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Transtornos alimentares: conhecimentos necessários
para professores de Educação Física

 

Mestrando em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis-SC

(Brasil)

Diego Augusto Santos Silva

diego-edf@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          O ato de alimentar-se é uma necessidade humana vital. No entanto, a relação do alimento com o peso ou com a imagem corpórea nem sempre é harmoniosa, o que resulta em desequilíbrios da conduta alimentar. Exemplos disso são os transtornos alimentares, anorexia e a bulimia nervosa que, têm componentes psicossomáticos desencadeados pela distorção da imagem corporal e medo mórbido de engordar. Os professores possuidores de um olhar crítico sobre essa busca indiscriminada pela magreza podem participar do processo discutindo a estética no contexto cultural, social e econômico. As mudanças de comportamento podem algumas vezes ser notada pelos professores, antes mesmo que os pais. Assim, faz-se necessário que os professores de educação física saibam identificar qualquer alteração comportamental e que estabeleçam limites que diferenciem uma prática de exercício saudável de exercícios obsessivos, como também orientar à coordenação da escola e familiares se perceberem algumas alterações no comportamento dos alunos. Objetivo: Apresentar subsídios para que os professores possam identificar precocemente possíveis transtornos alimentares, aumentando a chance de uma recuperação desses adolescentes. Metodologia: Para tanto o tipo de pesquisa utilizado foi a bibliográfica. A técnica da pesquisa foi o levantamento de dados, por meio de artigos vinculados ao tema, livros, anais de eventos, bem como de uma busca na internet, seguido de análises textuais, interpretativa e crítica. Resultados: Muitos sintomas simples são possíveis de serem observados na própria escola, tanto sobre anorexia quanto bulimia nervosa, fazendo-se necessário o conhecimento dos professores sobre esta temática. Conclusões: Embora o professor de Educação Física não possa prescrever tratamento para estes transtornos alimentares, nem estude aprofundadamente estes assuntos na sua formação, conhecimentos básicos e simples na observação dos alunos podem servir para orientações acerca da temática junto à comunidade.

          Unitermos: Anorexia nervosa. Bulimia nervosa. Educação Física.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 121 - Junio de 2008

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Introdução

    O ato de alimentar-se é uma necessidade humana vital. No entanto, a relação do alimento com o peso ou com a imagem corpórea nem sempre é harmoniosa, o que resulta em desequilíbrios da conduta alimentar. Exemplos disso são os transtornos alimentares, anorexia e a bulimia nervosa que, têm componentes psicossomáticos desencadeados pela distorção da imagem corporal e medo mórbido de engordar.

    Segundo Vilela et al (2004), a prevalência da anorexia nervosa é de 1% na população geral e a de bulimia 4%, acometendo principalmente a população feminina com idade entre 13 e 30 anos. Conforme Bighetti (2003), a prevalência mundial de bulimia nervosa está estimada em 1:100.000, porém ao considerar mulheres jovens e brancas de países desenvolvidos, essa taxa se eleva para 1:200.000. Esses distúrbios se manifestam prioritariamente nos extratos mais elevados da sociedade, de países desenvolvidos e, em desenvolvimento.

    O modelo cultural que supervaloriza os corpos delgados tem propiciado o aumento da incidência desses transtornos entre adolescentes. Os meios de comunicação têm reforçado o “culto à magreza” que associa esse padrão estético à idéia de liberdade, sucesso e aceitação social. A escola com seu papel crítico e analítico podem contribuir com estudos sobre o valor social que esses padrões impõem na vida dos adolescentes. Os professores possuidores de um olhar crítico sobre essa busca indiscriminada pela magreza podem participar do processo discutindo a estética no contexto cultural, social e econômico. As mudanças de comportamento podem algumas vezes ser notada pelos professores, antes mesmo que os pais. Assim, faz-se necessário que os professores de educação física saibam identificar qualquer alteração comportamental e que estabeleçam limites que diferenciem uma prática de exercício saudável de exercícios obsessivos, como também orientar à coordenação da escola e familiares se perceberem algumas alterações no comportamento dos alunos.

