efdeportes.com
Aprendizagem e auto-formação: algumas percepções
do desenvolvimento profissional docente

 

*Graduado em Educação Física

Licenciatura Plena pelo Centro de Educação Física e Desportos (CEFD)

da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Especialista em Pesquisa e Ensino do Movimento Humano (CEFD/UFSM) e

em Gestão Educacional do Centro de Educação (GEd/CE/UFSM)

Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM)

Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (GEPEF/UFSM)

**Doutor em Educação (UNICAMP) e em Ciência do Movimento Humano (UFSM)

Professor Adjunto do Departamento de Metodologia do Ensino e

do Programa de Pós-Graduação em Educação (MEN/PPGE/CE/UFSM)

Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (GEPEF/UFSM)

Leonardo Germano Krüger*

leonardogk@gmail.com

Hugo Norberto Krug**

hnkrug@bol.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo objetivou compreender a percepção das vivências experienciadas na Comissão de estruturação e implantação do projeto político-pedagógico e reestruturação curricular do ano de 2004 (CEIPPP/RC) dos professores formadores do curso de Licenciatura em Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria (CEFD/UFSM). Caracterizamos esse estudo como um estudo de caso qualitativo, em que usamos a narrativa oral como instrumento metodológico. A partir da análise das narrativas formulamos unidades de significados. Concluímos que as reflexões nas relações que o professor mantém nas experiências com a instituição, com os demais professores e com os alunos revelam-se como uma perspectiva ecológica de mudança para o contexto educacional.

          Unitermos: Aprendizagem. Educação Física. Narrativa. Desenvolvimento profissional.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 122 - Julio de 2008

1 / 1

    Este artigo objetivou compreender a percepção das vivências experienciadas na Comissão de estruturação e implantação do projeto político-pedagógico e reestruturação curricular do ano de 2004 (CEIPPP/RC), dos professores formadores do curso de Licenciatura em Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria (CEFD/UFSM), o que, conseqüentemente, poderá auxiliar em momentos de profissionalização docente continuada dos professores nesta e em outras Instituições de Ensino Superior ou Educação Básica.

    A fim de viabilizar o proposto, esta pesquisa exigiu-nos o estudo de caso qualitativo, bem como a narrativa oral como instrumento metodológico. Para tal, utilizamos temas relacionados às vivências experienciadas dos professores no quotidiano da sua trajetória profissional. Após a gravação das narrativas, elas foram transcritas e analisadas à identificação de significados (OLIVEIRA, 2006; ANDRÉ, 2005; JOVCHELOVITCH; BAUER, 2003; JOSSO, 2002; MOLINA, 1999). Então, após breve contextualização teórica, apresentaremos os achados do nosso estudo valorizando e expondo fragmentos das narrativas construídos pelos Professores, denominando-os de professores-personagem porque os mesmos assumiram um caráter biográfico ao falarem de si mesmo, da profissão e do contexto, o que permitiu assentar a formação na sua trajetória de vida (BOLÍVAR, 2002). Os seus nomes verdadeiros foram preservados, aos quais atribuímos nomes fictícios.

Aprender a ser professor

    Refletir sobre “aprender” significa pensar sobre nossa trajetória de vida, o que de fato está sendo considerado nas narrativas dos professores-personagem. Não se pode negar que o “aprender” passa pelos nossos desejos, sentidos e emoções voltados para um determinado foco, podendo possibilitar e estabelecer relações com os conhecimentos já construídos.

    Dentre tantos saberes necessários para a vida adulta, pessoal e profissional, o aprender a ser professor é algo complexo. Ao longo dos desafios e encruzilhadas do percurso formativo, construímos uma imagem sobre ser professor, talvez baseada em nossa própria experiência como aprendizes, ou talvez a partir da imitação de outros docentes, ou também, à medida que vamos acumulando experiência como docente, temos a capacidade de modificar algumas idéias que tínhamos, ressignificando saberes.

    Neste sentido, a reflexão sobre atitudes, comportamentos, visão de mundo, valores, usos, costumes, ideologia, prática cultural, torna-se não só um desafio qualquer, mas significa a apreensão e apropriação do conhecimento, indo além do simples fato de aprender, visando assumir “ser professor” no sentido de se tornar um profissional preocupado com a melhoria da função docente, da prática como política e pedagógica.

