento bem-sucedido, segundo Néri (1995), não é um atributo do indivíduo idoso, que precisa integrar os aspectos biológicos, psicológicos e sociais de sua vida, tendo em si a total responsabilidade pela conquista ou pela falência de seus esforços para atingir uma boa velhice. O paradigma da qualidade de vida como parâmetro para a leitura do mundo e arranjos de significados tem a intenção de estabelecer uma proposta de desenvolvimento sustentado em idéias segundo as quais as pessoas possam viver num sistema social, econômico e político capaz de conferir dignidade a cada ser humano, que vislumbre a sua capacidade de contribuir para seu entorno humano e o seu contexto social e ambiental.

Não-aceitação do próprio envelhecer

    De envelhecer ninguém escapa. Alguns envelhecem mais rapidamente do que outros e nem todos vivem esse processo da mesma maneira, uma vez que o envelhecimento está estreitamente relacionado às formas materiais e simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo. No relato de Peixoto:

    O processo de envelhecimento é assim, diferenciado segundo o grupo social em o sexo que pertencemos. Dessa forma, uns e umas se preocupam mais do que outros(as) com as marcas corporais deixadas pelo tempo (rugas, cabelos brancos, etc.) e muitos Têm medo de que a velhice traga consigo a solidão a dependência física e econômicas...a morte. As estratégias de que lançam mão as pessoas de mais idade para disfarçar a aparência física dependem tanto dos meios materiais de que dispõem para retardar o envelhecimento quanto de uma competência específica ligada ao capital cultural - que produz percepções e sensações que contribuem para o prolongamento da vida. (2004, p. 9).

    Alguns entrevistados manifestaram uma visível não-aceitação do seu próprio envelhecer:

    Não penso em envelhecer, eu sei que a gente vai envelhecer, mais é uma questão que eu queria ficar assim como sou. Moro sozinha, saio, não quero ser uma velhinha gagá, e tem muitas assim por aí... Eu não quero pensar em envelhecer, só no viver, com saúde e sassaricando bastante! (Safira).

    É com os olhos da juventude que percebemos a velhice, vista como um declínio e, sobretudo, como a impossibilidade de ser positivamente valorizada, na medida em que já ultrapassamos o ponto máximo do ciclo da vida, seja do ponto de vista da capacidade física, seja da psíquica, com a perda gradual da capacidade de controle do corpo e da mente.

    Se estamos envelhecendo, temos que aproveitar o que nos resta e não pensar que somos coitadinhos ou que vai ter alguém para ficar cuidando de nós 24 horas, que nem crianças. Estamos aposentados, não estamos inválidos, temos que aproveitar o que podemos e participar dos grupos para idosos (Citrino).

    A aparição da velhice como um estigma e como exclusão social se dá paralelamente ao advento da aposentadoria para a maioria das pessoas trabalhadoras, associando - a à idéia de pobreza:

    Esta noção parece, contaminar a representação da velhice como uma etapa específica da vida, embora não se enquadrem nessa imagem indivíduos que ocupam posições importantes num país, numa área profissional, artística e religiosa. Estes teriam o “espírito” da juventude, estariam inseridos socialmente, teriam pleno controle de si como indivíduos, reforçando com isso a idéia de que as representações de cada período da vida dizem respeito mais as construções sociais da realidade do que à idade cronológica e física dos indivíduos. (PEIXOTO, 2004, p. 17).

    Pesquisadores já têm apontado que a participação dos idosos nos grupos de convivência está determinando a construção de uma nova realidade da velhice e do envelhecer. Essa construção se faz com um processo de reprivatização da velhice, no qual está presente uma progressiva responsabilização do velho e da velha por seu próprio bem-estar nessa fase da vida. Segundo Debert (1999), incluem-se nessa responsabilização os cuidados com a saúde física e psíquica, associando-a às atividades de lazer, aos cuidados corporais, ao aprendizado permanente e à freqüência de contatos sociais. Soma-se a isso a busca de soluções individuais para seu conforto financeiro, como a previdência privada.