    Esse projeto quer contribuir com a discussão apresentando subsídios para que os professores possam identificar precocemente possíveis transtornos, aumentando a chance de uma recuperação desses adolescentes.

Metodologia

    Para tanto o tipo de pesquisa utilizado foi a bibliográfica. A técnica da pesquisa foi o levantamento de dados, por meio de artigos vinculados ao tema, livros, anais de eventos, bem como de uma busca na internet, seguido de análises textuais, interpretativa e crítica.

Comportamento alimentar de risco e transtornos alimentares

    Durante muito tempo, os transtornos alimentares foram entendidos como problemas secundários. Segundo Busse & Silva (2004) foi no ano de 1980 que anorexia e bulimia nervosas foram reconhecidas como síndromes que possuíam sérias complicações, entrando no Manual Estatístico e Diagnóstico de Desordens Mentais (DSM-III).

    No conceito de Borges et al (2006) os transtornos alimentares (TAs) são doenças psiquiátricas caracterizada por graves alterações do comportamento alimentar e que, em sua maioria, afetam adolescentes e adultos jovens do sexo feminino. Os principais distúrbios são anorexia e bulimia nervosas.

    Ballone (2005) fala que já existe o chamado comportamento de risco para desenvolver distúrbio alimentar. Segundo ele, muito antes da doença esta estabelecida, os pacientes já apresentavam alguma alteração emocional e comportamental. São alterações na forma de perceberem seus corpos (dismorfia) e no hábito de fazer dietas.

    A dieta para emagrecer surge como fator precipitante mais freqüente nos transtornos alimentares (TAs). Morgan et al (2002) relatam que estudos longitudinais demonstram claramente que a dieta aumenta de modo considerável o risco para os distúrbios alimentares. Indivíduos que faziam dieta tiveram um risco 18 vezes maior para o desenvolvimento de algum transtorno do que aqueles que não faziam dieta.

    A magreza evidenciada no modelo sociocultural ocidental tem contribuído no aumento da ocorrência desses distúrbios. Conforme Bighetti (2003) o culto a magreza transmitida pelos meios de comunicação, propagam a mensagem na qual aliam a idéia de um corpo magro e esbelto à imagem de poder, autonomia e sucesso.

    Para adequar-se a esse padrão, muitas mulheres fazem uso de vários artifícios como às dietas restritivas, anorexígenos, purgativos, fumo, exercícios físicos excessivos e vômitos auto-induzidos. Conforme Ribeiro (1998), em muitos casos a anorexia se instala a partir das dietas de emagrecimento aliada aos programas exaustivos de exercícios físicos. Souto & Ferro-Bucher (2006), citam o estudo de Ibaca, o qual verificou que dos 90 casos de transtorno alimentar, todos indicaram sua gênese a partir de dietas severamente restritivas.

    Outro dado alarmante é o enorme uso de anorexígenos anfetamínicos como auxiliadores para o emagrecimento mais rápido. Rozenfeld (2007) declara que a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, reconhecem o Brasil como maior consumidor mundial desses inibidores de apetite, consumindo diariamente 9,1 doses por grupo de mil habitantes.

    Esses anorexígenos produzem efeitos adversos como: dependência química, insônia, irritabilidade, taquicardia, hipertensão arterial, depressão, ansiedade e pânico. Todos estes condizentes com o quadro clínico da anorexia e bulimia.

    De acordo com Baptista & Pandini (2005), atualmente esses transtornos tem alcançado níveis altos na sociedade, sendo responsáveis por grande número de mortes entre todos os outros distúrbios psíquicos conhecidos. Esses transtornos normalmente se manifestam associadas a outras doenças psiquiátricas, o que explica o alto índice de mortalidade.

