A educação do Movimento Sem Terra e a Educação Física: possibilidades de (re) encontro |
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*Especialista em EF Escolar pela UFF e Docente do Colégio Pedro II. **Mestrando do curso de Epidemiologia em Saúde Pública, sub-área: métodos quantitativos em epidemiologia pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - ENSP/FIOCRUZ. ***Especialista em EF Escolar pelo Departamento de EF da UFF e Docente da rede pública municipal da cidade do Rio de Janeiro. (Brasil) |
Jonas Henrique Almeida da Silva* professorjonashenrique@gmail.com Sérgio Henrique Almeida da Silva Junior** sergio.edfisica@gmail.com Carla Elaine Alves Ferreira*** | Rosane Castilho de Souza*** |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 121 - Junio de 2008 |
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Introdução
O surgimento do MST
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nasce no final da década de 70, na retomada da luta pela terra, especialmente na região centro-sul do Brasil. Teve sua gestação de 1979 a 1984, sendo criado formalmente no Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Sem Terra.
A situação sócio-econômica dos trabalhadores do campo destas regiões (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Rondônia, Acre, Roraima e Pará), foi o mais forte fator de contribuição para o surgimento do MST.
Após anos de sucessivas crises, na década de 70, o meio rural se encontrava esvaziado e herdeiro de vários problemas. A concentração do latifúndio e a má utilização da terra por partes das elites caminhou lado a lado com uma modernização extremamente rápida, intervindo no campo de maneira que os pequenos agricultores não conseguiam se incluir nestas medidas, enquanto os grandes fazendeiros se apropriavam de mais terras, mecanização e insumos químicos.
Segundo Nelson Piletti (1990/p.115), no início da década de 80, de aproximadamente 16 milhões de trabalhadores rurais, 12 milhões não possuíam as terras que cultivavam; apenas quatro milhões trabalhavam em suas próprias terras. Desses 4 milhões, 10% eram donos de 80% das terras, enquanto 90% deles ficavam com apenas 20% restantes.
Dos 12 milhões de não proprietários, aproximadamente a metade é formada por não assalariados: pequenos posseiros, parceiros (gente que trabalha nas terras dos outros ficando com uma pequena parte da produção) etc. A outra metade é formada por trabalhadores assalariados, os chamados bóias-frias : não tem emprego fixo, pois só têm trabalho em época de plantio e colheita, não tem também férias pagas, assistência médica nem garantia de emprego.
Pedagogia do Movimento Sem Terra
Quando recorremos a fontes históricas da pedagogia encontramos suas sementes na oralidade pelos que habitavam campos e cidades. Por isso o MST, através de um resgate histórico promove uma volta ao passado para aprender a projetar o futuro construindo com o modo de vida dos acampados e assentados, sua própria filosofia de vida.
Célia Linhares (1997) nos diz que homens e mulheres revêem suas vidas, partilham de ritos e aprendizagens com os companheiros de diferentes idades, sexos e etnias, dotando-os de uma significação tão viva porque participam intensamente de sua construção, construindo assim, identificações coletivas, com as quais eles próprios se autopercebem entrelaçados.
Esses significados nada têm de arbitrários. Nutre-se da memória dos que foram dados por vencidos, no que eles têm de mais forte e mais contagiante - sua adesão aos valores como o de JUSTIÇA E LIBERDADE. Deste modo, a escola do MST retoma e reconstrói com o melhor do passado um sentido para seu projeto de educação e de sociedade brasileira.
Na idade média (1453-1789) o conhecimento era transmitido via oral, só mais tarde quem queria aprender se reunia ao redor dos sábios que entendiam dos manuscritos. Transmitia-se saber das classes dominantes para as classes dominantes num regime absolutista de governo, de pai para filho, com nobreza e o clero gozando de todo privilégio (inclusive o da educação nos Estados Católicos). Jean Jaques Rousseau (1712-1778), Grande pensador iluminista, contrapondo-se as idéias predominantes na época, revolucionou a abordagem da pedagogia, focalizou a educação da criança não com vista para o futuro nem a modelação dela para determinados fins, mas privilegiando um desenvolvimento livre e espontâneo.