    A Universidade, ela é um aprendizado constante. Não sei se é só a Universidade, acho que qualquer coisa que se faz na vida é um aprendizado. Outra coisa que é muito importante e que eu ainda não falei como perfil de docente é o próprio andamento da Universidade, a própria política da Universidade, a própria organização da Universidade e do rumo que ela tem aí em relação ao conhecimento, a sua construção. A decisão hoje que se tem aqui dentro, quer dizer que nós estamos dando uma nova formação para o aluno, uma nova organização aqui desse conhecimento. Então a gente precisa entender disso também, sabe! Ter certo, assim, na cabeça uma opinião formada de que Universidade se quer, que formação que se pretende.

    Então eu não falei disso anteriormente, mas eu entendo que o professor universitário tem que ter essa coisa: é o ensino, é a pesquisa, é a extensão, mas também é a política universitária, é a política que é adotada. E aí vai também desde uma formação política de cada um; acho que a base da tua formação é a política.

    A expectativa que eu tenho assim sobre a Universidade, da docência, que a prática diária vai me dar assim, digamos novas motivações, claro que a gente tem decepções também. Eu, particularmente, me seduz bastante a Universidade. Eu vejo que ela me da mais motivação, inclusive eu não consigo ficar chateado muito tempo. Se eu erro, eu não fico lamentando, tal. Não me derruba, sabe, o erro, ou os incômodos que às vezes a gente tem aqui dentro. Pelo contrário, eu vejo que a Universidade, o que eu espero dela é justamente isso daí. É aprender cada vez toda essa complexidade que envolve essa docência.

(Alfredo)

    Eu acho que desde que eu vim para a Instituição em 98 como professora efetiva, depois da minha experiência como substituta, que é o início, né! Então desejo que contigo seja assim também, eu estou em um processo de ensino-aprendizagem, mas principalmente, de aprendizagem. Então, eu vejo o meu aluno no mesmo lugar do que eu, só em dimensões diferentes. Então, isto me fez crescer. Não teria como mensurar o quanto isto me fez crescer enquanto pessoa, enquanto profissional. Porque eu também nunca fui Coordenadora de Curso; eu nunca fui Presidente de Comissão de Elaboração de Projeto Político-Pedagógico.

    Quando eu fui Coordenadora do Curso (...) aprendi a ser Coordenadora. Agora se eu sou uma boa Coordenadora depende muito do olhar e às vezes, do resultado que a gente tem. Se você é um bom aluno, é a mesma questão. E eu diria que após quatro anos eu aprendi muito.

    E quando iniciou essa questão de que nós teríamos que fazer a Reforma Curricular, o primeiro Documento que eu peguei e li umas três, quatro vezes foi o PPP da Universidade; as Normas Gerais da elaboração de Projetos Políticos-Pedagógicos da Universidade.

    (...) provavelmente, quando eu fui aluna da graduação, a gente tenha falado alguma coisinha sobre projeto político-pedagógico, mas não me lembro de absolutamente nada. Então provavelmente isto não foi significativo na minha formação.

(Ana)

    Aprender a ser professor supõe não só a relação entre professor e aluno, mas as relações sociais como um todo. Ou seja, aprendemos mediados pelo meio e com os sujeitos sócio-culturais de nossa convivência. Nesse sentido, a aprendizagem com os amigos, familiares, demais colegas, alunos, com a própria instituição, em locais de lazer ou em reuniões familiares, em comissões ou em equipes de trabalho, envolve aspectos pessoal e profissional, que se manifestam a partir das relações intrapessoais e interpessoais.

    A aprendizagem intrapessoal ocorre quando o próprio sujeito volta-se para si a partir das suas percepções e reflexões, construindo seus traços particulares que o identificam como um sujeito singular. A aprendizagem interpessoal é a conseqüência das relações criadas em um ambiente com outros sujeitos através da manifestação da linguagem. Neste âmbito relacional, há constantemente interações dos sujeitos entre si e com o meio.

    A partir destas interações, as relações se ampliam criando possibilidades para a construção de nossa subjetividade e para a interação com os outros, tornando o processo contínuo. De acordo com as idéias de Zabalza (2004, p.193), 

    ainda que aprender seja um processo interno do indivíduo (uma experiência subjetiva de aquisição e mudança), é também algo que não ocorre no vazio social, mas em um contexto de trocas. Aprendemos em um marco cultural, nas instituições (...), em relação às trocas feitas com os outros.

