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Formação para a docência em Educação Física
a distância: um estudo de caso

Training for the teaching profession in Phisical Education in the distance: a case study

 

Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar

Faculdade de Educação da USP

(Brasil)

Prof. Dr. Marcos Garcia Neira

mgneira@usp.br

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo procurou identificar modificações nas concepções sobre Educação Física de um grupo de professores que freqüentou um curso de Licenciatura na modalidade Educação a Distância (EaD) que utilizou, como recurso principal, as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC). A investigação consistiu na análise dos conteúdos e das atividades didáticas, bem como dos depoimentos dos participantes. Os dados foram confrontados com os conhecimentos disponíveis sobre formação de professores e EaD. Como descobertas relevantes, podemos destacar: o papel da EaD na modificação de posturas docentes; a revolução metodológica ocasionada com a integração das novas TIC e a importância da coerência didática entre o cursos de formação e o cotidiano da escola básica.

          Unitermos: Formação de professores. Educação e tecnologia. Educação a distância.

 

Abstract

          This study intended to identify the changing of concepts regarding Physical education in a group of  teachers that got the Bachelor's degree in the modality of  Distance Education (DE) that used as main resource the new technologies of information and communication (ICT). The investigation consisted of the analysis of contents and didactic activities, as well as the participants' depositions. The data were confronted with the available knowledge on teachers' formation and the DE. As relevant discoveries, we can highlight: the paper of DE in the modification of educational postures; the methodological revolution caused with the integration of new ICT and the importance of the didactic coherence between the formation courses and the regular procedures in school.

          Keywords: Teacher education. Education and technology. Distance learning.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 119 - Abril de 2008

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Introdução

    A formação de professores é tema relevante na produção acadêmica. Em uníssono, pesquisadores alertam para o vínculo: professores bem formados e escola de qualidade. Diante disso, alguns sistemas de ensino têm buscado alternativas de formação para seus quadros através de uma variedade de políticas de incentivo.

    O número de professores não-licenciados que atuam na Educação Infantil e Ciclo Inicial do Ensino Fundamental supera os 75% (BRASIL, 2003). Visando a melhoria da qualidade de ensino, a LDB 9394/96 fomentou a formação desses profissionais em nível superior, fazendo surgir nos Estados e Municípios diversos programas nessa direção1.

    A docência nos primeiros anos da escolaridade se dá, quase sempre, de forma polivalente com professores formados em nível médio. Pretendendo atender as determinações legais, diversas universidades estabeleceram parcerias com os sistemas oficiais de ensino. Para democratizar o acesso e encurtar as distâncias entre os professores e as “salas de aula” da universidade, a modalidade Educação a Distância (EaD) com recursos das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) mostrou-se uma alternativa viável. Recentemente, diversos municípios paulistas aderiram ao “PEC Municípios”, um programa de EaD estabelecido através de convênio entre FEUSP2, PUC-SP3 e SME-SP4.

    A formação de professores por meio da EaD, seus status de política educacional emergente (artigo 80 da LDB e Decreto nº 2.494 de 10/02/98) e sua característica inovadora estimulou diversas investigações. Neste artigo, apresentamos os resultados de uma pesquisa que buscou identificar as modificações nas concepções sobre a prática pedagógica da Educação Física em um grupo de professores participantes do PEC que, ao tratar-se de um curso de Licenciatura para a Educação Infantil e Ciclo Inicial do Ensino Fundamental, contemplou os saberes para a docência em Educação Física.

    Para tanto, foi analisado o projeto pedagógico do curso, o material didático produzido, a metodologia empregada e os depoimentos de uma amostra dos alunos-professores5.

    Para nós, a relevância deste estudo consiste na busca pelas transformações obtidas através de um curso a distância, cujas atividades didáticas deram-se, basicamente, na sala de recepção ou em outros espaços, sem proporcionar vivências práticas aos alunos. Tal “necessidade” tem sido, há algum tempo, foco de debates no meio acadêmico da Educação Física (TANI, 1996; MANOEL, 1996; OKUMA, 1996, SOUZA NETO, 1999).

