Ensino/aprendizagem de esportes coletivos a partir de um jogo de queimada |
|||
Professor de
Educação Física, Doutor em Educação
Professor da FEF-UFG (Brasil) |
Renato Sampaio Sadi
|
| |
Este artigo apresenta um jogo de queimada destinado à crianças
de 07 a 12 anos de idade. O jogo “Queimada com pinos” parte do princípio de
que o esporte pode e deve ser ensinado tanto a partir de situações lúdicas
como a partir das determinações motoras e técnicas. As atuais discussões da
Pedagogia do Esporte envolvem este tipo de prática e direcionam a base do
ensino/aprendizagem para as questões cognitivas e complexas. O jogo “Queimada
com pinos” faz parte da categoria “jogos de alvo”. Podemos afirmar que,
após seu pleno desenvolvimento, consolida-se um processo de ensinar e aprender
vários esportes coletivos, como o basquetebol, o voleibol e o handebol.
|
|||
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 119 - Abril de 2008 |
1 / 1
Introdução
Elaborar uma plataforma de conhecimentos em pedagogia do esporte envolve necessariamente a complexidade de relações teóricas e práticas e a simplicidade do processo pedagógico de oportunidade, isto é, de chance concreta de acesso ao esporte de qualidade. As experiências e escolhas das crianças são fundamentais e devem ser oportunizados durante a seqüência de aulas, exercícios e atividades diversificadas. Brincadeiras e jogos dos mais variados tipos, dois a dois, três a três com ou sem bola são igualmente fundamentais. Quando o mestre é o jogo, o diretor é o professor e os atores os jogadores, a cena pode se tornar bonita, o complexo se funde com o simples e a apresentação retrata uma vida vibrante. Do teatro para o esporte, já que o artista não brota sozinho, precisa de uma direção firme e convicta na sua possibilidade artística e, ao mesmo tempo, precisa da arte, do espetáculo em si, da experiência da representação, do jogo da vida em movimento, mergulhamos na pedagogia do esporte. Nosso pensamento implica na recordação de momentos de iniciação esportiva das crianças e, nas possibilidades de baixar a ansiedade por resultados imediatos. Isso, em hipótese alguma, significa ausência ou não-diretividade do professor.
Pensando em oferecer as oportunidades de toque, passe, arremesso, isto é, um maior número de contatos com a bola, elaboramos o jogo de “Queimada com pinos” com o objetivo de incrementar elementos da compreensão de jogos como caminhos para o ensino/aprendizagem dos esportes.
Para desencadear e difundir as discussões sobre a educação integral, da qual a educação esportiva deve fazer parte, sugerimos aos professores e pais que continuem pacientes quanto aos tempos pedagógicos, ou seja, que continuem desenvolvendo a consciência de um processo pedagógico de médio e longo prazo, oferecendo escolhas de vários tipos à criança. Ao longo da vida precisamos ter oportunidade de experimentar vários esportes, ajustando influências culturais e solidificando conhecimentos variados. Reafirmamos que o objetivo do esporte escolar não deve ser a formação de atletas, mas a formação humana.
Nesse sentido formulamos a seguinte pergunta a fim de orientar as discussões deste texto: Como tem sido o ensino/aprendizagem de esportes coletivos para além do ensino de técnicas e táticas? Partimos da orientação geral contida na concepção “Ensinando esportes por meio de jogos” e formulamos a seguinte hipótese: O ensino/aprendizagem de esportes coletivos tem sido marcado por baixa densidade teórico-prática. Embora tenhamos opiniões a respeito do percurso investigativo e de várias práticas docentes, não é nossa intenção esgotar o presente assunto, assim como não temos nenhuma pretensão, nessas linhas de esboçar formulações definitivas sobre o assunto.
Partimos, portanto, do eixo teórico-metodológico que indica as seguintes características para o ensino:.
O referencial teórico-metodológico do “Teaching games for understanding” dinamizado, no campo do esporte escolar pelas formulações de GRIFFIN, MITCHEEL & OSLIN (1997) serviu como âncora para a discussão aqui apresentada. O modelo é baseado em um sistema de classificação que enfatiza as similaridades táticas dentro dos jogos. Desta forma os jogadores podem compreender (e transferir) melhor os princípios comuns, no que diz respeito à conhecimentos e habilidades dos esportes.
