Precarização do trabalho docente na Argentina, Colômbia e Brasil: um estudo comparado |
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Doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana PPFH da Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ. Onde é Bolsista da FAPERJ. (Brasil) |
Cristina Borges de Oliveira* Gustavo Bruno Bicalho Gonçalves** cristinborges@bol.com.br |
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Trabalho apresentado no "Segundo Congreso Nacional/ Primer Encuentro Latinoamericano de Estudios Comparados en Educación. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 119 - Abril de 2008 |
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Introdução
A perspectiva dos estudos comparados aponta para a busca de sentidos comuns entre as realidades distintas postas em comparação, bem como para o reconhecimento das especificidades entre países. No presente estudo toma-se o desafio de reconhecer as características comuns da precarização do trabalho docente na Argentina, Brasil e Colômbia, buscando entender as tensões, semelhanças e espaços de lutas nesses países.
Partindo do pressuposto que os processos de reforma educacional ora em curso não ocorrem da mesma maneira nos distintos países da América Latina, buscamos os sentidos que lhes são comuns objetivando evidenciar especificidades de cada caso nacional sobre a precarização do trabalho docente.
De acordo com Gentili (2006) e Suarez (2005), a precarização do trabalho docente na América Latina e no Caribe tem como uma das causas a expansão dos sistemas educativos levados à frente desde a década de 1980. Em um contexto de aumento da demanda por educação, segundo esses autores, o déficit magisterial pode ser evidenciado a partir de alguns núcleos comuns em paises como a Argentina, Brasil e Colômbia, quais sejam.
A existência de pequena disponibilidade de professores e de cargos estáveis para o exercício da docência; - reduzidas oportunidades de uma formação superior de qualidade, pública e gratuita para quem postula a carreira docente, especialmente em regiões mais pobres;- os insuficientes investimentos destinados às instituições de educação nos diferentes níveis1; - proliferação da oferta privada de capacitação com qualidade duvidosa; privatização da oferta pública de formação num mercado de aperfeiçoamento com qualidade questionável; alto número de alunos por professor em todos os níveis de escolarização, em quase todos os casos superando os países desenvolvidos2; precárias condições de trabalho pedagógico; baixos patamares salariais3, saúde do trabalhador (alto índice de enfermidades laborais)
As características supracitadas definem um quadro de precarização do trabalho docente na América Latina e as formas de internacionalização da política educativa que caracterizam as reformas educacionais. O caráter desigual, excludente e anti-democrático revela-se nos distintos níveis dos sistemas educativos, conforme denuncia a confederação dos trabalhadores da educação da Argentina - CTERA:
La escisión burocrática, superada en la industria de tecnología de punta, permanece intacta en el ámbito educativo (en el sistema piensan y en la escuela ejecutan), determinada por el imaginario de los funcionarios de gobiernos nacionales, regionales y organismos internacionales. Estas situaciones de la vida política mundial llegan muy desvanecidas a nuestros debates locales. De hecho, no se ha planteado un verdadero análisis del proceso de trabajo docente para encontrar en él, concretamente, la real pérdida de control del mismo por parte de los docentes 4.
No processo de constituição da referida precarização do trabalho docente, destaca-se o papel assumido pelas agências internacionais de fomento e financiamento de auxiliar no desencadeamento das reformas nos sistemas educacionais de vários países da América Latina e de financiar em parte esse processo. De acordo com Frigotto,
As novas demandas de educação explicitadas por diferentes documentos dos novos senhores do mundo - FMI, BIRD, BID - e seus representantes regionais - CEPAL, OREALC - baseadas nas categorias sociedade do conhecimento, qualidade total, educação para a competitividade, formação abstrata e polivalente, expressam os limites das concepções da teoria do capital humano e as redefinem sobre novas bases (FRIGOTTO, 2003, p. 19).
A precarização do trabalho docente pode ser definida como conseqüência do contexto neoliberal - globalização, novas tecnologias de informação e comunicação, nova reordenação do processo de automação em nível internacional, que modificam a estrutura produtiva e a organização do trabalho. É importante ressaltar que os estudos que enfatizam a política educacional comparada devem reconhecer o que há em comum nesses processos históricos.
As propostas educacionais, como se apresentam hoje na América Latina e o Caribe, estão desvinculadas de uma proposta democrática e de desenvolvimento sustentável, que gere empregos, renda e novas relações sociais. A correlação de força entre capital e trabalho, em nível internacional, tem levado a uma crise no mundo do trabalho de longa duração.