    Entendemos que o PEC Municípios nos oferece um privilegiado campo de investigações sobre o papel da Linguagem, Comunicação e Mídias na Formação de Professores nos saberes da Educação Física. Sem pretender avaliar profundamente a proposta desenvolvida, este estudo poderá contribuir para que instituições e profissionais envolvidos com a formação de professores de Educação Física reconsiderem formas e métodos comumente utilizados.

A utilização de novas TIC na EaD

    Na universidade, A EaD pode ser abordada como uma modalidade educacional que faz uso de processos que vão além da superação da distância física. Inicialmente oferecida aos estudantes sem condições para freqüentar o curso regular, com o advento das TIC (sobretudo da internet) a EaD disseminou-se, favorecendo a democratização do acesso a cursos de graduação e pós-graduação.

    Embora a integração das novas TIC na EaD per si não implique práticas mais inovadoras e não represente mudanças nas concepções de conhecimento, ensino e aprendizagem, o fato de modificar o meio em que a comunicação entre alunos e professores se realiza interfere no ensino, essas interferências precisam ser melhor compreendidas através do estudo das potencialidades e limitações das tecnologias como ferramentas de mediação pedagógica.

    Nesse sentido, Nunes (1994) critica análises da EaD a partir de referências da educação convencional desenvolvida presencialmente e evidencia alterações significativas na comunicação, organização dos cursos e na relação entre alunos e professores.

    Para Peraya (2002), a utilização das TIC como suporte na EaD não constitui em si uma revolução metodológica, mas reconfigura o campo do possível. Segundo o autor, a tecnologia cria novas possibilidades de aprendizagem por meio da exploração das características inerentes às ferramentas empregadas.

    O advento das TIC reavivou práticas de EaD devido à flexibilidade do tempo, quebra de barreiras espaciais e circulação instantânea de materiais, o que permitiu a digitalização da transmissão de conteúdos, a exploração do potencial de interatividade das TIC e o desenvolvimento de formas de interação e produção de conhecimentos.

    Prado e Valente (2002) classificaram as abordagens de EaD por meio das TIC em três categorias: broadcast, virtualização da sala de aula presencial e estar junto virtual. Na primeira, a tecnologia computacional é empregada para “entregar informação ao aluno” da mesma forma que as tecnologias tradicionais de comunicação (rádio e TV). Na segunda, os recursos das redes telemáticas são utilizados como na sala de aula presencial e, na terceira, a potencialidade interativa das TIC propiciada pela comunicação multidimensinal é explorada, aproximando emissores e receptores, criando novas condições de aprendizagem e colaboração.

    Da Nova (2003) apresenta a integração de diferentes tecnologias e metodologias (blended learning) como a tendência atual, dado seu potencial de adaptação às instituições e ao público, maximizando a aprendizagem e o alcance de objetivos. Tal metodologia, utilizada no PEC Municípios, alterna abordagens e diversifica meios e recursos com o emprego de hipertextos, videoconferências, teleconferências, materiais impressos, orientações presenciais, vídeos etc.

    O referido programa acolheu 2400 participantes em 60 ambientes de aprendizagem distribuídos em vários pontos do Estado de São Paulo, funcionando no período noturno e sediados nos CEFAMs6. As imagens e atividades on-line foram emitidas a partir dos estúdios e laboratório de informática da FEUSP.

    A aproximação dos alunos com as TIC seguiu os princípios defendidos por Almeida (2000): criação de um ambiente favorecedor de aprendizagem significativa, despertar a disposição para aprender e disponibilidade de informações pertinentes de forma. Para o autor, a inserção de novas tecnologias na EaD não apenas constitui uma revolução metodológica, como também, reconfigura o campo do possível.

