Comparação da força de sustentação do peso entre homens e mulheres em dois níveis de imersão na água |
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Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Centro de Ciências da Saúde e do Esporte - CEFID. Laboratório de Pesquisas em Biomecânica Aquática - Florianópolis, SC. (Brasil) |
Alessandro Haupenthal | Daniela Pacheco dos Santos Caroline Ruschel | Marcel Hubert Gabriel Fernandes Jacomel | Paulo Roberto Cerutti Helio Roesler dedsnet@yahoo.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 119 - Abril de 2008 |
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IntroduçãoA quantificação da força resultante atuante sobre o indivíduo submerso com a finalidade de embasar cientificamente os processos de prescrição de atividades aquáticas e de recuperação funcional terapêutica em piscina pode ser remetida ao estudo de Harrison e Bulstrode (1987). Os autores, nesse estudo, mensuraram o peso hidrostático de indivíduos em diversos níveis de imersão. Entretanto, se sabia que os valores iriam variar quando os indivíduos estivessem em movimento.
Anos mais tarde, Harrison, Hillmann e Bulstrode (1992) realizaram o primeiro estudo sobre as variáveis dinâmicas da marcha dentro da água, com a intenção de comparar os valores da força resultante nas condições estática e dinâmica. Os autores realizaram a comparação entre a componente vertical da força resultante com os indivíduos parados e com os indivíduos andando em profundidades de 1,1 e 1,3 m. Os resultados encontrados são amplamente citados na literatura (RUOTI et al., 2000; KUORI, 2000; CAMPION, 2000; BATES e HANSON, 1998) e são bastante utilizados como base para a prescrição de atividades aquáticas. A variação dos valores da força de sustentação foi de 0,5 a 0,75 vezes o peso corporal (PC) quando os indivíduos caminhavam a uma velocidade rápida e de 0,25 a 0,5 PC em velocidade lenta. Devido às limitações do equipamento e ao pequeno número de sujeitos do experimento, a margem de segurança para cada situação foi estabelecida em 0,25 PC, valor que atualmente pode ser considerado pouco preciso, à medida que precisamos determinar quanta carga o indivíduo/paciente pode suportar durante a execução de atividades dentro da água, seja objetivando o condicionamento físico ou a recuperação funcional terapêutica.
O equipamento utilizado por Harrison, Hillmann e Bulstrode (1992), uma balança eletrônica de banheiro adaptada, foi aos poucos sendo substituído por instrumentos de medição mais precisos, especialmente construídos para os fins a que se destinam. Nakasawa et al. (1994), Yano et al. (1995) e Yamamoto et al. (1995) realizaram estudos sobre as componentes da FRS durante a marcha em terra e na água utilizando plataformas de força resistentes à água. No Brasil, o Grupo de Pesquisas em Biomecânica Aquática do CEFID/UDESC iniciou o estudo da marcha dentro da água em 2000 (BRITO et al.,2000; SCHUTZ et al., 2002; ROESLER et al., 2003; BRITO et al., 2004; ROESLER et al., 2006), com a utilização de plataformas de força subaquáticas projetadas e construídas por Roesler (1997).
Uma vez quantificada a força que está atuando sobre o indivíduo, esta poderia ser escolhida como uma diretriz na prescrição do exercício a ser realizado. Entretanto, quando do planejamento de programas de atividades, é importante considerar fatores que podem influenciar os valores de força. Por exemplo, sabe-se que existem diferenças antropométricas entre homens e mulheres. Além disso, a alteração do nível de imersão é a maneira usual do profissional que prescreve atividade na piscina modificar a carga no exercício. Em relação às propriedades físicas da água, a literatura destaca que quanto maior o nível de imersão, menor é a carga agindo sobre as estruturas músculo-esqueléticas. Com isso em mente, os profissionais preparam suas aulas ou sessões (BATES e HANSON, 1998; EVERSDEN et al., 2007; GETZ et al., 2006; WANG et al., 2006). E, por último, algumas considerações precisam ser revistas em relação à força de sustentação em condições estática e dinâmica.
Desta forma, este estudo teve por objetivo comparar a força de sustentação do peso entre homens e mulheres em dois níveis de imersão na água, na condição estática e, em seguida, confrontar os valores obtidos com aqueles verificados em estudos anteriores, em condição dinâmica.
