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Professores de recreação e lazer em cursos de Educação Física:
um olhar sobre a construção do saber

Recreation and leisure teachers in Physical Education courses: a look at knowledge construction

 

*Graduada em Educação Física pela UFV e Especialista em Lazer pela UFMG.
Docente do Curso de Educação Física da UNIPAC – Matozinhos – MG.

**Doutor em Educação Física pela Unicamp. Docente do Programa de Mestrado em Lazer da UFMG.
Líder do Grupo de Pesquisa Lazer, Cultura e Educação (LACE-UFMG)
e do Grupo de Pesquisa em Lazer (GPL-UNIMEP).

Carla Augusta Nogueira Lima e Santos*

carlaugusta@yahoo.com

Hélder Ferreira Isayama**

helderisayama@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Considerando que em nossa trajetória profissional construímos e reconstruímos conhecimentos de acordo com a necessidade de utilização, com nossas experiências e com nossos percursos formativos e profissionais, é fundamental ampliar o campo de estudos sobre a temática da construção de saberes profissionais em nossa realidade. Nesse sentido, esse estudo procurou compreender o processo de construção dos saberes de professores de Educação Física que atuam em disciplinas da área de Lazer e Recreação em Cursos de Graduação. Como sujeitos da pesquisa foram entrevistados 2 docentes em diferentes estágios da carreira profissional, tendo em vista compreender Como se deu a construção dos saberes de professores que atuam em disciplinas da área de Recreação e Lazer em cursos de Educação Física? Por que escolheram o lazer como seu objeto de estudos e de atuação? Quais foram suas fontes de aquisição do saber? Quais momentos, experiências, pessoas e lugares influenciaram na sua formação como um profissional do lazer? Os dados analisados à luz da teoria nos deram pistas para compreender que pessoas, fatos, lugares e momentos estão presentes na construção dos saberes docente e mais, eles não são imutáveis, pelo contrário estão em constante construção em busca de novos sentidos.

          Unitermos: Lazer. Recreação. Formação profissional. Construção de saberes.

 

Abstract

          Considering that in our professional trajectory we build and rebuild knowledge according to our needs, to our experience and to our educational and professional trajectory, it is paramount to enlarge the field of studies about the construction of professional knowledge in our reality. Therefore, this paper tried to comprehend the process of knowledge building of Physical Education teachers who teach Leisure and Recreation in Graduation Courses. Two teachers in different levels of their professional carriers were interviewed, aiming at comprehending: How did the process of knowledge building of teachers who teach Recreation and Leisure in Physical Education courses take place? Why did they choose Leisure as a study and work object? Which were their sources of knowledge? Which moments, experiences, persons and places influenced their growth as leisure professionals? The data analyzed to the light of theory gave us clues to understand that people, facts, places and moments are present into the teaching knowledge building and that they are not permanent, on the contrary, they are in constant construction of new meanings.

          Keywords: Leisure. Recreation. Professional formation. Know constructing. 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 121 - Junio de 2008

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Introdução

    Nos últimos anos vem crescendo o campo de estudos sobre ensino e nesse contexto um assunto que vem recebendo atenção dos pesquisadores está relacionado à construção dos saberes docentes. Essa temática vem sendo tratada sob diferentes olhares, mas tiveram um grande avanço, principalmente, a partir das contribuições advindas da sociologia do trabalho e das profissões. E nesse contexto, vem auxiliando no conjunto de reformas relativas à formação de profissionais, principalmente no que se refere ao campo da educação.

    Segundo Borges (1998) “na prática pedagógica e durante os percursos formativos, os professores constroem saberes que se relacionam com suas experiências de vida e com suas experiências profissionais” (p. 50). No mesmo sentido, Tardif (2002) considera os lugares nos quais os professores atuam, as instituições que os formam, as experiências de trabalho e a trajetória de vida pessoal como fontes de aquisição de saberes. Portanto, a formação depende da história de vida, da trajetória pessoal e familiar de cada um; da formação acadêmica através das relações de convívio, dos conteúdos e das técnicas apreendidas, bem como da trajetória profissional, cultural e política dos sujeitos.