    No programa investigado, o “estar junto virtual” foi condicionado pelas novas tecnologias de TIC que mediaram a relação entre o aprendiz e os saberes da docência em Educação Física através de:

  • 04 videoconferências abordando a temática do curso com os docentes da universidade, cuja metodologia consistiu em: debater os conceitos contidos no material previamente lido e estudado, promover a realização de uma atividade na sala com retorno ao videoconferencista e abertura para questionamentos, dúvidas e reflexões em rede;

  • 01 teleconferência de encerramento da temática, realizada em forma de mesa-redonda com docentes de destaque na área e abertura a questionamentos;

  • 02 sessões de LearningSpace, - realização de atividades on-line sobre os conteúdos estudados de forma interativa com um docente da universidade que, observou os percursos dos aprendizes, constituiu um fórum de discussões, fez comentários e sugestões às atividades realizadas;

  • 02 atividades off-line: discussões e tarefas em grupo realizadas no computador com envio e retorno comentado do docente da universidade;

  • 04 atividades programadas: leituras e realização de tarefas;

  • 01 Vivência Educadora: pesquisa de campo sobre a prática pedagógica da Educação Física - observações sistematizadas e proposições de atividades.

    A análise do material permitiu-nos observar: trocas individuais e constituição de grupos colaborativos que interagiram, discutiram problemáticas e temas de interesse comum, pesquisaram e criaram produtos. Nesse foco, merece destaque o uso das novas TIC devido ao potencial demonstrado para elevar o nível de mobilização de conhecimentos nos participantes.

    Verificamos também, que as TIC na EaD rompeu com as distâncias espaço-temporais e viabilizou a recursividade, múltiplas interferências, conexões e trajetórias, não se restringindo à disseminação de informações e tarefas. Assim concebida, na opinião de Moraes (1997), a EaD torna-se um sistema aberto, com mecanismos de participação e descentralização flexíveis, com regras de controle discutidas pelos participantes e maior circulação de conteúdos.

    A representação e a apropriação de saberes nesse espaço proporcionam o desenvolvimento de novas formas de raciocínio, que sem excluir formas lineares e hierárquicas da apresentação do texto impresso, extrapolam pela ênfase na variedade de linguagens de representação, registro, comunicação e englobam aspectos racionais e emocionais, em que as percepções sensoriais são utilizadas para a compreensão do objeto de conhecimento em questão (KENSKI, 2003).

    Entretanto, o uso das TIC não é visto da mesma forma pelos especialistas: para Kenski (2001), podem ser postas como elemento estruturante de um novo fazer pedagógico, enquanto que, Levy (1999) as concebe como ambiente de relações sociais que, por serem inéditas, dão sustentação a neologismos como “cibercultura”. No outro extremo, o que as novas tecnologias sustentam é uma forma de assassinato do mundo real, com a liquidação de todas as referências (BAUDRILLARD, 1991). Em Educação Física, os estudos na área (BETTI, 1992, e 2003) mostram-se otimistas pela receptividade crescente dos alunos, sobretudo, como recurso para a prática pedagógica escolar. No limite, as novas TIC podem constituir outros formatos para as velhas concepções de ensino e aprendizagem, inscritas em um movimento de modernização ou, ainda, em condições específicas, instaurar diferenças qualitativas na prática pedagógica. (BELLONI, 2001)

Caracterizando o programa e a pesquisa

    Pretendendo estender os benefícios do programa anterior (PEC Estadual) estabeleceu-se nova parceria envolvendo a FEUSP, a PUC-SP e as Secretarias de Educação de diversos Municípios através da UNDIME7. O novo PEC acrescentou carga horária e conteúdos visando, também, a formação para a docência na Educação Infantil.

    Distribuída em módulos e 3300 horas compreendeu: a Dimensão reflexiva e ética do trabalho do professor; o Currículo: espaço e tempo de decisão coletiva; Formação para a docência escolar: cenário político-educacional atual, conteúdos e didáticas das áreas curriculares, incluídas nestas, 110 horas para Educação Física.