Logo após João Henrique Pestalozzi (1746-1827), pedagogo suíço, entusiasmou-se pelas obras de Rousseau, aceitando a tese rousseauneana da bondade inata, dedicando-se a educação das crianças de mais tenra idade e de muita pobreza. Procurou mostrar em sua obra as condições de ignorância e miséria dos camponeses e procurou, também, fazer da mãe a educadora dos filhos.
A marginalização dos pobres, em benefício dos privilégios ricos era considerada natural na época. A passagem da Idade Média para Idade Contemporânea na segunda metade do século XVIII é assinalada pelas revoluções burguesas, fim do absolutismo e a consolidação do capitalismo industrial.
A educação para os pobres se limitava à perpetuação da mão de obra passada de pai para filho com objetivo puramente técnico de alimentar o mercado e suas novas demandas, os descontentamentos com este modo de produção que explora os trabalhadores foi percebida e estudada por Karl Marx (1818-1883) que logo percebeu que os problemas educativos (até então trabalhados somente pela burguesia) podiam ser analisados a partir do ponto de vista da classe operária, para que se formasse uma consciência de classe no proletariado, com sua pedagogia vinculada aos princípios do materialismo histórico dialético e histórico e à luta revolucionária da classe trabalhadora pela sociedade socialista representa uma pedagogia qualitativamente nova.
Segundo Célia Linhares (2001), a prática educativa tem sido, historicamente, forjada e precisa ser escavada em sua concretude, em busca de uma memória que se potencializa, sobretudo quando submergida no esquecimento. Assim, a especificidade epistemológica da educação, como uma prática apropriada pelas linguagens e pelo pensamento, exige uma arqueologia da escola, implicando procuras de entendimentos como formas de atuação nos processos pedagógicos - sociais.
Então como arqueologistas da educação, alguns estudiosos progressistas juntaram sua luta às lutas dos trabalhadores, na defesa de uma nova ordem social que superasse a exploração do homem e o libertasse das cadeias da limitação e opressão, contrapondo-se e criticando a pedagogia burguesa formadora de mão de obra que nega os princípios de liberdade do homem e do cidadão, da transformação, do trabalho, da educação e do desenvolvimento completo da personalidade.
"Instrução não é o mesmo que educação: a primeira se refere ao pensamento e a segunda principalmente aos sentimentos..." Pregava o pedagogo socialista cubano José Martí (1869-1895), que tinha como princípio o desenvolvimento ético do homem através da educação popular onde o saber é ter, pois segundo ele: "um homem instruído vive do seu conhecimento, e como o leva consigo, não o perde, e sua existência é fácil e segura".
Em 5 de Março de 1871, nasce em Zamosc, pequena cidade da Polônia ocupada pela Rússia, a Rosa vermelha do Socialismo, a Águia Dourada de Lênin. Seu nome: Rosa Luxemburgo. Rosa foi uma grande pensadora, contribuindo no campo da economia política, sobre o processo de acumulação do capital e também no campo da ciência política, refletindo sobre o papel do partido e das organizações de massa.
Segundo Maria Loureiro (1999) Rosa dizia, já em 1904, que o único meio de combater os oportunismos, era melhorar a organização da classe trabalhadora e desenvolver permanentemente ações que elevassem o nível de consciência revolucionária. Ela sempre teve uma confiança enorme na capacidade das massas. Esse era o seu ideal. Somente as massas organizadas e em mobilização vão fazer as mudanças.
Ainda nas palavras da professora e escritora, para Rosa, a passagem da espontaneidade à consciência é fruto das experiências vividas, insatisfações, decepções, derrotas, mais que das vitórias da própria classe. Na luta recupera-se o próprio atraso, o proletariado aprende com sua própria experiência, com seus equívocos, o que é mais importante que evitar erros mediante a tutela de um comitê central. Em Rosa Luxemburgo não há fetichismo da organização, esta não tem existência prévia à classe, precisamente porque não há separação entre ser social e consciência. Rosa segue de perto os ensinamentos de Marx, segundo qual era por meio da práxis revolucionária que os homens transformavam ao mesmo tempo o mundo e a si mesmos.