Nos anos de 1980 e na década seguinte o que toma impulso é a consagração do taylorismo como um modo de organização da produção cujos princípios e dispositivos estão voltados para adequar a produção de mercadorias às determinações do novo regime de acumulação de capital. As transformações tecnológicas que se operam em todas as indústrias têm como fim prescindir da mão de obra para garantir mais lucro; há uma introdução de novas formas de trabalho, isto é, a flexibilização do trabalho, em função da produtividade que tem como conseqüência a geração de mão de obra barata sem direitos trabalhistas. Um fenômeno que está em conformação com os mercados de trabalho mundiais.
Este processo mundial de reestruturação afeta a todos os trabalhadores do planeta, nem mesmo os trabalhadores norte-americanos, ironicamente, escapam desta lógica. Por exemplo, eles foram os trabalhadores mais bem pagos do mundo durante o pós-guerra e contavam com elevados serviços sociais. No entanto na década de 90, o salário por hora, medido em dólares de um operário norte americano, caiu 55% em relação ao salário de um alemão, 20% em relação ao salário de austríaco e 32% em relação ao salário de um suíço.
Não importa que um trabalhador seja qualificado ou especializado ou que seu salário seja elevado em relação a outros países: a tendência geral do trabalho no mundo é a precarização do emprego. Isto é dizer que há uma desvalorização generalizada do trabalho em termos econômicos (salariais), em termos de conteúdos (as mudanças tecnológicas afetam o "saber fazer" dos trabalhadores) e, inclusive, existenciais, por esta desvalorização econômica e moral do trabalho.
Estudos de casos nacionais: Argentina, Colômbia e BrasilPara analisar os diferentes projetos educativos que se apresentam sob inspiração neoliberal, no Brasil e em outros paises da América Latina, faz-se mister levar em conta o contexto em que se desenvolvem as políticas educacionais, a partir de uma síntese comparativa de diferentes informes e documentos5. Vários autores apontam que as reformas educacionais na América Latina se dão, também, em função do processo de afinamento desses paises com as políticas de organismos internacionais de financiamento.
A publicação de pesquisas que ressaltaram os sucessos e as insuficiências do sistema educativo reforçou e justificou a necessidade das reformas educacionais. Isso sob a égide das reestruturações do setor produtivo e de alterações institucionais significativas, que transformaram e ainda transformam a estrutura e organização do Estado e das relações sociais na perspectiva de uma nova ordem mundial. De acordo com Rosar e Krawczyk:
As políticas de organização e gestão da Educação Pública no marco das reformas educacionais da década de 1990 realizaram-se em sociedades com diferentes tradições políticas e associativas tais como Argentina, [...]Brasil entre outros (2001, p. 36).
Conforme assinalam as autoras, distintas sociedades e culturas participam de um processo de reforma paralelo e simultâneo durante a década de 1990, respeitando a um sentido comum que não reconhece suas diferentes tradições políticas e associativas. O modo como estas tradições se relacionam com as reformas assinaladas é o que buscaremos analisar.
O caso da ArgentinaAs análises de Halperin Donghi (1998) nos remetem ao fato de que no início do século XX a modernização Argentina esteve associada à institucionalização do Estado Nacional [na sociedade civil - criação de partidos; criação de instituições públicas, de leis e sistemas nacionais, de uma máquina de governo, definição do que seja uma nação, proposta de democracia representativa uma das heranças da revolução francesa] que permitisse o desenvolvimento de uma consciência nacional necessária para integrar os diferentes grupos imigratórios.
[...] a constituição de um sistema público de Ensino Estatal e de caráter nacional estava fortemente associada os ideários da institucionalização dos direitos liberais para a cidadania e também, ainda que em menor medida, às necessidades do processo de desenvolvimento industrial 6.
No Brasil, de modo diferente da Argentina, "as condições para a construção de uma identidade nacional eram precárias, considerando que grande parte da população quase exclusivamente rural e analfabeta, isolada na imensa extensão territorial do país" (CARVALHO, 1998). Ainda na segunda metade do século XIX no Brasil proliferaram os movimentos de revolta camponesa e organizaram-se os partidos que representavam as frações da elite dominante, no entanto sem a participação organizada do conjunto da população até o século XX. .