    A definição dos conhecimentos que seriam veiculados pelas diversas mídias, a proposição das atividades que seriam realizadas em sala ou na escola, as leituras e as pautas das videoconferências e da teleconferência e a avaliação foram elaboradas por uma equipe de professores das universidades, que, após o estudo do Projeto Pedagógico e dos relatórios diagnósticos dos alunos, definiram objetivos, selecionaram conteúdos, planejaram as videoconferências e teleconferência, redigiram os textos, atividades on-line e off-line, a Vivência Educadora e a avaliação.

    Diante das características do programa e do objeto do estudo, o método qualitativo configurou-se como um adequado modelo para a presente investigação. Tal método tem se destacado no meio acadêmico, especialmente na área das ciências humanas na qual propicia uma abordagem mais condizente com o que se busca descobrir – as concepções dos homens sobre os fenômenos sociais.

    A abordagem qualitativa, ao compreender a perspectiva dos sujeitos, mostra-se apropriada para o estudo proposto. Assim, o estudo foi subdividido em dois momentos: a análise da proposta de Educação Física (textos, videoconferências, teleconferências, atividades on-line e off-line, Vivência Educadora) e a interpretação dos depoimentos dos sujeitos.

    O material pedagógico necessário foi concedido após uma reunião com a Equipe de Coordenação do Programa na FEUSP. Após o sorteio para definir a localidade, foram agendados alguns encontros no CEFAM, sede do grupo de sujeitos da pesquisa, com a turma de alunos para esclarecer os objetivos do estudo.

    Àqueles que manifestaram interesse em participar, foi-lhes oferecido um questionário diagnóstico inicial que identificou os profissionais que, na sua prática docente, não desenvolviam aulas de Educação Física justificando-se pela falta de conhecimentos para a atuação com o componente. A partir destas considerações, foram sorteados 20 alunos, com os quais, antes e após o desenvolvimento dos conteúdos de Educação Física, foram realizadas entrevistas.

    Os sujeitos da pesquisa constituíram-se em 12 professoras regentes de classe em atuação no Ensino Fundamental e 08 na Educação Infantil em Escolas da Zona Oeste da cidade de São Paulo. Efetivas do quadro do Magistério Público Municipal há, ao menos, 12 anos e egressas do curso de Habilitação no Magistério em escolas públicas estaduais.

    As entrevistas, realizadas individualmente e gravadas em áudio com a prévia autorização dos participantes, foram realizadas em fevereiro e março de 2004 e seguiram um mesmo roteiro com tópicos gerais e comuns a todos os participantes.

    Todas as informações obtidas durante a pesquisa foram agrupadas e organizadas em categorias, sendo, a partir daí possível identificar semelhanças e padrões relevantes que, reavaliados, apresentaram relações e inferências num nível de abstração mais elevado.

    Optamos pela técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2000), pois possibilita o estudo sistemático das comunicações dos sujeitos, permitindo o desvelo de aspectos e fenômenos da vida social, por outro modo, inacessíveis.

Análise dos dados

    O questionamento em torno da eficiência dos programas de formação de professores tem sido preocupação constante de pesquisadores. Rios (2001) considera o homem como possuidor e criador de recursos, faz uso de seus sentidos, de sua imaginação, de sua memória, de sua inteligência - estes sim, recursos - e os estende, para agir sobre a realidade, transformá-la, adaptá-la às suas necessidades e desejos.

    A formação de professores, segundo a autora, é um processo que tenciona preparar de maneira sistemática e contínua os atores do trabalho escolar, objetivando uma prática pedagógica competente.

    No entanto, esse processo não se dá de qualquer modo nem tampouco em qualquer lugar. O CEE8 na deliberação 008/2000, ao tratar do tema, define:

    A formação para a docência será o eixo integrador para todas as propostas curriculares e disciplinares, bem como para a coordenação pedagógica de cursos, áreas e práticas de ensino, privilegiando o conceito de vida escolar.

