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Expressão e criatividade de movimentos na escola:
dançando uma conexão com o universo

Expression and creativity of movements in school: dancing a connection with the universe

 

Mestre em Ciências do Movimento Humano e Especialista em Prevenção e Reabilitação Física - UDESC.

 Licenciada em Educação Física - UFPEL. Professora substituta do Curso de Educação Física da FURG. 

Bailarina com formação no Brasil e na Inglaterra. 

Aluna especial do Doutorado em Educação Ambiental – FURG.

Fundação Universidade Federal do Rio Grande – Departamento de Educação e Ciências do Comportamento – Rio Grande

Ms. Daniela Llopart Castro

danilc@terra.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este estudo tem como objetivo refletir sobre a importância de realizar um trabalho de expressão e a criatividade dos movimentos como uma contribuição à formação de pessoas mais críticas e comprometidas com nosso mundo. Foram utilizados diversos autores que estão de acordo com a concepção que vem sendo proposta pelos estudos em Física Quântica, onde se vê a natureza como uma rede complexa e dinâmica de relações e inter-relações. Dessa maneira o movimento deixa de ser apenas um ato mecânico, passando a ser formado por um conjunto de significados que lhe permitem ter uma intenção, consciente ou não. Assim, o movimento expressivo e criativo faz circular as energias que percorrem o corpo de quem dança, buscando que este se conecte com o universo. Isto permite o desenvolvimento de um pensamento reflexivo que auxilia numa educação diferenciada.

          Unitermos: Dança. Educação. Expressividade de movimentos. Universo.

 

Abstract

          The objective of this study is to reflect about the importance of working the expression and creativity of movements as a contribution for the formation of more critical and engaged persons with our world. Many authors that agree with the conception proposed by Quantum Physics in which one sees nature as a complex and dynamic net of relations and interrelations, were researched. So movement, instead of being just a mechanical act, becomes a complex of meanings with an intention, conscious or not. Thus, the expressive and creative movement makes the energies circulate in the dancer’s body, causing his connection with the universe. So that it contributes to the development of a reflexive thought which provides a differentiated education.

         Keywords: Dance. Education. Expression of movements. Universe.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 119 - Abril de 2008

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    Os homens e todos os seres do universo formavam uma unidade cósmica. Mas os homens aos poucos foram se distanciando e romperam com a harmonia cósmica, na medida em que traçaram para si mesmos uma imagem e um modo de agir pelos quais se separaram e se confrontaram com o universo (SANTIN, 2001, p. 63).

    Os seres humanos, por muito tempo, consideraram-se parte da natureza. Com a ênfase dada ao pensamento racional e a constante necessidade de dominação sobre o meio ambiente o afastamento foi inevitável e, a partir deste momento, passou-se a idealizar pessoas produtivas e necessárias ao sistema político vigente. Assim a educação, a saúde, o lazer e tantas outras áreas também foram se integrando a essa maneira de desenvolvimento.

    Dessa forma, de acordo com Kunz (1994), o movimento no esporte é uma manifestação da evolução das sociedades industriais, da ciência e da tecnologia, que buscam o aperfeiçoamento do gesto com a finalidade de melhorar cada vez mais o rendimento, ou seja, apenas o sentido funcional do mesmo. Tamboer (1989), citado por Kunz (1991), fazendo um paralelo com a física, analisa que o estudo do movimento humano parou na era Newtoniana, onde a natureza era entendida como uma composição de partículas sólidas e isoláveis. Mas a física moderna, através da Mecânica Quântica, passou a conceber a natureza como uma complexa e dinâmica rede de relações e inter-relações. Conforme Capra (1997), a nova visão da realidade baseia-se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais, transcendendo as atuais fronteiras interdisciplinares e conceituais.

    Entretanto, segundo o autor (1996), a mudança de paradigma requer uma expansão não apenas de nossas percepções de maneiras de pensar, mas também de nossos valores. Como diz Morin (1998, p.290), “mudar de paradigma significa ao mesmo tempo mudar de crença, de ser e de universo”.