    Conforme Borges et al (2006) os transtornos estão associados com:

  • Abuso e dependência de drogas e álcool (12-40%);

  • Síndromes depressivas (50-75%);

  • Transtornos ansiosos como fobia social e transtorno obsessivo-compulsivo (15-35%);

  • Transtorno de personalidade (40-75%).

    A anorexia e a bulimia nervosas são doenças resultantes de um somatório de fatores. Baptista & Pandini (2005) pontuou alguns fatores como: genéticos, nos quais os parentes de 1° grau possuem um risco oito vezes maior de desenvolver algum distúrbio do que a população em geral; biológicos, são alterações hormonais, durante a puberdade e as disfunções dos neurotransmissores cerebrais responsáveis por manter o equilíbrio da conduta alimentar e manutenção do peso; e os comportamentos que incluem relacionamentos familiares, sadios e conflituosos.

    Ballone (2005) cita que de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (DSM-IV), a prevalência da anorexia na população adolescente e juvenil está em 0,5 % e 1% e da bulimia entre 1% e 3%.

    Esses números vêm aumentando a cada ano, atingindo as idades mais tenras. Segundo o mesmo autor, as estatísticas apontam que 90% das pessoas portadores desses transtornos alimentares são mulheres e, entre elas, aquelas com idade entre 14 e 18 anos. Apesar de que essa idade vem decrescendo para meninas menores de 12 anos.

    As indústrias do emagrecimento têm investido muito dinheiro em um padrão estético inatingível para a maioria das mulheres. Segundo Vilela et al (2004), os Transtornos Alimentares são mais prevalentes nos países industrializados e em desenvolvimento. Esses transtornos surgem nas camadas mais elevadas da sociedade. Na descrição de Borges et al (2006), o perfil dos portadores desses distúrbios são adolescentes do sexo feminino, raça branca e alto nível sócio-econômico e cultural. Reforçando essa idéia, Cordas (1993) apud Neves (2003) cita que adolescentes do sexo feminino, geralmente pertencentes à classe média e média alta, desenvolvem distúrbios alimentares devido à procura incansável pela magreza.

    A indústria cultural com o seu potencial de manipulação ideológico tem investido em formas simbólicas de beleza, transformando-as em universais.

Anorexia Nervosa

    A palavra anorexia originou-se do grego ann= sem e orexis= desejo ou apetite, ou seja, designa falta de apetite. A primeira descrição de quadros que correspondiam a anorexia nervosa foi em 1691, pelo médico inglês Richard Morton. Após este, outros autores descreveram seus sintomas cientificamente como, Gull em 1868 que a chamou de “Apepsia Histérica”, Lasègue em 1873, a denominou de “Anorexia Histérica” e Sollier em 1895 como “Anorexia Mental”. (BUSSE & SILVA, 2004)

    A anorexia é uma síndrome psicossomática caracterizada pela limitação voluntária da ingestão alimentar devido ao medo mórbido de engordar, perdendo assim peso gradativamente. Outra característica é a distorção da auto-imagem corpórea, em que mesmo possuindo um corpo magro, percebem-se algumas vezes muito acima do peso.

    O termo anorexia (falta de apetite) estaria incorreto, pois nas fases iniciais não há perda de apetite, mas uma luta particular para não se alimentar.

    Conforme Borges et al (2006), freqüentemente os quadros de anorexia se instalam a partir da elaboração de uma dieta, em que eliminam do seu cardápio alimentos que julgam mais calóricos, passando a diminuírem o número de refeições diárias. Paulatinamente os indivíduos passam a viver em função das dietas, do peso, das atividades físicas, das tabelas de calorias e do medo patológico de engordar.

    De acordo com Baptista & Pandini (2005) quando uma pessoa portadora desse distúrbio restringe rigorosamente sua alimentação, a ponto de seu Índice de Massa Corpórea (IMC) ser igual ou abaixo de 15, o seu estado já esta numa fase crítica.