MétodoEste estudo é caracterizado como descritivo de campo de cunho exploratório. Participaram da pesquisa 22 sujeitos (11 homens e 11 mulheres), selecionados intencionalmente de acordo com os critérios de inclusão: estar adaptado ao meio líquido, ter estatura entre 1,60 e 1,85 m e idade entre 18 a 30 anos. A escolha da estatura dos participantes foi devida à profundidade da piscina, de forma a viabilizar facilmente os níveis de imersão escolhidos para a análise. Com a finalidade de assegurar a qualidade dos dados, a temperatura da piscina foi verificada e permaneceu em 30° ± 1° C durante as medições.
Utilizou-se uma plataforma de força subaquática construída no Laboratório de Pesquisas em Biomecânica Aquática do CEFID/UDESC, baseada no estudo de Roesler (1997). Esta plataforma foi confeccionada com extensômetros de resistência elétrica (strain gauges) e possui dimensões de 500x500 mm, sensibilidade/carga máxima: de 2 a 4000 N, freqüência natural de 60 Hz e erro menor que 1%.
Para a aquisição e transformação dos dados analógicos em digitais ocupou-se a placa de aquisição e condicionamento de sinais de 16 canais de entrada e a placa de conversão analógico-digital de 12 bits. Juntamente às placas foi necessário o programa de aquisição e processamento de dados SAD32 (SILVA e ZARO, 1997).
Antes dos participantes entrarem na piscina foram mensuradas as seguintes variáveis: a) massa corporal; b) estatura; e c) dobras cutâneas. Para obtenção da densidade corporal dos sujeitos foi utilizada para os homens a equação geral de regressão através da soma das dobras cutâneas do tórax, abdômen e coxa (POLLOCK e JACKSON, 1978); e nas mulheres, a equação geral de regressão que utiliza a soma das dobras cutâneas da coxa, triciptal e supra-ilíaca (POLLOCK, JACKSON e WARD, 1980).
Todos os testes foram realizados na piscina do CEFID/UDESC. A plataforma foi posicionada no fundo da piscina de acordo com a estatura de cada sujeito, para que o nível da água permanecesse na altura da estrutura anatômica de referência com em cada situação analisada: ápice da crista ilíaca e processo xifóide (Figura 1).
A escolha dos níveis de imersão do estudo foi devida a dois fatores: a profundidade das piscinas utilizadas para hidroginástica e hidroterapia e a facilidade da identificação de estruturas anatômicas por parte dos profissionais que prescrevem a atividade no ambiente aquático.
O sujeito foi convidado a entrar na piscina e, após um período de adaptação, permaneceu em pé sobre a plataforma durante 45 s, em posição ortostática. Após a aquisição, os dados foram exportados para serem tratados no software Scilab (INRIA). Neste software foi criada a rotina de programação para a análise dos dados a partir da seqüência: (1) aplicação do coeficiente de calibração e filtragem (filtro passa baixa FFT tipo Butterworth na freqüência de corte 20 Hz e ordem 3); (2) normalização pelo peso corporal fora da água; (3) verificação da força de sustentação.
Para análise dos dados foi utilizada a estatística descritiva para caracterizar os dados através de valores de média (), desvio padrão (s) e coeficiente de variação (CV%). Através do teste de Shapiro-Wilk verificou-se que a distribuição dos dados é normal, possibilitando a aplicação de testes paramétricos. Para a comparação dos valores de força entre o grupo masculino e o grupo feminino foi utilizado o "t" de Student para amostras não pareadas. Para a comparação dos valores de força entre a imersão no processo xifóide e na crista ilíaca foi utilizado o "t" de Student para amostras pareadas.
Resultados e discussãoAs características dos sujeitos são apresentadas na Tabela 1.
Existem diferenças antropométricas entre homens e mulheres. Para a realização deste estudo, de forma a minimizar estas diferenças e conseguir dois grupos homogêneos, os sujeitos foram selecionados com base nos seguintes critérios: densidade, massa magra, porcentagem de gordura e massa óssea. Dentro dos grupos não houve diferença estatisticamente significativa para a idade, densidade corporal, massa magra, porcentagem de gordura e massa óssea, ficando caracterizada a homogeneidade da constituição física dos sujeitos (p<0.05 no teste t de Student).