    Mas a sociedade atual está apenas começando a se dar conta desta nova visão de mundo, que pode lhe permitir viver com muito mais prazer, a partir do momento que forem assimilados os processos de inter-relações. Saber que o movimento faz parte de um todo maior, que não deve ser analisado separadamente, sem a contextualização final, é o princípio do pensamento contemporâneo.

    Dessa maneira, os sentidos/significados direcionados ao movimento humano, de acordo com Kunz, (2001), vêm corroborar este pensamento, no momento em que, juntos, abrangem o movimento em sua totalidade, valorizando todas as suas possibilidades. Entre eles está o sentido expressivo, o qual se manifesta especialmente pela expressão de emoções, sentimentos, impressões, gestos, atividades esportivas, artísticas, ou pela própria expressão corporal. Nesta perspectiva de expressão e vivência é que geralmente se apresenta o movimento humano na dança (KUNZ,1994).

    Para Robatto (1994), em cada gesto ou movimento do ser humano, em qualquer situação, estarão contidos vários significados simultâneos, transmitidos voluntariamente ou não. São expressões implícitas no tipo de movimentação de cada pessoa, como o seu ritmo próprio, sua coordenação, suas tensões, etc. A dança, sendo a combinação destes movimentos, permite expressar o ser humano como um todo, buscando transcender o tempo e o espaço. Assim, conforme Dantas (1999, p.17) “movimentos e gestos em dança permitem formular impressões, conceber e representar experiências, projetar valores, sentidos e significados, revelar sentimentos, sensações e emoções”.

    Sheets-Johnstone (1979) já analisava em seu livro “A Fenomenologia da Dança” que o movimento na vida cotidiana é geralmente o meio pelo qual expressamos nossos sentimentos: nós pulamos para brincar, abrimos nossos braços num gesto de saudação, e por aí vai... Todos esses movimentos são sintomáticos aos nossos sentimentos e emoções. Entendendo o movimento como uma maneira de viver o sentimento diretamente, ele passa a ser inerente a este. Falar do movimento como um sintoma do sentimento é não separar o movimento do sentimento como alguma coisa existente à parte deste, mas olhar para o movimento como um sentimento expressado em sua plenitude. Dessa forma, o movimento não está anexado ao sentimento como uma reflexão tardia ou uma estrutura predeterminada, mas se torna parte do próprio sentimento.

    A dança é feita de movimentos expressivos, entretanto, concordando com a autora, os movimentos da dança são abstraídos de padrões de sentimentos do dia-a-dia, tornando-se partes funcionais do símbolo expressivo. Estes movimentos são simbolicamente expressivos somente quando se relacionam entre si dentro da criação do bailarino. Assim, se torna visível porque não existe divisão entre a forma pura da criação e o que é expresso, pois a natureza unitária da forma e sua significação derivam do fato que o movimento em dança não existe separadamente do seu aparecimento como uma forma pura da criação. Como diz Merleau-Ponty (1989, p. 120), “a expressão não pode ser a tradução de um pensamento já claro, pois que os pensamentos claros são os que já foram ditos em nós ou pelos outros. A ‘concepção’ não pode preceder a ‘execução”.

    Isadora Duncan, a grande defensora da expressividade na dança, referindo-se ao ensino da dança durante a infância, diz que as palavras, para as crianças, não são coisas vivas, elas aprendem através de movimentos intuitivos (DUNCAN, 1996). E assim deveria ser com todas as pessoas; permitir que a intuição tome parte no momento em que se está dançando. Para Sheets-Johnstone (1979), somente quando nós nos entregamos para o que está sendo apresentado, completamente e inequivocadamente, sem analisar ou julgar, mas intuindo o que está acontecendo, e sem separar o corpo do movimento nem o movimento da dança, é que nós vemos a forma que sustenta a ilusão, isto é, passamos a entender pré-reflexivamente aquela dança.

    Como dizia Martha Graham: “nada é mais revelador do que o movimento, o que você é se expressa no que você faz” (GARAUDY, 1980).