Visando tornar simples o ensino e a aprendizagem de esportes para crianças e adolescentes, a abordagem conclui pela necessidade de resolução de problemas na prática dos jogos acompanhada pela criatividade do professor. Com esta estrutura pedagógica adaptamos e desenvolvemos a categoria “jogos de invasão” do modelo americano, a partir de nossas necessidades, pontuando e extraindo os aspectos da criatividade disponível na área de educação física. Para um aprofundamento do tema, a linha de pesquisa “Estudos e investigações sobre o conhecimento criativo dos estudantes e professores de educação física em aulas de esporte escolar” que desenvolvemos na Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás forneceu pistas adicionais constituindo-se em um canal privilegiado de informações, em contínuo processo de construção, desta particularidade que é o esporte escolar.
O professor, como peça de articulação de conhecimentos, deve promover um ensino de caráter amplo que envolva aspectos físicos, técnicos, táticos, culturais e sociais. Assumindo um papel estratégico no ensino por resolução de problemas, a cognição passa a ser um elo entre a teoria e a prática do esporte. A cognição é um elemento do processo que não deve se restringir às discussões – perguntas e respostas (professor-alunos) - como parte das ações que ocorrem durante os jogos; a cognição como pensamento no jogo envolve também as necessidades que os alunos tem de perceber e situar as noções corporais e sociais tais como: conhecimento de distâncias nos espaços da quadra; domínio da bola e velocidade; segurança e confiança nas ações motoras. A cognição pode contribuir para o processo de ensino-aprendizagem na medida em que for vista como possibilidade consciente e crítica da situação concreta.
Ao verbalizar as variadas ocorrências no jogo, as crianças realizam o pensamento estratégico e direcionam sua base de formação esportiva para uma perspectiva não tecnicista. A autonomia coletiva de respostas e busca de solução de problemas incrementa e encoraja os alunos na compreensão do esporte. Mesmo com um repertório físico e intelectual limitado é possível definir um plano de performances inteligentes que inclui responsabilidade compartilhada e noções fundamentais do esporte.
A interação social promovida no jogo pode dar ênfase, de um lado, aos aspectos lúdicos do universo infantil, de outro, aos temas organizados e seqüenciados do planejamento de aulas de esporte escolar. Como um problema do contexto em que emerge múltiplas escolhas e situações, a interação social se transforma em uma ferramenta pedagógica composta pela cognição, habilidades motoras, afetivas e lúdicas. Quando o professor desenha a interação social como campo de vivência e aquisição de conhecimentos fundamentais do esporte, na verdade, visualiza e trabalha com a meta de tornar seu ensino eficaz, tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista prático. Assim é possível situar a cognição e os aspectos corporais do jogo como questões inseparáveis (cf. LIGHT & FAWNS, 2003).
O jogo, descrito na seqüência, foi criado para auxiliar o ensino de esportes coletivos (handebol, basquete e vôlei, preferencialmente) destinado a crianças de 7 a 12 anos. O jogo “Queimada com pinos” além de oferecer elementos educativos, é um jogo dinâmico e envolvente que atrai pessoas de todas as idades; por apresentar um caráter esportivo, de disputa acirrada, não deve ser visto como simples jogo/brincadeira.
Descrição do jogo
Legenda
Amarelo = Equipe A – Campo de jogo; Verde = Equipe B – Campo de jogo; Amarelo pontilhado = Equipe A = “morto”, “reserva” ou “cemitério”; Verde pontilhado = Equipe B = “morto”, “reserva” ou “cemitério”; Verde escuro = Cone A; Laranja = Cone B.