    Nesse contexto, entendemos o saber profissional como um conhecimento englobando habilidades, competências, atitudes, aptidão e jeito de fazer. Então, quando abordamos este saber, nos referimos a um conhecimento profissional personificado, caracterizado por experiências, formações e habilidades distintas e individuais. Ou seja, as atitudes, o jeito de fazer e de se fazer docente é única e cada um se consolida e atua de forma diferente uns dos outros, afinal, as trajetórias profissionais são diferentes e, mais ainda, cada um possui uma trajetória pessoal, uma história de vida.

    De acordo com Moita (2000), “Ninguém se forma sozinho. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações” (p.115). Considerando estas relações ao longo do processo formativo, evidencia-se uma construção e elaboração de saberes através de diversas fontes de aquisição.

    Tardif (2002) identifica e classifica os saberes adotando o seguinte modelo tipológico: Saberes pessoais dos professores; Saberes provenientes da formação escolar anterior; Saberes provenientes da formação profissional para o magistério; Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho; Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula, na escola (universidade).

    Percebe-se que este modelo identifica os saberes que são utilizados pelos profissionais no contexto de sua profissão. Como por exemplo, o fato de que os professores utilizam constantemente seus conhecimentos pessoais; trabalham com programas e livros didáticos; embasam em suas experiências e retêm certos elementos de sua formação profissional.

    Somando-se a isso, o modelo aborda a natureza social do saber profissional, registra o fato de que o saber construído não são somente produzidos por eles mesmos. Além disso, muitos destes saberes estão ligados a lugares e momentos fora do atual cotidiano do trabalho. Alguns são provenientes da família; outros da cultura pessoal e dos grupos com os quais se relacionam; outros ainda, oriundos das instituições que os formaram.

    Assim sendo, este modelo de classificação do saber ao relacionar lugares, pessoas, instrumentos, instituições e experiências evidência que o conhecimento, segundo Tardiff (2002), se constitui tanto pelo saber científico como pelo saber de experiência:

    Neste sentido, o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc... (p.64).

    O saber profissional dos professores, portanto, não constitui um corpo homogêneo de conhecimentos, seja saberes adquiridos na prática ou vivenciados, seja saberes adquiridos por meio da formação acadêmica através das disciplinas científicas, o que diversifica e amplia o conhecimento e competência dos mesmos. Estes levantamentos nos dão pistas para a identificação do saber docente como algo composto de vários saberes provenientes diversas fontes e dimensões.

    Acreditamos desta forma, que a construção do saber extrapola as diretrizes do saber científico e sistematizado das instituições para dialogar com os saberes do fazer. Assim, falamos de um conhecimento além do científico, um saber além da formação acadêmica. É o saber construído, experenciado, provindo da formação cultural. Não queremos, no entanto, valorizar um ou outro conhecimento, mas sim, entender a formação profissional nas suas relações curricular, acadêmica, histórica e cultural.

    Vale ressaltar que os conhecimentos curriculares, adquiridos na formação acadêmica, por mais sistematizados que sejam serão re-significados por cada um. Cada profissional relacionará o saber adquirido às suas necessidades e expectativas, mas também poderá interiorizar algo novo que somará às suas experiências.

    Nos campos da educação física e do lazer poucos estudos referentes à formação profissional vem se dedicando a temática da construção dos saberes. Nesse contexto dois estudos se destacam pelas suas contribuições a discussão: o trabalho de mestrado de Borges (1998) que tem como objeto o professor de educação física e a construção do saber a tese de doutorado de França (2003) que tem como foco a Educação, corporeidade e o lazer: saber da experiência cultural em prelúdio. Esses estudos contribuíram sobremaneira para a definição da temática dessa pesquisa.

    E nesse contexto da discussão sobre a construção dos saberes, levantamos as seguintes questões relativas a profissionais que atuam com a docência de disciplinas de Lazer em Recreação em cursos de graduação em Educação Física: Como se deu a construção dos saberes de professores que atuam nesses espaços? Por que tiveram o lazer como seu objeto de estudos e de atuação? Quais foram suas fontes de aquisição do saber? Quais momentos, experiências, pessoas e lugares influenciaram na sua formação como um profissional do lazer?