    Quando consideramos as trocas com os outros significativas, elas podem nos apresentar a cada situação, nova ou revivida, motivação para intervir, buscando assim, auxiliar na constituição de um ambiente formativo propício para a mútua aprendizagem. Isso, de certa forma, é o que percebemos nas narrativas dos Professores. No entanto, quando negamos essa possibilidade significativa, ou seja, quando não estamos receptivos as interrelações – ora nos resguardando das antipatias em prol de determinados interesses, ora negando outros referenciais certificando-se de que não há outro além da nossa visão de mundo enquanto agente formador –, grande parte da construção do conhecimento pode se afastar, tanto em relação às expectativas científicas quanto nos acordos assumidos com os pares na instituição. Assim, o valor e o sentido do que podemos aprender nos distintos momentos não se torna representativo a ponto de servir para a reflexão e a (trans)formação na forma de ver e interpretar os fenômenos da realidade social.

    Logo, torna-se imperioso manter constantes reflexões nas relações que o professor mantém nas experiências com a instituição, com os demais professores e com os alunos. Embora aconteçam em momentos e situações distintos, essas experiências apresentam-se imbricadas e entrelaçadas ao professor-pessoa e ao professor-profissional.

    Na seqüência da narrativa dos professores-personagem, há a percepção das suas experiências nas relações com as exigências da instituição e como eles se percebem.

    A Universidade me tornou “profissional” (...). Isto tudo foi uma caminhada super importante, mas dentro da Universidade Federal de Santa Maria, as oportunidades que surgiu, eu acabei abraçando todas. E isto me fez..., eu acho assim que, eu gosto de mim enquanto profissional porque eu aprendi muita coisa.

    Eu aprendi principalmente a atuar politicamente na condução desses processos. A experiência que eu tive no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e também como Presidente da Comissão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, ela me fez amadurecer mais no trato com os pares que pensam diferente. Porque você, na verdade, é um líder, e você é visto como tal e você precisa ter um comportamento como tal.

    E eu acabei me tornando, muitas vezes, a mediadora do processo.

    E em relação aos projetos pedagógicos, desde 2002 eu faço parte da Comissão do INEP/MEC que avalia e autoriza Cursos novos no Brasil, essa experiência, e a experiência da Comissão de implantação e acompanhamento do projeto político-pedagógico da Universidade foram duas escolas com uma importância imensurável na conduta de um processo legal, o que pode e o que não pode. E penso que hoje o curso de Educação Física aqui, eu me sinto assim com muita disposição para dar sugestões, para colaborar por conta dessas experiências. Porque analisei, pelo menos, 20 projetos político-pedagógico de Instituições em diferentes Estados brasileiros e ali, logicamente, você tira questões importantes para trazer para “Casa” e trazer para discussão.

    Então eu acho que assim, eu me formei duas vezes. Uma vez na Graduação e na Pós-Graduação, e outra vez foi quando eu assumi a minha vida profissional dentro da Universidade. Aqui e em Santa Cruz.

(Ana)

    Então esse tipo de coisa é que a Comissão foi fazendo, construindo. E uma coisa que facilitou pra gente é que a gente teve um tempo! Não foi assim de uma hora pra outra. (...) mais de ano ficou, assim, discutindo. Em certos momentos com reuniões mais próximas (...)

    Tanto que o nosso PPP, se tu pegá e dá uma olhada aí, foi elogiado lá na Pró-Reitoria. Foi um dos que, nessa parte formal, não teve nenhuma... a não ser coisinhas assim, detalhezinhos... Foi aprovado praticamente como a gente saiu daqui. Isso foi legal, até pra satisfação e retorno.

(José)

    As situações vividas pelos professores-personagem fazem com que o conhecimento compartilhado na interação e na mediação ocorra num constante processo de trocas entre os sujeitos que compõe os espaços de discussão. Estes espaços podem levar os sujeitos envolvidos a serem pesquisadores da própria prática. Na medida em que os espaços auxiliam na construção do conhecimento, também podem contribuir para a construção de saberes entre os professores envolvidos no processo de discussão, entendido não mais como espaço burocrático para definição e formulação de atividades acadêmicas, mas acima de tudo, como espaço pedagógico de mútuo aprendizado, reorganização de atividades e constante refinamento de idéias.

    Outro momento que se destacou nas narrativas dos professores-personagem foi em relação à construção da proposta para a disciplina de Jogos Esportivos Coletivos, além da construção de outras disciplinas e do projeto político-pedagógico.