    Assiste-se à criação de novos mercados para novos compradores - os velhos; presenciamos a explosão nas livrarias de livros de auto-ajuda para que cada um, aos moldes do mais claro individualismo, resolva seus próprios problemas; as áreas de conhecimento elaboram maneiras de mediação e satisfação de vida. Tudo leva a crer que, se a velhice não é bem-sucedida com tantos aparatos sociais disponíveis, por incapacidade do próprio indivíduo. (PEIXOTO, 2004, p. 19).

    Examinando esse quadro, observamos a exacerbação de princípios básicos da ideologia individualista, a tônica na singularidade individual e a tentativa de encobrimento do estigma moderno de velhice, numa luta contra o estereótipo que parece agora adiado para mais adiante nos anos, uma vez que a expectativa de vida se alarga.

    Questiona-se a idéia de inter-relação entre a constituição da noção de indivíduo moderno e saberes e práticas da modernidade e a complexidade da sociedade contemporânea. Nos seus estudos, Peixoto (2004) relata que os avós reafirmam a importância da família como um valor social e como uma instância fundamental na sociedade brasileira para a construção da identidade. A família apresenta-se, assim, como um espaço onde se confrontam e se mesclam valores que privilegiam o indivíduo e valores que acentuam a importância do grupo social.

    Só assim podemos compreender como, em determinadas situações, a avó critica a filha por não cumprir adequadamente os papéis tradicionais de esposa e mãe e como, em outras, apóia firmemente os projetos profissionais das filhas com a clara inflexão individualista. Peixoto relata:

    Em outras pesquisas, parte da geração intermediária a interpelação para o cumprimento da função de avós que, ao abrirem opções de relações sociais fora do domínio familiar, se recusam a participar da família como modo tradicional cuidando dos netos ou assumindo a figura desprestigiada de velhos sem sexualidade e sem espaços de sociabilidade. Nesse caso, a preocupação é com a preservação de sua intimidade individual diante da força englobadora da família e da desvalorização do velho nesse grupo. (2004, p. 21).

    Vemos, neste caso, os ideais de sociabilidade que acompanham a noção de velhice e que assegurariam a boa inserção do indivíduo idoso na sociedade, a intolerância por aqueles que não acompanham os padrões ideais de comportamento, de aparência, de produtividade. Concepções de indivíduo moderno focalizadas mais na liberdade (individualismo qualitativo) ou mais na igualdade (individualismo quantitativo), com o pressuposto da diferença, acabam se defrontando. Há um confronto e possíveis negociações; assim, há uma visão estigmatizadora da velhice e outra que pretende realçar a luta contra esse estigma. Com base nessas premissas, podemos considerar que o ser humano é a soma de seus dias e das experiências que vivencia durante todo esse tempo.

    Assim, a impulsividade e controle constituem um sistema único e interdependente: uma dose a mais de um ou de outro desequilibra a estabilidade do indivíduo e do grupo, representando o desvio padrão comportamental pautado em convenções e normas culturais num determinado tempo sócio-histórico. (BENINCÁ; SILVA, 2007, p. 147).

    As perdas, de acordo com Both et al. (2006, p. 68), também podem interromper a comunicação, causando uma deteriorização afetiva e cognitiva. O universo social torna-se sensível de modo especial a quem tem o que dizer, o que significa que, possivelmente, existe uma “hemorragia afetiva” em razão da incapacidade ou da pobreza de recursos internos para enfrentar possíveis perdas sociais.

    Vitola e Argimon (2003, p. 98) confirmam essas proposições ao entenderem que as habilidades cognitivas, tais como estar atento, pensar e recordar, assim como os vários aspectos da personalidade e comportamento (humor, motivação e estilo de enfrentamento), exercem importantes papéis na determinação de como a pessoa se adapta às alterações físicas que acompanham o envelhecimento e às mudanças nos papéis sociais e expectativas que tipificam a idade avançada.

    Para Guerreiro e Rodrigues (1999), o envelhecimento é um processo tipicamente individualizado, mas também definido pelos padrões socioculturais do momento. A maneira como um determinado grupo social encara a questão do envelhecer irá refletir significativamente em suas ações. Acima de tudo, existe a inter-relação das pessoas que estão envelhecendo e há uma série de mudanças a realizar numa sociedade que também está em constante modificação. O envelhecimento bem-sucedido depende da história individual, do contexto histórico-cultural e de fatores genético-biológicos.