    Partindo destes questionamentos, buscamos compreender o processo de construção dos saberes de professores de Educação Física que atuam em disciplinas da área de Lazer e Recreação em Cursos de Graduação. Para a realização da pesquisa de campo foi utilizada a técnica de entrevista semi-estruturada (TRIVIÑOS, 1987), realizada com dois docentes que ministram disciplinas da área de Lazer e Recreação em cursos de Educação Física de duas Instituições de Ensino Superior da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Procuramos identificar experiências e aprendizagens que influenciaram o percurso formativo e profissional dos mesmos e conseqüentemente a maneira e forma que atuam. Buscamos pistas sobre a trajetória de professores do campo do lazer, para melhor entender como estes se tornaram os profissionais que são hoje, além de entender como eles lidam com os conhecimentos e saberes do lazer para assim compreender as relações pertencentes ao seu percurso pessoal, acadêmico e profissional.

    O critério para escolha dos professores foi inicialmente estar vinculado a uma Instituição de Ensino Superior ministrando aulas em disciplinas da área de Lazer e Recreação, em seguida que estas instituições estivessem localizadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte e por fim foi adotado o critério de acessibilidade. Os sujeitos foram contatados e receberam todas as informações sobre a pesquisa para que pudessem assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

    Assim, o entrevistado 1 (E1) recebeu nome fictício de Marcelo e a entrevistada 2 (E2) recebeu o nome fictício de Fernanda. Marcelo é carioca, tem 43 anos e formou-se em educação física pela Universidade Gama Filho-RJ. Hoje é doutor em Educação Física e ministra disciplina da área de lazer em uma universidade pública em Belo Horizonte (MG). Fernanda é mineira de Sete Lagoas, tem 26 anos e formou-se em educação física pela Universidade Federal de Viçosa (MG). Hoje é mestre em educação e ministra a disciplina da área de lazer em uma faculdade particular na região metropolitana de Belo Horizonte.

Os sujeitos e a construção dos saberes

    As questões “pré-universidade”, ou seja, as redes de relações entre pessoas, lugares e acontecimentos antes do ingresso no mundo acadêmico foram ressaltados pelos entrevistados por acreditarem que foram fundamentais para a elaboração dos seus saberes de hoje. Observamos o quanto às afinidades estiveram presente nos momentos de escolha, decisão e construção.

    Ao relembrar os tempos de infância Marcelo enfatiza sua estreita relação e paixão pelo futebol. Tanto na família quanto na rua com os amigos o futebol sempre esteve presente em sua:

    “Minhas brincadeiras eram todas relacionadas com futebol, meus amigos eram por conta do futebol(...) eu não brincava de outra coisa. Futebol às vezes bicicleta, mas fundamentalmente futebol.”(E1)

    Já Fernanda revela que desde criança tem relação íntima com outra manifestação esportiva, a natação:

    “Desde pequena tive contato com a natação. Escolinhas, torneios e viagens. Na verdade sou uma ex-atleta da natação e viajei o Brasil inteiro nadando!”(E2)

    Esta proximidade com esses conteúdos da cultura corporal de movimento influenciaram mais tarde pela escolha do curso de educação física. Ou seja, ambos consideram o esporte (futebol e natação) como fatores cruciais para o ingresso na Universidade. Esta afirmativa vai ao encontro as idéias de Moita (2000) que considera fundamental: “Compreender como cada pessoa se formou é encontrar as relações entre as pluralidades que atravessam a vida” (p.114).