    Coincidentemente as pessoas que pertencem ao grupo de risco são aquelas que, pela profissão se preocupam demasiadamente com o peso e a forma física (modelos, bailarinas, ginastas, artistas e etc.). Alguns autores comentam ainda que a incidência de anorexia nervosa nas escolas de dança (balé) e entre modelos é de 1% a 4%. Geralmente, as anoréxicas pertencem às camadas de maior poder aquisitivo e estudam em escolas particulares. (BUSSE & SILVA, 2004)

    São vários os fatores que contribuem na etiologia da anorexia nervosa: biológicos, genéticos, psicológicos, socioculturais e familiares. Normalmente esse transtorno se manifesta associado a outros distúrbios psicológicos que segundo Bighetti (2003) são: ansiedades, depressão, fobias, compulsões, preocupação obsessiva, e atitudes excêntricas em relação aos alimentos. Essas atitudes excêntricas podem ser entendidas pelo fato das anoréticas prepararem calóricos e deliciosos pratos para parentes ou amigos, sem pelo menos experimentá-los. Outro comportamento é o ato de cortarem seus alimentos em pequenos pedaços.

    Furlan (2006) descreve a anorexia como um dos transtornos de comportamento alimentar que atinge habitualmente adolescente e mulheres jovens, sendo a terceira enfermidade crônica mais comum desse grupo. Ela ocorre preferencialmente na puberdade em torno de 12-16 anos, e quase que exclusivamente em mulheres, sendo 8 a 10 vezes maior que nos homens.

    Conforme Rozenfeld et al (2007), de 1999 a 2003, foram 141 os casos de óbito notificados como causados pela anorexia nervosa (média de uma morte a cada treze dias).

    De acordo com Borges et al (2006), 20% das anoréticas falecem em razão das complicações próprias da doença e do suicídio; 30% a 40% têm recuperação completa não voltando a apresentar mais os sintomas da doença e os outros 30% a 40% tem uma evolução intermediária, oscilando entre períodos de melhoras e agravos da doença. São estimativas que revelam o alto índice de mortalidade e de reincidência da doença.

    Conforme o autor supracitado, os critérios diagnósticos para anorexia nervosa segundo a DSM-IV são:

  • Recusa em manter o peso corporal dentro ou acima do mínimo adequado a idade e altura.

  • Medo intenso de ganhar peso ou tornar-se obeso, mesmo se abaixo do normal.

  • Distúrbio da auto-imagem corporal.

  • Amenorréia em mulheres após a menarca (ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos).

    A anorexia também pode vir acompanhada por episódios de compulsões ou purgações regulares. Esta subdividida em Restritiva, quando a perda de peso é conseguida através de dietas, jejuns e exercícios físicos excessivos e a Compulsão Periódica/Purgativa, quando o indivíduo após comer compulsivamente, faz uso de atitudes purgativas. Este subtipo é mais freqüente entre as anoréxicas, mesmo aquelas que não comem de forma compulsiva, fazem uso de laxantes, diuréticos e vômitos auto-induzidos. (BAPTISTA & PANDINI, 2006)

    Os indivíduos que desenvolvem esse distúrbio não admitem estar doentes. Muitos escondem dos parentes os sintomas, evitam fazer refeições junto com a família, camuflam sua magreza vestindo várias peças de roupa. São perfeccionistas e inteligentes; costumam praticar atividades físicas excessivamente como faxinar a casa, subir e descer escadas, passar horas malhando.