Medo da doença e do abandono familiar

    A questão do envelhecer com dependência é um fato que ainda repercute negativamente entre as pessoas, que querem permanecer jovens para sempre. A não-aceitação do envelhecer gera uma série de fatores negativos, como depressão, dependência, baixa auto-estima para os idosos que não aceitam essa realidade. Ainda, o abandono, o adoecer são uma preocupação que se tornou explícita nas falas de Jade: “Tenho medo de me separar da minha família, de ficar doente, tenho medo que eles me coloquem num asilo , é só disso que tenho medo...”

    Segundo Caldas (2003), cada vez mais o tema do envelhecimento vem sendo abordado nos países desenvolvidos. Apesar dessas mudanças, a família é considerada como lugar de cuidados, proteção, afetividade, socialização e formação de personalidades.

    A função universal da família é de ordem puramente biológica para preservar a espécie. A socialização de seus membros para se tornarem cidadãos parece ser uma das tarefas mais importantes. Isto porque, como seres gregários, os indivíduos necessitam da adequação social para desenvolver seu papel e sobreviver socialmente. Outras funções da família são econômica, educativa, cultural e de proteção, variando em importância, de acordo com a época e com o lugar em que está inserida. Dessa maneira, torna-se importante compreender a família no seu contexto social, no qual ela tanto pode facilitar como esfacelar as potencialidades de proteção. (VIEIRA, 1996, apud MAZO; LOPES; BENEDETTI, 2004, p. 71).

    A dependência de um familiar idoso gera impacto na dinâmica, na economia familiar e na saúde dos membros da família que se ocupam dos cuidados. Por outro lado, é necessário pensar nos idosos que não têm uma família para assumir os cuidados necessários em situações de dependência (CALDAS, 2003, p. 779). Declarou Quartzo Rosa: “Acredito que jamais seremos desassistidos por nossos filhos, somos bem unidos”. A questão da dependência para a realização dos atos elementares da vida não se refere apenas à incapacidade, mas, sim, ao somatório da incapacidade com a necessidade. “Não me imagino longe de meus filhos, jamais, porque eu cuidei deles, eles têm que cuidar de mim também quando eu ficar mais velha”.

    Por isso, muitas vezes observa-se a violência (abusos, maus-tratos, negligência) contra o idoso no meio familiar, praticada por um membro da família que muitas vezes não quer cuidar dos pais, avós e ou sogros e é encarregado desses cuidados, dos quais o idoso doente, debilitado é dependente. Mazo, Lopes e Benedetti (2004) afirmam que, com as famílias nucleares, surgem problemas relacionados com o cuidado, proteção e assistência ao idoso, pois quase ninguém permanece no domicílio para atender o idoso que requer atenção.

    Os sujeitos, segundo Both et al. (2006), evidenciam uma frustração e uma espécie de aprisionamento; sentem falta de trocas de fala, que dão consistência e atualizam o perfil humano de quem se comunica. Revela-se um intenso sofrimento psicológico tanto pelas perdas intelectuais como pelas perdas afetivas, e há um visível abatimento orgânico expresso nas interlocuções.

    Segundo Rothermund e Brandtständer (2003, apud BOTH et al., 2006, p. 69), os sintomas depressivos podem ser vistos como um período crítico, pois estão associados à perda de objetivo de vida. Sabe-se que o baixo status de saúde, baixa expectativa de vida e perda das atividades da vida diária estão associados com aumento nos níveis de depressão. Ao contrário, altos níveis de suporte social, suporte financeiro, enfrentamento ativo, crenças e controles internos estão associados a baixos níveis de depressão, demonstrando a importância ímpar do suporte social e de atividades adjuvantes no apoio do idoso sujeito ao transtorno depressivo.

    Assim, a maneira como o grupo social encara a velhice, como interpreta os adoecimentos e como lida com a perspectiva da morte interfere, sobremaneira, na vida de indivíduo em sua auto-imagem, na relação consigo mesmo, na sua capacidade de construir o seu próprio caminho e na sua relação com os demais, idosos ou não.

    Citrino mencionou num dos encontros:

    Nós sabemos que existem preconceitos... tem gente que trata os idosos mal. O que eu quero falar ainda é agradecer a oportunidade. E não me canso de dizer que nós estamos envelhecendo numa época privilegiada, pelo acolhimento e consideração que se tem hoje, pois outrora ninguém tava nem aí pros velhos.