Evidências da precarização do trabalho docente na ArgentinaNa realidade Argentina o destaque aos baixos patamares salariais como principal expoente a ser analisado sobre a precarização do trabalho docente, não impede que esse fenômeno seja acompanhado de outras evidências de precarização, como por exemplo o alto número de alunos por professor em todos os níveis de escolarização. Tal fenômeno pode ser constatado em quase todos os casos na América Latina, superando os países desenvolvidos. O alto número de alunos por professore é evidência de precarização, pois aumenta a taxa de exploração do trabalho docente, intensificando o trabalho a ser realizado no mesmo período de tempo. No quadro a seguir podemos observar como se dá essa relação em comparação com Brasil e Colômbia.
Destaca-se ainda uma outra forma de precarização da educação nos ínfimos investimentos destinados às instituições de educação de diferentes níveis. Utilizando a paridade de poder aquisitivo como unidade de comparação, observa-se que o gasto público por aluno com educação primária e secundária é cerca de seis vezes menor na Argentina, Colômbia e Brasil que em países como Canadá e Estados Unidos7. Este sem dúvida é um importante fator a ser considerado, uma vez que o baixo investimento por aluno reflete-se nas condições de trabalho do professor, e por sua vez contribui para a precarização do trabalho docente.
No tocante aos patamares salariais para a educação básica, segundo Gentili8 as remunerações salariais da categoria docente ainda são muito baixas na América Latina e no Caribe. Acrescenta-se a este fato, a instabilidade no mercado de trabalho, as crises econômicas associadas aos ínfimos investimentos na educação, tudo isto tem submetido a categoria docente latino-americana a uma situação concreta de precariedade laboral. De acordo com os dados9 em muitos paises da América Latina e do Caribe, a exemplo, a Argentina, os docentes, especialmente aqueles da educação primária, estão abaixo da linha de pobreza. Podemos entender então que, são professores pobres que devem educar a pessoas, igualmente ou mais pobres em um contexto contínuo e progressivo de precarização do sistema educacional.
As preocupações externadas no informe nacional da CTERA (2005, p.1-80) identificam a profissão docente enquanto uma prática histórica "como dispositivo público, con capacidad de producir escuela, ciudadanía, cultura en el sentido de la producción de bienes simbólicos". Desta perspectiva torna-se assustador o quadro educacional que se configura para as futuras gerações, pois muitas pessoas já estão "excluídas" destes bens simbólicos antes mesmo de nascer. A confederação de trabalhadores da educação da república Argentina denuncia que:
El sector docente media o acorta la distancia entre: el gobierno de la educación o del sistema educativo y los ciudadanos, la escuela y la comunidad. Los gobiernos del modelo neoliberal ejercen un monopolio del poder real y la participación ciudadana es formal, electoral o subsidiaria de los poderes locales. Esta situación en las relaciones de poder -a escalas local y global - es producto de la tensión que atraviesan las democracias representativas, en especial por las crisis de representatividad que transitamos desde mediados del siglo pasado. La escuela pública, como soporte del conflicto social -fruto del incremento de la desigualdad -, es un escenario único para procesar los cambios en el trabajo asalariado en el final de siglo y en las recortadas expectativas de ascenso social de las nuevas generaciones. El mercado de trabajo y sus nuevas distribuciones y regulaciones tienen con el sistema educativo una nueva relación tal vez más directa que en el siglo anterior. Las reformas educativas de los 90 realizaron determinaciones en los mapas de oferta y demanda de mano de obra, mucho más planificadas que en las anteriores etapas del desarrollo capitalista. (CTERA, 2005 p 75)
Durante os últimos anos alguns paises da América Latina e do Caribe sofreram uma densa deterioração no salário real. De acordo com os dados apresentados por Gentili10, nos paises da OCDE11 o salário anual dos professores regulares em início de carreira, estabelecido pelos estatutos, alcança a média de: US$ 20.530 anuais para o nível primário e US$ 23.201 para o secundário. Podemos identificar como núcleo de sentido comum, a tamanha diferença salarial entre os paises da OCDE em relação aos paises latino-americanos e a diferença de patamares salariais entre os próprios paises latino-americanos.
A Argentina possui a média salarial de US$ 6.759 para os docentes primários em início de carreira; US$ 11.206 para os docentes primários em final de carreira. US$ 10.837 para os docentes em nível secundário em início de carreira e US$ 19.147 para os docentes secundários em final de carreira. Para o Brasil os números são "US$ 4.732 y US$ 15.522 (inicio e final de carrera no nível primário): US$ 8.148 y US$ 14.530 (inicio e final de carrera no nível secundário)"
Em instituições de diferentes níveis de educação, a precariedade salarial associa-se à já mencionada precarização das condições reais de trabalho pedagógico. As análises realizadas pela CTERA12 sobre as reformas educativas na América do Sul afirmam que a globalização impôs aos mercados regionais significativos desafios de ordem interna, e a educação foi e é um dos espaços que não poderia ficar com a autonomia relativa que dispunha no modelo liberal clássico. Tais análises nos mostram que o trabalho docente, cuja remuneração sofreu ajustes, sofria ainda sua mais cruel precarização pela perda de direitos recém conquistados.
