Correlação entre o valor RMS e a força muscular dos eretores da coluna durante o suporte isométrico de carga Correlation between RMS value and muscular force of the spine erector during load isometric support |
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Laboratório de Biomecânica, Centro de Desportos. Universidade Federal de Santa Catarina. (Brasil) |
Juliano Dal Pupo Daniele Detanico | Diogo Cunha dos Reis juliano.dp@hotmail.com |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 122 - Julio de 2008 |
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Introdução
Na biomecânica, a determinação das forças internas por medidas indiretas tem sido realizada ao longo do tempo, iniciado pelos pesquisadores Braune e Fisher entre os anos de 1898 e 1904 (AMADIO E BARABANTI, 2000). A coluna lombar, devido à forte incidência de lesões nesta região (GONÇALVES, 1998), é uma das estruturas corporais amplamente estudas na tentativa de estimar as forças internas que agem neste segmento, durante atividades de levantamento manual de cargas (LA TORRE et al, 2007; GEROLD et al., 2002; WILKE et al., 2006).
O conhecimento das forças internas no corpo humano parte de duas abordagens clássicas: a medida direta e o procedimento analítico indireto. A medida direta envolve geralmente o implante de sensores de força no ser humano vivo, o que esbarra em questões éticas e limitações tecnológicas, sendo impróprio para avaliações fora do ambiente de laboratório (DALA VECHIA et al, 1999). Desta forma uma alternativa viável para avaliação das forças internas é a dinâmica inversa, utilizando-se de dados cinemáticos para deduzir as forças internas.
Durante as atividades de levantamento ou sustentação de uma carga, o indivíduo normalmente projeta ou flexiona seu tronco à frente. Tem sido documentado que, durante tais atividades, ocorre uma sobrecarga à nível de L5/S1 (ADRIAN e COOPPER, 1989), sendo que a magnitude de tal sobrecarga é dependente da técnica de levantamento assim como da capacidade dos músculos extensores da coluna em produzir força (KINGMA, 2004; ADAMS e DILAN, 2005). Já na década de 40 surgiram os primeiros modelos que tentaram simular posturas e atividades para estimar indiretamente as cargas que agem na coluna lombar (LA TORRE, et al., 2007), ressaltando assim o interesse e preocupação com esta estrutura corporal.
Nesse sentido, quantificar as cargas impostas à coluna lombar e compreender como as forças internas musculares atuam parece ser um fator preponderante. Nesse contexto, uma importante ferramenta de investigação biomecânica, a eletromiografia (EMG), tem sido utilizada nos últimos anos para avaliar a atividade neuromuscular nos músculos da coluna durante atividades de levantamento. Segundo Gonçalves (1998), a EMG apresenta-se como coadjuvante nos modelos biomecânicos destinados a estimar força muscular, servindo para modular as forças relativas de cada músculo.
Alguns estudos já realizados (SULLINAN, 1989; CANTERGI, 2007; PASINI, 2007) avaliaram a ação dos músculos da coluna e a correlacionaram com a força muscular produzida, medida indiretamente. Tais estudos realizados, em contração dinâmica, demonstraram haver correlação entre força e sinal EMG, no entanto não reportam a respeito de contrações isométricas.
Em situações estáticas, a EMG parece ter uma relação linear direta com a força (KONRAD, 2005), considerada assim pelo autor uma ótima ferramenta para estimar ou relacionar com o cálculo do torque produzido em modelos biomecânicos. Segundo Amadio (1996), se tal relação for confirmada, será possível mensurar de forma mais seletiva e acurada as forças internas realizadas por uma contração muscular, e assim, maiores dados sejam encontrados, auxiliando na interpretação dos fenômenos. Nesse sentido, Gonçalves e Barbosa, (2005) destacam a importância da relação entre força isométrica dos músculos eretores da coluna com as cargas, no sentido de prevenção e manutenção da integridade física do indivíduo durante realização de atividades específicas que requeiram ação de tais músculos.
Com base nestas afirmações, objetivou-se neste estudo verificar a relação existente entre a força gerada pelos músculos eretores da coluna, calculado de maneira indireta, com a atividade eletromiográfica, durante a sustentação de uma carga com diferentes níveis de flexão de tronco.
Materiais e métodosEste estudo do tipo correlacional foi realizado com um sujeito do sexo masculino com 22 anos, estatura de 190 cm e 80 kg de massa corporal, considerado sadio e sem histórico de lesões na coluna, selecionado de maneira intencional. O mesmo foi previamente informado sobre os procedimentos da pesquisa, obtendo assim o consentimento do mesmo.