Duas equipes dispõem seus jogadores na área de jogo, que pode ser a quadra de voleibol ou uma área de tamanho mais ou menos igual. O número de jogadores de cada equipe não deve ser maior que dez. (ver no gráfico: Equipe A = Cor Amarela; Equipe B = Cor Verde);
Cada equipe indica um jogador para ser o “morto” ou ir para o “cemitério” (área externa à quadra de jogo ou quadra de voleibol, representada pelo pontilhado no gráfico, como no jogo da Queimada Tradicional ou das Queimadas Adaptadas). Quando o primeiro jogador for carimbado/queimado, este jogador que era o “morto”, ou estava no “cemitério”, “ressuscita” e volta para seu campo de jogo;
Dois cones, um em cada campo de jogo, são dispostos na quadra, envolvidos por uma área circular (esta área pode ser desenhada no chão com giz, ou pode ser utilizado um arco-bambolê). Os jogadores devem defender (proteger) seus respectivos cones sem adentrar na área circular;
O jogo é realizado com duas bolas diferentes: uma, utilizada para queimar pessoas; outra, para acertar (queimar) o cone. O objetivo do jogo é acertar (queimar) pessoas e cones:
a bola utilizada para queimar pessoas não pode queimar o cone;
a bola utilizada para queimar o cone não pode queimar pessoas;
devem ser utilizadas, preferencialmente, bolas de vôlei, não totalmente cheias (para queimar pessoas) e bolas de borracha (para queimar o cone do adversário);inicia-se o jogo através de sorteio. A Equipe vencedora no sorteio escolhe uma bola e o lado da quadra.
Os jogadores podem passar as bolas livremente entre sua própria equipe, trocando passes de variados tipos, até que algum jogador ou um dos cones seja acertado (carimbado/queimado). Neste momento, o jogo é interrompido:
O jogador queimado desloca-se para o “morto” ou “cemitério”, permanecendo no jogo. Jogador da Equipe A vai para a área pontilhada de Cor Amarela; Jogador da Equipe B vai para a área pontilhada de Cor Verde;
Quando o cone é derrubado (carimbado/queimado), a equipe escolhe um jogador da equipe adversária para que este se desloque para a área de seu “morto” ou “cemitério” (pontilhada de Cor Amarela ou pontilhada de Cor Verde, conforme o gráfico);
Todos os jogadores das áreas de “morto” ou “cemitério” continuam no jogo, tentando carimbar/queimar pessoas e cone, ou seja, não são eliminados;
Se houver carimbadas/queimadas simultâneas (de pessoa e cone ao mesmo tempo), o jogo é interrompido e ambas as jogadas são validadas;
O jogo termina quando todos os jogadores do campo de jogo (quadra de voleibol ou similar) de uma equipe são carimbados/queimados.
Implicações didático-metodológicas
A queimada tradicional é um jogo lento e quase sempre desmotivante para quem perde chances. Os jogadores carimbados/queimados são excluídos e as lembranças que ficam registradas dizem respeito à gostos amargos relacionados ao esporte. Ao alterar as regras e os eixos centrais da queimada tradicional, transformando-a em “Queimada com pinos” elaboramos diferentes perspectivas para o ensino/aprendizagem dos esportes. A princípio, os esportes coletivos considerados foram o handebol, o basquetebol e o voleibol. Por entender que (1) as habilidades dos esportes são transferidas para outros esportes e (2) o intenso processo de socialização e motivação neste jogo possibilitará novas configurações de necessidades e desejos de ensino/aprendizagem, apresentamos as seguintes modificações: Utilização dos fundamentos passe (handebol e basquetebol) e cortada (voleibol) como condição de ataque (queimada) no jogo.
A rápida movimentação dos jogadores é possibilitada pelos passes curtos e longos bem como pela dinâmica das duas bolas no jogo. Diante das várias opções para obtenção de ponto (queimada no cone, queimada no adversário, passe, finta, deslocamento, etc) a cognição exigida como ferramenta ativa desempenha papel central. Isso implica na socialização entre os jogadores de informações sobre o posicionamento em quadra. Uma outra exigência bastante conflituosa no início, mas posteriormente assimilada como elemento estratégico, diz respeito à escolha do (a) jogador (a) escolhido para continuar no jogo na área do “cemitério”, “morto” ou “reserva”. Trata-se de uma ação que pode ser entendida como prêmio para a equipe que derrubou o cone mas que também pode ser utilizada como tática, pela equipe que teve seu cone derrubado.