    Com estes pensamentos aflorando numa população que precisava se habituar às mudanças que apareciam com imensa rapidez, sem saber muito bem como conciliar as modernas descobertas com um cotidiano ligado à natureza, manifestações alternativas de dança passaram a surgir com mais intensidade por volta do início do século XX.

    Na perspectiva de Garaudy (1980), diante de uma vida desorganizada menos pelas máquinas do que pelos que as possuem, onde as pessoas não estavam mais em continuidade viva com o mundo e se tornava cada vez mais difícil organizar a vida em função de objetivos conscientes que dessem ao homem um sentido e uma grandeza, os precursores da dança moderna se voltaram instintivamente para o corpo. Esta dança contribuiu para dar novamente ao homem sua identidade, sobretudo ao devolver-lhe o sentimento do corpo, como fonte de sua dependência e sua potência, como receptáculo do mundo real pelos sentidos e como projeção do mundo possível pela ação. E foi por aí que começou a reconquista das dimensões perdidas: erotizar nosso relacionamento total com o mundo e dar um estilo aos movimentos do nosso corpo e à nossa vida, despertando em nós o desejo de expressar todo o nosso ser exprimindo o mundo.

    Tentar recuperar a relação do homem com seu corpo e de seu corpo com o mundo, em uma sociedade sem finalidade humana onde é tão difícil para o indivíduo saber o que quer ou mesmo o que deve buscar, sendo a necessidade mais urgente a de realizar um modo de vida pessoal e voluntário. A dança moderna, fazendo do corpo inteiro, centrado em si mesmo, um instrumento controlado de expressão e de criação, deu novamente à arte e, em particular, à dança – a única arte em que o próprio artista se torna obra de arte, como disse Nietzche – seu papel mais importante: desenvolver uma atividade que não é outra senão a própria vida, porém mais intensa, mais despojada, mais significativa. (GARAUDY, 1980, p.52)

    Duncan (1996), com sua enorme sensibilidade, percebeu por vários sinais, que a dança, em sua época, estava nos umbrais de um novo despertar e buscou desenvolver esta expressividade ao máximo, levando ao povo sua arte. Ela dizia: “Há no mundo uma verdadeira nostalgia de movimentos rítmicos: na jovem geração, especialmente entre estudantes, há um notável desejo de expressão física através do movimento” (p.33).

    Isadora Duncan ousadamente desafiou tanto o mundo do balé clássico como a sociedade patriarcal. Ela prezava a liberdade e seu corpo-dança era uma maneira não somente de manifestar sua crença mas principalmente de viver este princípio. Com Duncan perpetua-se o discurso de que “dança é vida”, relacionando-a intimamente à natureza. O corpo, assim, como parte da natureza, é também a expressão natural e espontânea do Homem, a manifestação de sua essência.

    Ao longo do século XX outros expoentes da dança impulsionaram seu desenvolvimento para a nova visão de mundo que estava surgindo, fazendo da dança moderna a libertação dos movimentos estereotipados que estavam atrelados à dança acadêmica, considerada até então como única forma artística de dança no Ocidente. Essa nova maneira de expressar-se permitiu aos bailarinos e coreógrafos colocarem sua intuição como parte das criações que iriam surgir, deixando aflorar sentimentos e emoções realmente verdadeiros.

    A partir daí a dança tomou novos rumos, diversificando-se cada vez mais e proporcionando diferentes vivências corporais para quem a pratica. Estas experiências permitem ampliar nossa percepção do mundo ao qual pertencemos, sem a preocupação exclusiva com a técnica, mas apenas exteriorizando todo o prazer que se tem ao dançar. Deixando fluir as energias que percorrem nosso corpo, buscando, sem se dar conta, atingir aquela sensação única de sintonia com o universo. Capra (1997) define bem estes momentos:

    Em raros momentos de nossas vidas, podemos sentir que estamos sincronizados com o universo inteiro. Esses momentos podem ocorrer sob muitas circunstâncias – acertar um golpe perfeito no tênis ou encontrar a descida perfeita numa pista de esqui, em meio a uma experiência sexual plenamente satisfatória, na contemplação de uma obra de arte ou na meditação profunda. Esses momentos de ritmo perfeito, quando tudo parece estar exatamente certo e as coisas são feitas com grande facilidade, são elevadas experiências espirituais em que todo tipo de separação ou fragmentação é transcendido (p.296).