    Os dizeres de Marcelo e Fernanda, a seguir, identificam mais um fator junto aos dois esportes que influenciaram no ingresso dos mesmos no Curso de Educação Física. Fator este, denominado “pessoas” como: irmã, técnico, professores de educação física do colégio, amigos e até mesmo namorada:

    (...) “diante do impasse e... do que fazer no vestibular eu... recebendo mil indicações: “faz isso! Faz aquilo!” eu tinha uma namorada, na época, que uma vez numa conversa entre nós dois ela disse assim: “ você gosta tanto de futebol porque você não faz educação física?” e eu me dei conta disso, né? Que de repente é... eu poderia ser um treinador de futebol, poderia trabalhar com futebol e sem ser jogador ..”.(E1)

    “Na verdade a procura pelo curso de educação física se deu pelo fato deu ter sido atleta, né? E isso me aproximou do campo para eu fazer vestibular para que eu pudesse ingressar na Universidade. (...)E esta aproximação com o campo se deve também pelo contato que eu tinha com os técnicos de natação, naquele momento. (E2)

    Marcelo lembra também do seu professor de educação física que era diferente de todos aqueles que havia conhecido. O entrevistado considera o ensino da educação física de baixa qualidade e que as aulas eram uma “perda de tempo”, assim não via função na disciplina desenvolvida na escola. Porém, segundo ele sua visão começa a mudar quando em uma mudança de escola conheceu um professor que apresentou outra perspectiva de intervenção no campo da educação física:

    “Ele me influenciou muito era um professor diferente dos que eu tinha tido até então. Era um professor bem humano, chamava agente pelo nome, eu achava isso o máximo chamar agente pelo nome pra você ter idéia do que eu achava dos professores de educação física. E quando eu vi esta possibilidade de fazer educação física eu fui conversar com ele. Nunca me esqueço”.(E1)

    Percebe-se que nos trechos acima pessoas como os colegas de futebol de Marcelo, sua família, a namorada e o professor, bem como, os treinadores e família de Fernanda contribuíram para algumas tomadas de decisões em relação à escolha da profissão. Portanto, questionamos: quanto e quais saberes foram construídos durante a trajetória antes de entrar na Universidade?

    Tudo que se aprendeu jogando futebol em diferentes espaços, tudo que se aprendeu ou não aprendeu nas aulas de educação física, tudo que se construiu nos torneios de natação, tudo que se vivenciou e apreendeu dentro de casa com a família; e o saber construído junto aos professore e aos treinadores contribuíram para a elaboração dos conhecimentos que Marcelo e Fernanda têm hoje sobre a educação física. Estes saberes não foram repassados de forma sistematizada e nem tiveram hora certa para serem apreendidos. Eles foram e continuam sendo construídos, re-elaborados e re-significados.

    O ingresso no mundo acadêmico acrescentou a vida desses profissionais os saberes curriculares, saberes disciplinares e saberes da formação profissional. Nos relatos abaixo fica evidente que estes saberes sistematizados foram de suma importância para a formação acadêmica de ambos. Somou-se aos saberes pessoais os saberes curriculares que permitiram descobrir as afinidades de cada um no âmbito da educação física.

    Foi a partir desse convívio com os saberes universitários que tiveram contatos com o lazer, área que atuam hoje. Nesse contexto, o professor Marcelo retoma as questões familiares e afetivas por considerá-las imprescindíveis no aprimoramento da sua espontaneidade, o que mais tarde, contribuiu para a identificação com os temas das ciências humanas dentro da educação física, principalmente vinculando com o lazer.

    “(...) eu sempre fui aquele torcedor de participar muito na arquibancada. De cantar, de gritar de inflamar a torcida, aquele de achar que aquilo fazia a diferença em relação ao desempenho do meu time. E também por ter uma família muito desprovida das questões morais, de uma família mais tradicional, todo mundo contava piada, todo mundo falava palavrão lá em casa se falava de tudo, né? Recebia-se muita gente em minha casa, muita gente para comer, então por conta disso eu acho que eu fiquei uma pessoa solta, uma pessoa com capacidade grande de socialização de conversar, de falar de gesticular.” (E1)

    Já na Universidade, Marcelo começa a trabalhar com natação em um clube, bem como em uma academia onde começa participar de organização de eventos:

    “eu lembro que no 1º período eu trabalhei com uma colônia de férias e também consegui um estágio na natação o meu professor humano é quem me levou para trabalhar no América e aí curiosamente, esse meu jeito é... espontâneo de ser, alegre, isso me ajudava muito no meu desempenho e isso sem formação nenhuma. Tanto para a natação quanto para o lazer. E eu lembro que minhas aulas de natação eu trabalhava com aprendizagem eu fazia muita teatralização com as crianças eu fazia um ensino não muito formal, fazia aquela parte de adaptação ao meio líquido eu brincava muito com eles. Aí depois eu quis sair do clube e fiquei trabalhando só na academia. E na academia, eu comecei a trabalhar com a parte de fazer triathlon, eu participava de corridas rústicas, então eu tive um contato muito grande com eventos. Depois eu comecei a trabalhar com escolas, e na escola eu me encontrei muito.”(E1)

    A professora Fernanda considera que sua trajetória acadêmica foi fundamental, já que após o ingresso na Universidade, que surgiu o contato e o interesse pelos estudos no campo das ciências humanas na educação física. Segundo a mesma, o processo foi longo e confuso:

    “Então eu cheguei numa fase da minha vida acadêmica que eu queria me aproximar de uma área, mas ao mesmo tempo eu não sabia aonde, daí eu comecei a correr por diferentes linhas. Então eu comecei a fazer pesquisa na área da fisiologia ligada à natação e à nutrição naquele momento. Então eu entrei num projeto para dar treino de natação para a equipe da universidade. Naquele momento eu me aproximei com esse diálogo com a natação que eu vim fazendo desde minha entrada na universidade. E aí eu comecei a pesquisar e comecei a perceber que aquilo trazia prazer e que na verdade, o prazer que eu tinha em relação à natação as coisas da natação era o prazer de estar dentro d´água de estar nadando e não exatamente o prazer de estar ministrando treinos, não era aquilo que eu queria. E aí um espaço que foi super decisivo, ou melhor dois espaços foram decisivos para a minha decisão, ou seja, em que área que eu vou começar a pesquisar?O quê eu vou começar a me aprofundar? que foram o COMBRACE de 2001 e foi a disciplina metodologia do ensino que foram espaços super importantes que permitiram eu conhecer a área. Que tipo de formação que eu queria ter, que tipo de perspectiva que queria trabalhar. Mas é interessante, por que? Porque você está se aproximando de uma área e como que isso dentro do curso tende a modificar a partir do momento que você tem determinadas pessoas, lugares espaços que contribuem para essas mudanças também.”(E2)

    Nos trechos acima, Marcelo e Fernanda demonstram o quanto à trajetória acadêmica, bem como, as pessoas que a compõe são fundamentais no processo de tomada de decisão, assim como, na construção dos conhecimentos de cada um que passa pela universidade. Estas reflexões são compatíveis com as idéias de Tardif (2002) o qual considera os lugares nos quais os professores atuam, as instituições que os formam, as experiências de trabalho e a trajetória de vida pessoal como fontes de aquisição de saberes.

    Percebe-se, no entanto, que ambos tiveram pouco envolvimento específico no trato com o lazer, até então. Além disso, suas histórias de vida acadêmica foram bem diferentes, enquanto Marcelo dividia seu tempo entre cursos de educação física escolar e atividades no mercado de trabalho em clubes, academias e escolas, Fernanda se dedicava ao aprofundamento dos conhecimentos, buscando uma formação mais acadêmica ainda na graduação, participando de congressos e grupos de pesquisa, bem como, produzindo conhecimentos através da iniciação científica. Porém, destacamos que estas diferenças estão diretamente ligadas ao momento histórico de cada um, como se pode perceber a seguir:

    “Depois eu comecei a trabalhar com escolas, fiz muito cursos para buscar na verdade o que eu não tinha pego na minha formação na Gama Filho, que eram jogos, brincadeiras, então eu fiz cursos com a Raquel Mesquita, fiz uma série de cursos que me ajudou muito”.(E1)