Por outro lado, o número de vezes que cada jogador toca na bola é sempre superior aos tradicionais exercícios de passe, arremesso e outros fundamentos que são executados para o treinamento dos esportes. O jogo de “Queimada com pinos” pode favorecer estas habilidades, oportunizando exercícios em situação real. Constituindo elemento integrante da categoria “jogos de alvo” este jogo é um desafio para as crianças em contato com o mundo dos esportes coletivos. Podemos afirmar que, após seu pleno desenvolvimento, consolida-se um processo de ensinar e aprender vários esportes coletivos, como o basquetebol, o voleibol e o handebol.
Considerações finais
O conteúdo jogo e esporte nas aulas de educação física implica em determinações, significados, atitudes, observações e processos de teor complexo. A complexidade da educação física no campo escolar por si só já representa um desafio para os professores. Pelo fato de haver um elevado desnível entre professores iniciantes e experientes, diferentes aplicações esportivas são experimentadas. Os saberes próprios dos professores como ponto de partida para a mudança de postura e aquilo que entendemos como conhecimento crítico-criativo se apresenta também como um aspecto a ser desenvolvido.
O jogo de “Queimada com pinos” ao oferecer as condições para o desenvolvimento do esporte não implica em aceitação pura e simples de sua forma projetada. Pode haver adaptações que o tornem ainda mais complexo.
Discutir o tema ensino de esporte por meio de jogos nos leva a diferentes interesses profissionais e acadêmicos que implicam, por sua vez, em uma formação permanente de cunho crítico-criativo para além dos determinantes tanto do tradicionalismo/tecnicismo quantos da crítica situados nas décadas de 1980 e 1990.
Assim, a busca pelo rompimento de fragmentações e a aposta na perspectiva de totalidade da compreensão do jogo como a primeira base do esporte, torna-se um desafio permanente. Por fim, superar os condicionantes do agir docente e discente em direção a novas formas metodológicas do esporte não pode ser apenas um modismo. Trata-se de um direito dos alunos e de uma necessidade dos professores.
Referências bibliográficas
ALBERTI, H & ROTHENBERG, L. Ensino de jogos esportivos. São Paulo, Ao Livro Técnico, 1984.
DIETRICH, K. Os grandes jogos: Metodologia e prática. São Paulo, Ao livro Técnico, 1984.
_________. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas/SP. Autores Associados, 2003.
DIECKERT, J. Esporte de Lazer: tarefa e chance para todos. São Paulo, Ao Livro Técnico, 1984.
DUCKER, L.C.B. Em busca da formação de indivíduos autônomos nas aulas de educação física. Campinas, Autores Associados, 2004.
FREIRE, J. B. Métodos de Confinamento e engorda. In: Educação Física & Esportes. Perspectivas para o século XXI. São Paulo/SP, Papirus, 1992.
__________.Pedagogia do Futebol. Londrina: Ed. Midiograf, 1999.
GALATTI, Larissa R & PAES, Roberto R. Pedagogia do Esporte: discutindo possibilidades de intervenção na modalidade basquetebol. Anais do XIII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, Caxambu, 2003.
GRIFFIN, L. L., MITCHELL, S. A., OSLIN, J. L. Teaching Sport Concepts and Skill: A tactical games approach. Champaing: Human Kinetics, 1997.
KUNZ, E. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. Ijuí - RS, UNIJUÍ, 2000.
LISTELLO, AUGUSTE. Educação pelas atividades físicas, esportivas e de lazer: Organização do ensino – Do esporte para todos ao esporte de alto nível. São Paulo, EPU, 1979.
MITCHELL, S. A, GRIFFIN, L. L, OSLIN, J. L. Sport Foundations for elementary Physical Education: a tactical games approach. Champaing, Human Kinetics, 2003.
SADI, R S. Esporte e Sociedade. Brasília, UnB, Centro de Educação à Distância, 2004.
________. Pedagogia do Esporte. Brasília, UnB, Centro de Educação à Distância, 2004.
________. Educação Física, Trabalho e Profissão. Campinas, Komedi, 2005.
SCAGLIA, A. J. Escola de futebol: uma prática pedagógica. In: NISTA PICCOLO, V. Pedagogia dos esportes. Campinas: Papirus, 1999.
SOUZA, A. J. É jogando que se aprende: o caso do voleibol. In NISTA PICCOLO, V. Pedagogia dos esportes. Campinas: Papirus, 1999.
revista
digital · Año 13
· N° 119 | Buenos Aires,
Abril 2008 |