    Como a anorexia é de difícil diagnóstico, é preciso ficar alerta aos sinais, que de acordo com Baptista & Pandini (2005) pode ser:

  • Perda de uma quantidade significativa do peso corporal;

  • Peso corporal muito abaixo para um bom desempenho atlético;

  • Preocupação com a dieta, contagem de calorias, preparo e ingestão de alimentos (grande preocupação com a restrição alimentar);

  • Necessidade compulsiva de realizar atividades físicas contínuas e vigorosas que ultrapassa as exigências de treinamento para um desporto específico;

  • Manutenção de uma aparência “magra” (peso corporal inferior a 85% do peso esperado);

  • Episódios esporádicos de exagero alimentar e de purgação (sentimentos de culpa);

  • Preocupação em ser “por demais gordo (a)” apesar da manutenção de um peso corporal normal (grandes preocupações com a estética).

    Para uma avaliação adequada, deve ser realizada uma mensuração da ingesta alimentar (quantidade e qualidade), da atividade física e dos aspectos psicopatológicos associados à imagem corporal, aos episódios bulímicos e aos comportamentos purgativos (BAPTISTA & PANDINI, 2006).

    Quando diagnosticado precocemente, pode ser evitada perda de peso acentuada e outras complicações, aumentando a chance de uma completa recuperação. Geralmente as complicações advindas da anorexia estão associadas ao processo de desnutrição.

    Uma forma de avaliar a gravidade da desnutrição é calculando o Índice de Massa Corporal (IMC) da paciente. Obtêm-se o IMC pela divisão do peso pela altura ao quadrado (kg/m2), a classificação está disposta na tabela 1.

 

Tabela 1. Índice de Massa Corpórea

Classificação

Valor do IMC

Desnutrição Crônica

12,0

Desnutrição

< 18,5

Baixo Peso

18,5 - 19,9

Normal

20,0 - 24,9

Sobrepeso

25,0 - 29,9

Obeso

> 30,0

Obeso Grau I

25,0 - 29,9

Obeso Grau II

30,0 - 39,9

Obeso Grau III

> 40,0

Adaptado de Fernandes Filho (1999)

 

As principais complicções clínicas da anorexia estão configuradas na tabela 2.

 

Tabela 2. Complicações Clínicas da Anorexia Nervosa

Anorexia Nervosa

Pele e anexos

Pele com aspecto amarelado pela hipercarotenemia, pele seca, lanugo, cabelos finos, unas quebradiças e perda de cabelo.

Sistema gastrointestinal

Retardo do esvaziamento gástrico, constipação, pancreatite, alteração de enzimas hepáticas, diminuição do peristaltismo intestinal.

Sistema cardiovascular

Bradicardia, hipotensão, arritmias, insuficiência cardíaca, miocardiopatia, alterações do eletrocardiograma, parada cardíaca.

Sistema renal

Edema, cálculo renal, elevação de uréia devido à desidratação ou ao catabolismo protéico.

Sistema hematológico

Anemia, leucopenia, trombocitopenia

Sistema reprodutivo

Infertilidade, amenorréia, recém nascido com baixo peso

Sistema metabólico

Hipocalemia, hiponatremia, hipoglicemia, desidratação.

Sistema endocrinológico

Amenorréia, diminuição de gonadotrofina, hormônio luteinizante e estrogênio, aumento do hormônio de crescimento e cortisol, diminuição do T3 reverso, hipocolesterolemia

Outras alterações

Hipotermia, intolerância ao frio, convulsões, osteopenia/osteoporose, alterações inespecíficas ao eletroencefalograma.

Adaptado de Borges et al (2006)

    O tratamento da anorexia segue algumas etapas: a psicoterapia individual, a psicoterapia familiar, a psicofarmacoterapia, a terapia cognitiva e nos casos mais graves, a hospitalização. Nos casos de tratamento hospitalar, Flaherty (1990) apud Busse & Silva (2004) estabeleceu os seguintes critérios:

  • Rápida perda de peso, maior do que 30% ao longo de seis meses;

  • Severa perda de energia; e

  • Hipocalemia ou alterações eletrocardiográficas.