A crença numa sociedade socialista democrática levou-a a prisão e a morte por assassinato, em 15 de Janeiro de 1919 na Alemanha. Deixando para nós, operários da transformação, seu exemplo de vida, sua luta, seus ensinamentos.
De 1888 até 1939 atuou um dos maiores pedagogos soviéticos e um dos maiores expoentes da história da educação socialista, Anton Semionovith Makarenko, com uma completa proposta educacional comprometida com a sociedade socialista. Tinha como princípio à formação do cidadão imbuído de sentimento, dever e responsabilidade com a sociedade, com espírito de colaboração e solidariedade com vistas ao interesse coletivo, a personalidade disciplinada, e uma sólida formação política... com objetivo de moldar o "novo homem e a nova mulher".
Durante muitos anos Makarenko, trabalhou na construção de escolas/casas para menores infratores na União Soviética, com uma pedagogia socialista que caminhava ao lado das idéias do grande pensador da época, o ex-menino de rua, Máximo Gorki. Gorki escrevia livros e artigos criticando o modelo opressor e reprodutor de seu país, escrevia sobre as possibilidades de mudança e sobre as vidas dos excluídos, tirando muitas vezes exemplos de sua própria experiência de vida. Os alunos de Makarenko se identificavam com as idéias de Gorki, o que contribuiu muito para a reeducação construída na Colônia (casa/escola).
Antonio Gramsci (1891-1837), militante e comunista italiano, era filho de camponeses e produziu no cárcere suas maiores obras, penetrando na realidade com sua inteligência e construindo um conjunto de princípios educacionais, prezando pela capacidade das pessoas trabalharem intelectual e manualmente numa organização educacional única ligada diretamente às instituições produtivas e culturais (igreja, escola e imprensa).
Estas instituições eram até então, dominadas pelo bloco ideológico do senso comum, à direita. Gramsci pregava a importância de serem criados serviços pré-escolares como forma de neutralizar as diferenças sociais, não negando a função reprodutora da escola, mas entendendo que as classes subalternas, uma vez de posse dos códigos das classes dominantes transmitidos pela escola, poderiam manipular tais códigos contra as classes dominantes.
Em seus escritos, definia a ideologia como um sistema de valores culturais, como uma concepção do mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da vida individual e coletiva. E afirmava que a filosofia não pertencia somente às elites, começando a romper a idéia de filósofo como um elemento isolado dos outros homens e mulheres trabalhadoras. Nossas práticas e concepções são movidas por pensamentos herdados desses e de tantos outros ou outras, homens ou mulheres brilhantes que fazem parte de nosso dia-a-dia, formando em nós valores libertadores nesta caminhada por um socialismo democrático, que almejamos consolidar, adaptado a nossa realidade. Esses/as intelectuais do passado são trazidos para o nosso presente, como parte da nossa pertença de militantes-educadores/as comprometidos/as com o ser humano ajudando a entender a complexidade da construção do homem e mulher novos, cientes do seu tempo, sua história, seu país, seus direitos... Sua luta.
As aulas de Educação Física no Movimento Sem Terra educando para o lazer: ilusão ou transformação?As hipóteses e questões referem-se à importância da educação do MST e a educação física como instâncias formativas, à construção dessa participação e aos significados a elas atribuídos exigem a adoção de uma metodologia qualitativa específica. Investigando a importância da herança cultural dos estudantes, buscando identificar as principais características sociais, políticas e culturais. Essa investigação exige uma aproximação entre pesquisadores e sujeitos, segundo a abordagem qualitativa.