O elemento comum entre a política salarial para os docentes argentinos e os demais países de acordo com a CTERA é a frágil unidade de classe e nenhuma estabilidade, em meio à falta de frentes de trabalho e à flexibilização laboral da maior parte dos setores: industrial, comercial, de serviços terceirizados e privados:
En las prácticas de la escuela básica primaria (en sus tres ciclos), a los vaivenes de la reforma los docentes respondieron con una resistencia defensiva de su autonomía de producción ante cualquier desfavorable condición de trabajo, por encima de las nuevas exigencias y normas o de lo peor de la reforma: una desregulación normativa caótica, autoritaria y demagógica. En esta etapa de la implantación de la reforma, la incertidumbre y la ambigüedad dominaron la cotidianeidad del trabajo en la escuela, en el aula, en la clase de una asignatura y en la desordenada e irritante (por las crecientes desigualdades) relación de docentes inter-ciclos e inter-niveles 13.
O referido informe da CTERA destaca que mesmo nas condições acima descritas os trabalhadores docentes argentinos conseguiram realizar a universalização do ensino fundamental e erradicar o analfabetismo. Este feito nem sempre é reconhecido, pelo coletivo de professores, ou pelo Estado.
O caso da Colômbia: contexto da violência e o trabalho docenteA precarização do trabalho docente na Colômbia manifesta-se, como nos demais casos aqui abordados, de diversas formas. Destacamos aqui duas vertentes principais. A primeira se refere à reforma da legislação que regulamenta a educação e o trabalho docente. De modo similar à Lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira de 1996, esta reforma na Colômbia teve na Lei nº115, de dezembro de 1993, na Lei nº 715 de 2001 e no Nuevo Estatuto Docente seus maiores expoentes. Por meio dessas leis modifica-se a organização do trabalho docente, estabelecendo novos planos de carreira e novos mecanismos de controle, por um lado, e novas hierarquias, novas formas de distribuição dos tempos e de avaliação dos alunos, por outro. Essas leis também contribuem para uma intensificação do trabalho docente, ao aumentar a jornada laboral e o número de alunos por professor, bem como atrela os recursos financeiros para as escolas e professores aos resultados obtidos por seus alunos em avaliações. Essa vertente de análise da precarização do trabalho docente na Colômbia não será desenvolvida aqui, porém, é importante destacar que relaciona-se a um outro aspecto no qual nos deteremos um pouco mais e diz respeito ao fenômeno da violência nas escolas, particularmente daquela sofrida pelos professores. Nenhum outro país latino-americano apresenta dados tão contundentes relativos à violência se refletindo no trabalho docente e na educação. Esta vertente e a anteriormente anunciada estão imbricadas e são interdependentes. Um fenômeno reforça e intensifica o outro, pois o mesmo contexto global que mobiliza mudanças na legislação, tornando a situação dos trabalhadores mais precária, é aquele que também fragiliza os laços sociais e expõe grupos humanos à violência.