    Olha, dessas reuniões, o que eu achei legal quando nós montamos o Projeto ali, buscamos propostas, pensamos aquilo que a gente queria primeiro. Cada um falou a sua opinião sobre o que pensava e o que poderia ser essas disciplinas. E nós, nesse primeiro momento, fizemos aí e colocamos pra fora aquilo que a gente pensava. Depois nós fizemos uma pequena pesquisa pra ver o que tinha de novo fora. E aí depois a gente começou a trabalhar com a bibliografia da área, e aí foi o nosso ponto inicial de partida. E claro, não tem muita novidade em outras universidades, e outros cursos. Tem uma experiência muito legal que é da Unijuí, e outra de Santa Catarina, que tentava fazer o que a gente estava fazendo e propondo: uma metodologia para os jogos esportivos coletivos.

    (...) eu tenho gostado e que isso aí eu tenho experimentado aqui na Pós também, é justamente essa dinâmica da construção coletiva. Quer dizer, é uma tensão bastante grande construir coletivamente uma proposta. É um desafio!

    Então tem momentos ali que tu tem que concluir a discussão pra poder encaminhar. (...) nessa discussão ali, por exemplo, perceber o que pode dar errado, o porquê que as pessoas não participaram, a dificuldade, como é que funcionava o CEFD, pois foi bem na época que eu estava entrando aqui, (...) dessa discussão coletiva aqui dentro que não é muito simples, usual.

    (...) como pensar o projeto; também nunca tinha tido esse exercício de pensar um projeto político-pedagógico para a formação de licenciados. Isso daí também foi importante. (Alfredo)

    Por exemplo, quando nos estávamos discutindo a questão de Higiene 1, (...) a gente chamou o professor pra discutir. (...), mas ele queria ficar no nicho dele. Então essas coisas eu acho que foram coisas importantes (...) que foram tomando rumo.

(José)

    Se há alguma coisa assim que foi positiva, não foi elaborar, assim, uma grade curricular, uma ementa. Foi repensar a Educação Física como uma área de conhecimento, repensar a Educação Física com um tratamento pedagógico rompendo com o tradicional. Ruptura de ordem estabelecida com uma intervenção pedagógica que tinha só uma linha, que tinha só uma direção, que defendia somente uma posição sobre a Educação Física, e compreender o espaço escolar hoje como um espaço complexo, múltiplo, heterogêneo, multifacetado, etc., etc.

(Jorge)

    A consciência profissional e a possibilidade de aprendizagem perante os desafios postos pelos professores-personagem transparecem que a constante troca de informações acerca de um tema com os pares reforça as condições para a construção de novos saberes. O momento compartilhado na troca de experiências explicita a preocupação de buscar referenciais para a construção de novas alternativas para o PPP.

    A observação das ações através das narrativas reforça o entendimento de que a construção dos saberes experienciais tem origem na própria prática quotidiana da profissão. Assim, como elemento da práxis, induzimos que eles refletiram, por exemplo, na dimensão da razão instrumental que implica num saber-fazer ou saber-agir, tais como a observação judicativa para emitir decisão de acordo com a situação do contexto (TARDIF, 2003; THERRIEN, 1997).

    Esta disposição é muito importante quando se trata de um espaço de construção coletiva, fortificada quando temos a consciência e a parceria dos demais pares com uma proposta condizente com o PPP e com as expectativas da formação profissional. Acreditamos que assim, nesta disponibilidade para o diálogo, estaremos cientes do compromisso e da responsabilidade social. Nada disso, contudo, representa ser exclusivo de uma pessoa neste novo momento. Freire (2000) argumenta que os professores podem trazer na sua coerência profissional, a sensibilidade à leitura individual e à releitura grupal, o que não se faz sem humildade e abertura ao risco à aventura do espírito, radicando aí, a educabilidade bem como a nossa inserção em um permanente movimento de busca em que não apenas nos damos conta das coisas, mas também delas podemos ter um conhecimento cabal, isto é, rigoroso e categórico.

    Josso (2002) destaca, neste sentido, que estas construções experienciais vão constituindo os valores de vida, e assim, ressignificando os próprios referenciais teóricos. Estes por sua vez, são marcas que diferenciam o sentido atribuído por cada participante ao seu projeto de estudos no cenário universitário. Dessa forma, a projeção de si em projetos em médio prazo, por exemplo, poderá fazer com que os pares, certifiquem-se do delineamento necessário daquilo em que desejam tornar-se, num fazer e num ser, em relação aos projetos institucionais.