    “Então, este campo vai ampliando à medida que você sai para os congressos, começa a apresentar os trabalhos, à medida que você começa a sistematizar seu estudo. Então quando isso começa a ser sistematizado, a gente começa a tecer uma rede de saber que começa também a trilhar um caminho. Por onde caminhar, por onde seguir. Quando eu comecei a fazer iniciação científica, comecei a pensar sobre projetos, lembro que num destes aprofundamentos sobre os estudos do corpo, escrevi um trabalho relacionando-o com o lazer. O trabalho me exigiu pesquisar sobre este tema, que até apresentei como tema livre no Encontro Nacional de Recreação e Lazer (ENAREL) ” (E2)

    Além disso, é importante ressaltar os diferentes momentos desses professores no campo da educação física, Marcelo formou-se na década de 80 e Fernanda no início dos anos 2000. Nos anos 80 a área da educação física ainda iniciava o seu processo de construção acadêmica, principalmente no que se refere ao campo das ciências humanas e sociais e conseqüentemente a sua relação com o os conhecimentos sobre o lazer. Dessa forma, a possibilidade de estudos acadêmicos ainda na graduação nesse período ainda era muito pequena, enquanto que nos anos 2000 essas possibilidades vêm ampliando-se cada vez mais. Esse aspecto pode ter exercido grande influência na trajetória desses dois profissionais entrevistados.

    Nos trechos analisados até agora fica nítida a diferença de história de vida e acadêmica dos dois professores em questão. Momentos, pessoas e lugares tiveram tempos de acontecimentos e nível de importância diferenciados em suas vidas. Entretanto é possível encontrar uma trajetória em comum: a visão de ambos em relação à educação física antes e depois do ingresso na universidade. É importante esclarecer que os professores em questão além de se inserirem no campo acadêmico em momentos distintos estão hoje em momentos diferentes em suas carreiras. Marcelo é doutor e professor de uma universidade federal, encontra-se engajado no cenário nacional onde se discute o lazer e é professor do primeiro programa de mestrado em lazer em nosso país. Fernanda finalizou seu mestrado recentemente e vem envidando esforços para complementar sua formação no nível da pós-graduação e para sua inserção no ensino superior.

    Percebemos que Marcelo e Fernanda não apenas mudaram suas trajetórias, mas também, re-significaram o sentido da educação física se considerarmos seus objetivos antes e depois do ingresso a universidade, demonstrando o que afirma Certeau (1990) que a formação é um processo de constante re-significação.

    “Aí eu acho que a gente começa a conhecer o curso a partir do 3o ou 4o período. Antes deu entrar para Universidade o grupo social que eu freqüentava era o da natação, então, a perspectiva da natação para mim era muito forte, então eu entrei com o espírito de nadadora que fui. A partir do momento que eu entrei no curso e que eu fui conhecendo outras disciplinas, outros espaços os próprios congressos foram acontecendo então olhar vai mudando ao longo desta trajetória.”(E2)

    “Depois comecei a fugir dessa coisa de esporte de alto nível. De trabalhar com equipe, eu nunca me vi com essa característica não. Porque eu me achava muito bãozinho na verdade pra exigir muito das crianças, eu tinha esse lado muito humano ...”.(E1)

    Ambos buscaram a educação física por se identificarem com o esporte em suas diferentes possibilidades (pratica, assistência e conhecimento), porém, no decorrer da graduação tiveram acesso a outros olhares e a novas possibilidades de estudo e atuação. O que não quer dizer, que os saberes “pré-universidade” tornaram-se extintos, pelo contrário, foram aprimorados a partir da aquisição de novos conhecimentos que por sinal, também não estão “acabados”, mas sim, em constante re-significação.

    Esta análise vai ao encontro das idéias de Tardiff (2002) quando afirma que “o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc... (p.64).