A Colômbia possui uma das taxas de homicídios mais altas do mundo, sendo que, nos últimos 15 anos, ocorreram de 51 a 78 homicídios por cem mil habitantes. Segundo estatísticas a violência política corresponde a 20% e a violência comum ao restante. (COLOMBIA, 2006). Nesse contexto, o trabalho docente apresenta especificidades que se corroboram no contexto rural onde se espalham atores armados e onde vários episódios de violência têm lugar. A título de ilustração, vejamos um relato de uma professora de escola rural sobre seu contato com a violência armada e os efeitos desta sobre seu trabalho:
(...) No sé cómo quedó la escuela. Lo último que escuchamos fueron disparos y ruidos de helicópteros. Yo me refugié con los niños en la plancha. Luego como pudimos salimos, algunos nos internamos en la montaña y después terminamos en San Francisco. (...) Eran siete cajitas. Sólo queda la que conocí en la biblioteca de Cocorná. Las otras seis están perdidas en la zona rural. Nadie quiere recuperarlas, pero no porque no tengan la voluntad para rescatarlas. La violencia no deja. Los actores armados no permiten salir fácilmente de la cabecera municipal. La guerra detuvo la ruta de la caja viajera que recorría cada quince días las veredas cercanas. Los maestros antes podían distribuir en cada escuela los libros para alumnos y padres de familia. (PNUD, 2003 p. 221)
Nestas zonas de conflito há também problemas devido à falta de professores qualificados que estejam dispostos a enfrentar as situações de violência para dar aulas. Em algumas regiões, as prefeituras recorrem à estratégia ilegal de contratar estudantes universitários ainda não habilitados, para que as aulas possam ser iniciadas. Esse mecanismo é fortemente contestado pela Federación Nacional de Educadores (Fecode), que insiste que os professores não vão trabalhar no campo porque o Governo Nacional não dá estímulos para que estes trabalhem nessas zonas. Conforme notícia do jornal El Tiempo, de 12/03/2004, "Universitários colombianos são os únicos que aceitam dar aulas nas zonas de conflito", pois nem as normalistas nem os licenciados estariam dispostos a trabalhar em localidades com forte presença dos grupos armados, e onde mais de um professor foi ameaçado. Frente a isso, o poder executivo (Ministério da Educação) e o poder judiciário (Juiz da Corte) tinham posições antagônicas. Enquanto o Ministério da Educação não desaprovava que fossem contratados professores não habilitados, o juiz da corte afirmava que, se o desejado era contratar graduandos como professores, uma nova lei deveria ser expedida. As Secretarias de Educação têm razões econômicas ou políticas para não contratar docentes capacitados?
A temática sindical deve ser abordada ao problematizar a precarização do trabalho docente na Colômbia, uma vez que nesse país os sindicatos sofrem forte desestímulo à participação dada a violência e constante assassinato de líderes sindicais. Em 27/04/2004, o jornal El Nuevo Día noticiou que integrantes da "Asociación de Educadores de Arauca" (Asedar) foram assassinados, julgados arbitrariamente por "terrorismo" e ameaçados de morte e que, segundo essa organização, o direito à educação estava sendo vulnerabilizado, não só por isso, mas também pelo uso dos colégios e escolas do departamento como bases militares, alojamentos ou lugares de abastecimento para a Força Pública e para os paramilitares. O relatório da ONU sobre o direito à educação na Colômbia (TOMASEVSKI, 2004) ratifica a notícia ao denunciar o assassinato de 691 professores, durante o decênio de 1993 a 2003, e a média de três professores assassinados por mês, no ano em que foi feito o relatório.
O caso do Brasil : O ensino de resultados14Entre outros aspectos denunciados recorrentemente pelos movimentos sindicais de professores brasileiros, os patamares salariais indicam a precarização sofrida pelo trabalho docente no Brasil. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu capítulo III15 especialmente na seção I - artigos 205 à 214 - afirma que a valorização do magistério é condição necessária para garantir o padrão de qualidade da educação pública brasileira.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/96)16 corrobora a Constituição ao afirmar, no art. 67, entre outros, que é dever dos sistemas de ensino garantir ao magistério público planos de carreira com progressão funcional, correspondente à titulação e ao desempenho docente. Todavia, o que se evidencia na prática é uma contínua desvalorização do magistério e, consequentemente, a precarização profissional.
Diversos estudos latino-americanos têm examinado os determinantes da estrutura salarial docente e a precarização do trabalho17. Segundo Liang (2003) a variável mais consistente e importante da remuneração dos docentes na América Latina são os anos de estudo:
La variable predictiva más consistente e importante de la remuneración de los docentes son los años de estudio. Sin excepción, los años de estudio están relacionados significativamente con la remuneración de los docentes en los 12 países. Entre los docentes, la magnitud de la rentabilidad de los años de estudio varía de 3% en Uruguay a 15% en Brasil. (p.16)
Os estudos comparados em educação nos países da América Latina apontam que a dimensão da rentabilidade dos anos de estudo varia, pois os salários podem atrelar-se também ao grau de titulação, ao regime de trabalho e ao tempo de serviço do professor na instituição. A profissão docente é conhecida pelo fato de ter um sistema de remuneração proporcional ao tempo de serviço, o que se pode constatar em diversos editais de concurso público. De acordo com Gentili (2006, p 11) os salários, alcançam, no Brasil "US$ 4.732 y 15.522 (início y fin de carrera en el nivel primario): US$ 8.148 y US$ 14.530 (início y fin de carrera para la educación secundaria), valores, como os argentinos, muito baixos em comparação com os paises da OCDE18.