    Lançamos, então, um olhar para esta perspectiva abordando o exemplo das Práticas Curriculares.

Eu acredito que pelo formato, pela estrutura, como está arranjado, hoje, a gente vai ter alguns ganhos na questão das práticas curriculares. Fazer com que o aluno pense: “olha, lá na escola tá assim, nós temos uma outra proposta que pode ser diferente. Tem que ser diferente!”

Eu não quero que a Educação Física seja melhor, seja mais reconhecida, que gostem só da Educação Física, isso já acontece hoje. A gente tá tentando uma outra questão para a Educação Física, que é a questão do desenvolvimento humano, para que ela seja inclusive, que ela seja para toda a vida, que ela possa também oportunizar que o aluno seja crítico, que possa entender o que está acontecendo no mundo, o que está por trás da mídia, do esporte da mídia; o que está por trás de todo esse discurso (...).

(Jorge)

    Nós tivemos na semana passada uma discussão sobre práticas curriculares, né! Aquelas 15 horas na Escola. E foi muito interessante a discussão, porque a gente viu que os professores vieram, colocaram as suas dificuldades, e já prometeram aí se encontrar de novo, conversar de novo para fazer melhor. Então, eu acho que aí tem os lados bons desse novo momento aí do currículo: as dificuldades e as próprias limitações dos professores, e nossa. Mas eu acho que uma das coisas boas tem sido isso. Então a gente já tem conversado mais, discutido mais, resolver e encaminhar coletivamente essas decisões. Acho que ao meu ver aí tem um ganho grande nessa questão.

(Alfredo)

    As concepções interpretativas na ótica dos professores-personagem sobre a temática em questão diz respeito ao caráter de reflexividade, pautada no aluno como no próprio professor porque há a convicção da necessidade de se utilizar os espaços acadêmicos como momentos de problematização em relação aos acontecimentos que ocorrem no quotidiano escolar, assim como os que ocorrem na sala de aula universitária, tendo como horizonte um projeto pessoal e profissional para a Educação Física.

    Este desafio, senão um aspecto que merece um debruçar-se mais intenso, vai ao sentido do professor ter uma orientação para a sua função, transcendendo a compreensão de um simples especialista que conheça bem um único tema e sabe explicá-lo. Esse exemplo explicita a trajetória formativa do professor, pois dependendo da objetividade e/ou subjetividade vivida no decurso formativo, o envia para uma definição de si como para rotulagens feita pelos outros. São, pois, como afirma Dubar (1997, p.235), formas identitárias.

    Estas formas identitárias podem ser interpretadas a partir dos modos de articulação entre transacção objectiva e transacção subjectiva, como resultados de compromissos “interiores” entre identidade herdada e identidade visada, mas também de negociações “exteriores” entre identidade atribuída por outro e identidade incorporada por si.

    Isto também implica dizer que estas formas identitárias estão entrelaçadas ao processo da profissionalização docente, que, no entender de Nóvoa (1992), é um processo através do qual os professores elevam o seu rendimento e aumentam o seu poder de autonomia. Neste sentido, poderão apoiar-se cada vez mais nas suas experiências e capacidades adquiridas ao longo do seu percurso de vida.

    A concepção mencionada também deixa entender o rompimento do paradigma da racionalidade técnica e da desconstrução da hierarquização das disciplinas que vinham, por exemplo, fundamentando e orientando boa parte dos programas de formação. Neste campo teórico, competia à universidade os domínios da teoria, e à escola os domínios da prática, no sentido de aplicação do que foi anteriormente aprendido (SCHÖN, 2000; GARCÍA, 1999).

    O desafio está claro. Em consonância com o PPP, urge-se a cristalização de espaços promotores de aprendizagem e de reflexão teórico-metodológica na inter-relação teoria-prática como eixo estruturante da formação de professores a partir das práticas curriculares e dos Estágios Curriculares Supervisionado (ECS). Pérez Gómez (1992) assevera que pensar na construção de uma consciência crítica implica em fornecer subsídios para a ação qualificada do futuro professor, não abrindo mão da pessoa do professor, da organização escolar e da profissão em um plano coletivo.