    O prestigioso órgão defende que uma adequada formação não pode ser imaginada como a simples e direta aplicação à situação de ensino de um saber teórico. Segundo Azanha (2000)9, o fulcro do problema está no caráter abstrato da concepção da relação pedagógica como se ela fosse uma relação entre dois – aquele que ensina e aquele que aprende –, abstraída do contexto institucional.

    Para o autor, na escola contemporânea, o professor individual que ensina e o aluno individual que aprende são ficções. Não se trata de discutir a necessidade teórica ou prática de conceitos gerais abstratos, mas a utilidade que eles possam ter para fundamentar e orientar práticas docentes que ocorrerão em situações escolares concretas muito diferentes entre si. No atual quadro histórico – de ascensão das massas a uma educação cada vez mais ampliada – não há lugar para essa visão elitista e petrificada da relação pedagógica.

    Assim, diferentemente de outras situações profissionais, o exercício da profissão de ensinar só é possível no quadro institucional da escola, que deve ser o centro das preocupações teóricas e das atividades práticas do curso de formação de professores.

    Souza Neto (1999) e Darido (2001) denunciam a concepção predominante na formação de professores de Educação Física: o distanciamento entre o que se estuda e o que acontece na escola. Para os autores, os conteúdos ensinados não esclarecem o problemático cotidiano, ao contrário, freqüentemente o contradizem, o que, talvez explique o descaso dos professores pela própria formação constatado em seus estudos.

    A estudarmos o Projeto Pedagógico do PEC Municípios, verificamos que à Educação Física foi atribuída a responsabilidade de proporcionar aos alunos os meios para:

  • conhecer e dominar os conteúdos básicos relacionados à cultura corporal, objetos de sua atividade docente, adequando-os às características dos alunos;

  • organizar formas mais ativas, interessantes e significativas de aprendizagem, gerindo tempos e espaços, a partir da proposta pedagógica da escola, e utilizando adequada e criativamente os recursos disponíveis. (p. 12)

    Assim, dos saberes necessários para a docência em Educação Física, foram elencados:

  • o ser humano – seu corpo e movimento – como uma unidade de múltiplas expressões;

  • a intencionalidade da motricidade humana;

  • a compreensão do movimento como importante elemento da construção do humano;

  • a importância do corpo e do movimento no processo educacional;

  • as finalidades da Educação Física na Educação Infantil e Ciclo Inicial do Ensino Fundamental;

  • orientações didáticas.

    A análise das atividades desenvolvidas permitiu-nos verificar que a proposta desenvolvida:

  • tratou o conhecimento de forma contextualizada, através de atividades que promovessem reflexões sobre a realidade da Educação Física na escola;

  • referiu-se aos PCN (BRASIL, 1998) e RCNEI (BRASIL, 1997), oferecendo oportunidades para discussão dos documentos;

  • resgatou o histórico pessoal de cada aluno e análise crítica das experiências, tomando como referência as teorias estudadas;

  • discutiu o tratamento didático dos conteúdos da área, através de análise e reflexão sobre aulas filmadas;

  • promoveu pesquisas de campo na escola sobre o ensino do componente;

  • fomentou projetos de intervenção e sua aplicação na escola e posterior discussão;

  • estimulou reflexões sobre parâmetros e critérios para a avaliação da aprendizagem de conteúdos relativos ao componente.

    Ao concebermos a problemática da formação docente como um dos elementos promotores da modificação de concepções sobre a Educação Física, inferimos que um bom programa deverá promover o entendimento do processo de aprendizagem, da função da Educação Física na escola, do papel do professor na elaboração, condução e avaliação das seqüências didáticas. Para Nóvoa (1995), isto será possível somente se for empregada uma metodologia de ensino que convide à reflexão constante sobre o local onde o docente atua, o local dos conhecimentos curriculares na sociedade e a prática escolar de ensino e aprendizagem. Esses “pré-requisitos”, conforme verificamos, foram identificados no PEC Municípios, mediante o compromisso de sua proposta com a realidade e a colaboração para a construção de conhecimentos contextualizados e significativos da Educação Física.