Em estudo baseado na comparação entre valores salariais de professores e outros profissionais com o mesmo nível de qualificação, descontados os tempos de férias e corrigindo o número de horas trabalhadas, Castro & Ioshpe (2007) apresentam dados que se contrapõem aos de Gentili (2006) e negam a contribuição da desvalorização salarial em comparação com outros fatores para a precarização do trabalho docente. Segundo Castro & Ioshpe (2007) os professores latino-americanos responderam às reformas defendendo sua autonomia ante qualquer condição desfavorável de trabalho. Para os autores outros fatores relacionados com a precarização do trabalho docente, como as más condições de trabalho, teriam mais relevância em relação as queixas dos professores que o salário. Os patamares salariais, associado ao progressivo sucateamento das condições de trabalho pedagógico nas escolas, que são formuladas as principais queixas dos sindicatos. É por meio do salário que agrupamentos docentes pretendem mitigar os esforços realizados para a consecução de seu trabalho.
No Brasil é equivocado pensar que fixando um patamar salarial mais elevado sujeito a uma implantação progressiva que se estenderá até 2010, e vinculando o pagamento desse piso ao desempenho dos docentes a partir em exames feitos pelo Ministério da Educação resolvem-se os problemas da educação brasileira como querem entender os defensores do Programa de Desenvolvimento da Educação lançado em 2007. A precarização é demonstrada numa questão importante que o PDE não contempla, um concreto plano de carreira profissional para os docentes.
A carreira do/a professor/a de escola pública deveria estabelecer a jornada integral 40 horas aula dedicação exclusiva em uma única escola o que proporcionaria incluir os docentes nas escolas e promover a identificação dos mesmos com a instituição. A educação brasileira necessita que seu corpo docente participe das decisões político-pedagógicas e das demandas da comunidade escolar a qual presta serviço. A necessária atuação dos professores/as em mais de uma instituição escolar, esgota o indivíduo que se vê desvalorizado, obrigado a conviver com a violência sócio-urbana, com a necessidade de sobreviver o que acaba por sustentar maior vulnerabilidade às infrações das leis trabalhistas e à flexibilização das relações de trabalho. Vide os contratos temporários, a não assunção dos concursados etc. Os sindicatos e associações de professores brasileiros apresentam em pesquisas que os recursos financeiros para se instituir a carreira do magistério público não seriam impossíveis - levando-se em conta que segundo o MEC o Brasil gasta atualmente 4.3% do PIB, que em 2006, de acordo com o IBGE teve total de 2.3 trilhões . O que daria para investir não somente na educação básica, mas simultaneamente nas universidades públicas merecedoras de centralidade no tocante a democratização da educação.
O sentido comum da precarização do trabalho docente: Argentina, Colômbia e BrasilO sentido comum encontrado na política salarial para os docentes na Argentina, Colômbia e Brasil é a frágil unidade de classe no conjunto dos trabalhadores, que se encaminha para um novo isolamento, como trabalhador assalariado que possui atualmente, nenhuma estabilidade, em meio à falta de frentes de trabalho e à flexibilização laboral da maior parte dos setores públicos e privados.
Um aspecto a ser destacado é que nem sempre as recomendações de organismos multilaterais se opõem a anseios da categoria docente de diferentes países. A exemplo dos movimentos de lutas sindicais por aumento nos salários destacamos a RECOMENDACION # 3 Preal (1998, p. 17) que se coaduna com estes pleitos: "Fortalecer la profesión docente mediante incrementos en sueldos, una reforma de los sistemas de capacitación y una mayor responsabilidad de los professores ante las comunidades a las que sirven".
A análise dos movimentos de luta que envolvem tais reformas podem ser considerados como núcleos de sentido dessas mesmas reformas. Buscar momentos, formas, dinâmicas, semelhanças, diferenças, pontos de contato em tudo que diz respeito à precarização laboral de professores na América Latina. O quê, nos três casos analisados - Argentina, Colômbia e Brasil - caracteriza e exemplifica a precarização do trabalho docente e a resistência face a ela.
A atual precarização é também evidenciada pela saúde do trabalhador. Como demonstram alguns estudos realizados em distintos países da América Latina e do Caribe, o exercício da docência tem se transformado em uma atividade insalubre. As enfermidades laborais como stress, síndrome de Burnout, doenças psico-neurológicas, cardíacas, entre outras têm se tornado bastante freqüentes no cotidiano destes professores e apresentam correlação positiva com a precarização das condições de trabalho19.