    Até agora tivemos acesso às histórias de vida pessoal e acadêmica de Marcelo e Fernanda. Percebemos os caminhos e “desvios” de cada um durante a trajetória de construção de saberes antes e durante o ingresso na universidade. A seguir, temos as análises dos depoimentos de ambos após a graduação. E nesse aspecto questionamos: e o lazer? Quando este começou a ser objeto de estudo destes professores? Como se aproximaram deste tema? Ao ser assim questionado Mrcelo relembra os lugares, os momentos e as pessoas que contribuíram para a aproximação com o saber lazer:

    “Num curso de especialização em educação e reeducação psicomotora na UERJ, eu também tive contato com essa outra possibilidade da área da educação física que não fosse voltada para o desporto. Na verdade a minha área até então era a área da educação física escolar, mas sempre nessa perspectiva mais lúdica da educação física escolar. Teve uma vez... que fui convidado para dar um curso muito grande para a prefeitura de Curitiba, isso em 1991. Estava lá a Celli Tafarell, Tatá o Tarcisio, estava o Gerferson o João Batista Freire e nós fomos dar este curso. A gente já mantinha através dos congressos uma relação de amizade com a Celli Tafarell e agente estava numa situação difícil, lá em Londrina. A minha bolsa estava acabando, e aí a Celli viu que tinha um concurso em Viçosa pra área dos estudos do Lazer, ou melhor pra área de recreação e me mandou o edital pra eu fazer esse concurso. Então foi um momento que eu comecei a ter contato com este estudo da recreação e do lazer. Foi nesse momento do concurso que eu comecei a estudar as coisas do lazer. A Jô muito amiga da gente me emprestou uma série de revistas, um monte de livros e eu comecei a estudar e fui para este concurso com isso e fui aprovado em 1o lugar”. (E1)

    Já Fernanda não teve um contato mais aprofundado com o saber lazer à primeira vista. Após a graduação, ela ingressou no mestrado na linha de pesquisa sobre o corpo na faculdade de educação da Universidade de Campinas.

    “Eu já saí da universidade em processo de mestrado. O mestrado te abre outras portas. Então, me possibilitou estudar um pouco mais. Em uma destas portas abertas é que eu fui convidada a ministrar aula nesta faculdade de educação física que atuo até hoje. Comecei com as disciplinas História da Educação Física e Metodologia da ensino I e II depois é que veio o convite para eu ministrar a disciplina de recreação e lazer, a qual não tive muitas dificuldades uma vez que a vejo inserida nos estudos das ciências humanas, o qual me identifico mais”. (E2)

    A trajetória continua. Novas experiências criam e recriam os saberes até o momento elaborados. O lazer, enquanto conhecimento surge, para ambos, como uma oportunidade de crescerem profissionalmente. E para que isso concretizasse exigiu-se aprofundamentos sobre a temática. Assim, os conhecimentos foram somados, envolvendo a formação científica, os saberes curriculares, disciplinares e experimentação profissional que hoje os fazem construtores de parte dos saberes de seus alunos.

    E pelas oportunidades e trajetórias vividas ambos conseguem avaliar a dimensão desta responsabilidade: construir saberes. Ou seja, ao mesmo tempo em que constroem e reconstroem seus conhecimentos, eles atuam de maneira a contribuir na elaboração dos saberes de outros: os seus alunos que por sinal, também têm bagagens de vida diferentes, mas que somarão ao conhecimento pessoal os saberes acadêmicos compartilhados no espaço denominado universidade.

    “Eu sempre falo isso para os meus alunos. Tem aquele autor francês... que trabalha com formação profissional... o Tardiff, ele diz que na verdade a formação da pessoa ela não começa no seu curso, a formação da pessoa ela se dá a partir do momento que ela nasce. Eu acho que a minha história de vida me ajuda em muitas coisas e me atrapalha em outras. Por exemplo, no que se refere ao trato com os alunos, no que se refere a relação com os professores, com os colegas, os funcionários da instituição eu acho que minha história de vida me ajudou muito. Por quê? Uma família de classe popular, muito alegre muito festiva, muito lúdica e isso me fez uma pessoa mais solta, me fez uma pessoa mais descontraída, me fez uma pessoa com uma capacidade grande de comunicação, então nisso me ajuda”.(E1)

    Marcelo e Fernanda assumem com responsabilidade a tarefa de construir e elaborar saberes junto aos seus alunos. Ambos conseguem perceber como um professor pode interferir nas tomadas de decisão e como podem influenciar o modo como estes “agem, reagem e interagem com seus contextos” (MOITA, 2000, p.117).