    Constatamos também, uma estreita relação entre intenções educativas e conteúdos. Ao promover o estudo da construção cultural da motricidade humana, seu papel educacional e a prática pedagógica podemos conceber que a sociedade pretende inserir tais saberes nos projetos das escolas municipais. Contudo, a análise dos depoimentos iniciais10 indica que essa responsabilidade, por vezes, não era bem-vinda.

Agora somos nós que daremos as aulas

Acho que não tenho muitas condições de dar aula de física.

Cada vez tenho mais coisas para ‘dar’, aula disso, aula daquilo, projetos, atendimento às famílias, mas não dá tempo nem pra metade.

Acho que esse pessoal (gestores do programa) não sabe o que passamos, quantos alunos temos e se dá para ensinar tudo o que eles querem.

Chego em casa e fico pensando se é possível fazer aquilo que eu vi na videoconferência e li nos textos. Lá na minha sala, as crianças são tão diferentes.

Minhas aulas do Magistério foram um horror. A professora só deixava jogar quem ia de uniforme e já sabia. De criança, não vi nada.

    Nestes depoimentos, também identificamos interpretações dos conteúdos do curso como conhecimentos que deveriam ser diretamente transpostos para a prática. No entendimento dos alunos, cabe a eles (individualmente) aprender o que será “aplicado” na escola.

    Os riscos dessa compreensão individualista do processo são apontados em Azanha (2000), para quem nos professores permanece a idéia de que além do domínio da disciplina a ensinar, a aprendizagem se dá de forma empirista. Nisso reside, certamente, uma séria dificuldade: esse professor terá que compreender que a tarefa educativa da escola possui desafios que extrapolam os limites do “saber disciplinar”.

    Os depoimentos iniciais revelaram uma visão do trabalho centrada na figura do docente, o que dificulta um compromisso compartilhado pela equipe escolar. Por isso, interpretamos tal posicionamento como resistência a duas idéias: que os objetivos educacionais são socioculturais e que o sucesso na tarefa pedagógica deve ser aferido em termos da função social dos saberes ensinados.

    Contudo, constatamos que o PEC Municípios conseguiu reverter as representações sobre a docência na Educação Física. Ao concentrar suas atividades na reflexão crítica sobre a experiência profissional a partir dos saberes dela advindos, a proposta de Educação Física acumulou dividendos favoráveis e desencadeou mudanças nas representações dos professores.

    No curso eu percebi o quanto eles (os alunos) precisam da Educação Física. Eu vi que não é somente dentro de quatro paredes que eles podem aprender. Posso usar jogos e brincadeiras, que é uma forma de aprender muito importante.

    A melhor parte do curso é quando vemos as atividades com as crianças no vídeo e depois discutimos sobre elas. Aí fica mais claro o que estava escrito no texto.

    Para Nóvoa (1995), essa espécie de programa atende o professor em duas fases do desenvolvimento pessoal-profissional: a maturidade e a consolidação da carreira. Nelas, segundo o autor, o fio condutor da formação é a práxis, a experiência profissional em permanente processo de transformação. Fusari (1997), no mesmo tom, destaca que o sucesso da formação de professores será mais facilmente obtido se projetar na prática profissional sua referência e objeto de estudo.

    Um outro ponto favorável foi dinamismo que o blended learning proporcionou ao programa, permitindo aos alunos: resgatar seu “histórico” pessoal de cultura corporal; vivenciar atividades que enfatizaram trocas de experiências; analisar aulas de Educação Física em escolas públicas; participar de fórum interativo com colegas e especialistas on-line; elaborar coletivamente propostas de intervenção na realidade e trocar diversos materiais didáticos.

    Os depoimentos indicam que a metodologia utilizada permitiu a construção de novas representações:

    Fui vendo, que as dificuldades que eu tinha com a Educação Física eram as mesmas que de todo mundo, isso facilitou para a gente tentar montar um programa.

    Na hora de fazer a prova e agora para te responder, eu fico lembrando das conversas da sala, dos debates, da Vivência.