    Gordilho (2002, p. 204) avalia a fragilidade da saúde, em especial as doenças cerebro-vasculares, infarto agudo do miocárdio, osteoartose, doença pulmonar obstrutiva e demência, como predisponentes à depressão.Os sujeitos que tem diminuído o poder das funções físicas (perdas orgânicas) têm reduzidos os espaços comunicativos consigo mesmo e com os outros, o que acarreta estados de humor de baixa intensidade.

    Também a ameaça ou mesmo a perda de funções leva a que os indivíduos se percebam como portadores de limites, tornando-se dependentes de seus familiares; há, assim, uma percepção reduzida de si mesmos, o que converge para a doença e para um sentimento de inaptidão e perda. Como efeito dessa sensação de perda comunicativa brotam o sentimento de angústia e a depressão.

    Por outro lado, a dependência não é um estado permanente, mas um processo dinâmico, cuja evolução pode se modificar e até ser prevenida ou reduzida se houver ambiente e assistência adequados. Além disso, para que se previna a violência contra o idoso torna-se necessário fazer intervenções, segundo Mazo, Lopes e Benedetti (2004), no que se refere ao apoio da família do cuidador, com terapia familiar, envolvimento, promoção da integridade familiar, dentre outros; ainda ampliar a rede de suporte social (formal e informal) e ultrapassar os limites do âmbito familiar (amigos e vizinhos) no cuidado do idoso.

    A tarefa do cuidado não pode ser restringida à família; tem de ser compartilhada com outras instituições e o Estado, devendo, assim, se chegar a uma solução para o problema em questão.

Melhora nas relações familiares

    Entre as experiências positivas prévias, os primeiros vínculos significativos numa família que dá amor e carinho servem de suporte emocional para todos os filhos, inclusive na vida adulta. No que se refere ao idoso, a função de proteção é uma das mais necessárias, pois a família é uma importante rede de suporte para ele. Independentemente das tradições culturais e econômicas de cada sociedade, a família ainda é a principal responsável pela manutenção e cuidados de seus idosos.

    Baltes e Silverberg (1995) referem que o ajustamento bem-sucedido está correlacionado à existência de redes sociais que permitam maior intimidade nas conversas, reforçando a importância das ligações mais íntimas entre as pessoas, em vez de relações sociais mais amplas. Como declarou Jade: “Depois que comecei a vir na oficina melhorei muito, estou me sentindo mais solta. Aprendi a dar mais valor a minha vida, meus filhos, meus amigos e meus netos”.

    Pinheiro (2004) defende a necessidade de que o ser humano tenha um sentido, um projeto de vida, desenvolvendo, para isso, laços interpessoais - familiares, sociais e profissionais - que lhe dêem sustentação afetiva em momentos críticos da dor e da morte. Assim, estar-se-á possibilitando a reformulação de novos modos de ação, que resultem na apropriação da identidade e na participação no contexto social, reforçando o caráter ativo da velhice, que, se bem explorados, pode garantir as estratégias para se alcançar um envelhecimento bem-sucedido.

    A gente ficava em casa mofando e só trabalhando, só em função da casa. Não tenho que ficar só limpando a casa, tenho que parar e dar atenção para meus filhos e netos, e de vez em quando sair com os amigos do grupo. (Ametista).

    A velhice bem-sucedida, conforme Néri (1995), representa a velhice boa e saudável, com a manutenção da capacidade habitual de adaptação. Velhice bem-sucedida é, assim, uma condição individual e grupal de bem-estar físico e social, referenciada nos ideais da sociedade, nas condições e nos valores existentes no ambiente em que o indivíduo envelhece e nas circunstâncias de sua história pessoal e de seu grupo etário.

    De acordo com Benincá, Costella e Vivian (2006), no âmbito familiar as novas possibilidades de vida motivam o resgate e a aproximação dos outros familiares, com ênfase na dedicação dos filhos e netos como principais fatores de realização afetiva e investimento pessoal. A construção de uma nova identidade está alicerçada no desenvolvimento de uma vida social fora de casa.