Nas tentativas de legitimação da educação para o lazer utilizamos o currículo ampliado:
"O currículo capaz de dar conta de uma reflexão pedagógica ampliada e comprometida com os interesses das camadas populares tem como eixo a constatação, a interpretação, a compreensão e a explicação da realidade social complexa e contraditória. Isso vai exigir uma organização curricular em outros moldes, de forma a desenvolver uma outra lógica sobre a realidade, a lógica dialética, com a qual o aluno seja capaz de fazer uma outra leitura. Nesta forma de organização curricular se questiona o objeto de cada disciplina ou matéria curricular e coloca-se em destaque a função social de cada uma delas no currículo. Busca situar a sua contribuição particular para a realidade social e natural no nível do pensamento/reflexão do aluno. Isso porque o conhecimento matemático, geográfico, artístico, histórico, lingüístico, biológico ou corporal expressa uma determinada dimensão da"realidade" e não a sua totalidade" (COLETIVO DE AUTORES, p.28).
Como objetivos gerais: "Busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esportes, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros que podem ser identificadas como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas" (COLETIVO DE AUTORES, p.38); vivenciar opções para o exercício da autonomia e integração.
Nas aulas de Educação Física os conteúdos devem ser oferecidos para integrar e introduzir os alunos na cultura corporal de movimento no sentido de se educar para o lazer ajudando a transformar a prática educativa.
O planejamento de ensino e aprendizagem deve buscar dialogar com o Projeto Político-Pedagógico da escola, portanto, o planejamento deve ser construído de maneira participativa, no qual os alunos devem ser motivados no primeiro momento a conceituarem a Educação Física podendo discutir os conteúdos e objetivos propostos, organizando-se para buscar modos de execução das atividades a serem planejadas; no segundo momento os incentivado a experienciação das atividades e apreensão do conhecimento; e no terceiro para conclusões, avaliação da aula e projetos para as aulas seguintes. E por fim, como instrumento de coleta, utilizamos a observação participante, respeitando o princípio da não exclusão, segundo o qual, nenhuma atividade planejada possa excluir qualquer aluno das aulas de Educação Física, e o princípio da diversidade, proporcionando atividades diferenciadas e não privilegiando apenas um tipo, por exemplo, futebol.
A ProblemáticaA sociedade em que vivemos baseia-se na lógica do capital e a tendência que predomina é a da destruição das forças produtivas.
Há na sociedade um grande complexo econômico: capital especulativo (sem controle); capital produtivo (industrial e agrícola); capital estatal (PIB) e economia solidaria ou não.
As transformações macro-sociais atingem diretamente a educação do campo:
Concentração de riquezas nas mãos de poucos;
Mercado de trabalho competitivo e seletivo;
Intensificação da migração (êxodo rural nos últimos 50 anos);
Mudança do papel da mulher na sociedade (trabalho, família e política);
Envelhecimento da população;
O processo de globalização e o neoliberalismo não permitirão e não permitem a ampliação da educação garantindo acesso e permanência para todos;
Estreitamento do processo educativo (ênfase no ensino primário);
A real consciência do que seja viver em uma sociedade de classes;
Posse individual de bens coletivos de produção, e aí, se fundamenta a exclusão e a exploração;
As políticas públicas são verticalizadas.
Nos últimos dez anos as políticas educacionais sofreram mudanças profundas nas reformas educacionais tirando, portanto, o papel do estado de garantir a educação:
Reformas curriculares;
Educação à distância;
Centralização do controle do ensino através da avaliação;
Parcerias público/privadas.
Desta forma alguns impactos atingem diretamente a educação do campo:
Transição de paradigma;
Educação do campo com políticas compensatórias (reposição da escolarização perdida);
Crescimento da demanda da educação de jovens e adultos;
Analfabetos funcionais, reprovação e evasão.
A Educação Física e a Educação do Campo: realidades e desafiosEsta modalidade de ensino seria a mais própria para que pudéssemos colocar em prática as idéias de uma educação intergeracional, mas de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), as pessoas com mais de 30 anos, que tenham prole, que tenham uma jornada de trabalho superior a seis horas, podem optar por fazer ou não as aulas de Educação Física. Na própria lei já encontramos um primeiro obstáculo para trabalhar com uma intervenção intergeracional, pois esta trata a Educação Física ainda como uma simples atividade desprezando seu cunho pedagógico.
Mas Oliveira (1999) aponta a real situação da Educação Física no sistema de ensino:
"... uma análise da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional demonstra o espaço reservado hoje para a Educação Física (no sentido mais amplo) nos currículos básicos: nenhum! A ambigüidade da lei não garante qualquer possibilidade de permanência nos currículos da escola básica".