De modo similar à Argentina, uma síntese da precarização do trabalho docente na Colômbia pode ser realizada a partir de leituras sobre o adoecimento docente. Um artigo intitulado Profesores al borde de la locura, de 22/9 /2003, do jornal El Tiempo denuncia a precarização do trabalho docente, seja pela instabilidade que a concentração de poder na mão dos diretores gera, seja por mudanças mesmo da organização do trabalho docente, como a mudança do tempo das aulas, de 45 minutos para uma hora; a fusão administrativa de escolas e colégios provocando transferências de professores, coordenadores e diretores, bem como a redistribuição de funções. A fixação de patamares educativos também obriga professores a redesenhar projetos educativos de modo rápido e tudo isso contribui para a intensificação de seu trabalho. Tal intensificação, somada às condições de insegurança propiciada por realizar uma tarefa iminentemente política, em um país onde as taxas de assassinato político são altíssimas, faz com que este seja um trabalho pouco procurado nas regiões mais violentas e faltem professores qualificados para dar aulas em escolas nas regiões rurais.
A instabilidade profissional e expansão do processo de privatização educacional exemplificam a precarização da educação pública, e representa um dos fatores que influenciam o aumento do adoecimento profissional. Os processos de privatização sempre se apresentam na forma de transferência do poder da esfera pública ao mercado. As reformas neoliberais implementadas nas últimas décadas intensificam as dinâmicas de privatização da educação na América Latina. A privatização da educação brasileira se dá com a instalação de diversas empresas no setor educacional, viés privilegiado de exploração do trabalho docente, porém, dialeticamente grande espaço de absorção de mão de obra docente.
Pessoas de poder aquisitivo baixo perdem a possibilidade de acesso à educação pública de qualidade por diferentes variáveis, desta maneira são obrigadas a financiar sua própria educação. Aquelas pessoas mais pobres vivenciam a impossibilidade de terem mobilidade social ainda quão mais precária suas oportunidades educativas.
A pedagogia de resultados na educação pública está subentendida na lógica de mercado que busca a qualidade total20, avaliação versus benefício. Tal pedagogia de resultados se enquadra nesta lógica equivocada do PDE quando o Estado se paramenta com instrumentos de avaliação e especialistas para avaliar os prestadores de serviço - professores - e o produto - educação de qualidade variável e duvidosa.
Termos como "pedagogia das competências" e "qualidade total", valorizados pelo mercado inserem os professores na lógica mercadológica, identificando-os com prestadores de serviço. Aqueles que aprendem, os alunos são identificados como consumidores, ou seja, clientes. Do ponto de vista crítico, verdadeiramente, nesta perspectiva o cliente e consumidor real das escolas são as empresas ou a sociedade, e os alunos são os produtos que os estabelecimentos de ensino oferecem para seus clientes.
ConclusãoFaz-se visível a perda do valor social dos professores e parte da responsabilidade por esta precarização deve ser imputada às políticas educacionais, pois muitas vezes deixam de assumir sua função de adequar e equipar as instituições públicas de educação e oferecer remuneração digna, condições de formação continuada, valorização profissional e pedagógica. Deve-se ter como horizonte utópico que as instituições públicas de educação da América Latina e do Caribe sejam ambientes estimulantes nos quais as crianças, jovens e adultos possam permanecer, ou queiram permanecer e receber uma real formação humana. A luta perpassa pela percepção de que estas instituições devem contribuir para a democratização da sociedade e pelo aumento da igualdade de oportunidades.
A resistência crítica a essa política pública para educação que, atualmente, se encontra longe dos ideais considerados críticos21 se faz representada pela construção de pesquisas empíricas, por um sem número de denúncias por parte de professores, pesquisadores, alunos e suas famílias, entre outros e principalmente por infindáveis negociações e greves. Essa resistência crítica às atuais condições da educação na América Latina, dentre elas a precarização do trabalho, desenvolve-se se como luta entre o capital e o trabalho22.
Os sindicatos, que também exercem uma posição crítica frente ás políticas públicas nacionais, de certo modo vêm perdendo força. Alguns sindicatos deixaram de assumir para si o papel de promover reivindicações políticas contra o modelo de acumulação capitalista e em prol do sentido de classe, para se adaptar ao capital e suas estratégias. Tais discussões nos instigam a refletir e pesquisar sobre em que medida as modificações ocorridas no processo produtivo, dinamizado pela mundialização do capital, podem modificar e fragmentar a solidariedade da classe trabalhadora. Concomitantemente, tais discussões nos estimulam a refletir se, de fato, a nova base técnica da produção tem a capacidade de determinar o caráter dos movimentos sindicais e populares.