A investigação foi realizada sob o seguinte design: no primeiro momento o indivíduo suportou, em contração isométrica, um peso equivalente a 20% da sua massa corporal, durante 5 segundos, em três diferentes angulações de flexão de tronco. Na seqüência e após um intervalo recuperativo, o mesmo indivíduo suportou um peso agora equivalente a 30% da massa corporal, também nos três diferentes níveis de flexão do tronco. Durante o instante em que o indivíduo sustentava a carga isometricamente, foi fotografada tal posição para, posteriormente, por meio de dados cinemáticos, calcular indiretamente as forças musculares atuantes no sistema. Além disso, foram adquiridos sinais eletromiográficos para analisar a atividade eletromiográfica dos músculos que sustentavam estas posições.
Inicialmente foram realizados os procedimentos para o registro do sinal eletromiográfico. Preparou-se adequadamente a pele, com tricotomia, de limpeza com álcool e abrasão. Na seqüência fixaram-se os eletrodos de superfície, sendo os mesmos dispostos bilateralmente no músculo eretor espinhal na altura de L3. Foram utilizados eletrodos de superfície de AgCl3, com 3,5 cm de diâmetro, na configuração bipolar, dispostos longitudinalmente às fibras musculares. O eletrodo de referência foi colocado sobre espinha ilíaca ântero-superior direita.
Após esses procedimentos, para possibilitar a aquisição dos dados cinemáticos, foram fixados marcadores de referência, esféricos e de cor branca, nos seguintes pontos anatômicos: trocânter maior do fêmur, processo acromial, epicôndilo lateral do úmero, ponto médio entre o processo estilóide do rádio e da ulna e na ATM, todos do lado direito.
Para as tarefas de sustentação de sobrecargas, o protocolo utilizado consistiu em suportar duas diferentes sobrecargas, uma equivalente a 20% e a outra a 30% da massa corporal do sujeito, em três diferentes ângulos de flexão do tronco: aproximadamente 10º, 25° e 40º, sendo tais ângulos controlados por um goniômetro e confirmado posteriormente pela análise cinemática da fotografia. Após colocar-se na posição estipulada, o peso era colocado nas mãos do indivíduo, na qual suportava por um período de cinco segundos, tempo este que eram coletados os sinais eletomiográficos e capturada a imagem por meio de fotografia digital. O indivíduo manteve os joelhos, em todas as situações, em leve flexão e os membros superiores suspensos ao longo do corpo (Figura 1). Respeitou-se um intervalo recuperativo de pelo menos 3 minutos entre as tentativas.
Figura 1. Representação dos braços de alavanca de resistência, da força muscular (FM) e do centro de massa (CM) do corpo e da carga.Para a obtenção do sinal eletromiográfico utilizou-se um eletromiógrafo de 8 canais da marca Miotec (Miotool 200/400 USB), Porto Alegre, RS. A aquisição foi realizada através do software Miograph USB, com freqüência de amostragem de 2000 Hz. O sinal bruto foi inicialmente filtrado por meio de um filtro Butterworth do tipo passa-banda, com limite superior de 450 Hz e limite inferior de 20 Hz. A seguir, foram recortados os 3 s centrais do sinal, sendo o mesmo analisado no domínio do tempo utilizando a técnica RMS (root mean square), com janelas fixas de 32 pontos.
Os dados cinemáticos foram obtidos por meio da fotogrametria, na qual utilizou-se uma máquina fotográfica digital da marca Sony modelo DSC-P32. A partir de parâmetros inerciais calculou-se o centro de gravidade do corpo inteiro, a partir do modelo analítico proposto por Dempester, Baumann e Galbierz citados por Riehle (1976). Como o objetivo foi estimar a força muscular, necessitou-se calcular o torque produzido pelo conjunto cabeça, tronco e membros superiores e o torque produzido pelo peso suportado, tomando como referência o centro de gravidade do indivíduo. Assim, estimou-se de modo indireto a força muscular produzida pelos músculos eretores da coluna, a partir do equilíbrio entre três forças: a) a força produzida pelo peso do corpo superior (P), (aproximadamente 50% da força exercida pelo peso total); b) a força produzida pelo peso do objeto (PO) e c) a força produzida pela contração dos músculos eretores da coluna (FM), os quais têm direção e ponto de aplicação conhecidos, mas magnitude desconhecida, ilustradas na figura 1.
Como essas 3 forças atuam a uma distância do centro de movimento da coluna, elas criam momentos de força (torque) na coluna lombar. Dois momentos de inclinação para frente, (P * Br.P[1]) e (PO * Br.PO[1]), produzidos por P e PO e as linhas perpendiculares do centro instantâneo de rotação até as linhas de ação dessas forças (seus braços de alavanca). Um momento de contrabalanço, FM*Br.FM é produzido por FM e seu braço de alavanca (Br*FM=0,05m[2]). A magnitude de FM é achada pela solução da equação de equilíbrio para momentos de força, como descrito na equação a seguir. Para um corpo estar em equilíbrio de momentos, a soma dos momentos agindo na coluna lombar deve ser zero.
Com relação ao tratamento dos dados, para descrever os valores RMS de cada situação analisada, bem como os valores de força muscular estimados utilizou-se estatística descritiva; para relacionar os valores RMS com os valores estimados de força muscular utilizou-se a correlação de Pearson a p<0,05.