    Apontar esta preocupação da relação entre professor e aluno em coerência com a própria prática demonstra que, diariamente, o ser e o estar na profissão também necessitam de cuidados, no sentido do não isolamento pessoal e profissional. As narrativas mostram que isso se liga diretamente no relacionamento com o aluno na sala de aula ou em outras situações de convívio na instituição.

    (...) não adianta eu ir lá e vomitar uma série de coisas que depois não tem como eu sustentar.

    É uma questão que eu tenho muito clara, é a questão do respeito ao aluno. O aluno, na minha concepção como Coordenadora de Curso e como docente da formação profissional, eu tenho o aluno dentro da sala de aula, o aluno é visto como tal (...). O aluno na Coordenação do Curso, ele tem que ser tratado como um cliente. Ele chega lá para tratar de questões administrativas da vida dele, e isto tem que ser eficiente. Eu não admito que o aluno vá para a Coordenação pegar um histórico escolar e que ele tenha que pedir para daqui a um a dois dias receber o histórico escolar. Se o processo é eficiente e está bem organizado, os recursos humanos estão qualificados, o aluno, em questão de segundos sai com o histórico escolar; se o sistema também funciona porque às vezes o sistema emperra. Mas se o conjunto todo funciona, isto não pode acontecer.

    Então, esta relação eu tenho muito claro e tenho muito presente no meu trabalho diário. Então, isto também me fez crescer muito. Quando você vem tratar comigo sobre uma disciplina tua no Curso, nós tratamos do aluno enquanto aluno, inserido no processo de ensino-aprendizagem. Quando o Alexandre, secretário, vem tratar sobre a questão do histórico escolar dos alunos, aí eu estou tratando de uma questão especifica que é de administração, que eu quero eficiência no processo de administração porque a satisfação no processo de administração, isso reflete na sala de aula do aluno, e vice-versa. Então, isso são coisas bem claras (...) que eu tenho como preocupação básica, diária com o aluno. Eu quero que o aluno, antes de qualquer coisa, acredite e confie em mim. Ele não precisa nem gostar de mim. Pessoalmente ele tem essa opção, agora quando ele vem me procurar, eu quero ser eficiente. Eu quero tratar bem o aluno porque eu também quero ser tratada bem por ele. Só que, às vezes, a relação fica um pouco difícil porque é eu para 500, e 500 pra mim. Então, isso muitas vezes me esgota, assim, no sentido do bom humor, da tolerância, da paciência, porque cada um quer o que é melhor para si.

    E aí, é esta visão eu tento passar para o aluno que tem que ser diferente. Que ele também tem que pensar no todo, no contexto da Educação Física, no contexto da Universidade, no contexto do CEFD, no contexto da disciplina que ele está, e aí vem o contexto particular dele.

(Ana)

    Bom, eu por natureza nunca consegui ser autoritário. Tenho muita dificuldade de ser autoritário, de colocar as coisas “na ponta de faca”.

    Outra coisa, eu tenho muita dificuldade de ser grosseiro, assim também, né! Posso até passar por bôbo assim, mas não consigo enfrentar as coisas muito de frente assim. Ah não ser aquelas coisas que eu tenho enfrentado por questões profissionais! E procuro sempre como professor ter o maior respeito pelos alunos, inclusive eu gosto muito de observar as pessoas assim, né! Gosto muito de olhar..., de ver bem as pessoas..., e isso eu acho legal assim porque eu tenho várias experiências de só nessa observação eu saber que acertei em relação aquela pessoa.

    Eu acho que quando se acerta se tem uma satisfação.

(José)

    A relação professor-aluno exposta valoriza, dentro do contexto formativo, situações específicas que irão refletir no andamento do curso. Há relação de reciprocidade, pois o professor depende do aluno para concretizar a proposta de formação contida no PPP. Neste sentido, o convívio em espaços e momentos de horizontalidade é necessário para o desenvolvimento de co-participação, criatividade, reflexão e criticidade, o que vai ser exigido na integralização curricular das práticas curriculares educativas. Pelo contrário, se o professor identifica o aluno como uma tabula rasa e os espaços de atuação se dêem de forma limitada em que as relações se dão de cima para baixo, provavelmente inviabilizará qualquer tentativa de mudança.

    A partir da concepção de valorização do aluno em todo o processo da sua trajetória formativa, poderemos estar permitindo uma formação humanizadora, como menciona Freire (2000), ao ressaltar que educar é um processo de humanização. Nesse entendimento, as atitudes e ações nos espaços formativos precisam tornam-se flexíveis e humanas, o que possivelmente também se espera do aluno quando ele se deparar diretamente com as crianças e/ou adolescentes na prática curricular educativa e nos ECS, por exemplo.