Hoje o quadro de precarização do trabalho docente incide fortemente sobre as condições de trabalho dos professores latino-americanos, causando grande prejuízo para eles, no que tange a saúde. Os sistemas nacionais de ensino são afetados na medida em que esse quadro descrito afeta a qualidade do trabalho oferecido pelas instituições públicas de educação. Conclui-se que o núcleo de sentido comum entre os paises estudados comparativamente encontra-se na educação colocada sob uma lógica de coisificação dos indivíduos, marcada pela crise da reestruturação do capitalismo que intensifica antigos processos de exclusão e violência.
Nesta arena é importante que os profissionais docentes da América latina, em suas associações sindicais venham aderir ativamente a todas as manifestações de mobilização e luta contra a precarização do trabalho docente as quais proclamem a necessária reflexão ética em favor de políticas educacionais de erradicação de todas as formas de discriminação e desigualdade de oportunidades, na tentativa de minimizar e resistir aos processos de exclusão, a marginalização, a dominação, as ações e discursos discriminatórios que se manifesta na não aceitação da diversidade humana e cultural, das diferenças físicas, religiosas, entre tantas.
Como pesquisadores vinculados a um programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana em uma universidade pública brasileira reafirmamos nosso compromisso com o movimentos sindicais que se posicionam em favor dos direitos humanos e em defesa da democratização da educação na America Latina e no Caribe como possibilidade de mobilidade social. Um núcleo de sentido comum observado nos três paises é o não apassivamento dos profissionais da educação, seus sindicatos e a sociedade civil no que tange a indignação frente às diversas formas de segregação e discriminação que operaram no interior das políticas públicas nacionais o que consequentemente, contribui para o aumento da violência nos paises investigados.
Notas
Preal (1998), quadro 4 e 5; ver também em Preal (2001, pp. 23/24) figuras 9, 10 e 11.
Dados retirados de Gentili (2006, p. 20). Quadro I - apresenta América Latina e Caribe. Relação aluno-docente en todo os níveis do sistema escolar.
Reivindicação que aparece na RECOMENDAÇÃO # 3 - (Preal 1998, p. 17).
CTERA (2005, p. 78).
Têm se multiplicado, nos últimos anos, estudos nacionais encomendados e divulgados por organizações nacionais, regionais e internacionais, tais como o Banco Mundial, o PREAL - Programa de promoção da reforma educativa na América Latina e no Caribe e algumas fundações. Trata-se de Estudos analítico-descritivos que se propõem a reunir experiências idôneas e criativas que surgiram, a partir da Reforma Educativa, para o melhoramento da qualidade do ensino e que sejam plausíveis de serem operacionalizadas.
Halperin Dongui, 1998.
Ver também em Preal (2001, pp. 23/24) figuras 9, 10 e 11.
Gentili (2006, pp. 10-12).
Cf. Gentili (2006); Ctera, (2005); Preal (1998).
Gentili (2006).
OCDE - Organisation for Economic Co-operation and Development.
Ver mais em CTERA (2005) In: cap. 4 "Trabajo docente y reforma educativa (Argentina de los años 90)" p. 72-77.
CTERA, 2005, p. 79.
Cf Juliana Monachesi - Folha de São Paulo - caderno Mais (+ sociedade). Folha de São Paulo. São Paulo, 29 de abril de 2007. p. 3.
Paginas 137 à 142.
Consulta-se Alves, Nilda; Villardi, Raquel (orgs.); Jane Paiva... (et al) Múltiplas Leituras da Nova LDB: l e diretrizes de base da educação nacional (lei n. 9.394/96. Rio de Janeiro: Dunai Ed. 1999. 3ª. edição.
Cf. Liang, 2003; Preal, 2001.
Cf. nota nesse mesmo trabalho.
Cf. P. ex. Condiciones de Salud y Trabajo docente: estudios de casos en Argentina, Chile, Ecuador, Mexico, Peru y Uruguay. Unesco, 2005.
Consulta-se o Programa de Desenvolvimento da Educação lançado no Brasil dia 24 de abril de 2007.
"Pedagogia Crítica" aqui se refere à teoria desenvolvida no Brasil pela escola de Demerval Saviane; na pedagogia da Libertação defendida por Paulo Freire, entre outros.
Cf. Gaudêncio Frigotto (2003, 2006), Emir Sader (2006), Gentilli (2006), entre outros.
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revista
digital · Año 13
· N° 119 | Buenos Aires,
Abril 2008 |