    Fiz na escola quase que a mesma coisa do vídeo. Pedi para os alunos escreverem no caderno todos os jogos que conheciam, depois, fizemos uma lista grande no quadro, aí começamos a jogar um jogo por dia.

    Pudemos notar que esse novo olhar proporcionou a segurança necessária para que os professores se “arriscassem” na docência da Educação Física.

    Piaget (1988) ensina que o importante é o desenvolvimento intelectual do aluno, o que implica o enfrentamento de situações que mobilizem recursos cognitivos e não, simplesmente, o repasse de conhecimentos instrumentais.

    Nesse sentido, a aprendizagem dos alunos foi entendida em termos qualitativos, não significando imediatas transformações na prática escolar. O educador, no momento em que está sendo formado precisa compreender que mudanças no seu fazer não se darão da noite para o dia nem tampouco o curso do qual fez parte, o remeterá ao entendimento instantâneo da prática pedagógica da Educação Física. Esperar uma transformação dessa monta parece-nos uma atitude, antes de tudo, ingênua.

    Numa retomada da concepção piagetiana da aprendizagem, lembramos que em qualquer processo consideram-se não só as possibilidades internas do aprendiz – suas condições endógenas para aprender –, mas também a qualidade da interação com o ambiente de ensino, pois, se as primeiras permitem que o sujeito aprenda é a segunda que garante a continuidade no desenvolvimento.

    Nessa ótica, verificamos que a metodologia empregada no PEC Municípios considerou as experiências dos alunos, promovendo atividades que solicitavam a todo o momento a mobilização de recursos cognitivos. Como ilustração, merece destaque o incentivo às iniciativas nas escolas de atuação dos professores, tal fato permitiu que o grupo prosseguisse aprendendo de forma contextualizada e significativa, através da reorganização e adaptação dos conhecimentos adquiridos.

    Acho que a ‘ficha caiu’ quando comecei a fazer a Vivência com os meus alunos na escola.

    Você precisa ver o resultado. Eles (os alunos) trouxeram as brincadeiras, fizeram e depois registraram tudo. Coloquei tudo no ‘portfolio’ que apresentei ao professor-orientador.

    Perrenoud (2000) afirma que esse desenvolvimento (de competências para a docência) é, especialmente promovido, através de atividades que proporcionem a resolução de situações-problema próximas à realidade na qual o professor atuará. Para Piaget (1988), essa dimensão é extremamente importante; do ponto de vista do ensino, torna-se essencial o estímulo à inteligência dos aprendizes, pois a aquisição de conhecimentos deve sempre ser tratada como uma ocasião de crescimento intelectual.

    A modificação nas representações sobre a prática pedagógica da Educação Física foi, no nosso entender, o maior desafio da proposta. Ao tratar de conteúdos, inicialmente, pouco conhecidos, pairava certa confusão sobre seus objetivos, conteúdos e pressupostos pedagógicos. Os depoimentos iniciais indicaram que a maioria dos sujeitos compreendia Educação Física como Recreação, atribuindo-lhe pouco ou nenhum sentido educativo.

    Acho que às vezes a Educação Física pode ajudar, mas só de vez em quando, quando a turma já está cansada da sala.

    Quando tá no fim do semestre, ou na época de provas, eu deixo eles saírem um pouco para brincar.

    Entretanto, após “a experiência vivida”, surgiram posicionamentos que permitem inferir uma compreensão mais apurada da função social do componente curricular:

    Eu consegui enxergar o lado pedagógico da Educação Física, mas não é aquela Educação Física que eu tive quando era aluna. Esta, do curso, tem mais a ver com o desenvolvimento da criança, com a formação.

    O PEC deixou claro que o movimento e as atividades lúdicas têm uma função na educação que não é só passar o tempo.

    Entendemos que essa mudança de visão é fundamental para a qualidade da prática pedagógica. Destacamos: o (re)conhecimento da especificidade do componente, o entendimento do seu papel educativo e o encontro coletivo de soluções para os problemas enfrentados pela prática na escola, como pontos altos do curso.