    Os antidepressivos são usados no tratamento aliando-se a outras modalidades terapêuticas. Busse e Silva (2004), tratando pacientes anoréxicas com 75 mg diários de clorpromazina, obtiveram remissão total de seus sintomas. Atualmente, cada antidepressivo é administrado com doses particulares, sendo os mais utilizados: Amitriptilina, clorimipramina, maprotilina, trazodona e fluoxetina.

Bulimia Nervosa

    O termo bulimia deriva de bou (grande quantidade de) ou de boul (boi) e limos (fome) designando fome de comer um boi. A bulimia foi primeiro observada por Gull em 1870. Os novos casos começaram a ser descritos em 1940 por Binswager. Em 1970, Bruch observou que menos de 25 % de suas pacientes anoréxicas eram bulímicas. Esse dado dobrou em 1980, passando para mais de 50%. Nesse mesmo ano, esses distúrbios entraram como síndromes independentes no Manual Estatístico e Diagnóstico de Desordens Mentais (DSM-IV). (BUSSE & SILVA, 2004)

    Esse transtorno alimentar é uma síndrome caracterizada por ingerir grande quantidade de comida compulsivamente (binge-eating), compensando o exagero com episódios de vômitos auto-induzidos, podendo também ser acompanhado do uso de laxantes e diuréticos. Esses acessos incontroláveis de ingestão alimentar, segundo Ribeiro (1998) são acompanhados de sentimentos de culpa, vergonha e depressão pela falta de controle frente os alimentos.

    Apesar de se manifestar na maioria dos casos associadas, a bulimia possui seus próprios sintomas, diferindo-se da anorexia em alguns aspectos. Vilela et al (2004), relatam que bulimia não leva a um estado nutricional tão desgastado quanto a anorexia, assim como a distorção da auto-imagem corpórea é menor. As pessoas que têm bulimia não têm o desejo doentio de emagrecer cada vez mais. Geralmente, conseguem manter o peso próximo da normalidade (IMC entre 20,0 e 24,9 kg/m²), em alguns casos apresentando sobrepeso (IMC entre 25 e 29,9 kg/m2).

    Conforme Borges et al (2006), os critérios diagnósticos da bulimia proposta pela DSM-IV são:

  • Episódios recorrentes de compulsão alimentar que pode ser caracterizada por:

    • Comer em um período de duas horas grande quantidade de alimentos;

    • Sentimento de perda de controle alimentar durante o episódio;

  • Comportamento compensatório para prevenir o ganho de peso: vômitos auto-induzidos, abuso de laxantes, diuréticos, enemas ou outras drogas, jejum ou exercícios excessivos;

  • Compulsão alimentar e comportamento compensatório ocorrendo duas vezes/semana, por pelo menos três meses.

  • Preocupação excessiva com a forma corporal e o peso;

  • O distúrbio não ocorre durante os episódios de anorexia nervosa;

    Ela ainda pode se manifestar fazendo uso regular de purgativos como laxantes, diuréticos e auto-indução a vômitos e pode não se valer da purgação (regular). Os bulímicos pertencentes a esse subtipo, quando em momentos compensatórios (após a ingesta alimentar), utilizam-se de jejuns ou exercícios excessivos. (BAPTISTA & PANDINI, 2005)

    A investigação diagnóstica para bulimia nervosa tem como principal objetivo a detecção precoce dos indícios. Entretanto, esse diagnóstico é muito difícil de acordo com Silva et al (2006), porque seus sintomas são menos perceptíveis que a anorexia. É necessário estar atento aos sinais que segundo Baptista & Pandini (2005) são:

  • Aumento e perdas freqüentes de peso corporal (devido à ingestão e logo após e purgação);

  • Idas ao banheiro após as refeições (para estimular o vômito);

  • Temor de não ser capaz de controlar a comida (medo de não ter autocontrole sobre os alimentos);

  • Comer quando deprimido (uma forma de aliviar os problemas);

  • Dieta compulsiva após episódios de alimentação exagerada;

  • Grandes desvios de humor, depressão, isolamento;

  • “Orgias alimentares” escondido de outras pessoas;

  • Preocupação excessiva com o peso, a estatura e a composição corporal.