ResultadosOs resultados dos valores eletromiográficos (RMS) dos músculos eretores da coluna nas inclinações de flexão de tronco de 20% e de 30% da massa corporal estão apresentados nas Figuras 1 e 2, respectivamente.
Conforme os valores descritos nas Figuras 1 e 2, pode-se verificar uma tendência do sinal EMG em aumentar gradativamente na medida que aumenta a flexão do tronco. Tal fato não ficou bem evidenciado entre as situações 2 e 3 da Figura 1. Entre as duas intensidades, parece não haver uma relação entre aumento da sobrecarga (peso) com o aumento do sinal EMG nas posições 1 e 2 (Figuras 1 e 2), fato este que ocorreu na posição de maior grau de flexão de tronco, a posição 3 (Figura 2).
Os resultados pertinentes à força muscular produzida pelos músculos eretores da coluna nas inclinações de 10º, 25º e 40º, com as sobrecargas de 20% e 30% da massa corporal estão contidos na Figura 3.
De acordo com a Figura 3, pode-se observar que com o aumento dos ângulos de inclinação do tronco, os valores de força respectivos mostraram-se superiores, com ambas as sobrecargas, sendo que com a carga de 30% da massa corporal, a magnitude da força muscular tendeu a ser maior.
Visando verificar a possível relação entre os valores de RMS com os resultados da força muscular estimados pela dinâmica inversa, correlacionaram-se ambas as mensurações. Os resultados estão contidos na Tabela 1.
De acordo com a Tabela 1, pode-se evidenciar que houve correlação muito boa (rc>0,80), ou seja, a ativação neuromuscular e a estimativa da força muscular apresentam um comportamento similar em ambas as sobrecargas.
DiscussãoOs resultados deste estudo, referentes aos valores RMS nas diferentes posturas adotadas de suporte de carga (Figuras 1 e 2), mostraram-se similares aos achados de Krumholz et al. (2007) em situação de contração dinâmica. Esses autores verificaram que na medida em que aumentava o grau de inclinação do tronco com os joelhos estendidos, houve uma maior ativação neuromuscular.
Embora aparentemente não haja relação entre o aumento da sobrecarga com a ativação muscular nas inclinações de 10º e 25º (Figuras 1 e 2), quando o sujeito foi testado na inclinação de 40º, a resposta mioelétrica dos eretores da coluna mostrou-se superior na sobrecarga de 30% da massa corporal, o que significa que em posturas de maior inclinação do tronco, a contração muscular torna-se mais intensificada, concordando com Gracovetski (1988), quando ressalta que com o aumento da angulação relativa do tronco é gerada maior exigência da musculatura da coluna para a sustentação do corpo.
No que diz respeito a intensificação da força muscular gerada pelos músculos eretores da coluna na medida que aumentava a inclinação do tronco, assim como a sobrecarga (Figura 3), La Torre et al. (2007) encontraram resultados semelhantes em técnicas de levantamento de carga, onde simultaneamente ao aumento da inclinação do tronco, era gerado um aumento das magnitudes da força muscular no segmento do tronco. Em adição, Delwing et al. (2007) verificaram um aumento da força muscular atuante sobre a coluna cervical de ciclistas durante a pedalada na medida em que a mesma se tornava mais estendida e anteriorizada.
Quanto a correlação encontrada entre a atividade eletromiográfica com a força gerada pelos músculos eretores da coluna, alguns estudos (SULLINAN, 1989; CANTERGI, 2007; PASINI et al., 2007) também verificaram tal relação, no entanto, os mesmos foram realizados com levantamento de carga, ou seja, em situação de contração dinâmica.
Da mesma forma, neste estudo, tanto a dinâmica inversa quanto a EMG se mostraram métodos coerentes para estimar o esforço muscular em situação de contração isométrica. Nessa perspectiva, Konrad (2005) concluiu que o método indireto da dinâmica inversa pode ser utilizado de forma eficaz para predição da força muscular durante contração isométrica, assim como a EMG, de acordo com Pasini et al. (2007), na qual encontraram fortes correlações entre a força estimada indiretamente com a resposta eletromiográfica.
Diante disso, pode-se inferir que a possibilidade de medir as forças internas, por meio de métodos que quantifiquem mais precisamente seus valores, pode ser uma maneira de contribuir na prevenção de lesões em indivíduos que estejam submetidos a esse tipo de exposição sistematicamente.
ConclusãoCom base no objetivo do estudo e respeitando suas limitações, pode-se concluir que, neste estudo, tanto a dinâmica inversa como a EMG mostraram-se coerentes para a predição do esforço muscular nos músculos eretores da coluna durante a sustentação de sobrecargas com diferentes inclinações do tronco.
Notas
Braço de resistência do peso do corpo e do peso do objeto.
Valor citado pela literatura.
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