A Educação Física como área de produção e reprodução de conhecimento se estabeleceu historicamente numa relação de poder agindo ora como protagonista num projeto de "assepsia social" através da tendência higienista¹; ora através da tendência militarista com uma concepção que visava impor a toda sociedade padrões de comportamentos estereotipados, frutos da conduta disciplinar própria ao regime de caserna, visando a formação do cidadão soldado; ou influenciada pela tendência pedagogicista com a concepção que vai reclamar da sociedade a necessidade de encarar a Educação Física não somente como uma prática capaz de promover saúde ou de disciplinar a juventude, mas de encarar a Educação Física como uma prática eminentemente educativa, e, mais que isso, ela vai advogar a "educação do movimento" como a única forma de promover a educação integral; ou ainda influenciada pela tendência competitivista que esteve a serviço de uma hierarquização e elitização social. Seu objetivo principal foi a caracterização da competição e da superação individual como valor fundamentais e desejados para uma sociedade moderna. A Educação Física competitivista voltava-se, então, para o culto do atleta herói.
Vimos que todas as tendências da Educação Física serviram ou ainda servem aos interesses da elite brasileira para manter o "status quo". E aí surge uma questão fundamental: como romper com esse modelo e transformar algo no seio da escola por intermédio da Educação Física?
Em nossa opinião um caminho possível é o de a Educação Física educar para o lazer. E isso por meio de um duplo processo educativo, no qual de acordo com Marcellino (1996):
"Praticamente todos os autores ligados aos estudos do lazer reconhecem seu duplo aspecto educativo. Trata-se de um posicionamento baseado em duas constatações: a primeira, que o lazer é um veículo privilegiado de educação; a segunda, que para a prática de atividades de lazer é necessário o aprendizado, o estímulo, a iniciação aos conteúdos culturais, que possibilitem a passagem de níveis menos elaborados, simples, para níveis mais elaborados, complexos, procurando superar o conformismo, pela criticidade e pela criatividade. Verifica-se assim, um duplo processo educativo - o lazer como veículo e como objeto de educação" (p.50).
Na justificativa de legitimar a Educação Física, observamos o alcance da especificidade que a ela é dada considerando-se que é finalidade da Educação Física na escola, integrar e introduzir os alunos no mundo da cultura física, formando o cidadão que vai usufruir, partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física (o jogo, o esporte, a dança, a ginástica).
E ainda concordando com Marcellino (1996): "A educação para o lazer pode ser entendida, também, como um instrumento de defesa contra a homogeneização e internacionalização dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa, atenuando seus efeitos, através do desenvolvimento do espírito crítico" (p.51).
Devemos, nesse sentido, trabalhar a Educação Física numa perspectiva de transformação, rompendo com os padrões impostos pela classe dominante do esporte de rendimento. Pois este reflete os ideais do liberalismo econômico instalado em nossa sociedade onde alguém tem que perder para que outro possa ganhar. Com isso para se trabalhar a intergeracionalidade na Educação do Campo, optamos por uma intervenção onde o lazer é priorizado, ou seja, utilizamos o lazer como um veículo de educação (Melo e Alves Junior, 2003).
ConclusãoDiante do planejamento participativo devemos procurar vivenciar uma proposta de educação para o lazer concreta e realizável, na qual, em um primeiro momento os alunos possam conhecer a realidade local: a história do município, a história da escola; os espaços públicos e privados de lazer do município, os projetos da prefeitura para o esporte e lazer, o crescimento demográfico, a estética urbana e o processo de relação do ser humano com a sociedade, trabalho, educação, terra e natureza. No segundo momento devem fazer o conhecimento real do espaço escolar realizando o levantamento do espaço físico e material e dos horários da escola, da cultura corporal e natureza humana histórica, cultura corporal e território, cultura corporal e trabalho e cultura corporal e política cultural, assim como aponta Marcellino (1996) "... democratizar o lazer implica em democratizar o espaço" (p.25). No terceiro momento participar de debates realizados pelos próprios alunos em parceria com a comunidade escolar e a comunidade local, no sentido de refletir a importância do lazer na vida das pessoas, e conscientizando-as se organizarem para reivindicar aos poderes públicos espaços e equipamentos para o lazer. E dentro deste processo os alunos construírem e vivenciarem o cinema, o grafite, o hip-hop, o funk, a capoeira, a poesia, o teatro, caminhadas nos bairros e caminhadas ecológicas fazendo parte dos conteúdos específicos e planejados da Educação Física. E com isso não havendo a exclusão, garantindo acesso de todos os alunos as atividades planejadas anteriormente, incluindo homens e mulheres nas aulas.