    Robatto (1994), diz que a dança, por ser transitória, pode ser a mais revolucionária forma de expressão, desde que, por sua própria natureza de linguagem, ela não permaneça estratificada depois de sua criação. Por sua característica de transitoriedade, pela fugacidade de suas formas pode, a cada nova apresentação pública, ser revista, reformulada, recriada e aperfeiçoada.

    A dança expressiva, conforme explicitada no texto, pode auxiliar grandemente na educação das novas gerações, ampliando suas percepções de mundo e contribuindo para o desenvolvimento de pessoas críticas e reflexivas, porém, para que isto aconteça, a escola deve permitir a inserção de outras linguagens em seu espaço, pois, conforme Corazza (2001), ela não consegue dialogar com as linguagens já escutadas e discutidas em outras instâncias culturais tais como a mídia, o cinema, as obras literárias, a dança, as lutas, e muito menos com linguagens “não linguajadas”, impensáveis, indizíveis, como as linguagens da nossa corporalidade.

    Penso que é necessário realizar um trabalho de expressividade corporal na formação dos futuros docentes que virão atuar nas escolas, pois, talvez, conseguindo que estas pessoas se liberem de valores pré-estabelecidos – os quais são carregados desde a infância – esses professores possam ter uma nova visão de corpo e de mundo, e assim se engajar num pensamento reflexivo que busque uma educação diferenciada para seus alunos.

    Para isto é preciso que surjam propostas curriculares inovadoras com o intuito de revelar o que a dança tem de melhor para contribuir com a educação: sua expressividade e criatividade intuitivas. E nesse contexto, o movimento não pode ser considerado apenas um ato físico, mecânico, ele é formado por um conjunto de significados que lhe permite ter uma intenção, seja ela consciente ou não. Assim, sua expressividade faz com que a dança torne-se algo inexplicável através das palavras, elevando-a a um patamar mais alto do que o de meros exercícios tecnicamente perfeitos. Trabalhando dessa forma, estaremos colaborando com o desenvolvimento de pessoas mais críticas e comprometidas com a sociedade e o mundo ao qual estamos inseridos.

Bibliografia

  • CAPRA, F. O Ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. 20.ed. São Paulo: Cultrix, 1997.

  • ______. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.

  • CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 12.ed. São Paulo: Ática, 2001.

  • CORAZZA, S. M. O que faz gaguejar a linguagem da escola? In: ALVES-MAZZOTTI, A.; VEIGA-NETO, A. Linguagens, espaços e tempo no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

  • DANTAS, M. Dança: o enigma do movimento. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS, 1999.

  • DUNCAN, I. Isadora: fragmentos autobiográficos. Porto Alegre: L&PM, 1996.

  • FARO, A. J.; SAMPAIO, L. P. Dicionário de balé e dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.

  • GARAUDY, R. Dançar a vida. 7.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

  • KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.

  • ______. Educação Física: ensino e mudanças. 2.ed. Ijuí: Unijuí, 2001.

  • MERLEAU-PONTY, M. A Dúvida de Cézanne. In: _____. Textos selecionados. São Paulo: Nova Cultural, 1989.

  • MORIN, E. O Método. Porto Alegre: Sulina, 1998.

  • ROBATTO, L. Dança em processo: a linguagem do indizível. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1994.

  • SANTIN, S. O corpo Simplesmente Corpo. Movimento. Ano 7, n.15, p.57-73, 2001/2.

  • SHEETS-JOHNSTONE, M. The phenomenology of dance. 2.ed. London: Dance Books, 1979.

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revista digital · Año 13 · N° 119 | Buenos Aires, Abril 2008  
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