    Quartzo Rosa contou-me que desenvolveu muito sua sensibilidade, que se sente com mais liberdade de sentir o próprio corpo, tocando-se através do olfato, e o corpo do outro, pelo fato de ter participado de todas as vivências. Até a sensibilidade e a convivência estão diferentes, o que sente no jeito de abraçar os filhos, com mais carinho, apertando mais. E Ametista complementou: Estou aprendendo a ouvir, ter paciência, controlar os meus nervos, ser mais carinhosa com os filhos e entender meu companheiro. Nas aulas eu aprendi isso, tenho que buscar um equilíbrio pra viver melhor.

    A família ainda continua a ser a melhor garantia do bem-estar material, afetivo e espiritual do idoso, por meio da solidariedade familiar, que se baseia nos valores morais e filosóficos das sociedades e das culturas. Essa solidariedade se fortalece pela transmissão de conhecimentos e de capacidades e por laços econômicos, visto que não poderá ser exercida plenamente caso faltem à família os meios materiais para satisfazer as suas necessidades básicas.

Afetividade e sexualidade com seus companheiros

    A sexualidade do idoso depende de sua vida sexual. As pessoas que tiveram uma prática sexual mais intensa tendem a permanecer mais ativas na velhice. A existência de um parceiro fixo configura-se como importante incentivo à prática sexual, caso o relacionamento seja estimulado.

    Nos seres humanos, a energia sexual, caracterizada como um fenômeno intracorporal, manifesta-se ora na individualidade, ora no ritmo envolvente que, de forma mais ou menos intensa, comanda a intimidade entre dois corpos. Mais tarde, as experiências sociais e o aperfeiçoamento afetivo-cognitivo vão qualificando a vivência da sexualidade também como um fenômeno intercorpóreo, que se amplia e se aprofunda na vivência das relações interpessoais. ( BENINCÁ e SILVA, 2007, p. 147).

    O grau de preconceito, de narrativas e conservadorismo vai determinar uma vida mais ou menos livre para a realização dos desejos sexuais, que é a maneira como a pessoa expressa seu sexo de uma forma não preconceituosa nem estereotipada, pois a velhice precisa ser vista dentro do ciclo de vida normal. Ainda Benincá e Silva assinalam:

    Entre os casais mais velhos, o beijo cede um pouco do seu lugar para o abraço, no qual os corpos se tocam com vagar e com carinho. Nesse abraço de corpo inteiro, não somente os corpos se unem, mas sobretudo, os sentimentos são comunicados e as emoções compartilhadas. (2007, p. 158).

    Para Ametista:

    Tinha receio de que o meu relacionamento com meu companheiro fosse não dar certo. Estou me sentindo bem. Agora estou conseguindo demonstrar o afeto e o carinho para meu companheiro. Quero, no ano que vem, trazer ele pra cá, para assistir às palestras e participar da oficina. Quem sabe ele aprende um pouco mais e deixa de ser cabeça dura...(risos).

    Benincá e Silva ressaltam que

    as estratégias de sedução e conquista jamais devem ser abandonadas, principalmente por aqueles que comungam de uma vida juntos. Segundo KERNBERG (1990), casais antigos podem criar um grau de conhecimento mútuo , empatia e aceitação que reflete a profundidade da sua ligação e a tolerância com o parceiro com um claro senso de dominância do amor sobre o ódio na convivência diária.Além disso, a liberdade para compartilhar sentimentos de insegurança de qualquer fonte promove o mútuo reasseguramento, o qual fortalece o sentimento de gratidão que é uma parte da experiência mútua de amor e ternura. (2007, p. 158).

    Para Santos (2000, apud MAZO; LOPES; BENEDETTI, 2004), o ambiente e a falta de oportunidade desestimulam o idoso para o sexo. Muitas vezes, na família, os filhos são os primeiros a negar a sexualidade dos pais e, quando a admitem, vêem-na como algo depreciativo, como sinal de demência ou atitude infantil.

    A crença na progressiva e generalizada incompetência e/ou impotência sexual dos idosos é parte intrínseca desses estereótipos. Segundo Benincá e Silva (2007), a renúncia do idoso ao pleno exercício da sexualidade pode justificar-se, entre outros, por uma relativa fragilidade psicofisiológica dessa população.