    Através dos depoimentos de cada um encontra-se sentidos nas palavras. Encontra-se uma rede de relações entre pessoas, lugares momentos e conteúdos que os tornaram construtores de saberes. O que se apreendeu até hoje, esta sendo questionado, re-elaborado ou repassado junto a pessoas em processo de construção de conhecimentos.

Considerações finais: “Um saber de sentidos”

    Trazer ao meio acadêmico as experiências pessoais, acadêmicas e profissionais de professores do campo da recreação e lazer foi um desafio, à medida que, nos identificamos em vários o momento com as trajetórias dos sujeitos desta pesquisa. Compartilhamos dos depoimentos dos mesmos para registrar o quanto à história de vida de cada um somado aos saberes universitários são importantes para a formação profissional.

    Um aspecto fundamental extraído das entrevistas foi à influência de pessoas em nossas tomadas de decisões, nos ajudando a reconstruir os saberes profissionais. Esses sujeitos podem significar mudança de direção e podem nos auxiliar no direcionamento de nossa inserção no campo de intervenção.

    A pesquisa demonstra ainda que a escolha pelo campo da Educação Física se deu, para os nossos sujeitos, principalmente em função do envolvimento com o campo esportivo. Essa relação com o esporte, muitas vezes, tem fortes vínculos com o seu aspecto de rendimento e treinamento, mas que também ocorre por outros determinantes, tais como o lazer, a saúde, as relações sociais, dentre outros aspectos. É importante frisar ainda que na trajetória desses professores o esporte vem se consolidando com elemento de trabalho e de lazer.

    Outro ponto que merece destaque é a idéia de formação contínua que vem ocorrendo em diferentes espaços, desde possibilidades advindas de suas relações pessoais (família, casa, clube, academia, etc) até lugares específicos de formação profissional (Universidade, eventos, grupos de pesquisa e estudo, literatura, etc.)

    Com relação ao lazer e a recreação, identificamos que essas práticas culturais tiveram presentes desde a infância como vivências ao longo de suas vidas, porém, como objeto de estudo surgiram através da possibilidade de atuar profissionalmente nas instituições de nível superior. A ligação com os temas das ciências humanas dentro da educação física, como por exemplo, escola e estudos do corpo, permitiram a aproximação de ambos com os temas lazer e recreação. Assim, durante a trajetória somou-se aos saberes de experiência os saberes sistematizados que foram adquiridos e (re)significados. Os percursos de ambos, se considerarmos antes e depois da universidade, tomaram novas direções e ambos reconhecem o peso desta caminhada para posição que assumem hoje.

    Desta forma, não se pode dizer que existe um saber mais importante do que o outro. Sejam eles saberes de experiência ou saberes científicos, ambos são fundamentais para nossa constante construção. Borges (1998) afirma que o professor lida com diversos saberes que informam e integram sua prática docente constituindo sua própria identidade. Portanto, os saberes de experiências são elementos fundamentais na formação do professor e que por isso não devem ser ignorados na construção dos currículos. Diante disso, nós como professores e construtores de saberes devemos lembrar a todo instante que da mesma forma que fomos e somos influenciados por pessoas e momentos, nossos alunos também são e que nós fazemos parte das pessoas que influenciam a trajetória dos mesmos, como também, não podemos esquecer que estes nossos alunos nos permitem a todo instante elaborar, re-elaborar, re-significar e buscar sentido em nossos saberes. “Tirando isso, não tem sentido!”

Referências

  • BORGES, Cecília Maria Ferreira. O Professor de Educação Física e a Construção do saber. Campinas: Papirus,1998.

  • CERTEAU, Michel de. Artes de Fazer: A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Direitos de publicação em língua portuguesa: Editora Vozes, 1990.

  • FRANÇA, Tereza Luíza de. Educação, Corporeidade e Lazer: saber da experiência cultural em prelúdio. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2003. (Tese. Doutorado em Educação).

  • MOITA, Maria da Conceição. “Percursos de formação e trans-formação”. In: NÓVOA, Antônio. Vida de Professores. Porto: Porto, 2000.

  • TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

  • TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

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