Além disso, não devemos trabalhar apenas com um tipo de conteúdo. Devemos proporcionar vivências em todos os elementos da cultura corporal. Percebemos a importância da aprendizagem de conteúdos diversos e significativos, pois está vinculada a educação para o lazer e promovendo a intergeracionalidade, oportunizando o alcance da cidadania e a construção da personalidade.
Podemos concluir que a mudança estrutural da sociedade deve perpassar por uma economia solidária, não sendo responsabilidade única da educação, mas esta deve garantir a formação continuada rompendo com programas governamentais que visam apenas o aprendizado da leitura e da escrita (Brasil Alfabetizado, PROJOVEM, Alfabetização Solidária entre outros) e que construa formas alternativas e autônomas de Educação do Campo. Um grande passo seria romper com a inércia das pesquisas universitárias e garantir a formação de professores para a atuação na Educação do Campo, mas para isso é necessário repensar todo o currículo das licenciaturas, pois atualmente vimos que a didática, a psicologia, a prática de ensino ainda é voltada para o ensino e aprendizagem apenas de crianças das grandes cidades. Portanto, é necessária a construção coletiva de um currículo, onde a educação seja voltada para a prática social considerando as especificidades da zona rural e urbana. Vimos que é impossível educar crianças, jovens e adultos se os educadores são desvalorizados. Com isso, se faz urgente o lançamento do movimento de trabalhadores do campo e Educação Física mas para isso devemos saber quem são esses alunos trabalhadores do ponto de vista da sobrevivência e do trabalho (quais são as atividades remuneradas, níveis de ganho, gastos correntes e extraordinários de todos os membros da família), levantar algumas histórias de vida; promover atividades curriculares e extracurriculares que possam favorecer sua organização; gradativamente articular redes de trabalhadores e educadores organizando feiras de troca; colocar em debate o mundo do trabalho, a economia, a política e a sociedade; o educador deve acordar o desejo de aprender nas crianças, jovens e adultos e refletir que desafios a Educação do Campo pode trabalhar para estabelecer uma outra sociedade? De que maneira a Educação do Campo pode contribuir para estabelecer princípios de autogestão, participação e cooperação numa economia solidária?
As tentativas de legitimação de a Educação Física educar para o lazer devem ser grandes avanços, mas não depende somente das nossas aulas, é preciso compreender em que ideologia a escola está situada, pois a escola ainda é o lugar de transmissão de conhecimentos, do pensamento único, do poder estabelecido, onde os professores mandam e os alunos obedecem, são eles que dominam os conteúdos e os transmitem como donos da verdade. E o mecanismo de controle está presente em todos os espaços, considera-se que o importante são os comportamentos manifestos, observáveis, mensuráveis. E para romper com esta lógica se fazem necessárias mudanças estruturais, que acabem com todo o sistema neoliberal.
Micheli Escobar em palestra proferida por ocasião do IX Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, assim definiu o papel da Educação Física na sociedade:
"Como revolucionária essa educação só pode ser vinculada a uma pedagogia claramente socialista, cuja teoria seja alicerçada no materialismo histórico-dialético e no marxismo como concepção de homem e de história comprometidos com a práxis revolucionária,...".
Enfim, concluímos que as nossas tentativas de legitimação devem procurar romper com toda a ideologia dominante e de não ser apenas uma disciplina qualquer, sem nenhuma relevância para os alunos e nem somente legal, mas sim legítima.
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