    Vasconcellos et al. (2004) enfatizam o assunto de uma perspectiva sociológica, afirmando que o papel sexual negativo conferido aos idosos na cultura ocidental dificulta que, dentro de um contexto socialmente significativo e positivamente valorizado, o próprio indivíduo se reconheça e reaja a circunstâncias ou estímulos sexualmente excitantes. Na mesma linha, psicanalistas entendem que a clivagem entre a ternura e a sensualidade compele os longevos a encobrirem qualquer manifestação sexualizada, sob pena de serem marginalizados pela sociedade e rejeitados pela própria família.

    Quartzo Rosa declarou a respeito: “Normalmente temos uma convivência boa, meu marido é bem aberto, mas melhorou depois de participarmos da oficina. O conhecimento sobre nós mesmos, como também no sentido de trocarmos mais carinho, sentir o corpo do outro, a consciência, a consciência de abraçar, o sentir, o que às vezes queremos expressar”.

    Para Stuart-Hamilton (2002), embora o exercício da sexualidade na idade madura seja normal e sadio, a diminuição do interesse sexual referida nessa fase é atribuída, em parte, à visão negativa da sociedade, embora doenças e tratamentos médicos que afetam o impulso sexual também sejam implicações importantes a serem consideradas. Essas manifestações também dependem dos aspectos sociais e culturais, de como se origina a sexualidade masculina e feminina, no caso, a sexualidade dos mais velhos e mais velhas.

    De acordo com Benincá e Silva (2007, p.159), é certo, porém, que não existe uma “regra de ouro” que se aplique a todos e a qualquer relação. Seja na relação matrimonial longeva, seja nos eventuais namoros entre indivíduos da terceira idade, cada um terá de descobrir o seu próprio caminho e suas estratégias para desfrutar da sexualidade, sozinho ou acompanhado.Para isso, um longo caminho de experimentação pode ser percorrido, fazendo ajustes e adaptando-se às próprias necessidades e às do outro, processo esse que, por si só, já é eroticamente muito estimulante.

    A questão da sexualidade na velhice requer ainda muitas reflexões e ações educacionais que favoreçam a desmistificação do corpo do idoso, especialmente pelos mais jovens e pelos meios de comunicação. A velhice, assim como a juventude, é mais uma fase em nossa vida, e a sexualidade se faz necessária em todas as fases da vida do ser humano.

Considerações finais

    A pesquisa teve como finalidade identificar as implicações e compreender os significados da linguagem corporal junto a um grupo de idosos, considerando o papel do educador. O objetivo foi ampliar a reflexão que permeia a educação estética e a linguagem corporal como elementos fundamentais no processo educativo enfatizado na proposta pedagógica, que privilegiou uma nova cultura de movimento, juntamente com a possibilidade da (re)descoberta da corporeidade no idosos, a partir das percepções, dos sentimentos, da afetividade e dos desejos provocados pelas vivências do corpo em movimento.

    O corpo é condição para a linguagem corporal e a apropriação desse conhecimento, demarcado pelos limites e possibilidades da corporeidade, precisa ser resgatada e estimulada nas crianças, nos adultos e nos idosos. É o corpo que determina identidade e pertencimento à cultura compartilhada nas inter-relações entre as culturas, suas confluências e divergências, conduzindo ao reconhecimento da riqueza cultural como potencializadora da linguagem corporal.

    A proposta educativa da oficina favoreceu o desenvolvimento da criatividade, da auto-estima e da corporeidade dos participantes, alterando significativamente, segundo os relatos nas entrevistas fenomenológicas, a percepção de mundo, visto com mais positividade e entendimento em suas mudanças atuais, bem como a compreensão e dimensão do processo do próprio envelhecer. Com base nos relatos dos idosos, três essências emergiram do estudo: o corpo e sua linguagem, os paradigmas corporais e educação estética e as relações pessoais e interpessoais.

    Os objetivos propostos neste estudo foram alcançados por meio de experiências sensibilizadoras, as quais levaram os participantes a refletir sobre o significado da expressão corporal, conhecendo os fundamentos da educação estética e da linguagem corporal. Como fruto desses saberes houve uma melhora significativa dos vínculos nas relações interpessoais, maior expressão da afetividade para com seus companheiros, além de uma reflexão e de novos olhares sobres os paradigmas corporais e sexuais enraizados em razão de uma educação formal/informal repressora. Sobretudo, eles vislumbraram possibilidades de viver melhor.