    A transformação das representações identificada, para nós, deu-se, sobretudo, pela ressignificação dos conceitos estudados através do fomento à reflexão sobre a prática escolar, o que, segundo Pimenta (1994), é condição sine qua non para o sucesso de qualquer política de formação de professores.

Algumas colocações

    Num primeiro momento, notamos que as experiências anteriores dos alunos reforçam a imagem de que o bom professor é aquele capaz de ensinar bem sua disciplina. Essa postura impede a compreensão do trabalho escolar como uma tarefa coletiva e, principalmente, provoca sentimentos de incompetência, diante de uma área cujos saberes são desconhecidos.

    Ao concentramos na formação docente grande parte da responsabilidade pelo alcance dos objetivos atribuídos pela sociedade à escola, o sucesso da tarefa educacional será obtido pela adoção de uma política oficial que incremente a formação de professores.

    Reconhecemos que a urgência do tempo, a carência de recursos e o tamanho da demanda impedem que aquela se dê nos moldes tradicionais, isto é, nas salas de aula das universidades. Neste caso e frente aos resultados desta investigação, acreditamos na viabilidade de propostas de EaD que utilizem novas TIC.

    No que se refere aos saberes da Educação Física, constatamos um aspecto relevante para a eficiência do programa: pelo uso de metodologias que contemplaram atividades de problematização da realidade, discussão e reflexão da vida escolar foi possível “desconstruir” antigas representações. Acreditamos que propostas assim formatadas provoquem mudanças, através da ampliação da consciência do professor em relação à dimensão técnico-política de sua atuação.

    O objetivo maior do PEC Municípios foi elevar a qualidade de ensino na Escola Pública. Segundo a literatura consultada, essa melhora passa pela formação dos seus professores tanto no que se refere ao sentido/significado de um determinado componente curricular e sua metodologia de ensino, quanto na incorporação de um entendimento da tarefa pedagógica como um compromisso coletivo, concretizado no Projeto Pedagógico.

    Considerando que a tomada de consciência desses fatores constitui-se num dos pré-requisitos para a modificação de comportamentos dos professores, os resultados deste estudo mostram que, “se é isso o que desejamos, uma proposta assim formatada poderá servir de inspiração”. Não podemos persistir num modelo arcaico de formação de professores que separa o que se estuda do que se deseja na escola. Assim, sentimo-nos otimistas com o emprego das novas TIC na EaD para a formação de professores, sobretudo, se forem empregadas metodologias alicerçadas em debates democráticos de situações-problema.

    De forma esperançosa, acreditamos que os resultados deste estudo possam sensibilizar, também, os envolvidos com a formação continuada professores de Educação Física para a consideração da viabilidade de propostas semelhantes como forma de democratização do acesso aos avanços e descobertas da área.

Notas

  1. Proformação (MEC), Projeto Veredas (MG), CEDERJ (RJ), Formação em exercício (RS), Formação Pedagógica (PR), PEC-Estadual (SP), Pedagogia Cidadã (SP).

  2. Faculdade de Educação da USP

  3. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

  4. Secretaria Municipal da Educação de São Paulo

  5. Nomenclatura utilizada no Projeto Pedagógico. Neste texto, utilizaremos o termo aluno, mesmo tratando-se de professores em formação.

  6. Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério – instituição estadual de ensino profissionalizante em nível médio.

  7. União dos Dirigentes Municipais de Educação.

  8. Conselho Estadual da Educação de São Paulo

  9. Prof. José Mário Pires Azanha, conselheiro do CEE, autor do parecer. Falecido em janeiro de 2004, prestamos-lhe, neste momento, uma sincera homenagem pelo reconhecimento dos seus inestimáveis serviços prestados à Escola Pública.

  10. Foram transcritos os depoimentos que melhor representam cada categoria, não podendo ser interpretados em termos quantitativos.

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revista digital · Año 13 · N° 119 | Buenos Aires, Abril 2008  
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