    Todos os fatores que contribuem na etiologia da Bulimia Nervosa estão em complexa interação, são eles: socioculturais, familiares, biológicos e psicológicos. A indústria do emagrecimento tem reforçado o ideal de beleza magro, associando-o à modernidade.

    Os fatores socioculturais têm um grande papel na gênese da bulimia: a preocupação da sociedade com a silhueta delgada das mulheres, como nos grupos de risco compostos por bailarinas, manequins etc., em que são encontradas altíssimas freqüências bulímicas.(BUSSE & SILVA, 2004)

    A história familiar das bulímicas é marcada por conflitos familiares e abuso sexual na infância e/ou na adolescência. São violências físicas e verbais proferidas principalmente pela figura masculina (pai, marido etc.) que afetam o controle emocional. De acordo com Busse & Silva (2004) a origem das necessidades de punição das pacientes bulímicas como um enorme reservatório de agressão inconsciente dirigidas às figuras paternas. É como se sua raiva fosse transferida para o alimento e destruída na garganta.

    A maioria dos indivíduos que desenvolvem esse transtorno alimentar é do sexo feminino, numa proporção de 9:1. A parcela da população que desenvolve esse transtorno é adolescente com idade entre 16-18 anos. Ballone (2003) estima que 50% dos casos de bulimia nervosa ocorrem antes dos 18 anos.

    O fato é que sua incidência é elevada e desencadeia complicações sérias para a saúde do portador desse transtorno. As complicações mais comuns estão descritas na tabela 3.

 

Tabela 3. Complicações Clínicas da Bulimia

Bulimia Nervosa

Pele e anexos

Calosidades no dorso da mão, pela lesão da pele com os dentes ao provocar o vômito (sinal de Russel), erosão do esmalte dentário e cáries.

Sistema gastrointestinal

Dor abdominal, gastrite, esofagite, erosões gastroesofágicas, sangramentos, constipação, prolapso retal. Nos casos mais graves, perfuração esofágica e ruptura gástrica.

Sistema cardiovascular

Bradicardia, hipotenção, arritmias, insuficiência cardíaca, miocardiopatia por ipepac, alterações do eletrocardiograma, parada cardíaca.

Sistema reprodutivo

Irregularidade menstrual.

Sistema metabólico

Hipocalemia, hipoecloremia, hiponatremia, hipoglicemia, alcalose metabólica, desidratação.

Sistema endócrino

Irregularidade menstrual

Outras alterações

Hipertrofia das glândulas parótidas decorrentes dos vômitos, podendo ter aumento da fração de amilase produzida no local.

Adaptado de Borges et al (2006)

    Conforme Hezorg (1996) apud Borges et al (2006), existe chance de uma boa recuperação em 60% dos bulímicos, 30% possuem uma evolução mediana e o restante apresenta sérias complicações.

    O tratamento da bulimia nervosa deve ser multidisciplinar, com atendimento psiquiátrico, psicológico e nutricional, uma vez que vários fatores contribuem para o a aparecimento e a manutenção desse transtorno alimentar.

    O desenvolvimento de novas técnicas psicoterápicas e a inovação dos psicofármacos trouxeram mais opções para o tratamento de distúrbios alimentares.

    Como a bulimia possui uma forte associação com desor­dens afetivas, principalmente a depressão, o tratamento farmacológico com antidepressivos tricíclicos (TCAs) e ini­bidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) de­monstrou-se importante na redução da freqüência de epi­sódios bulímicos e vômitos, além de atuar nos sintomas de ansiedade e depressão. Dentre os primeiros, a desipramina e imipramina mostraram benefícios, enquanto a amitriptilina mostrou-se desfavorável. (SILVA et al, 2006).

Referências

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