    Acredito, como educadora, que cada participante, conforme sua singularidade, teve modificado um pouco o significado de sua própria essência, despindo-se de seus paradigmas antigos e de preconceitos com relação a sua linguagem corporal. Segundo os entrevistados, essa reflexão/ação permitiu-lhes compreender novas significações sobre a corporeidade e também no processo de envelhecer, contribuindo para o autoconhecimento e para uma educação através do movimento, que proporciona o saber sobre si mesmo, cujas possibilidades podem ser compartilhadas em múltiplos espaços e contextos.

    É com base nesses pressupostos que a educação por meio da linguagem corporal possibilitou-nos a discussão sobre as manifestações estéticas cotidianas, (re)significando o mundo da vida. Nesse sentido, o trabalho com a expressão corporal é uma forma de proporcionar aos idosos uma sensação de bem-estar, liberando as tensões, soltando-se, expressando-se, vivendo a vida intensamente, sem narrativas ou estigmas, descobrindo-se, enfim, a si mesmo pelo movimento.

    A consciência de si, baseada no reconhecimento da própria imagem, incluindo seus aspectos fisiológicos, sociais e afetivos, pode ser um caminho para a transformação do corpo-objeto num corpo-sujeito no contexto de um envelhecer mais significativo e prazeroso. A linguagem corporal pode ser um elo de interligação para que possamos desenvolver uma melhor sensibilidade humana.

    Os corpos na dança retratam insistentemente a magia do imprevisível, de viver o novo; é a possibilidade do corpo de descobrir o outro e, ao mesmo tempo, de se descobrir pelo movimento. Acreditamos que com as vivências da oficina os idosos perceberam uma nova dimensão sobre a educação estética e a cultura de movimento, o que lhes permitiu uma reflexão acerca dos paradigmas corporais que lhes foram impostos, bem como repensar novas formas de vivenciar o próprio corpo e, sobretudo, sua sexualidade e suas relações interpessoais. Em suas falas observamos a descoberta desse novo mundo no cotidiano pelo conhecimento da linguagem corporal, percebendo que viver é distinguir, escolher, criar, intervir, com base numa educação estética que revela como os indivíduos corporificam seus sentimentos e seus saberes.

    Com a elaboração desse estudo percebi que a questão da cultura de movimento ainda requer novas possibilidades de trabalho a fim de dimensionarmos a questão das narrativas, dos preconceitos relativos ao idoso. É necessário criar novos saberes e ações, que possibilitem o encontro do idoso consigo mesmo e que favoreçam melhoras visíveis no contexto em que ele se insere. Viabilizar a educação por meio da linguagem corporal como uma possibilidade de conhecer, de trocar experiências cinestésicas através do tato, da audição, do paladar e da visão, desenvolvendo a sensibilidade, produz no ser humano um (re)descobrir de sua corporeidade, vivendo experiências sensibilizadoras, não reprodutoras, que o dimensionam em sua totalidade, como um ser-no-mundo.

    Parto da premissa de que muito ainda pode ser feito em benefício da população idosa no que diz respeito à educação estética e à linguagem corporal no processo educativo estético do idoso. Nesse sentido, a dança e o trabalho de expressão do corporal com idosos podem ser bons aliados na busca de dias melhores no decorrer do processo de envelhecer, o que possibilita a aquisição de novos saberes e experiências em relação aos comportamentos corporais, sociais, afetivos e cognitivos, e principalmente no auto-conhecimento das pessoas.

    Esperamos continuar a trilhar por novos caminhos na busca de mais qualidade de vida e educação para a população idosa , como também viabilizar ações de maior abrangência , no intuito de incentivar os profissionais das mais diversas áreas a buscar novas formas de adequação para o atendimento às pessoas idosas, frente às perspectivas e desafios que norteiam as estatísticas no que se refere aos elevados índices e parâmetros de crescimento da população idosa em nível mundial.

    Este é um novo tempo: está na hora de dançar, de se perceber, de viver, de criar e ousar idéias novas, de sentir-se plenamente! Está mais do que na hora de retirarmos nossas carapaças e de despir-nos de antigos paradigmas, de narrativas e preconceitos. Este é um novo tempo. É um tempo de traçar a rota, de ajustar as velas e escolher o próprio destino.

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