    Complementando, o fragmento da próxima narrativa deixa explícito que o processo de desenvolvimento profissional também acontece quando o professor respeita os alunos, percebendo que também é possível aprender com o educando.

    (...) essa questão eu pude perceber com os alunos, a preocupação deles, de que o esporte não só existe nesse sentido, nessa dimensão técnica.

(José)

    A reflexão, aqui entendida por parte do professor-personagem não aconteceu momentaneamente em um processo mecânico ou em um simples exercício de criação ou construção de novas idéias, que pode ser imposto ao fazer docente, mas em uma prática que expressa a tomada de decisões, a escolha das mediações e das concepções que temos acerca da nossa ação pedagógica.

    Voltando no tempo formativo, a mediação pedagógica é uma característica que acompanha o Professor desde quando residia na cidade de Alegrete, período que antecedeu o seu retorno para Santa Maria ao ingressar no curso de Mestrado.

    nós criamos lá em Alegrete, (...) a Associação dos Professores de Educação Física de Alegrete. Na época, inclusive não tinha e-mail, mas havia outra forma de comunicação. (...) a gente criou um Estatuto e começou a levar esse pessoal daqui do CEFD/UFSM para ir lá conversar com os colegas. (...) nessa época a gente já tava com outras preocupações assim de pensar essa questão da Educação Física infantil pra criança, a gente começou a se dar conta que eles estavam assim com idéias que a gente não tinha nem acesso ainda, e isso foi o que me direcionou pra fazer o Mestrado.

(José)

Evidenciando as possíveis relações da aprendizagem docente

    A guisa de finalizar, até o momento foi possível perceber as concepções que estão sendo construídas pelos professores-personagem nas inter-relações assumidas com a instituição e com os demais pares nas situações práticas, e também na relação com os alunos.

    Deste modo, podemos dizer que à medida que os professores discutem sobre seus fazeres docentes, explicitando suas concepções acerca do processo de ensinar e de aprender, deixam evidente o percurso de um caminho investigativo e problematizador. A partir disso, demonstram a direção escolhida e, conseqüentemente, uma postura reflexiva acerca de seus saberes e fazeres pedagógicos, contribuindo para sua formação profissional.

    O diálogo professor-instituição, professor-professor e professor-aluno se tornam primordial neste processo formativo para consolidar a implantação dos projetos educativos, assumindo-os como um processo dinâmico e interativo. Outrossim, há a possibilidade da construção de redes coletivas de trabalho, constituindo-se também, como um fator decisivo da profissionalização docente continuada e de afirmação de valores próprios da profissão docente. Segundo Nóvoa (1992, p.26), “o desenvolvimento de uma nova cultura profissional dos professores passa pela produção de sabres e de valores que dêem corpo a um exercício autónomo da profissão docente”.

    À aprendizagem, portanto, não existe receita, é um processo de reflexão quotidiana que se faz através da trocas de idéias, trabalho conjunto, discussões teóricas. Acreditamos que cada professor-personagem, em conjunto com os demais e a partir da realidade que estão vivenciando, estão tendo a oportunidade de construir e reconstruir suas concepções da formação de professores. Para tanto, é primordial que cada um esteja aberto a novas idéias, ciente de que não existe verdade absoluta e que precisam estar revendo suas ações constantemente, concebendo a própria formação como um dos componentes integrante com outros setores e áreas da mudança. No dizer de Nóvoa (Ibid., p.29), a formação se concretiza durante a mudança, produzindo-se na construção dos percursos para a transformação. “É esta perspectiva ecológica de mudança interactiva dos profissionais e dos contextos que dá um novo sentido às práticas de formação de professores centradas nas escolas”.

Nota

  1. A disciplina de Higiene pertencia ao 7º semestre do currículo antigo. De acordo com a proposta realizada, conforme consta em Ata, o seu conteúdo ficou contemplado na disciplina de Saúde e Educação, do 3º semestre, a partir da unificação das disciplinas de Socorros de Urgência e Higiene em Educação Física, com carga horária de 60 horas/aula (REGISTRO. ATA Nº 05 – 25/09/2003).

Referências

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 13 · N° 122 | Buenos Aires, Julio 2008  
© 1997-2008 Derechos reservados