O resultado da força de sustentação de peso normalizado nas situações fora da água e nos dois níveis de imersão está na Tabela 2.
A alteração do nível de imersão é a maneira usual do profissional que prescreve atividade na piscina modificar a carga. Para a visualização da redução do peso de sustentação normalizado foi criada a Figura 2. Nesta figura, estão apresentados da esquerda para a direita, os valores da razão entre o peso medido em diferentes condições (fora da água, no nível da crista ilíaca e no nível do processo xifóide) e o peso corporal dos sujeitos fora da água.
Na Figura 2 pode ser visto que ocorreu diferença estatisticamente significativa para os dois grupos quando comparados os níveis de imersão. Com isso, confirma-se o fato da alteração no nível de imersão alterar o valor das cargas de sustentação dos sujeitos dentro da água. Quando aumentado o nível de imersão, os valores de força de sustentação são diminuídos e vice-versa.
Quando comparados os grupos, pode ser observado que, na condição estática, o peso dos homens durante a imersão na crista ilíaca é de 0,46 PC (redução de 54 % na sustentação do peso) e das mulheres é de 0,41 PC (redução de 59 %). O mesmo ocorre no nível do xifóide, no qual a carga estática de sustentação do peso dentro da água para os homens é maior (redução de 70 %) que nas mulheres (redução de 72 %). Logo, a mulher possui em relação ao homem uma maior redução da sustentação do peso dentro da água (p<0.05 no teste t de Student, para o nível da crista ilíaca).
O resultado da maior redução da sustentação do peso nas mulheres foi relatado também por Kruel (1995). O autor relata que quanto maior o nível de imersão, maior a redução das cargas, fator considerado por ele como crucial para o embasamento e prescrição da atividade no meio líquido. Andrews et al. (2000), seguindo a mesma linha de raciocínio para a prescrição de um exercício dinâmico com base em uma medida estática, citam baseados no estudo de Harrison e Bulstrode (1987) que a carga na corrida corresponde a cerca de 10% do peso corporal do indivíduo para uma imersão na altura dos ombros.
Entretanto, Roesler et al. (2006) relataram que a marcha realizada no nível dos ombros corresponde a valores maiores que 10% do PC, cerca de 0,20 PC para uma velocidade lenta e 0,30 PC para uma velocidade rápida. Se a caminhada já possui maior valor de força é esperado que a corrida ultrapasse consideravelmente os valores referidos por Andrews et al. (2000). Os valores encontrados por Haupenthal et al. (2005) apontam que durante a corrida subaquática, com o nível de água no processo xifóide, o pico de força vertical chegou a 1,0 PC para os homens e 0,87 PC para as mulheres.
Quando se analisa os valores encontrados para a marcha e para a corrida dentro da água, pode ser visto que é errônea a idéia de basear a prescrição em valores obtidos com o sujeito parado sobre a plataforma. Neste estudo verificou-se que valores baseados em estudos com o sujeito parado (ANDREWS et al., 2000; HARRISON e BULSTRODE, 1987; KRUEL, 1995) não podem ser considerados como base para os valores do sujeito em movimento, pois em condição dinâmica a força resultante é maior do que a força de sustentação do peso em condição estática, sendo influenciada não só pelo sexo e pelo nível de imersão, mas também pelo tipo de exercício e velocidade de execução do movimento.
ConclusãoOcorreu diferença para a força de sustentação de peso entre o nível da crista e o nível do xifóide, o que aponta a variação da carga para o sujeito com a variação no nível de imersão. Existem diferenças nas forças de sustentação de peso quando o sujeito está parado e quando está realizando um exercício dentro da água. Assim, os valores da sustentação do peso quando o sujeito está parado não podem ser tomados como base para a prescrição do exercício aquático.
Quanto à diferença relativa ao gênero, no maior nível de imersão as variáveis tendem a se aproximar entre os homens e as mulheres. Mas, na imersão da crista ilíaca ocorreram diferenças importantes. O aparecimento destas diferenças, mesmo com os grupos homogêneos utilizado nesse estudo, alerta para o cuidado na prescrição do exercício para homens e mulheres na população em geral, pois as diferenças tendem a ser maiores.
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revista
digital · Año 13
· N° 119 | Buenos Aires,
Abril 2008 |